A REVISTA DO MUSEU DO HOLOCAUSTO
Vol. XIV- N° 3 - 5772/2012 - R$ 14,90
Juntando os Fragmentos Itens recentemente coletados revelam histórias únicas de sobrevivência
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Patronos Primeira Página Celso Lafer
Jack Leon Terpins
Miguel Krigsner
Marina Lafer
Tibério Katz Anônimos
DIA INTERNACIONAL DE RECORDAÇÃO DAS VÍTIMAS DO HOLOCAUSTO Fajga Ring
Kiwa Kozuchowicz
Maurice Costin
Anônimos
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Arnaldo Niskier
Felix Jacques Benzakein
Haroldo Sancovsky
Henry Katina
Jaime e Fani Koiffman
Jayme Melsohn
Jose Natalio Margulies
Mario Grimblat
Pablo Alejandro Kipersmit
Stela Yara Blay
Wolfgang Fleischmann
Anônimos
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Educar para não esquecer por Nessim Hamaoui
Você está recebendo mais uma edição especial, a versão brasileira da revista editada quatro vezes por ano pelo Museu do Holocausto de Jerusalém – Yad VaShem. Nossa participação nessa corrente de informações é fortalecer o elo entre o passado, trágico e horrível, e a perspectiva que no futuro algo assim nunca venha a acontecer. Através de um amplo trabalho de investigação e pesquisa, o Museu constitui um acervo que impressiona pela reprodução exata da realidade que tirou a vida de seis milhões de judeus. E com uma estrutura voltada para a educação das novas gerações, o Museu criou a Escola Internacional para o Estudo do Holocausto. Estabelecida em 1993, a Escola é responsável pela organização de programas educativos e pela produção de materiais didáticos dirigidos a diferentes públicos e organizações educativas em Israel e no exterior. Com a promulgação da data em recordação às vítimas do Holocausto pela ONU, a necessidade de educar a sociedade aumentou a responsabilidade da comunidade judaica em todo o mundo, e o Museu atento tem através da Associação de Amigos do Yad Vashem em diversos países (inclusive no Brasil) atuado para capacitar professores e educadores para esta missão. As novas gerações precisam saber o que realmente aconteceu e a sociedade tem que saber como educar para que nunca se esqueça essa tragédia. Que se prepare o mundo para um tempo de paz, onde não exista discriminação e nem preconceito, e que a vida humana seja soberana. Agradecemos aos Patronos que possibilitaram a realização desta edição e convidamos você a se juntar a nós nas próximas edições. Shalom – Yad Vashem – Published by: Yad Vashem The Holocaust Martyrs’ and Heroes Remembrance Authority Chairman of the Council: Rabbi Israel Meir Lau Vice Chairman of the Council: Dr. Yitzhak Arad, Dr. Israel Singer, Professor Elie Wiesel Chairman of the Directorate: Avner Shalev – Director General: Nathan Eitan THE MAGAZINE: Editor-in-Chief: Iris Rosenberg – Managing Editor: Leah Goldstein Editorial Board: Deborah Berman, Susan Weisberg, Cynthia Wroclawski, Estee Yari – Editorial Coordinator: Lilach Tamir – Itach Yad Vashem Jerusalem Magazine – P.O Box 3477, Jerusalem 91034, Israel Tel.: 972-2-6443413, Fax: 972-2-6443409 yv.magazine@yadvashem.org.il - www.yadvashem.org Diretor: Nesim Hamaoui Edição e Arte: Juliana Cirera Tradução e Adaptação: Adriana Feder Esta edição é autorizada pelo Instituto Yad Vashem de Jerusalém. Edição Especial - Shalom – ISSN 1806-0056 – Uma publicação de NESSIM HAMAOUI EDITOR. R. Luis Coelho,nº 308 conj. 21- 01309-903- Tel 11 3259 6211 São Paulo-SP Jornalista Responsável Ivone Monteiro (Mtb 15.800). Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não representando a opinião da redação.
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TESTEMUNHO
“Em Vez dos Mortos, Encontrei os Vivos” Por Deborah Berman
Mais de meio século depois de seus avós terem sido assassinados pelos nazistas na Polônia, os primos de primeiro grau Liora Tamir e Aryeh Shikler se reuniram pela primeira vez no Yad Vashem durante o feriado de Pessach.
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Liora nasceu na cidade de Vorkuta, um gulag soviético, em 1946. Sua mãe, Yona, prometeu que quando ela completasse 15 anos, iria revelar a história da família a ela. Mas Yona Shapira morreu quando Liora tinha apenas 12 anos, deixando-a
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sem informação em relação às raízes de sua família. Liora passou o resto de sua juventude em um orfanato em Leningrado, e acreditava que estava sozinha no mundo. Liora casou-se com Leopold e o casal teve dois filhos: Ilana e Guy. A família vivia em Israel, e quando Ilana cresceu, ficou determinada a descobrir mais sobre sua avó, Yona. Ela descobriu que Yona tinha viajado da Polônia para Eretz Israel nos anos 1920, mas foi presa e deportada pelos ingleses por causa de suas atividades comunistas. Ela acabou por ser enviada para Vorkuta, onde deu à luz Liora. Depois de, recentemente, receber documentos de um arquivo do KGB confirmando os nomes dos avós de Liora, Golda e Naftali Herz Shapira, da cidade de Brody, Ilana então se voltou ao banco de dados central de nomes de vítimas da Shoah, do Yad Vashem. Para sua grande surpresa – e alegria – ela encontrou Páginas de Testemunho de seus bisavós entregues em 1956 por um Simcha Shikler, irmão de Yona, atestando o assassinato de seus pais no gueto de Brody. Ilana então rastreou o filho de Shikler, Aryeh, em Haifa, bem como a neta dele, Limor Ganot, a quem ela descobriu via Facebook. “Eu não consigo descrever o que senti quando ouvi pela primeira vez sobre Aryeh”, disse Liora. “Foi como se eu tivesse viajado para outro mundo, onde eu não estava mais sozinha. Claro, eu tinha meus filhos, mas agora há uma família inteira. Preciso me acostumar a pensar em mim como parte de algo maior”. Liora contatou Aryeh, que confirmou que sua tia Yona, a filha de Golda e Naftali Hertz Shapira, de fato tinha estado em Israel antes da guerra, e que ela havia sido um ativista comunista. Ele também ficou chocado ao ouvir que sua prima estava viva e
morando em Israel, tendo conhecido pouco sobre os detalhes das raízes de sua própria família. “Sem as informações apresentadas ao Yad Vashem, em 1956, isso nunca teria acontecido”, disse Cynthia Wroclawski, gerente do projeto de recuperação de nomes de vítimas da Shoah. “O que é único sobre essas páginas é que no fundo é um lugar para as pessoas escreverem os nomes dos que sobreviveram, um formato que permite essas raras, mas abençoadas, reuniões”. “Eu sinto que dei a minha mãe um presente – uma família”, disse Ilana Tamir. “Tínhamos um buraco em nossos corações, e de repente uma família nasceu”.
Nos últimos anos, as novas tecnologias tornaram mais fácil rastrear indivíduos ao redor do globo. O projeto de recuperação de nomes tem a nova seção “Conexões e Descobertas” no site do Yad Vashem, que apresenta algumas das histórias marcantes de pessoas que descobriram parentes com quem tinham perdido o contato por causa da Shoah. Envie-nos uma descoberta pessoal ou uma história de reencontro para: names.outreach@yadvashem.org.il.
