AUSÊNCIA
NICK RANDS PINTURAS Curadoria Icleia Borsa Cattani
GALERIA GESTUAL Av. Cel. Lucas de Oliveira, 21 Porto Alegre - RS. Brasil 26 de novembro - 24 de dezembro 2016, www.gestual.com.br
ENTRE PRESENÇA E AUSÊNCIA Intitulada Ausência, essa mostra também pode ser pensada como vestígios de uma presença. Ela evidencia a possibilidade de elaboração da perda que se constrói pela e na pintura. Nela, também se constata a propriedade intrínseca da obra, de tornar-se outra coisa – de ir mais longe, de indicar caminhos e de apontar para um devir. Mergulhado na instauração de cada pintura, imerso nas suas possibilidades e demandas, Nick Rands também vai à frente e descortina novas possibilidades de prover à falta, ainda que minimamente, pelo seu trabalho.
A exposição é constituída por 65 telas de 12 x 12cm e de uma
caixa com gravuras em edição limitada.
O objetivo desse conjunto de obras foi de atribuir certo
peso, resgatar e recriar pela pintura os vestígios daquilo que é frágil e transitório, a vida humana. Nelas o artista retomou, pela primeira vez em mais de quarenta anos, os fundamentos da sua formação escolar: pintura a óleo, observação do real, motivo elaborado diretamente na tela, sem desenhos prévios.
Elas são pinturas de detalhes de roupas – roupas reais,
vestígios do ser que as habitou – sobre as quais o pintor coloca uma janela (espaço vazio recortado em papelão) do tamanho das telas e transpõe para a pintura exatamente o que se encontra no interior da mesma. Cada pintura foi realizada tendo por motivo uma vestimenta
diferente, a partir de uma escolha afetiva e sem muita racionalização. Morando entre o Brasil e a França, Nick as transporta consigo. Inicialmente, cogitou usar a fotografia para substituir as peças reais, mas uma única tentativa bastou para que constatasse que o processo diferia totalmente – não transparecia nesse processo, nem presença, nem ausência, nem vestígio, mas um campo neutro.
A ideia inicial era realizar uma única tela com cada roupa, mas
agora o artista revela o desejo de retornar aos modelos já pintados para abordá-los sob outros ângulos. Trata-se, portanto, de uma série virtualmente sem fim – a própria obra indicará provavelmente sua mudança em algum momento.
Cada tela possui valor estético e é única: elas não são
como capítulos de um livro, mas como poemas. Sua temática indica uma direção de leitura, mas não podemos ignorar, também, suas qualidades propriamente pictóricas: a agudez na representação dos detalhes, a sugestão das diferentes texturas e qualidades próprias aos tecidos, como opacidade e transparência, leveza e espessura, fluidez e rugosidade, atribuindo qualidades táteis ao representado. Do mesmo modo, importa o sentido profundo da cor como elemento pictórico.
A série como um todo possui, também, grande poder de
evocação. Expostos na ordem em que foram pintados – único critério
possível para dispô-los em sequência, sem trair seu sentido mais profundo – os quadros evidenciam um longo e aprofundado processo de elaboração da perda.
Ao mesmo tempo em que prossegue na série, o artista
redescobre as qualidades plásticas da pintura a óleo no que descreve como um “processo mágico” que une à pintura figurativa, pela qual sempre se sentiu atraído, embora trabalhasse anteriormente com a abstração. Declara que “ao cabo de algumas poucas pinceladas, algo já começa a se definir”.
A tinta a óleo, a pintura de observação, a figuração, os
pequenos formatos marcam uma nova etapa no seu trabalho. Antes, seu processo era quase automatizado, marcando pontos com o indicador em superfícies previamente pintadas – utilizando unicamente pigmentos feitos de terras, colhidas pelo artista, as vezes com base acrílica. Ele aproxima esse processo anterior à navegação, afirmando que o importante era saber de onde sair e onde chegar: o que acontecia no meio do caminho não necessitava muita reflexão, eram gestos automatizados que só demandavam pequenas correções de rumo.
Nas novas séries, se instauram grandes diferenças na poiética
do artista e na poética das obras, em relação às precedentes. As dimensões foram radicalmente alteradas, de grandes telas que
frequentemente ultrapassavam um metro quadrado, a pequenos suportes de pouco mais de dez centímetros de lado. Esse formato permite ao artista certo intimismo, promovendo uma “boa distância” do olhar, em que não necessita se afastar para apreender o todo, nem se aproximar para executar os detalhes.
