WORKSHOP
A Língua Contém Tudo Por Leah Goldstein
“Ninguém pode expressar tudo isso em palavras”, escreveu Lilly Zielenziger em seu diário em 29 de Setembro de 1944 em Bergen-Belsen. O uso da tão chamada Lagersprache (língua do campo) foi um dos tópicos apresentados em julho deste ano por Dominique Schröder, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, no primeiro seminário internacional sobre o tema “Linguagem, Semântica e Discurso na Shoah”, realizada pelo Instituto Internacional para Pesquisa do Holocausto. Estudiosos da Alemanha, Itália, Escandinávia, Polônia, Reino 20
pag_20_21.indd 6
Unido e Israel foram ao Yad Vashem para discutir a investigação pioneira em uma série de assuntos relacionados, tais como o uso de metáforas e símbolos mitológicos no discurso nazista e judeu, mudanças na narrativa ao longo do tempo, as percepções em tempo real da Shoah, e descrições do pós-guerra de sofrimento individual durante o Holocausto. Schröder falou sobre a articulação de experiências do prisioneiro do campo de concentração por meio
YAD VASHEM
20/01/2012 13:53:36
de um diário. “Mudando nosso foco de o que foi dito ou escrito para a pergunta de como isso foi articulado, podemos aprender mais sobre as formas pelas quais estes prisioneiros usaram marcadores linguísticos e estratégias para comunicar informações, sentimentos e experiências”, explica Schröder. “Esta abordagem discorda da concepção comum da Shoah colocada acima do âmbito da linguagem, como sendo ‘irrepresentável, indescritível, indizível’. Como mostra o diário de Lilly Zielenziger, os próprios estavam bem conscientes da natureza problemática de suas declarações sobre os horrores à sua volta. No entanto, eles escreveram, e por escrito que tentaram quebrar este limite aparente. Apesar de eles certamente estarem conscientes das inadequações de sua língua, eles não se calaram, mas esforçaram-se para escrever sobre suas experiências e sofrimentos da melhor forma possível”. No entanto, ela continuou, a natureza completamente peculiar das condições de vida no campo de concentração não poderia ser adequadamente comunicada na língua materna, o que fez a invenção de uma nova língua especificamente para o campo, a chamada “língua do campo”, necessária. “Levando em conta as situações concretas em que o uso de Lagersprache tornou-se necessário – principalmente em situações de comunicação oral entre os prisioneiros de diferentes origens linguísticas, por um lado, e a compreensão de ordens alemãs do outro – não podemos assumir a sua utilização no contexto do diário escrito, onde essas restrições estavam ausentes. Isso se torna ainda mais pungente se levarmos em conta a natureza altamente individual da prática de escrever um diário como uma forma de ‘escrever-se fora’ da realidade do campo, para construir um espaço ficcional de retiro, para construir continuidades ao tempo antes do campo ou para se afirmar a própria humanidade. Se o Lagersprache aparece no meio desses diários – que é de fato o caso – então as questões de seu caráter, bem como de suas motivações, funções e modos de sua utilização requerem respostas que possam se diferenciar
significativamente da obtida com relação ao seu uso na vida cotidiana do campo”. Se diaristas usavam o Lagersprache em seus escritos, quando especificamente eles fizeram isso e por quê? “Na maioria das vezes, eles aparecem no que diz respeito a atividades específicas à situação do campo, ou em referência às denominações de outros prisioneiros de acordo com sua atribuída ‘categoria’ ou nacionalidade, bem como as descrições dos funcionários e ‘proeminentes’ do campo. Outros contextos em que tal linguagem é habitualmente utilizada são doenças específicas do campo (‘Lagerfieber’), punições (‘Bunker’), ou apelidos para homens da SS (“Wilhelm Tell”). Abreviaturas específicas do campo ou siglas como “JPA” para ‘Jewish Press Agency’ (Agência de Imprensa Judaica, a circulação de rumores) também encontraram seu caminho nos diários. Finalmente, encontramos muitos sinônimos conhecidos para morte e roubo, como ‘verlöschen’ (enfraquecimento) ou “organisieren” (organização). Enquanto os últimos não foram invenções dos campos de concentração, eles receberam um significado novo ou diferente pela língua dos prisioneiros neste ambiente do que tinham em seu uso antes da guerra. Assim, Lagersprache poderia ser usado para nomear o “inominável” ou descrever o “indescritível”, não apenas para comunicar aos outros, mas para fazer sentido para eles próprios, e também para construir comunidade entre os prisioneiros”. Schröder concluiu com uma citação de um preso político de Buchenwald, Jorge Semprún, que expressou dúvidas sobre a possibilidade de narrar o Holocausto, mas acrescentou: “O que foi vivido não foi indescritível. Foi insuportável, que é algo completamente diferente. [...] Tudo pode sempre ser dito: no final, a língua contém tudo”.
O workshop “Linguagem, Semântica e Discurso na Shoah” foi generosamente apoiado pelo Fundo Familiar Gutwirth.
YAD VASHEM
pag_20_21.indd 7
21
20/01/2012 13:53:36