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HISTÓRIA
Sobrevivente reunida com a família que “deu a ela a vida” Por Dra. Sara Kadosh
Sessenta e cinco anos depois de sua sobrevivência milagrosa durante o Holocausto e sua partida da Europa pós-guerra, Rena Quint recentemente reuniu-se em Jerusalém com a família de Anna Philipstahl, a mulher que lhe deu a chance para uma vida nova. Encontrar a família de Anna foi o ponto culminante de uma pesquisa que começou no Yad Vashem, em 1981.
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Rena tinha nove anos quando foi libertada do campo de concentração Bergen Belsen, em abril de 1945. Nascida Fredzia (Frayda) Lichtenstein em Piotrkow em 1936, ela viveu com sua família no gueto da cidade. Depois que sua mãe e irmãos foram deportados para Treblinka, seu pai vestiu-a como um menino e levou-a para trabalhar com ele na fábrica de vidro Hortensia. Quando a fábrica foi fechada eles foram separados e enviados para campos diferentes. Rena finalmente chegou a Bergen Belsen, embora ela não tenha lembrança de como chegou lá, ou como sobreviveu sozinha. “Eu devo ter sido cuidada por uma sucessão de ‘mães’”, diz ela, embora seja incapaz de recordar os seus nomes ou rostos. Em julho de 1945, Rena – que mal havia sobrevivido a um ataque de tifo – foi enviada para a Suécia junto com outros sobreviventes para cuidados médicos intensivos. Lá, ela começou lentamente a recuperar sua saúde. Ela aprendeu a brincar, teve sua primeira boneca, fez amigos. Então, no campo de reabilitação em Tingsryd, Rena conheceu Anna. Anna Philipstahl e seu filho Sigmund haviam sobrevivido à guerra na Polônia. Eles também tinham sido evacuados de Bergen Belsen. Anna estava determinada a ajudar a criança, que estava sozinha no mundo. Quando seus parentes nos Estados Unidos arranjaram para Anna e Sigmund se juntar a eles, ela ofereceu levar Rena junto como sua filha, Fanny. Rena consentiu. “Eu teria concordado com qualquer coisa”, diz ela. “Eu não tinha outra escolha”. A família chegou aos EUA em março de 1946, mas apenas alguns meses mais tarde a tragédia se abateu mais uma vez: Anna Philipstahl faleceu
repentinamente. Com quinze anos de idade, Sigmund não podia ajudar Rena, e mais uma vez ela foi deixada sozinha. Ela se sentiu estarrecida, mas acreditava que uma outra “mãe” viria cuidar dela. Rena estava certa. Primos de Anna perguntaram a amigos deles, os Globes – um casal sem filhos no Brooklyn – se eles poderiam cuidar da menina órfã por apenas um Shabat até que outros planos pudessem ser feitos. Os Globes concordaram, apaixonaram-se pela menininha, e o Shabat se transformou em uma vida. Em 1947, eles adotaram Fredzia / Fanny e a renomearam como Rena. Ela cresceu no caloroso abraço deles, e mais tarde casou com o rabino Emmanuel Quint, tornou-se professora, e formou uma família. Absorta em sua vida diária, ela raramente falava sobre sua infância traumática. Em 1984, Rena e Emmanuel se estabeleceram em Jerusalém. Rena se tornou uma guia de procurados e conferencista no Yad Vashem, e começou a frequentar seus arquivos, procurando por regis-
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tros de si mesma e de sua família. Em 1989, ela participou de uma viagem do Yad Vashem para a Polônia, onde finalmente encontrou sua certidão de nascimento, a certidão de casamento de seus pais e até mesmo visitou o apartamento de seus pais em Piotrkow. Depois, um pesquisador na Polônia enviou-lhe cópias da certidão de nascimento de seus irmãos. Mas o destino de seu pai permaneceu uma incógnita. No início de 1990, Rena participou de um workshop conduzido pelo Dr. Yaacov Lozowick, então diretor do Arquivo do Yad Vashem. Lozowick explicou que, na procura de nomes, tinha-se que levar em conta todas as permutações possíveis. Como exemplo ele deu o nome Isaac, que tinha um equivalente polonês, “Ignac”. Rena sentou-se de repente. Durante anos ela vinha procurando seu pai Isaac Lichtenstein sem sucesso. Depois que começou a procurá-lo sob o nome Ignac, no entanto, ela descobriu uma grande quantidade de documentos. Com a ajuda da equipe do Yad Vashem, Rena descobriu que seu pai tinha sido enviado para Buchenwald em janeiro de 1945 junto com o rabino Israel Meir Lau e seu irmão Naftali Lau-Lavie. Ela também encontrou registros de si mesma em Bergen Belsen e na Suécia.
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Muitas perguntas ainda permaneciam sobre os primeiros anos de vida de Rena. Ela desejava discuti-los com Sigmund Philipstahl, o “irmão” com quem viajou para os EUA, mas ela não tinha contato com ele desde o início dos anos 1950, e não tinha ideia de onde ele morava. Com a ajuda da escritora deste artigo, Rena localizou a família dele, agora vivendo na Flórida. Sigmund Philipstahl tinha morrido, mas sua esposa Márcia, a quem Rena tinha conhecido quando ela era namorada de Sigmund, ficou emocionada ao ouvir dela, e enviou-lhe fotografias de Rena na Suécia. A filha de Márcia, Nancy Schwartz, também ficou encantada de estar unida com a sua “tia” por tanto tempo perdida. Em abril de 2011, Marcia e Nancy vieram a Israel para um encontro emocionante com Rena. Durante a visita, Rena apresentou os Philipstahls com um certificado em que ela havia escrito: “Em memória de Anna – apesar de ela não ter dado a luz a mim, ela me deu a vida”.
A autora é uma ex-pesquisadora do Instituto Internacional de Pesquisa do Holocausto.
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CAPA
Juntando os Fragmentos Por Lital Beer
Itens recentemente coletados revelam histórias únicas de sobrevivência “Por 30 anos eu quis vir até você para lhe dar isso, e agora você veio aqui”. Este sincero agradecimento foi proferido por Yerachmiel Bergner em Herzliya, depois que ele deu a uma funcionária do Yad Vashem um cobertor que sua mãe havia usado para cobrir-se no momento de seu assassinato. Desde o início da campanha “Juntando os Fragmentos” em abril deste ano, cerca de 1.000 pessoas já entregaram documentos, artefatos, fotografias e obras de arte relacionadas ao Holocausto, a maio10
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ria em dias de coleta realizados em Israel inteiro. Muitos outros chegaram ao Yad Vashem para entregar seus bens preciosos, ou os enviou por correio ou e-mail. Até agora, cerca de 10.000 objetos foram recolhidos, juntamente com histórias de judeus antes, durante e depois da Shoah. Funcionários treinados de todos os departamentos do Yad Vashem voluntariam seu tempo para vir aos dias de coleta não apenas para receber os itens, mas
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também para documentar as histórias familiares que os acompanham, para ajudar os sobreviventes ou familiares das vítimas a preencher Páginas de Testemunho e para fotografar o material profissionalmente. Muitos dos voluntários mais tarde descreveram os encontros únicos que vivenciaram, como resumido por Inbal Kvity Ben-Dov, diretor do departamento de estudos seminários na Escola Internacional para Estudos do Holocausto: “A oportunidade de ouvir essas pessoas contarem suas próprias histórias únicas e compartilhar o momento incrível de entregar seus amados artefatos ao Yad Vashem – isso fez de ontem uma experiência única para mim”. Abaixo estão algumas das histórias recentemente documentadas para o “Juntando os Fragmentos”:
Uma mala de barbeiro Andor Komenstar (Aharon Kamir) nasceu em Budapeste, na Hungria, em 20 de março de 1920. Ele viveu na Romênia, e durante a guerra passou dois anos no campo de trabalhos forçados Doaga na Romênia, onde trabalhou como barbeiro para os oficiais romenos. Aharon conseguiu escapar de Doaga em um vagão carregado de cadáveres, segurando uma mala contendo suas ferramentas de cabeleireiro. Ele viajou para a cidade de Focaşani, onde se juntou a um grupo de sionistas emigrando a Eretz Israel. Em maio
de 1944, Aharon embarcou no Boulbul, navegando de Constanta, na Romênia, para a Turquia, e de lá ele fez seu caminho através do Líbano para Israel. Em seus primeiros anos em Israel, Aharon ganhava a vida cortando cabelo nas casas dos clientes, utilizando a mala e as ferramentas com a qual ele escapou de Doaga. Seu filho Yossi Kamir deu a mala e todo o seu conteúdo ao Yad Vashem.
