Classificada trabalha-se o amor no poema se trabalha no amor o poema o amor se trabalha no poema se o amor no poema trabalha quem escreve faz o que?
SARAH LOVATTI
até a solidão, de vez em quando, precisa de um abraço.
ainda não inventaram o sorriso, que pode ser retocado, no espelho do banheiro.
ninguém consegue, ser forte o tempo todo.
JANIO SILVAParafraseando Sérgio Sampaio - Ando tão cansada e 31 anos é muito pouco meu amor. Já não suporto mais o quarto escuro, o espanto às 08 horas diárias, o tédio dos barzinhos, essa vontade de chorar constante - Tenho tido os medos que cantava Belchior - já não suporto mais o quarto escuro, o espanto às 08 horas diárias, o tédio dos barzinhos, essa vontade de chorar constante. 31 anos é muito pouco meu amor - Me
fale de besteiras, me chame para um trago, assistir ao nascer do sol, desbater o ponto resgatar meus sonhos, algo que faça sentindo que devolva o brilho a esses olhos salgados
Minha colega de trabalho tendo uma crise de ansiedade no meio de uma reunião motivacional
ando tão cansada e 31 anos é muito pouco meu amor
O mendigo deitado no meio fio da Avenida Vitória balbuciando que as pirâmides do Egito foram construídas por astronautas gigantes sua cabeça esmagada por um ônibus ando tão cansada e 31 anos é muito pouco meu amor
A moça 3 casas abaixo que intercala remédio para emagrecer e conhaque enquanto escuta brega romântico anos 70 ando tão cansada e 31 anos é muito pouco meu amor
O amigo que viajou 10 horas de ônibus para encontrar as portas fechadas, dormiu na rodoviária de Macaé e voltou com o coração partido Ando tão cansada...
Dia 20 de Agosto farei 32 anos. 32 anos é muito pouco meu amor.
E eu não sei mais escrever poemas
INGRID CARRAFA
Tenho a gana de falar de amor, mas sigo enlutada.
Perdemos tanto, todos nós.
Partiram amigos e suas histórias.
Apenas seus nomes na memória.
E um grito entalado de que não somos números.
Não existe somatória que baste, que sobreponha a sua voz, contando sobre os orixás e a criação do mundo.
Não vai haver outra praia, e outro sol.
Tenho a gana de falar de amor, mas fomos nós, que numa lógica cruel, do capitalismo imundo, transformamos a vida em distopia. O futuro distópico dos livros chegou, e parecemos não nos dar conta.
Estamos pagando caro, e sorrindo no metaverso.
Tenho a gana de falar de amor, porque me parece que essa é a única saída.
Mas construíram um molde, uma forma, uma caixa, e apenas dentro dela estamos autorizados a amar.
Enquanto isso o ódio é liberado, e o choro livre.
Tenho a gana de falar de amor, como resistência.
E insisto. Porque os canalhas que ameaçam nossos sonhos, não vão me tirar mais isso.
Vou falar de amor todos os dias, porque é isso que meu corpo transborda.
Vou gritar amor no meio da rua, um amor de borda, que ninguém vai ser capaz de controlar.
CEGUEIRA BRANCA
Triste o dia em que a Cegueira se instalou por completo para a humanidade. Ela já vinha se processando há bastante tempo. Não falo da cegueira preta, uma deficiência visual individual, pertencente apenas a alguns seres. Falo daquela cegueira branca coletiva saramaguiana, como naquele romance. Conhece? Como um prenúncio desse dia, o grande escritor português a narrou magistralmente. Depois até virou filme. Não era uma cegueira qualquer. Era mais perigosa que a preta, porque era contagiante. Altamente contagiante. Atingia além dos olhos, também o espírito. Fazia as pessoas se matarem umas as outras. Elas não conseguiam mais se entender. A Torre de Babel também estava instalada. Definitivamente! E como ela se divertia e ria. A Cegueira Branca e a Torre de Babel juntas ganharam força e autonomia. Elas se divertiam muito e sentiam prazer em ver o Circo pegar fogo. Seres humanos não sabiam mais o que fazer, nem como se comportar socialmente. A Educação também tinha ido embora. Não aguentava mais seres humanos. E foi-se embora dizendo: “Não aguento mais tanta mediocridade e idiotice de vocês! Estou tentando há séculos! Milênios! Depois que a Educação partiu aí não teve mais jeito. A Degeneração Moral tomou conta e a Barbárie também para completar o estrago. Perdidos, humanas e humanos, não sabiam mais para onde ir. A Comunicação também estava comprometida, apesar dos avanços tecnológicos a Torre de Babel era cada vez mais forte. A Mentira passou a ser conhecida mundialmente como uma tal de Fake News. Ela só quer ser chamada assim. Diz que é mais bonito falar inglês. A Mentira colonizada é um caso sério. Mais recentemente ela criou parceria com o Whatsapp e os dois juntos viralizam a Mentira em poucos minutos.
