Nuno Horta

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MAIO . JUNHO 2014


REALIDADE PARALELA O rosto humano identifica o indivíduo perante o outro e perante si próprio, medeia as relações, é o que temos mais visível de uma noção de identidade. Quanto se pode dizer sobre alguém que não conhecemos, apenas pela imagem da sua cara, lendo e descobrindo a vida que está gravada na sua face? A máscara transforma essa percepção do real e projecta-nos para a dimensão do mistério. Atrás da máscara há uma pessoa que se oculta e exibe uma identidade alternativa. Quem é? Por que se mascara? Haverá semelhanças entre o seu rosto e a máscara que ostenta? Preferiria que ela fosse o seu próprio rosto? É por vergonha que alguém se esconde ou simplesmente por que não quer ser visto? Há um lugar para uma alma oculta mesmo em frente de uma câmara? Talvez usemos todos os dias máscaras invisíveis até sermos forçados a assumi-las. O único verdadeiro desejo é aquele que não se concretiza. A beleza consome mais quem não a vê. Imaginemos uma realidade com duas dimensões paralelas e coexistentes. Uma dessas dimensões seria simplesmente aquela em que vivemos, onde existimos como nós próprios. A segunda, uma realidade alternativa na qual todos teríamos um outro eu, uma projecção num mundo sem condicionantes de qualquer ordem, uma existência quase cinematográfica num imaginário assumidamente obscuro. Quem são as personagens que Nuno Horta cria para fotografar? E em que medida modelos e personagens podem ser um só pela imagem, num imaginário alternativo, de sonhos perturbadores? Os trabalhos fotográficos de Nuno Horta estabelecem essa passagem. O seu olhar interpreta as pessoas que vê numa dimensão real, para depois as transfigurar. Num exercício de descoberta desse eu tenebroso, estabelece-se então uma manifestação visual de um certo apelo oculto que se aloja nos mais inacessíveis lugares da mente humana. Esta ficção artística é tão sombria quanto fulgente. A atmosfera é terrorífica, mas enigmaticamente sedutora. Onde se estabelece a fronteira? O fascínio de Nuno Horta por esta dicotomia entre o bem e mal, se assim se pode definir, é também o resultado da sua juventude rebelde, marcada por influências góticas e punk, e por uma sede latente de transgressão. A série White Wedding é mais uma imersão neste universo desconcertante, porém com um belo sempre presente e onde a ironia e o humor marcam também o seu espaço. Desta vez, tornando invisíveis não só os rostos mas também os corpos de dois improváveis nubentes, de uma singular cerimónia vinda de um sonho negro fotografado a branco. O festivo retratado com ligaduras. Sorrisos de rostos não revelados. A união de dois seres estranhos, inexistentes. Cruzes e armas, karaokes de defuntos, uma criança de plástico, brindes e um cutelo. A dança entre vida e morte satirizada pela lente. Maio, 2014

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NUNO HORTA WHITE WEDDING

GALERISTAS E ARTISTA

SÉRGIO CURRAIS

Nuno Sacramento, Nuno Horta e José Sacramento



WHITE WEDDING

Lambda Print, Laminação brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

Hey little sister what have you done? Hey little sister who’s the only one? Hey little sister who’s your superman? Hey little sister who’s the one you want? Hey little sister shot gun! It’s a nice day to start again. It’s a nice day for a white wedding. It’s a nice day to start again. Hey little sister who is it you’re with? Hey little sister what’s your vice and wish? Hey little sister shot gun Hey little sister who’s your superman? Hey little sister shot gun! It’s a nice day to start again It’s a nice day for a white wedding It’s a nice day to start again. Billy Idol

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NUNO HORTA WHITE WEDDING



PRAY

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

One must shed the bad taste of wanting to agree with many. “Good” is no longer good when one’s neighbor mouths it. And how should there be a “common good”! The term contradicts itself: whatever can be common always has little value. In the end it must be as it is and always has been: great things remain for the great, abysses for the profound, nuances and shudders for the refined, and, in brief, all that is rare for the rare.” Friedrich Nietzsche, Beyond Good and Evil

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MATERNITY

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices. O homem - não o homem que Deus fez, mas o que a sociedade tem contrafeito, apertando e forçando em seus moldes de ferro aquela pasta de limo que no paraíso terreal afeiçoará à imagem da divindade -, o homem assim aleijado como nós o conhecemos, é o animal mais absurdo, o mais disparatado e incongruente que habita na terra. Almeida Garrett

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THE AVIATOR

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

I just grew up watching a lot of movies. I’m attracted to this genre and that genre, this type of story, and that type of story. As I watch movies I make some version of it in my head that isn’t quite what I’m seeing - taking the things I like and mixing them with stuff I’ve never seen before. Quentin Tarantino

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THE LAST SUPPER

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

I love those who can smile in trouble, who can gather strength from distress, and grow brave by reflection. ‘Tis the business of little minds to shrink, but they whose heart is firm, and whose conscience approves their conduct, will pursue their principles unto death. Leonardo da Vinci