Jogo de xadrez Aharon Rennert nasceu em Vizhnitsa, Bucovina (Romênia) em 15 de agosto de 1926, o terceiro filho de Perl e Leib. Quando foi deportado com seus pais e irmãos para a vila de Jagora na Transnístria, ele conseguiu levar seu jogo de xadrez de casa. Depois de perder uma das torres, ele esculpiu outra com madeira. Aharon manteve seu jogo de xadrez durante toda a guerra até o dia em que ele entregou-o ao Yad Vashem, junto com a história de sua sobrevivência durante a Shoah.
Um diário visual Por Yehudit Shendar Quando a campanha nacional “Juntando os Frag-
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mentos” foi lançada, a equipe do Museu de Arte do Holocausto imaginou que o número de obras de arte que sobreviveu ao Holocausto seria pequeno. Foi, portanto, particularmente gratificante descobrir que os sobreviventes e suas famílias não só mantiveram e cuidaram de pinturas e desenhos da época, mas também acreditam que o Yad Vashem constitui o lar designado para as gerações futuras. Obviamente, “Juntando os fragmentos” não termina com a chegada de uma obra de arte à coleção do Museu. Um processo é iniciado, portanto, onde cacos de informações relativas à história da imagem e a do artista se tornam o ponto de partida para uma extensa pesquisa sobre o contexto histórico da obra, recriando assim um mosaico completo de um fragmento recuperado. Toda obra de arte abrange uma história incomparável – um ponto de encontro único entre o artista e o assunto em questão. Em conjunto, eles abraçam um encontro fascinante em um determinado ponto do tempo, no coração dos eventos fatídicos, criando a necessidade do artista de expressar-se contra as pessoas, eventos e paisagens da época.
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Luigi Fleischmann Em seu livro De Fiume para Navelli (Yad Vashem, 2007), Luigi Fleischmann conta sua história como um adolescente durante a Segunda Guerra Mundial na Itália, e fornece testemunho sobre o destino de sua família no campo de detenção na vila de Navelli. Este campo, como outros campos na Itália, permitiu famílias judias ficarem juntas e conduzir a vida comunitária e cultural. O livro de Fleischman é focado nos últimos meses da guerra, a partir de setembro de 1943, quando a Itália virou as costas para Hitler, e a Alemanha entrou em guerra contra os Aliados em território italiano. Para os judeus da Itália, aqueles foram dias de perseguição, captura e deportação para campos de concentração. Ajudando a estabelecer o cenário, há alguns de seus próprios desenhos a tinta no apêndice do livro, que testemunham a curiosidade e a intenção de Fleischmann de documentar seus encontros. Recentemente, a viúva de Fleischmann, Noga, doou mais de 200 de seus desenhos ao Yad Vashem. Os anais do seu falecido marido se desdobram como um documentário filmado por um correspondente de
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guerra. Fleischmann fornece descrições e imagens precisas das batalhas furiosas contra o ocupante nazista nas paisagens da Itália central. Seu excepcional poder de observação, somado ao seu senso de missão – para documentar os acontecimentos até o menor detalhe – nos fornece um diário visual único da época.
Mojsej Isajewicz Kotlarewskij É bem conhecido que os judeus da URSS juntaramse aos esforços de guerra contra a Alemanha nazista. No entanto, esses heróis permaneceram em grande parte anônimos nas crônicas de heroísmo judaico, até que muitos veteranos daquela guerra imigraram para Israel na década de 1990. Recentemente, Bella Podolsky deu ao Yad Vashem uma folha de papel amarelada e rachada com um desenho a lápis de seu pai, Mojsej Isajewicz Kotlarewskij, vestindo um uniforme do Exército Vermelho. De acordo com documentos militares, o camarada Kotlarewskij foi destacado em 25 de junho de 1941, e serviu como comissário militar no Batalhão 139. Na época, ele era casado com Sonya, e o casal teve dois filhos. O batalhão de Kotlarewskij participou do rompimento do cerco de Leningrado em janeiro
de 1943, pelo qual foi agraciado com a Medalha dos Defensores de Leningrado. Ele recebeu uma segunda medalha em 1946 para “Bravura Excepcional na Grande Guerra para a Pátria”. Uma noção da personalidade única de Kotlarewskij pode ser adquirida com algumas selecionadas e comoventes linhas escritas por um sargento Vlasov, que serviu sob o seu comando: É verdade, meus amigos, o Comissário é nosso bom amigo Ele está guardado na alma do lutador Como vapor em uma caldeira Todos os soldados o amam Como se ele fosse seu amado pai Estas linhas são como Kotlarewskij será lembrado nos anais da guerra, e testemunham a bravura de todos os soldados judeus que serviram nas fileiras do Exército Vermelho lutando – e finalmente derrotando – o criminoso nazista na Segunda Guerra Mundial.
O autor é diretor adjunto da divisão de museus e curador de arte sênior no Yad Vashem.
