Casa Cobogó
“A luz do sol abundante dos trópicos incide no volume branco do último piso da casa, penetra nos buracos dos elementos vazados e incide no piso no espaço interno. Forma-se então um desenho de uma renda espacializada de sombras e raios solares. O efeito se multiplica por todo o ambiente, fazendo da própria luz uma construção. Ao longo do dia, ao longo dos meses, os elementos vazados das paredes adquirem várias formas com a incidência do sol; à noite, o efeito muda de aspecto novamente; em um processo contínuo de metamorfose da forma a partir da luz.”
A geometria volumétrica suave dos elementos vazados que formam as paredes é uma construção complexa, feita com linhas curvas infinitas. O elemento modular, uma obra de arte, foi desenhado pelo artista austroamericano Erwin Hauer que desde a década de 1950 faz esculturas concebidas para o espaço arquitetônico. Os seus elementos minimalistas dialogam com a arquitetura e recordam alguns traços da arquitetura moderna brasileira. As linhas curvas, desenhadas com perfeição remetem à arquitetura de Brasília de Niemeyer; além disso, os módulos em concreto têm como seus ancestrais os cobogós - que dão nome a casa - criados em Recife e difundidos por Lucio Costa em delicadas referências à arquitetura colonial.
Análise Climática e Estratégias do Projeto Tipo de clima da região Devido ao seu imenso território e ao fato de se localizar entre os trópicos, o Brasil possui um clima bastante variado. No mapa abaixo, derivado da classificação de Köppen, é possível identificar o tipo climático da região onde está localizada a Casa Cobogó.
Conforme descrito no mapa, região da capital paulista encontra-se na seguinte classificação: C : Clima oceânico — climas das regiões oceânicas e marítimas e das regiões costeiras ocidentais dos continentes • Cf : clima temperado úmido sem estação seca • Cfa : clima temperado úmido com verão quente
Zoneamento Bioclimático Brasileiro
A Norma Brasileira NBR 15220-3 estabelece o zoneamento bioclimático brasileiro, subdividindo o país em oito Zonas Bioclimáticas. Ela define as características principais e dá diretrizes construtivas para cada uma dessas oito zonas bioclimáticas em relação ao tamanho de janelas, ao sombreamento necessário, ao tipo ideal de paredes e coberturas e também às estratégias bioclimáticas mais recomendadas para o local.
A imagem acima foi capturada do software ZBBR desenvolvido pela Universidade Federal de São Carlos que fornece informações sobre a classificação bioclimática dos municípios brasileiros de acordo com a ABNT NBR 15220-3. Nela é possível perceber que a cidade de São Paulo encontra-se na Zona 3 portanto recomenda-se para essa zona as seguintes estratégias: • Aberturas para ventilação com 15 a 25% da área de piso de cada cômodo; • Ventilação cruzada no verão; • Aquecimento solar, paredes internas com alta inércia (grossas) e permitir a insolação dos ambientes no inverno.
Carta Bioclimática
Para a compreensão do comportamento climático da cidade de São Paulo, onde está sediada a Casa Cobogó, foi utilizado o programa desenvolvido pelo Laboratório de Eficiência Energética da Universidade Federal de Santa Catarina, Analysis-BIO, ele traça os dados climáticos existentes em arquivos no formato TRY, CSV ou XLS diretamente sobre a carta bioclimática de Givone (1992) considerada a mais adequada para países em desenvolvimento como o Brasil. Essa ferramenta é bastante útil para a rápida análise visual das condições térmicas ao longo de um ano em determinado local e aplicabilidade de estratégias de projeto bioclimáticas para resolver problemas relacionado ao frio, calor, umidade e secura do ar.
Na carta acima, gerada pelo programa, é possível perceber linhas correspondentes de cada mês do ano para a cidade de São Paulo com dados de temperatura e umidade médios mensais, como os obtidos nas Normais Climatológicas. Pelo gráfico gerado percebe-se que: • A umidade relativa do ar varia entre 60% e 90% durante todo o ano; • A variação de temperatura é de 11,6ºC a 28ºC, onde o pico de calor acontece no mês de fevereiro e de frio no mês de julho, amplitude térmica de cerca de 16ºC.