Tudo foi ficando cada vez mais confuso. Até que a Cegueira se fez clarão. Uma parte da humanidade sempre achou a cor branca o máximo e a buscavam como se ela fosse a Salvação. Esqueceram que o Deus branqueado Cristo nasceu preto. Humanos só veem o que querem, quando querem. Triste fim da humanidade quaresma. Lima Barreto também estava certo. Escritores são profetas. SUELY BISPO
o barulho da queima e a passagem do globo ocular sobre as curvas concretas do curso da realidade justificam o acúmulo de carbono no cinzeiro e nos pulmões a hora chega e a pressão arterial sobe revelando verdades ocultas nos calabouços da alma de onde se ouve o clamor fúnebre então, a fome e a peste sorriem destinando a loucura a se manifestar externamente visceralmente, inconscientemente de forma que mate sua sede mesmo tendo que matar mais que a sede e nesse momento, quando as luzes se acendem percebeu-se que não se escreve a história sozinho que cada centavo foi gasto para conseguir mais centavos que cada sorriso custou dois choros cada vida custa outras cinco cada hora de sono, dez litros de suor então que seja: as verdades devem ser mutáveis as causas são objetivas, não subjetivas quem alarga ou estreita o caminho é quem caminha e mesmo sem acreditar que haverá reparação reagir se torna a única opção pela vida, pelo alimento, pelos seus ser condenado é o de menos a pior cadeia está dentro de nós e opiniões alheias são problemas de pessoas alheias e o fim de algo sempre é o começo de algo então o único caminho a se tomar é buscar enquanto a busca é possível então, sobrevive enquanto sonha que se pode viver
mesmo cheio de calabouços internos e seus lamentos mesmo com o cinzeiro e os pulmões cheios de carbono
mesmo sem reparação
mesmo sem acreditar
STEL MIRANDA
Dona Laura
Sirvo-te um café e um biscoito água e sal
Tu me pedes uma banana
Sorrio ao encontrar teu olhar descomunal
Tu sorris de volta e fala de samba
O espaço da mesa nos separa O tempo também
O espaço da vida no aproxima Teu Cambão também
Desde que tu fizeste a passagem Lembro-me que o preço é alto
Desde que tu fizeste a passagem Dói-me o peito
Desde que tu fez a passagem
Minha memória luta em pro da sua Ah, Laura! No teu nome cabe aura
Porque desde que tu fizeste a passagem Resgatei minh‘alma
EDIPHÔN SOUZA
Sobre segredos e mentiras
Alguns eu guardo num baú, cravado em fogo: made in brazil.
Outros
exponho na prateleira Contemplo; pelada
Escondo; revisto
quando estranhos tocam na entrada
De minha casa
Tenho medo que ao morrer me revirem todas elas
Queimem no fogo da fé, ponham mãos em oração,
Que me xinguem por perversão
Apego Ilusão
Distorção
Àqueles que veneram a verdade
Já experimentaram algumas mentiras?
Já mantiveram espaços de segredo?
Há prazer
Depois de muita verdade defender
Me apaixonei por mentirosos
Como eles me foderam bem
Não posso mais querer mudá-los
Não posso tentar alterar A natureza de seu existir
Toda mentira tem seu por quê
Tem uma história
Covarde ou corajosa
Minha moral não importa aqui não; não mais
Eu vi e vivi
Segredos e mentiras
revertem pactos sombrios, de sangue
Ritualizado por crianças excitadas
Todo segredo tem um deleite
Toda mentira tem certo aceite
Você tem tesão em quê?
Te excita ocultar?
Em que parte do seu corpo
Mais te arrepia o tocar?
Você sabe do quê gosta?
Quer saber
O quê me faz gozar?
Em que parte de sua pele posso passar mi-
nha língua sexual
Linguagem informal
Sem ofender
sua honra sigilosa?