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ESPECIAL
O ponto de virada na história do Holocausto Yad Vashem lembra os 70 anos desde a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista Por Leah Goldstein
“Nessa guerra terrível, cerca de 35 milhões de seres humanos morreram na Europa... e eles morreram por causa de uma ideologia enraizada no ódio aos judeus”. “O Holocausto não foi motivado por problemas estruturais no seio da sociedade alemã, como muitos acreditam. O Holocausto foi o resultado de uma mutação de antissemitismo histórico em 14
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um ato político racista e genocida. Essa mutação desempenhou um papel central nas forças que levaram à guerra em cujo contexto ocorreu. O Holocausto aparece como um genocídio ideológico no âmbito de uma guerra mundial ideológica”. Assim declarou Prof Yehuda Bauer, orientador acadêmico do Yad Vashem, em um simpósio para
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marcar os 70 anos desde a invasão da Alemanha nazista à URSS, realizado pelo Centro de Pesquisa Sobre a História deJudeus Soviéticos Durante o Holocausto no Instituto Internacional de Pesquisa do Holocausto do Yad Vashem. O simpósio, intitulado “A invasão da União Soviética como uma guerra ideológica”, viu historiadores de todo o mundo se reunirem para discutir este significante ponto de virada na história do Holocausto. Os participantes ouviram palestras diversas, tais como “A luta contra o bolchevismo judaico” e “O turbilhão fatal de conflitos e identidades”, e debateram vários aspectos da “Operação Barbarossa” e suas consequências. Entre os palestrantes de maior destaque estavam o Dr. Yevgeniy Rozenblat, de Brest, Bielorrússia, que falou sobre as relações entre poloneses, bielo-russos e judeus após a invasão, e Prof. Mordechai Altschuler da Universidade Hebraica, que apresentou “A quebra de mitos entre judeus soviéticos”. Sana Britavsky, diretora executiva do Grupo de Filantropia Genesis de Israel, falou sobre a recente visita da equipe do GPG para a Ucrânia. “Paramos em quase todo lugar onde um shtetl existia antes de 1939. Em cada um, fomos capazes de ver a vida judaica que um dia esteve lá. O que não encontramos foram judeus”. “É importante entender todos os aspectos da guerra: por um lado, como a neta de um soldado que lutou contra os nazistas, há o aspecto da vitória. Por outro lado, o judaísmo vibrante foi exterminado. Este seminário nos permite investigar a Operação Barbarossa e introduzir o mundo judaico moderno na investigação de judeus russos. Nossa participação tem nos mostrado que este é um tema importante para o nosso futuro como povo, bem como para o lugar de judeus russos entre os judeus do mundo”. No simpósio, Dr. Arkadi Zeltser, chefe do centro de pesquisa sobre a História de Judeus Soviéticos durante o Holocausto, apresentou o trabalho do
novo centro que abriu em fevereiro deste ano. O centro tem como objetivo estudar a abrangente história dos judeus que vivem na antiga URSS, promovendo a colaboração com pesquisadores internacionais e concedendo bolsas de estudo e oportunidades para jovens investigadores da FSU, dos estados bálticos, dos EUA e da Europa, virem ao Yad Vashem e fazer uso de seus arquivos e ricas coleções para avançar seus estudos. No início de abril, o Centro publicou a primeira etapa de sua base de dados bibliográficos (db.yadvashem.org / bibliografia / listResult.do) – mais de 3.000 títulos, incluindo 700 artigos, sobre a história judaica nas áreas da antiga União Soviética. Ao realizar uma extensa e completa pesquisa de repositórios em todo o mundo, o banco de dados – que será atualizado regularmente – vai continuar fornecendo aos pesquisadores e outros interessados peças com informações detalhadas e atuais sobre todos os trabalhos escritos sobre o tema. Pesquisadores do simpósio também ouviram uma atualização sobre o projeto de pesquisa on-line “As histórias não contadas: Os locais de homicídio dos judeus nos territórios ocupados da antiga URSS” Desde o início do projeto, um estudo completo de mais de 250 locais de assassinato em toda a antiga
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União Soviética foi realizado, pesquisa que é baseada em abundante documentação para cada uma das localidades. Este ano, uma dimensão extra foi adicionada: um guia on-line que dá uma imagem abrangente da extensão dos locais de homicídio em cada república da antiga União Soviética. O guia on-line, que será atualizado periodicamente, inclui uma cronologia dos assassinatos em massa, sua localização, o número de vítimas, a comunidade de origem das vítimas, a identidade dos assassinos, e a forma como os assassinatos foram promulgados. A primeira área a ser coberta era todos os 19 distritos da Ucrânia (incluindo os territórios poloneses anexados) – um dos maiores centros judaicos na Europa Oriental. Estes dados revelam que não havia nada menos do que 1.229 locais de assassinato na Ucrânia, a maioria ocorrendo nos distritos do leste da Galiza (Tarnopol, Stanislawow e Wolyn). “Essa informação dá uma imagem mais precisa de estimativas anteriores de locais de homicídio e do número de vítimas judias na Ucrânia”, explicaram os chefes do projeto, Dr. Lea Prais e Shlomit Shulchani. “Além disso, estamos agora em condições de identificar centenas de vilarejos e pequenas comunidades onde uma única ou um par de famílias judias viviam e foram massacradas até a última pessoa. Tomemos, por exemplo, o vilarejo de Korytichi no Distrito Zhitomir, onde todos os seus habitantes judeus foram assassinados. Devido ao intenso trabalho de campo realizado em nome do Yad Vashem pelo historiador ucraniano Mikhail Tyagli, Korytichi é agora reconhecido pela primeira vez como um local do assassinato”.
O Centro de Pesquisa sobre a História de Judeus Soviéticos durante o Holocausto é generosamente apoiado pelo Grupo de Filantropia Genesis (GPG) e pelo Fundo Europeu Judaico (EJF). O simpósio foi apoiado pelo GPG e pelo EJF, bem como pelo Fundo da Família Gutwirth.
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Novos acordos de arquivo com a Europa Oriental Masha Yonin Em 22 de Fevereiro, um acordo de cooperação foi assinado entre os Arquivos do Yad Vashem e o da SBU (antigo KGB), na Ucrânia. O acordo permite que o Yad Vashem fotografe a documentação nos arquivos SBU, e facilita o intercâmbio de informações entre as duas instituições. “O material que esperamos receber lida principalmente com os processos contra os colaboradores que operavam na Ucrânia e em outros países europeus durante a guerra”, explicou o diretor de arquivos do Yad Vashem, Dr. Haim Gertner. “Estes processos forneceram vasta e detalhada documentação sobre o assassinato de judeus: Os locais dos assassinatos; os campos de extermínio e campos de concentração localizados no território soviético e europeu; a lista de colaboradores, e também os nomes de muitas vítimas. Graças a esta informação, podemos preencher muitos buracos”. Essa conquista importante seguiu à assinatura de outro acordo de cooperação em dezembro de 2010 com o Arquivo Histórico Nacional da Letônia, o maior repositório desse tipo na antiga União Soviética. O arquivo, localizado na capital da Letônia, Riga, contém nada menos que um milhão de páginas de documentação relevante para a história da comunidade judaica da Letônia de 1930 até 1945. Esses registros refletem a cultura e educação judaica às vésperas da guerra, bem como a perseguição dos judeus durante a ocupação. O acordo permitirá ao Yad Vashem copiar todos os documentos relevantes, obtendo informações cruciais sobre a vida de indivíduos judeus na Letônia, antes e durante a guerra.
A autora é chefe do departamento de aquisições da antiga União Soviética e dos estados do Báltico, nos Arquivos do Yad Vashem.
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Rastreando memórias perdidas Boris Maftsir Quando uma voluntária do projeto de recuperação de nomes das vítimas da Shoah chegou à casa de Bronya Rabinowitz, na cidade de Chelyabinsk em Montes Urais da Rússia, foi surpreendida ao descobrir que Rabinowitz já havia preparado uma lista de 39 membros da família assassinados durante o Holocausto. Se a representante não tivesse conseguido localizar Rabinowitz, estes nomes teriam sido perdidos para sempre. Após preencher Páginas de Testemunho em memória de seus entes queridos, Rabinowitz, em seguida, apresentou uma carta enviada a ela em 1945 por um vizinho ucraniano. A carta mencionava 23 adolescentes judeus do sexo masculino e feminino da escola de Bronya – todos eles também assassinados. Perto da vila de Chervona Zirka (a Estrela Vermelha), 60 km ao norte de Kherson no sul da Ucrânia, há um campo contendo um poço onde 1.011 judeus encontraram a morte em 1941. Apenas algumas dezenas de nomes das vítimas eram conhecidas antes de Sasha Wiener, chefe da comunidade judaica local, começar a recolher testemunhos de moradores da vizinhança. Até à data, quase 800 nomes daqueles assassinados ali foram identificados. Estes dois exemplos representam a essência do Projeto de Recuperação de Nomes: localizar qualquer testemunha em potencial, independentemente do seu local de residência, para recolher os nomes das vítimas para lembrança no Yad Vashem, em Jerusalém. Em todo o território da antiga União Soviética, voluntários locais viajam à vilas e cidades para reunir a documentação nacional e pessoal sobre as vítimas do Holocausto. Na Alemanha, informações sobre o projeto é regularmente divulgada em um jornal de língua russa. Em três grandes centros comunitários em Nova York, voluntários ajudam a população de língua russa a preencher Páginas de Testemunho. Em cidades de todo Israel, os
sobreviventes são entrevistados em suas casas, em complexos de habitação e em alojamentos assistidos. De acordo com estimativas de vários historiadores, de 2,3 a 2,5 milhões de judeus foram assassinados nos territórios da União Soviética (1939 fronteiras). Durante a era soviética, o tema do Holocausto foi deliberadamente evitado, e quase nenhuma pesquisa ou lembrança sobre o tema ocorreu. A memória documentada do Holocausto dos judeus soviéticos foi toda perdida. Cinco anos atrás, o Yad Vashem iniciou um projeto para recuperar os nomes das vítimas do Holocausto nos territórios da antiga União Soviética, em colaboração com organizações locais judaicas e israelenses. Desde que o projeto foi lançado, cerca de 300.000 nomes de vítimas do Holocausto da antiga União Soviética foram resgatados: estes, além dos já recolhidos a partir de documentação nos Arquivos do Yad Vashem, e os muitos milhares de nomes enviados diretamente pelo correio ou por e-mail para o hall de nomes. O Yad Vashem está determinado a não perder mais tempo. A busca pelos nomes perdidos já provou que o poder da memória é inestimável. O autor é o Gerente do Projeto de Recuperação de Nomes de Vítimas da Shoah nos territórios ocupados pelos nazistas da antiga União Soviética. O Projeto de Recuperação de Nomes é viável através do generoso apoio de Dana e Yossi Hollander.