- Estratégias para as zonas bioclimáticas
• Os indicadores climatológicos encontra-se dentro da zona de conforto, ou seja, com temperatura do ar entre 18ºC e 29ºC e umidade média de 78,4% (zona 1) a maior parte do ano; • Durante parte dos meses mais frios (junho, julho e agosto) quando a temperatura do ar pode ficar entre 11 e 14ºC (zona 8) é recomendável o aquecimento solar passivo, que consiste em permitir o acesso da radiação solar diretamente ao interior através de janelas e paredes de vidro transparente, ou clarabóias e domos controláveis, gerando o “efeito estufa” quando necessário além disso o indicado são paredes grossas com alta inércia e isolamento térmico mais rigoroso. Em temperaturas entre 14ºC e 20ºC (zona 7) pode-se utilizar a inércia térmica junto ao aquecimento solar passivo, isso compensará as baixas temperaturas pelo armazenamento de calor solar, que ficará retido nas paredes e poderá ser devolvido ao interior nos horários mais frios, geralmente à noite.
Relatório anual
Normais - São Paulo
JANEIRO: »Conforto: 67.11 »Ventilacao: 17.77 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 15.12 ________________________ FEVEREIRO: »Conforto: 64.43 »Ventilacao: 16.38 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 13.05 »Ventilacao/Alta Inércia/Resfriamento Evaporativo : 6.15 ________________________ MARÇO: »Conforto: 67.93 »Ventilacao: 12.07 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 20.00 ________________________ ABRIL: »Conforto: 70.20 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 29.80 ________________________ MAIO: »Conforto: 54.34 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 43.49 »Aquecimento Solar Passivo : 2.17 ________________________ JUNHO: »Conforto: 40.42 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 42.55 »Aquecimento Solar Passivo : 17.03 ________________________ JULHO: »Conforto: 37.62 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 39.60 »Aquecimento Solar Passivo : 22.78 ________________________ AGOSTO: »Conforto: 50.48 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 38.09 »Aquecimento Solar Passivo : 11.43 ________________________ SETEMBRO: »Conforto: 59.00 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 40.01 »Aquecimento Solar Passivo : 1.00 ________________________ OUTUBRO: »Conforto: 71.58 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 28.42 ________________________ NOVEMBRO: »Conforto: 74.84 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 25.17 ________________________ DEZEMBRO: »Conforto: 67.79 »Ventilacao: 5.46 »Aquecimento Solar Passivo/Alta Inércia Térmica : 26.75
Altas temperaturas decorrentes das ilhas de calor
O clima é tropical de altitude, caracterizado por chuvas de verão. Mas todas as estações do ano podem ser vistas em um único dia em São Paulo. A cidade pode amanhecer ensolarada e sem nuvens e terminar o dia com um temporal. Por isso, é comum ver paulistanos com casacos e guardachuvas em dias quentes. Esses dias são mais comuns durante o verão, quando a chuva costuma cair no final da tarde, aliviando o calor. No outono, a temperatura é amena, com média em torno de 23ºC. O inverno costuma ter dias ensolarados e secos, com temperaturas que raramente caem abaixo dos 15º C. Na primavera, os dias são bastante quentes e secos.
Análise do Projeto
Estudo Volumétrico
A Casa Cobogó é uma casa moderna em que a obra de arte de Erwin Hauer pôde ser usada naturalmente, como parte de toda a arquitetura. No jogo de sobreposições de volumes puros, feitos de massa branca, concreto e madeira, repousa, junto do terraço jardim, o volume construído com os elementos vazados de Erwin Hauer. No interior desse espaço há uma sala de múltiplos usos e um pequeno spa. No térreo a sala se conecta inteiramente com o jardim, que abriga um pequeno lago artificial. Peixes e plantas ajudam a manter o equilíbrio biológico da piscina sem a ajuda de produtos químicos que agridam o meio ambiente. Esse pensamento ambiental permeou todo o projeto que incorporou princípios de sustentabilidade estabelecidos por rígidos padrões, similares às certificações. Existe na casa uma grande preocupação em usar dispositivos de reaproveitamento e diminuição de consumo de água; racionalizar e organizar a construção para minimização de impactos; utilizar dispositivos de otimização de eficiência energética; instalar placas de aquecimento solar; além de usar apenas materiais certificados, reciclados ou ecologicamente corretos. O emprego desses conhecimentos aliada a uma arquitetura respeitosa com o clima local, resultou em uma casa com excelente conforto interno.