Eu pretendo
Não insistir em revirar seus segredos
Porém, peço
Se vier em minha casa
E presenciar uma exposição pelas estantes
Não meta o dedo
De qualquer jeito
Nas fissuras machucadas
Me permita
Um instante
Um ar Um chá
Qualquer fumaça que disperse essa
confusa emoção
Líquida do corpo humano
Em manifestação
RISSIANI QUEIROZ
“Pulga”
Vai ver
Você só gosta da sua companhia
Dessa coisa de fazer poesia
E só se encontrar na dor
Ao amor
Eu reservo temperos, panelas
No fogo misturo os esquemas
Na alquimia do meu calor
Pega essa pulga
Faz dela um brinco
Como cata uma concha,
Ou borda um vestido
Se enfeita com ela
Faz ela falar
É sua intuição
Quando quer conversar
Ai flor
Cê podia cuidar da sua vida
Ver que pode se virar sozinha
Que nem antes desse seu pudor
E se você terminar com ele
Há uma grande chance
De ficar sozinha na sua companhia
O seu coração
Tá batendo na porta
E o som dele diz
Você vai ser feliz
CINTIA QUEIROZ
A palavra mais difícil Você veja que este conto já começa com o mais importante: eu escrevendo no vidro da Combi com medo de errar... Mas o que era mais importante, eu? Não, não agora, porque na maior parte do tempo acreditamos na nossa própria importância. E assim a gente vai sendo criado em volta do nosso umbigo, esbarrando em umbigos profundos dos outros. Cada qual como uma pequena singularidade se sugando para um profundo poço de sentidos onde só há um nós mesmos. Viver é escapar de nós mesmos. Somos perigosos como a singularidade. Nada pode escapar de nossos erros. E como eu erro... Foi aí que eu lembrei dos meus treinos de escrita nas férias. Antes de voltar pra escola e ter de escrever a redação com aquele tema que todo mundo já tá cansado de “como foi suas férias?”, eu treinava caligrafia, ortografia, como eu achava que era. Nunca vi limite nas palavras, errava muito e sempre passei muita cara quente na frente dos quadros da escola. Hoje passo vergonha nas telas. Depois de férias agitadas correndo por ruas de lama, pulando cercas e vendo minhas pipas nunca subirem eu esquecia, pra vc ter uma ideia, até como escrevia meu nome. Também entrava na lista: “encino”, “esercício”, “alunu”, “meza”... Era um festival de gastos para as borrachas. Pois bem, creio que o que te prende a este texto íntimo até esta linha é saber qual é a tal palavra. Qual palavra você acha que eu errava mais quando criança? Ainda consigo me lembrar do desespero (não ria!), eu realmente me exasperava por não saber como escrever essa palavra. Consigo lembrar do frio na barriga apesar do fevereiro quente; lembra de estar sentadinho na Combi escolar tentando ver no vidro a palavra se formando sozinha, mas nada adiantava. Eu
não sabia. Era com “c”? Era com cedilha? Santa-Maria-de-Jetiba!, (assim diria minha tia Bernadete de matemática!) a criança em mim se fechava em ansiedade com medo do erro, com medo da falha, com medo dos outros. Logo eu. Eu que não podia errar. Erro. Toda volta de férias era essa a palavra que eu esquecia e rememorava mais em meu caderninho verde. Será que eu teria de escrever ela na redação? Era tão importante assim? Talvez não... Não, não era. Não foi. Não usei na minha redação de volta. Fui esperto. Já pensou passar vergonha por não saber? A tenebrosa tia Marta, que tanto meus irmãos denunciaram, não marcou ela no texto. Que incrível! E ainda ganhei estrela pelas férias que inventei. Não se preocupe lendo a última linha pois eu jamais terminaria estes parágrafos sem dizer que a palavra que sempre tive mais dificuldade; não sabia se era com “f”, com “v”, com dois “s”. Fazia até mais sentido com dois esses. Lembro dos meus dedinhos suados desenhando ela no vidro da janela da Combi, porque no vidro o erro é transparente e sem registro. Ali eu podia errar a palavra com todo brilho possível. Se errei ou não, o segredo é meu. Qual grafia mais aparecia em meus textos? Só minha editora e minha revisora sabe. Mas qual palavra é a tal errada que ninguém liga e aprende tarde? A tal, que não posso te esconder mais, é aquela que inicia este texto.
HUGO STANISLAU
Hoje teve uma briga no 402. Ela disse: FILHO DA PUTA. filho duma puta. quebrou uns pratos. Não acredito nisso, vagabundo. Não acredito. A Melina? A Melina, meu Deus do céu, eu não acredito. Você tava com a Melina enquanto eu… que dor, que dor. Ela o mandou embora. Disse que nunca mais com ele, disse que queria vê-lo morto, disse que queria morrer, nunca mais sem ele, ela pediu para ele ficar, ela disse que desculpa, não desculpa, vagabunda, a Melina, Deus, que dor, que dor. Silêncio. Ela cantou uma música de amor, ela chorou muito alto até suspirar, ela bateu um bolo.
Dele,