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ARTES A Libertação do Espírito Pinturas de uma menina judia na clandestinidade Por Eliad Moreh-Rosenberg
“Um, eu nunca conheci minha avó. Dois, meu nome é Danielle Rina Cohen Levy. Três, o nome da minha avó era Renata Braun, mais tarde Rina Levy. Quatro, minha avó morreu aos 38 anos. Em 12 anos, eu serei mais velha do que ela era. Cinco, ela morreu de câncer de mama. É por isso que, todo ano, tenho sido examinada. Seis, por quarenta anos meu avô manteve um segredo em seu sótão. Sete, tudo o que estou lhes dizendo agora é a verdade”. Estas foram as palavras de abertura da apresentação de Danielle Cohen Levy, realizada durante uma cerimônia no Yad Vashem em julho, para homenagear sua falecida avó Renata Braun. Sete obras de arte criadas por Braun quando era uma menina escondida em Lwów entre 1943 e 1944 foram recentemente doadas pelo marido e filhos para a coleção de arte do Yad Vashem. A história por trás das obras de arte veio à tona quase que por acidente. Cerca de quatro anos atrás, um artigo no jornal israelense Haaretz chamou a atenção de Yehudit Inbar, diretor da Divisão de Museus do Yad Vashem. O artigo, dedicado à artista contemporânea Maya Cohen Levy, mencionou sua mãe Renata, que tinha pintado quando era criança durante o Holocausto. Inbar, cujo campo de pesquisa lida com as experiências das crianças e sua criatividade durante a Shoah, contactou Cohen Levy para saber mais sobre sua mãe e os desenhos que ela deixou para trás. Durante a Segunda Guerra, Renata Braun ficou escondida no porão da casa de uma senhora Vo18
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gel, a viúva de um médico polonês, em Lwów. A princípio, Renata, com onze anos, conseguiu
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manter contato com seus pais no gueto graças a Vogel, que passou adiante suas cartas. No entanto, no final de maio de 1943, todo o contato foi perdido. Os pais de Renata, Dr. Karol e Luzia Braun, não conseguiram escapar como o planejado para o “lado ariano”. Eles provavelmente foram assassinados no Aktion para liquidar o gueto, que começou em 1o de junho de 1943. Renata permaneceu escondida na casa de Vogel até o final da guerra. Nas longas horas no porão, a jovem encontrou refúgio do terror e da solidão nas profundezas de sua imaginação, através da intensa leitura e pintura. Ela expressou a saudade de sua família em retratos de sua mãe com base em fotografias que ela tinha carinhosamente mantido. Após a libertação, a comunidade judaica ajudou Renata a chegar em Kraków. De lá, ela emigrou para Eretz Israel, onde estudou arte em tempo integral. Ela casou-se com Chasid Levy e o casal teve três filhos. Renata - agora Rina – encontrou trabalho como professora de pré-escola, mas continuou pintando até sucumbir ao câncer aos 38 anos. As pinturas e desenhos de guache de Renata que foram dadas ao Yad Vashem estavam todas em papel e em más condições. Elas foram submetidas a um longo processo de limpeza e conservação em laboratórios de conservação do Yad Vashem. Na parte de trás de uma das obras, notas musicais, provavelmente cantaroladas por Renata enquanto ela estava pintando, foram descobertas. Três das obras de arte foram identificadas pela equipe do museu como cenas do Pan Tadeusz, o famoso poema épico polonês de Adam Mickiewicz, enquanto uma quarta foi baseada em uma obra de arte clássica de Jan Matejko, um proeminente artista polonês do século 19. Enfrentando a destruição de seu universo, Renata segurou firme as âncoras da literatura, arte e música que ela tinha aprendido a amar em casa durante os breves anos felizes antes da guerra.
Durante a visita ao Yad Vashem, a família de Renata ficou emocionada ao conhecer a pesquisa realizada e ver quatro das obras que haviam doado exibidas no Museu de Arte do Holocausto. “As obras de arte penduradas aqui são testemunhas de uma vitória sobre o sofrimento horrível”, disse Maya Cohen Levy, que falou em nome da família. “Estas inocentes obras representam um raio de luz emergindo daquele lugar escuro, e dão evidência ao poder ilimitado do espírito humano”.
As obras de arte e história de Renata Braun farão parte de uma exposição sobre os sonhos e esperanças de crianças durante o Holocausto, com curadoria de Yehudit Inbar, apresentado pelo Yad Vashem na ONU sobre o Dia Internacional de Recordação do Holocausto, em 27 de janeiro de 2012. O autor é curador de arte na Divisão de Museus.