Elementos de proteção contra a radiação solar Cobogós São elementos arquitetônicos que, em sua concepção plástica, podem ser e pregados nas edificações com o propósito de propocionar ventilação natural permanente, proteção solar e iluminação natural, além de gerar maior privacidade aos ambientes. É o nome que se dá, principalmente no Nordeste do Brasil, ao tijolo cerâmico furado ou ao elemento vazado de concreto empregado na construção de paredes perfuradas, cuja função principal seria a de separar o interior do exterior, sem prejuízo da luz natural e da ventilação. Este termo acabou se generalizando para designar igualmente os elementos celulares usados como quebra-sol. Inicialmente feito de cimento, deriva das sílabas iniciais dos sobrenomes de três engenheiros, que trabalharam em Recife-PE e conjuntamente o idealizaram: Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góes. Os cobogós são de uso frequente em construções de climas ensolarados e consistem em solução inteligente como protetor solar. Podem funcionar como filtro do excesso de luz natural sem barrar a ventilação. Na cobertura da casa do estúdio MK27, o volume do spa é revestido em L por cobogós especiais. Criadas nos anos 1950 pelo alemão Erwin Hauer, cujo trabalho de formas orgânicas busca inspiração nos arranjos geométricos da natureza, as peças de cimento e agregado de mármore foram utilizadas pioneiramente, nesta casa, expostas às intempéries. À noite, iluminados na base, o cobogó permite a passagem de luz dando um efeito incrível.
Muxarabi Também chamado “muxarabiê”, provém do termo árabe maxarabiya, pelo afrancesamento moucharabieh; e segundo Ching (2006) consiste em um balcão guarnecido por uma grade através da qual o ar pode entrar livremente, enquanto o interior fica protegido da visão de quem está no lado de fora. De origem mourisca, é protegido em toda a altura da janela por uma treliça de madeira, tendo sido trazido pelos colonizadores ibéricos para a América Latina e Brasil; e podendo estar associado a gelosias e rótulas. Através dos treliçados em madeira, pode-se ver a rua, mas não a beleza da mulher islâmica, preservada por trás dos muxarabis. É por meio deles que a cultura islâmica encontrou uma solução que permite a ventilação e iluminação naturais, mantendo a privacidade e valorizando os seus bens culturais. Essa herança mourisca conquistou mais do que o mundo árabe, estendendo-se a outras culturas. No caso da Casa Cobogó, vê-se a ideia do muxarabi sendo empregado para uma estética diferenciada, especialmente pelo material escolhido, que trabalha a transparência e a integração do ambiente interno e externo, mas ainda mantendo a privacidade que uma moradia exige.
Tanto na sala dos fundos - que de um lado se abre para o grande jardim frontal e do outro para um pátio de árvores - quanto nos quartos, os ambientes internos são sombreados por um muxarabis de madeira que possibilita uma boa ventilação com sombreamento interno. Os painéis podem ser abertos inteiramente, assim como os caixilhos deslizantes de vidro, diluindo assim a transição entre o espaço interior e exterior.
No último piso, a obra de arte pensada como um espaço arquitetônico é o símbolo da casa que, assim como a enorme jabuticabeira do jardim, constrói um espaço único e uma atmosfera reflexiva que invoca um breve silêncio contemplativo.
As porta-painéis deslizantes de vidro com quase 4 metros de largura podem ser abertas inteiramente, diluindo divisões, unificando os espaços e facilitando a entrada de ar fresco.
Orientação aos ventos
Os dados da tabela acima foram colhidos no site www.windfinder.com e são baseados em observações feitas entre 12/2007 - 02/2016 diariamente das 7 am às 7 pm. Através dele é possível observar que a direção predominante dos ventos durante o ano na região da Casa Cobogó é a sudeste.
O telhado verde absorve grandes volumes de água em seus componentes, atrasando a liberação da água e reduzindo o volume de pico em um evento de chuva. Desta forma, evita-se o colapso do sistema de drenagem e reduz-se o risco de enchentes. Também atuam na filtragem de poluentes da água da chuva em grandes cidades, permitindo o seu reaproveitamento local. Como causam efeitos sobre a performance térmica em edificações (melhoram a eficiência energética), os telhados verdes reduzem a necessidade de ar condicionado (menos horas de uso), reduzindo o consumo de energia elétrica.
