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É possível superar a contradição, a fragmentação?
Raquel de Almeira Moraes|121 Citando as ideias de Paulo Freire, ele argumenta que a pedagogia crítica compreende as habilidades tanto de ler a palavra quanto de ler o mundo. Por isso, as alfabetizações múltiplas incluem não apenas a mídia e a alfabetização informática, mas uma extensão diferenciada de alfabetizações sociais e culturais, que vão desde a eco-alfabetização até a alfabetização econômica e financeira e uma variedade de outras competências que nos possibilitam a viver bem em nossos mundos sociais. Ele conclui o seu texto recorrendo a Dewey mediante a experimentação pragmática de ver o que as novas tecnologias podem e não podem fazer para ver se podem intensificar a educação. É possível superar a contradição, a fragmentação?
Segundo a lógica dialética, seria preciso negar a negação da mídia e da multimídia na educação para se chegar a um patamar superior superando a contradição que essa relação revela (MORAES, 2002). Contudo, desde os anos 1950/1960, essa lógica vem sendo questionada, primeiro por Adorno, depois pelos pós-modernistas como Lyotard, Foucault e os pós-estruturalistas como Derrida e Deleuze. Criticando a rigidez da metanarrativa hegeliana senhorescravo e exaltando a diferença em vez da contradição, esses filósofos abriram brecha para o questionamento do poder enquanto pertencendo a sujeitos determinados, estando, em vez disso, diluídos no tecido social. O poder está em tudo e em todos, até no
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escravo. O sujeito, por sua vez, não é mais o sujeito do Iluminismo que tem a Razão, a Ciência e a Tecnologia a seu dispor. Agora o sujeito aparece como algo fragmentado e inconsciente, oscilando entre a loucura e sanidade. Não somos mais os seres racionais cartesianos do “Penso, logo existo”. Marx adverte que o indivíduo não é dono de si mesmo, é alienado e expressa nas relações desiguais do capital-trabalho essa dominação. Kellner ao iniciar sua análise pela vertente marxista e concluir pelo pragmatismo de Dewey, deixou de lado o aprofundamento dos porquês que ocorrem essas contradições ou mesmo diferenças, como querem os pós-modernos e pós-estruturalistas. Mesmo que suas ideias sejam o bom-senso, afinal, é bom senso não ser extremista (ou giz ou computador), envolve a superação do ímpeto totalitário que há em todos nós, pois somos, ao mesmo tempo, e de forma fragmentada, bons e maus, verdadeiros e mentirosos, anjos e demônios. Ou seja: como educar para emancipar numa sociedade totalitária que usa a mídia, e agora a multimídia, para fabricar novos consensos e impor o totalitarismo ocidental? Ninguém garante que a educação voltada para desenvolver a competência da democracia criará o homem bom, como queriam Rousseau e Dewey, na qual Kellner se apóia. Saviani (2010, p.387-388), ao analisar o Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação Brasileiro entende que:
[…] se deve promover a abertura da caixapreta da chamada “sociedade do conhecimento”. A educação a ser ministrada deverá garan-
E continua:
Raquel de Almeira Moraes|123 tir a todos o acesso aos fundamentos e pressupostos que tornaram possível a revolução microeletrônica que está na base dos processos de automação que operam no processo produtivo e das tecnologias da informação que se movem nos ambientes virtuais da comunicação eletrônica. Assim, além de tornar acessíveis os computadores pela disseminação dos aparelhos e em vez de lançar a educação na esfera dos cursos a distância de forma açodada, é preciso garantir não apenas o domínio técnico operativo dessas tecnologias, mas a compreensão dos princípios científicos e dos processos que as tornaram possíveis.
[…] se continuarmos pelos caminhos que estamos trilhando, não parece exagerado considerar que estamos de fato realizando aquelas profecias dos textos de ficção científica que previram uma humanidade submetida ao jugo de suas próprias criaturas, sendo dirigidas por máquinas engrenadas em processos automáticos, pois não deixa de ser verdade que cada vez mais nos relacionamos com as máquinas eletrônicas, especificamente com os computadores, considerando-os fetichisticamente pessoas a cujos desígnios nós nos sujeitamos e, sem conseguirmos compreendê-los, atribuímos a eles determinadas características psicológicas traduzidas em expressões que os técnicos utilizam para nos explicar seu comportamento, tais como: “ele, o computador, não reagiu bem ao seu procedimento”; “ele é assim mesmo, às ve-
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zes aceita o que você propõe e às vezes não aceita” etc. Para fundamentar a formação em informática educativa, Saviani propõe uma formação tecnológica do tipo politécnica, não alienante, que explicite o caráter não-humano das tecnologias, salientando a necessidade de que se explicitem, no ato educativo, os princípios científicos e tecnológicos que as originam. Diante dessas ponderações, pensamos que as novas tecnologias só terão um caráter democrático e socialista quando a superação da dominação humana for um processo em marcha, pois de outra forma a educação com as novas tecnologias continuará circunscrita à empregabilidade, subordinada aos interesses de qualificação do capital. Superar as contradições e dicotomias de forma a criar uma relação entre Estado, Informática e Educação mais democrática e socializante parece ser um grande desafio educacional hoje.
Diante de tudo isso, quem sabe um dia se tenha – como sonha a poetisa Murray – uma Terra flutuando leve, muito mais leve… E, então, os homens, como também sonhava Marx, serão livres. Livres do sentimento de posse que aliena todos os sentimentos físicos e morais reduzindo tudo e todos à mercadoria. Oxalá ele tenha razão quando pensou que: “A essência humana devia cair nessa miséria absoluta para fazer nascer de si própria a sua riqueza interior” (MARX, 1975, p. 216).