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WORKSHOP
A Língua Contém Tudo Por Leah Goldstein
“Ninguém pode expressar tudo isso em palavras”, escreveu Lilly Zielenziger em seu diário em 29 de Setembro de 1944 em Bergen-Belsen. O uso da tão chamada Lagersprache (língua do campo) foi um dos tópicos apresentados em julho deste ano por Dominique Schröder, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, no primeiro seminário internacional sobre o tema “Linguagem, Semântica e Discurso na Shoah”, realizada pelo Instituto Internacional para Pesquisa do Holocausto. Estudiosos da Alemanha, Itália, Escandinávia, Polônia, Reino 20
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Unido e Israel foram ao Yad Vashem para discutir a investigação pioneira em uma série de assuntos relacionados, tais como o uso de metáforas e símbolos mitológicos no discurso nazista e judeu, mudanças na narrativa ao longo do tempo, as percepções em tempo real da Shoah, e descrições do pós-guerra de sofrimento individual durante o Holocausto. Schröder falou sobre a articulação de experiências do prisioneiro do campo de concentração por meio
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de um diário. “Mudando nosso foco de o que foi dito ou escrito para a pergunta de como isso foi articulado, podemos aprender mais sobre as formas pelas quais estes prisioneiros usaram marcadores linguísticos e estratégias para comunicar informações, sentimentos e experiências”, explica Schröder. “Esta abordagem discorda da concepção comum da Shoah colocada acima do âmbito da linguagem, como sendo ‘irrepresentável, indescritível, indizível’. Como mostra o diário de Lilly Zielenziger, os próprios estavam bem conscientes da natureza problemática de suas declarações sobre os horrores à sua volta. No entanto, eles escreveram, e por escrito que tentaram quebrar este limite aparente. Apesar de eles certamente estarem conscientes das inadequações de sua língua, eles não se calaram, mas esforçaram-se para escrever sobre suas experiências e sofrimentos da melhor forma possível”. No entanto, ela continuou, a natureza completamente peculiar das condições de vida no campo de concentração não poderia ser adequadamente comunicada na língua materna, o que fez a invenção de uma nova língua especificamente para o campo, a chamada “língua do campo”, necessária. “Levando em conta as situações concretas em que o uso de Lagersprache tornou-se necessário – principalmente em situações de comunicação oral entre os prisioneiros de diferentes origens linguísticas, por um lado, e a compreensão de ordens alemãs do outro – não podemos assumir a sua utilização no contexto do diário escrito, onde essas restrições estavam ausentes. Isso se torna ainda mais pungente se levarmos em conta a natureza altamente individual da prática de escrever um diário como uma forma de ‘escrever-se fora’ da realidade do campo, para construir um espaço ficcional de retiro, para construir continuidades ao tempo antes do campo ou para se afirmar a própria humanidade. Se o Lagersprache aparece no meio desses diários – que é de fato o caso – então as questões de seu caráter, bem como de suas motivações, funções e modos de sua utilização requerem respostas que possam se diferenciar
significativamente da obtida com relação ao seu uso na vida cotidiana do campo”. Se diaristas usavam o Lagersprache em seus escritos, quando especificamente eles fizeram isso e por quê? “Na maioria das vezes, eles aparecem no que diz respeito a atividades específicas à situação do campo, ou em referência às denominações de outros prisioneiros de acordo com sua atribuída ‘categoria’ ou nacionalidade, bem como as descrições dos funcionários e ‘proeminentes’ do campo. Outros contextos em que tal linguagem é habitualmente utilizada são doenças específicas do campo (‘Lagerfieber’), punições (‘Bunker’), ou apelidos para homens da SS (“Wilhelm Tell”). Abreviaturas específicas do campo ou siglas como “JPA” para ‘Jewish Press Agency’ (Agência de Imprensa Judaica, a circulação de rumores) também encontraram seu caminho nos diários. Finalmente, encontramos muitos sinônimos conhecidos para morte e roubo, como ‘verlöschen’ (enfraquecimento) ou “organisieren” (organização). Enquanto os últimos não foram invenções dos campos de concentração, eles receberam um significado novo ou diferente pela língua dos prisioneiros neste ambiente do que tinham em seu uso antes da guerra. Assim, Lagersprache poderia ser usado para nomear o “inominável” ou descrever o “indescritível”, não apenas para comunicar aos outros, mas para fazer sentido para eles próprios, e também para construir comunidade entre os prisioneiros”. Schröder concluiu com uma citação de um preso político de Buchenwald, Jorge Semprún, que expressou dúvidas sobre a possibilidade de narrar o Holocausto, mas acrescentou: “O que foi vivido não foi indescritível. Foi insuportável, que é algo completamente diferente. [...] Tudo pode sempre ser dito: no final, a língua contém tudo”.
O workshop “Linguagem, Semântica e Discurso na Shoah” foi generosamente apoiado pelo Fundo Familiar Gutwirth.
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JUSTO ENTRE AS NAÇÕES
Procurando Heróis Yad Vashem disponibiliza milhares de histórias de resgate Por Irena Steinfeldt
“Meu avô sobreviveu ao Holocausto na clandestinidade e eu gostaria de saber se seus salvadores foram reconhecidos pelo Yad Vashem”; “O Yad Vashem reconheceu algum Justo da minha cidade?”; “Eu estou interessado em questões sobre medicina durante o Holocausto. Algum médico foi reconhecido como Justo entre as Nações?”. Estas são apenas algumas das muitas perguntas que pessoas de todo o mundo enviam ao Yad Vashem todos os dias. As histórias dos Justos entre as Nações têm grande valor moral e inspiracional para judeus e não22
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judeus. Estas histórias verdadeiras demonstram que mesmo em tempos de guerra e tirania, homens e mulheres têm o direito inato e capacidade de agir de acordo com preceitos morais. O conceito de Justo entre as Nações, portanto, torna-se um paradigma universal, e o programa do Yad Vashem continua a gerar grande interesse, especialmente entre educadores, que reconhecem seu potencial para engajar os alunos de todas as origens, e assim reforçar a democracia e os valores humanos. Desde a criação do programa de reconhecer e agradecer formalmente os não-judeus que arris-
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caram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto, oYad Vashem concedeu o título de Justo entre as Nações a cerca de 24.000 homens e mulheres de 46 países. Em 2012-2013, o Yad Vashem marcará o 50 º aniversário da iniciativa, que ganhou notoriedade enorme em todo o mundo. Aproximando-se este marco, um projeto abrangente foi lançado para preservar o arquivo do programa, para o benefício das gerações futuras e para criar um recurso de fácil utilização on-line com informações sobre os Justos, resgatar histórias e fotos. Os sofisticados sistemas de informação do Yad Vashem são incorporados na base de dados, permitindo pesquisas por lugar, nome, profissão, nacionalidade ou outras palavras-chave, independentemente de ortografia ou do idioma. Investigando salvadores gregos ucranianos católicos, por exemplo, os usuários encontrarão a história de três meninos judeus escondidos no Mosteiro da Assunção da Virgem Maria em Uniow. Os três garotos que foram salvos por Hieromonk Daniil Tymchyna representam três histórias de vida muito diferentes. Nascidos em lugares distantes, o destino os uniu em Uniow, e depois da guerra eles reconstruíram suas vidas em três continentes: Oded Amarant, que nascera em Tel Aviv, mas estava visitando seus avós quando a guerra estourou, retornou a Israel; Adam Daniel Rotfeld, nascido em Przemyslany, ficou na Polônia após a guerra e em 2005 tornou-se seu Ministro de Relações Exteriores; e Leon Chameides, nascido em Katowice, após a libertação juntou-se a seus avós na Inglaterra e emigrou com eles para os Estados Unidos. Os usuários do banco de dados poderão ler esta história e ver fotos do mosteiro e dos três meninos com seus salvadores. Se, em seguida, continuarem a procurar outros salvadores de Uniow, eles vão encontrar a história do escondimento de Roald Hoffmann, sua mãe, tio e tia no sótão da escola Uniow. Eles também verão fotos da visita de Hoffmann à vila mais de 50 anos depois. Aqueles que procuram por médicos vão encontrar uma série de narrativas em movimento, entre elas a
história de Lieneke van der Hoeden. Como muitas famílias judaicas, a família van der Hoeden tomou a dolorosa decisão de se dividir e se esconder em lugares diferentes, sem contato um com o outro. Em abril de 1943, Lieneke van der Hoeden, hoje Nili Goren, foi trazida para a casa de um médico de vila, Hein Kohly. Em seu décimo primeiro aniversário, em maio de 1944, ela recebeu um pequeno livro que seu pai havia escrito e ilustrado, trazido a ela pela clandestinidade holandesa. Algumas páginas do diário podem ser vistas online. O primeiro passo neste projeto de longo prazo viu o banco de dados dos Justos da Holanda e da Ucrânia enviados para o site do Yad Vashem, em outubro de 2011, com mais países planejados para serem adicionados ao longo de 2012.
A digitalização dos arquivos dos Justos Entre as Nações é apoiado pelo Grupo Filantrópico Genesis, o Fundo Judaico Euroupeu, a Fondation pour la Mémoire de la Shoah, a Conferência de Reivindicações, o Fundo Maror, a Fundação Levi Lassen e os Amigos Holandeses do Yad Vashem. A autora é diretora do Departamento de Justos Entre as Nações.