Construção amiga do meio ambiente No térreo a sala está conectada ao jardim, que abriga um pequeno lago artificial usado pelos moradores também como piscina. Peixes e plantas ajudam a manter o equilíbrio biológico do local dispensando uso de produtos químicos. “O pensamento ambiental permeou todo o projeto. Incorporamos princípios de sustentabilidade estabelecidos por rígidos padrões, similares às certificações”, relata Kogan. Há uma grande preocupação em usar dispositivos de reaproveitamento e diminuição de con-
Área: 90m2 Vegetação: Sedum acre + Villadia batesi Sistema: Modular 17L sobre gradil galvanizado Irrigação: Aspersão
A Casa Cobogó é um projeto piloto do escritório Studio mk27 no que se diz respeito à sistematização da sustentabilidade, com laje verde, muro de barro, piscina sem tratamento químico, reúso de água e aquecimento solar. sumo de água; racionalizar e organizar a construção para minimização de impactos; utilizar dispositivos de otimização de eficiência energética; instalar placas de aquecimento solar; além de usar apenas materiais certificados, reciclados ou ecologicamente corretos. A soma dessas atitudes a uma arquitetura respeitosa com o clima local resultou em uma casa com excelente conforto interno.
Análise da adequação bioclimática De acordo com o tipo de clima da região pela classificação de Köppen o clima da capital paulista é o clima temperado úmido com verão quente, também considerado subtropical úmido (Cfa), com diminuição de chuvas no inverno e temperatura média anual de 19,2 °C, tendo invernos brandos e verões com temperaturas moderadamente altas, aumentadas pelo efeito da poluição e da altíssima concentração de edifícios, informações evidenciadas na sua carta bioclimática. Das recomendações desse tipo de zoneamento foi possível observar através de fotos, vídeos e pesquisa sobre a casa que sua volumetria permite um bom aquecimento solar na edificação, as paredes que dividem os ambientes parecem ter uma inércia alta e as aberturas (muxarabis e cobogos) juntamente com as portas-paineis deslizantes de vidro totalmente transparentes permitem a incidência de radiação solar dentro dos ambientes, condições essas que serão aproveitadas durante o inverno. Durante o verão, recomenda-se o recurso de ventilação cruzada, porém, embora a residência apresente grandes abertura para a entrada dos ventos do lado interno do “L” (norte e leste) não foi possível observar nenhuma abertura através de fotos que propiciasse a entrada dos ventos vindos
no sudeste (direção predominante para a região), pelo que se pode perceber somente através das plantas baixas (pois não há registros fotograficos da fachada sul) é que no pavimento térreo inexistem aberturas, no segundo pavimento há uma parde de blocos de vidros (foto abaixo) e no terceiro há apenas uma abertura, o que consideramos insuficiente para o tamanho da construção.
Conclusão
Referências
A partir de pesquisas realizadas para a elaboração deste trabalho, concluímos que, a Casa Cobogo, é um projeto idealizado por uma das equipes de arquitetos mais competentes e talentosas do país, servindo de referência para profissionais do mundo inteiro, pois além de apresentar uma excelente combinação de elementos, texturas, volumes e elegância, atendem a maioria dos requisitos básicos de conforto ambiental. É nítido que o pensamento ambiental permeou todo o projeto, a nossa única ressalva é a não observação da ventilação cruzada, que não pode ser confirmada por nós nem nas fotografias, nem através de vídeos, textos em livros ou até mesmo na planta baixa. Por ser uma construção avaliada pela crítica no âmbito arquitetônico como “perfeita”, acreditamos que deva existir uma explicação lógica para isso, talvez ela possa estar presente no programa de necessidades ou no sistema de sustentabilidade existente nessa magnífica construção.
Bibliografia: • Eficiência Energética na Arquitetura, Ed. 3 (Roberto Lambert, Luciana Dutra e Fernando O. R. Pereira) Sites: • http://studiomk27.com.br/p/casa-cobogo/ • http://www.archdaily.com.br/br/767458/casacobogo-marcio-kogan • http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/br/clima • http://www.windfinder.com/ • http://institutocidadejardim.com. br/2011/05/26/revestimento-vivo-na-casa-cobogo-do-arquiteto-marcio-kogan/ Vídeos: • https://www.youtube.com/ watch?v=u8NrluRt5l8