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THE MIRACLE

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

As três crianças haviam relatado em datas anteriores que Nossa Senhora tinha prometido um milagre para o meio-dia de 13 de Outubro, na Cova da Iria, de modo que todos pudessem acreditar. O professor Auguste Meessen do Instituto de Física da Universidade Católica da Lovaina, afirmou que as observações relatadas foram efeitos ópticos causados pela prolongada observação directa do Sol. Meessen alega que as imagens resi-duais na retina, produzidas após breves períodos de olhar fixo no Sol, são a causa provável dos efeitos observados de dança. Semelhantemente, Meessen afirma que as mudanças de cor testemunhadas foram provavelmente causadas pela estimulação excessiva das células fotossensíveis da retina. Meessen adverte que milagres do Sol têm sido testemunhados em muitos locais onde peregrinos cheios de religiosidade têm sido encorajados a olhar para o Sol. Auguste Meessen, Apparitions and Miracles of the Sun

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CONFORT ZONE

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

It makes me uncomfortable to talk about meanings and things. It’s better not to know so much about what things mean. Because the meaning, it’s a very personal thing, and the meaning for me is different than the meaning for somebody else. David Lynch

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SHE PULLED HER HAND

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

They’re talking about things of which they don’t have the slightest understanding, anyway. It’s only because of their stupidity that they’re able to be so sure of themselves. “You’re not cross with me, though?” he said. She pulled her hand away and answered, “No, no, I’m never cross with anyone.” Franz Kafka, The Trial

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PASSION OF LOVERS

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

She had nut painted arms That were hers to keep And in her fear She sought cracked pleasures The passion of lovers is for death said she Licked her lips And turned to feather And as I watched from underneath I came aware of all that she keep The little foxes so safe and sound They were not dead They’d gone to ground The passion of lovers is for death said she The passion of lovers is for death She breaks her heart Just a little too much And her jokes attract the lucky bad type As she dips and wails And slips her banshee smile She gets the better of the bigger to the letter The passion of lovers is for death said she The passion of lovers is for death Peter Murphy (Bauhaus)

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BLINDNESS

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem. Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, cegos sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos, Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego, Acredito, mas não preciso, cego já estou, Perdoa-me, meu querido, se tu soubesses, Sei, sei, levei a minha vida a olhar para dentro dos olhos das pessoas, é o único lugar do corpo onde talvez ainda exista uma alma, e se eles se perderam. José Saramago, in Ensaio sobre a Cegueira.

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THE CARNIVAL IS OVER

Lambda Print, Laminação alto brilho s/dibond, 150x100cm, 2014

Outside The storm clouds gathering, Moved silently along the dusty boulevard. Where flowers turning crane their fragile necks So they can in turn Reach up and kiss the sky. They are driven by a strange desire Unseen by the human eye Someone is calling. I remember when you held my hand In the park we would play when the circus came to town. Look! Over here. Outside The circus gathering Moved silently along the rainswept boulevard. The procession moved on the shouting is over The fabulous freaks are leaving town. They are driven by a strange desire Unseen by the human eye. The carnival is over We sat and watched As the moon rose again For the very first time. Brendan Perry & Lisa Gerrard, Dead Can Dance

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PERCURSO


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MAF I, 2014 (escultura de Albano Martins)


MAF I, 2014 (escultura de Albano Martins)


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VINHO & FADO, 2014


THE FISHERMAN, 2013


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MALLORY, 2013


SKULL, 2014


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MACHINA, 2013


THE PRIEST, 2013


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VIOLET (MASK), 2012


BORIS (MASK), 2013


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BYRON (MASK), 2012


SAMARA (MASK), 2012


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THE SANITY ASSASSIN (EXTREME WAYS), 2009


PIN-UP (EXTREME WAYS), 2009


NUNO HORTA ESTUDOS Design, Escola Superior de Artes e Design (ESAD), Matosinhos. Artes Visuais, Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, Porto.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS 2014 “White Wedding”, Nuno Sacramento Arte Contemporânea, Ílhavo. 2013 “Mask”, Viriato & Viriato, Águeda. 2012 “Mask”, Palácio das Artes, Porto. 2012 “Mask”, Teatro Municipal da Guarda, Guarda. 2012 “Oporto Landscapes”, El Corte Inglês, V. N. Gaia. 2012 “Mask”, Espaço 110, Porto. 2009 “Extreme Ways”, Centro de Artes e Espectáculos, Guimarães. 2004 “Dígitos”, Cirurgias Urbanas, Porto. 2003 “X-Rays”, Galeria-bar Labirintho, Porto.

EXPOSIÇÕES COLETIVAS 2014 “Vinho & Fado”, Curadoria Nuno Sacramento Arte Contemporânea, Museu do Vinho da Bairrada, Anadia. 2013 “Bakalhau”, Curadoria Nuno Sacramento Arte Contemporânea, Centro Cultural de Ílhavo, Ílhavo.

PUBLICAÇÕES “Vinho & Fado”, catálogo de Arte, 2014. “Blur Magazine”, revista de Fotografia Internacional, nº 32, 2013. “Bakalhau”, catálogo de Arte, 2013. “arte.es”, revista internacional de Arte, nº 53, 2013.

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NUNO HORTA TERESA CARNEIRO WHITESEGREDOS WEDDING

PORTUGAL, MIRANDELA, 1977



CURADORIA José Sacramento Nuno Sacramento MONTAGEM Lília Figueiras TEXTO Sérgio Currais DESIGN Nhdesign www.nhdesign.pt IMPRESSÃO Greca Artes Gráficas TIRAGEM 500 exemplares PATROCINADOR Greca Artes Gráficas LOCAL Galeria Nuno Sacramento Ílhavo, Portugal DATA Maio 2014




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