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ON LINE
Banco de Dados do Centro Visual de Cinema No final de julho, o Centro Visual do Yad Vashem enviou seu banco de dados de filmes para a Internet. Compreendendo mais de 6.500 títulos, o banco de dados é o maior catálogo de filmes relacionados ao Holocausto, e é um trabalho em andamento, com títulos de todo o mundo adicionados em uma base regular. Em uma entrevista para o Yad Vashem de Jerusalém, o diretor do Centro Visual, Liat Benhabib, explicou como o banco de dados on-line vai permitir aos investigadores e ao grande público em todo o mundo obterem informações sobre cada filme, bem como a riqueza incomparável de material contido no centro da biblioteca de filmes. Que tipo de filmes o Centro Visual coleta? A biblioteca digital de cinema do Centro Visual atualmente contém 6.682 títulos, todos eles relacionados com o Holocausto. Cerca de 4.000 destes são documentários e 1.000 são filmes de longametragem. Temos cerca de 400 séries de televisão, 250 vídeos amadores e filmes de comemoração pessoal, bem como outras mídias visuais, como vídeo-arte, vídeo de dança, notícias, noticiários de
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guerra e curtas-metragens. A coleção do Centro Visual também contém muitas obras únicas de diretores importantes. Há filmes raros da Rússia pré-Segunda Guerra Mundial, filmes produzidos pelo DEFA, estúdio de filmes da antiga Alemanha Oriental, filmes feitos por estudantes de uma variedade de academias de cinema, uma grande variedade de documentários, dramas, longas e muitos outros tipos israelenses, americanos e europeus de qualidade. Além disso, abrigamos a completa coleção de testemunhos de sobreviventes do Yad Vashem e do USC - Instituto Fundação da Shoah (Steven Spielberg). Alguém pode assistir a esses filmes? Uma vez que os cineastas depositam seus filmes em nossa coleção, nós garantimos que eles estarão protegidos por um software especial e depois os tornamos disponíveis para visualização apenas em nossa biblioteca de filmes digitais. Qualquer pessoa com mais de 16 anos é bem-vinda para visitar o Centro Visual no Complexo do Museu Yad Vashem para ver os filmes. Assistir é gratuito e não é necessário pré-inscrição, mas limitamos
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três horas para cada pessoa em dias lotados. Nós também temos uma equipe de funcionários disponíveis para responder perguntas e dar conselhos. As pessoas podem realmente ver os filmes on-line? Ainda não. Apesar do Yad Vashem ter a capacidade tecnológica para proporcionar visualização on-line dos filmes, não temos o direito legal de fazê-lo. No entanto, há um grande interesse internacional em adquirir filmes on-line para uso pessoal e público. Esperamos que no futuro próximo, os produtores e distribuidores possam identificar o potencial dos centros de mídia e catálogos como o nosso para alcançar um público mais vasto e proporcionar novas plataformas de distribuição e visualização de filmes. O que o banco de dados online de filmes oferece? O banco de dados de filmes on-line (www.yadvashem.org - “Coleções Digitais”) contém informações detalhadas sobre os filmes, inclusive dados artísticos, técnicos, comerciais, históricos e geográficos. Os filmes podem ser encontrados por título, ano de lançamento, diretor, idioma e comprimento do filme. O banco de dados pode ser facilmente pesquisado usando palavras-chave, por exemplo: “kindertransport”, “legislação antijudaica”, “resgate”, “crianças”, “música”, e mais. Você também pode procurar por locais geográficos específicos de acordo com grafias variáveis, e em seguida localizar a cidade, município ou país em um mapa do Google dentro do banco de dados. Depois que o filme desejado é encontrado, um clique revela informações mais detalhadas, incluindo
um resumo da história, bem como dados sobre o produtor, a equipe, os atores e participantes. O ícone “Meus filmes” permite que você salve seus filmes selecionados em uma lista personalizada, que pode ser enviada para um endereço de e-mail, impressa ou compartilhada através de uma variedade de serviços na web, incluindo Facebook, Twitter e outras redes sociais. Outro recurso útil é a aba “Comentários do Usuário”, que convida o público a nos enviar solicitações sobre filmes específicos, ou propor adições ou correções à informação fornecida para cada registro do filme. As solicitações são direcionadas para a equipe do Centro Visual, que tenta responder o mais rápido possível. Quais benefícios o banco de dados on-line vai oferecer? Não há dúvida de que permitir acesso a informações detalhadas sobre os filmes em nossa coleção vai ajudar educadores, programadores, investigadores e o público em geral na promoção do uso de filmes para cultivar a lembrança do Holocausto. Apelamos aos cineastas e ao público em geral para se juntarem a nós em continuar a expandir o que é agora a principal biblioteca de filmes digitais e o banco de dados mais abrangente do mundo de cinema relacionado ao Holocausto. O envio da base de dados de filmes on-line para o site do Yad Vashem foi possível graças ao apoio do sobrevivente do Holocausto Avraham Harshalom-Fridberg, em memória de seus pais Moshe e Cyra Fridberg, e seu irmão, Sioma-Shlomo Fridberg, que foram assassinados em Auschwitz-Birkenau no início de 1943.
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RESISTÊNCIA
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Coragem, Perspicácia e Nervos de Aço Por Prof. Lenore J. Weitzman
“Essas garotas heroicas… é um tema que pede a caneta de um grande escritor. Corajosamente elas vão e vêm pelas cidades e vilas da Polônia. …Elas estão em perigo mortal todos os dias. ... Nada as detém”. Emmanuel Ringelblum, 1942 Grande parte da pesquisa realizada sobre o Holocausto tem se dedicado às ações da resistência clandestina – tanto de judeus como de não judeus. No entanto, surpreendentemente pouco cobriu o fenômeno das kashariyot – mulheres jovens que viajavam em missões ilegais para a resistência judaica na Europa Oriental ocupada pelos alemães. Usando documentos falsos para esconder suas identidades judaicas, elas contrabandeavam documentos secretos, armas, jornais clandestinos, dinheiro, suprimentos médicos, informações, documentos de identidade falsificados, munição – e outros judeus – para dentro e fora dos guetos da Polônia, Lituânia e partes da URSS. As kashariyot (do hebraico Kesher, que significa conexão) eram uma corda de salvação para notícias e informações, um contato confiável para suprimentos e recursos, e uma inspiração pessoal para esperança e resiliência. Nos primeiros meses após a invasão alemã da Polônia, as moças e rapazes que primeiro partiram em missões de reconhecimento foram os líderes das organizações judaicas pré-guerra que buscavam re-energizar os membros locais dos seus movimentos. Mas quando os alemães instituíram a pena de morte para judeus encontrados fora do gueto, tornou-se mais perigoso para os líderes homens
viajarem (porque os homens judeus eram circuncidados e poderiam ser facilmente identificados). Mas as mulheres continuaram, e os mensageiros se tornaram predominantemente mulheres. Disfarçadas como não-judias, estas kashariyot muitas vezes contavam com pura audácia para enganar em suas passagens por múltiplas inspeções policiais, verificação de documentos e controles de fronteira. Elas estavam sempre correndo risco de serem desmascaradas, e sempre sob a ameaça de morte. Suas missões exigiam grande coragem, raciocínio rápido e nervos de aço. A maioria das kashariyot já eram ativas, e muitas vezes reconhecidas como líderes de um movimento juvenil filiado a uma organização específica judaica. Estas organizações variavam de movimentos juvenis sionistas (como Dror, Akiva e Hashomer Hatzair) aos principais partidos políticos (como o Bund judaico-socialista e o Partido Comunista). As kashariyot normalmente falavam polonês fluente sem “sotaque judeu”, e não pareciam distintamente judias, o que lhes permitia misturar-se com a população polonesa. Sua tenra idade e seu gênero também ajudaram, permitindo-lhes fazer
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suas longas tranças loiras ela parecia a perfeita imagem da garota alemã.
compras e andar pelas ruas com pouca suspeita, pedindo a ajuda de alemães e poloneses: Chasia Bielicka (Bornstein) escapou de uma inspeção ao carregar um laboratório para falsificação de documentos, porque ela apelou para um guarda e “parecia tão inocente”; O sorriso e a elegância de Bronka Winicka (Klibanski) inspiraram homens a comprar bilhetes de trem e carregar malas para ela – contendo armas e munições; e Bela Chazan recebeu passes de viagem especiais do escritório da Gestapo onde ela trabalhou, porque com
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Quando uma kasharit chegava em um gueto, ela imediatamente procurava os membros locais do seu movimento. Eles estavam ansiosos para saber sobre os acontecimentos recentes e devoravam cada palavra preciosa dos jornais, cartas e boletins clandestinos que ela carregava. Todos sabiam os riscos que ela tinha corrido para chegar a eles, e eles desfrutavam na glória refletida do seu sucesso em romper as barricadas alemãs. Nos primeiros dias da ocupação alemã, as kashariyot também realizaram seminários educacionais, com lições inspiradoras da história judaica, e realizaram reuniões que duravam madrugadas para organizar programas locais. Como a resistência judaica respondia a mudanças na política alemã, no entanto, as tarefas das kashariyot também começaram a mudar. Quando notícias de operações de assassinato em massa começaram a circular, eles mudaram de marcha e se mobilizaram para levar a notícia e apressar atividades de resistência. Tendo sempre incentivado os outros a acreditarem na vida e na esperança, era difícil para eles levar a notícia dos assassinatos. E foi ainda mais difícil para os outros ouvir – e acreditar – em seus relatos. Bela Chazan, a mensageira do Dror enviada de Vilna para Grodno em janeiro de 1942, informou que o Judenrat “não acreditou” no que ela descreveu, mesmo que ela tendo trazido informações fidedignas sobre os massacres em Vilna e Ponary.
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duas das mais talentosas e experientes kashariyot, Lonka Kozibrodska e Bela Chazan, foi desencadeada quando Kozibrodska foi pega contrabandeando quatro pistolas para Varsóvia. Como as duas mulheres pareciam tão tipicamente polacas, elas foram capazes de manter seu disfarce ariano quando foram detidas, mas acabaram por ser enviadas para Auschwitz como polonesas. (Kozibrodska morreu de tifo em Auschwitz em março de 1943. Chazan sobreviveu (e viveu para contar sua história). Quando ficou claro que os guetos estavam sendo liquidados, as kashariyot foram incumbidas de sua quarta e mais crítica missão: salvar o maior número possível de vidas de judeus. Conscientes desta corrida contra o tempo, elas abraçaram o compromisso com a paixão: escoltaram e ajudaram crianças e adultos a escapar do gueto, instalaram quartos para eles ficarem no lado ariano, prepararam novos documentos de identidade, e forneceram a eles (e àqueles escondidos e ajudando-os) apoio financeiro.
No entanto, aqueles que se envolveram na organização dos levantes do gueto acreditaram e atuaram em seus relatos, e eles então se voltaram para as kashariyot para organizar uma ampla série de tarefas difíceis e perigosas que tinham que ser realizadas no lado ariano: adquirir armas, explosivos e munições e encontrar uma maneira de contrabandeá-los aos guetos. As kashariyot também trouxeram dinheiro, mensagens, suprimentos e munição para grupos de judeus planejando operações de resistência em fábricas, prisões e campos de trabalho. Ao mesmo tempo, elas forneceram orientação crítica e apoio logístico para outros líderes da resistência judaica que trabalhavam no lado ariano. Diante de tais missões traiçoeiras, a maioria das kashariyot não sobreviveu. A prisão trágica de
Cada uma dessas tarefas foi muito complicada e arriscada. Nunca se sabia se alguém havia colocado um anúncio de um quarto razoável para armar uma armadilha, ou se o proprietário iria mudar o preço publicado após o fugitivo chegar. Os combinados muitas vezes se desfaziam e tinham que ser refeitos: um vizinho se tornaria suspeito, um proprietário poderia ficar nervoso, ou alguém seria descoberto por um chantagista. O estresse psicológico era implacável. Mas para os judeus que eles ajudaram e salvaram, estas mulheres de coragem foram heroínas de todo o povo judeu.
O autor escreveu / editou cinco livros, incluindo Mulheres no Holocausto (Yale, 1999), co-editado com a Profa. Dalia Ofer. Ela discursou na recente conferência internacional do Yad Vashem, “Escondendo, Abrigando e Emprestando Identidades” em “Judeus Salvadores”, com foco nas kashariyot para o Dror, Hashomer Hatzair e o Bund.
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LIVRO
Na Sombra da Morte Autor: Joseph Foxman
“Fui batizado na Lituânia como um garoto católico chamado Henryk Stanisław Kurpi, os nomes da minha babá e do meu padroeiro. Eu ia à igreja todo domingo, e, ao passar pela cidade de Vilna, eu fazia o sinal da cruz quando me aproximava de uma igreja. Quando eu encontrava um padre, eu beijava sua mão; quando eu via um judeu, fui ensinado a cuspir nele. Assim recorda Abe Foxman, diretor nacional da Liga Anti-Difamação da B’nai B’rith, na introdução de memórias de seu pai Joseph sobre suas experiências de guerra, Na Sombra da Morte (In the Shadow of Death, $21), a última edição da série de memórias publicadas pelo Yad Vashem e pelo Projeto de Memória dos Sobreviventes do Holocausto. 30
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As memórias de Joseph Foxman, divididas em dez vinhetas, descrevem sua experiência durante a Guerra e concentra em suas escapadas por pouco da morte, a ajuda que ele recebeu, e sua gratidão cada vez que ele conseguia sobreviver. Durante esses anos difíceis, o bem-estar de Abe foi sua primeira e principal preocupação.Deixando seu filho de 13 meses de idade com uma pobre babá polonesa quando eles foram forçados a entrar no gueto de Vilna, os pais de Abe não sabiam que este combinado duraria por quatro anos. “Foi talvez a decisão mais anormal que um pai poderia fazer”, recorda Abe. “Eles confiaram a minha vida à minha babá polonesa, uma mulher que eles conheciam há pouco tempo. Eles fizeram isso em um ato de fé, em uma crença de que eu teria uma chance melhor de sobreviver fora do gueto judaico de Vilna sob a proteção e cuidado da devota mulher católica que me amava como se eu fosse sua”. Depois da Guerra, Joseph lentamente reintroduziu seu filho às suas raízes judaicas. Abe recorda da primeira vez que se pai levou-o ao shul em Vilnius em Simchat Torah: “As crianças judias me puxaram e dançaram comigo, e cheguei em casa e disse à minha mãe, ‘Hey, eu gosto da igreja judaica!’. Foi o início de meu retorno ao judaísmo”. Foxman reflete sua experiência de criança escondida como sendo uma história estranha “em que a compaixão,amor, fé e heroísmo são misturados com egoísmo, falsidade, crueldade e dor”. Uma iniciativa de Elie Wiesel, mensageiro da paz das Nações Unidas, e Menachem Rosensaft, presidente do Conselho Editorial de Projetos. O Projeto de Memórias de Sobreviventes do Holocausto é generosamente assistido pela Federação Mundial da Bergen-Belsen Associations e uma doação da Random House Inc. Para solicitar essas e outras publicações do Yad Vashem: publications.marketing@yadvashem.org.il ou adquira pela loja online: www.yadvashem.org
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