As impressões Fragmentos de Ausência, por sua vez, embora se
refiram às pinturas da série Ausência, apresentam diferenças marcantes em relação a essas. No mesmo número das pinturas, impressos em papéis da mesma dimensão daquelas, são impressões em jato de tinta, acomodadas em caixas. Cada gravura possui uma relação direta com a pintura correspondente. Todavia, ela é feita a partir de uma janela menor, colocada sobre a tela para extrair um pequeno trecho da mesma: janela da janela, detalhe do detalhe, cada gravura apresenta-se quase abstrata.
Talvez motivado por essa experiência, o artista revela o desejo
de pintar telas cada vez menores: mergulho no objeto real que serve de modelo? Ou outra coisa, algo novo, ainda não feito? Só o próprio trabalho, guiando e sendo guiado pela mão do artista, poderá trazer as respostas. Icleia Borsa Cattani novembro de 2016
BETWEEN PRESENCE AND ABSENCE The exhibition is titled Absence, but it can also be considered as the traces of a presence. It shows the possibility of working with loss through and in painting. It also reveals the intrinsic character of the work itself, of becoming something else – of going further, indicating directions and pointing towards an outcome. Immersed in the process of each painting, engaged with its possibilities and demands, Nick Rands also proceeds to reveal new possibilities of addressing loss, however minimally, through his work.
The exhibition consists of 65 paintings measuring 12 x 12 cm,
and a limited-edition box of prints.
The purpose of this group of work was to use painting to instil
a degree of importance, to restore and recreate traces of the fragility and transitory nature of human life. Working for the first time in more than 40 years with the foundations of what he learnt at school, the artist has returned to oil painting from observation, directly onto the canvas without any preparatory drawing.
They are paintings of details of clothing – real garments, traces
of the person who wore them – framed with a window and depicted on the same scale. Each painting depicts a different garment, based on personal choice, without much analysis. Travelling between Brazil and France, at one stage Nick thought of working from photographs
rather than the real objects, but soon discovered that the process was completely different: instead of traces of presence or absence, there was little but neutrality and emptiness.
Initially intending to produce a single painting from each
garment, he now reveals a wish to return to some of the models and consider them from different angles. So the series is now virtually endless – any change will probably be suggested by the work itself in its own time.
Each painting has its own unique aesthetic value: less like
chapters of a book and more like individual poems, he suggests. The subject matter indicates a direction of reading, but we cannot ignore their truly painterly characteristics as well: the intensity of depiction of detail, the suggestion of different textures and properties of the fabrics themselves, such as opacity and transparency, lightness and thickness, fluidity and roughness, conveying their tactile qualities; and also the deep sense of colour as an element of painting.
The series as a whole is highly evocative. Displayed more or
less in the order in which they were painted – the only criterion for showing them in sequence without betraying their deeper meaning – the pictures reveal a long and intense engagement with loss.
As the series progressed, the artist rediscovered the plastic
qualities of oil painting, which he describes as a “magical process”, connected to figurative painting, to which he has always felt some attraction, despite previously having worked with abstraction. “With a few brushstrokes, something begins to take shape”, he says.
Oil painting, working from observation, figuration and small
formats mark a new stage in his work. Previously the process was almost automatic, making marks with fingers on surfaces painted with pigments collected from the earth by the artist himself. He compared that process to navigation, stating that it was important to know where you started from and where you were going: what happened on the way needed less reflection; they were automated gestures that only needed small corrections of direction. The new series establishes major differences in the artist’s poiesis and creative process in relation to earlier work. Dimensions have changed radically, from large pictures often bigger than one square metre, to small canvases measuring little more than 10 cm. This format offers a degree of intimism, encouraging a “good distance” for viewing that requires neither stepping back to see the whole, nor moving closer to look at the details.
The prints in the Fragments of Absence series relate to the
paintings but with some key differences. The same number of images, ink-jet printed on paper the same size as the paintings and presented
in a box, each print has a direct relationship with the corresponding painting but is made using a smaller framing window, capturing a small extract of the painting: window within a window, detail of a detail, each print appears almost abstract.
The experience of making those prints may be what lies behind
the artist’s desire to paint even smaller pictures: to immerse himself in the real object of the model? Or something else, something new, not yet made? Only the work itself, guiding and guided by the hand of the artist, can answer those questions. Icleia Borsa Cattani November 2016
All paintings oil on canvas /Todas pinturas em Ăłleo sobre tela, 12 x 12 cm, 2015 - 2016
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A return to a way of painting all but abandoned more than 40 years ago. Oil paint on canvas. Painting from direct observation. Looking at an object and translating movements of the eye into movements of the brush. Trying to depict what is in front of you as faithfully as possible.
Precious things; things you want to keep for their affective
value.
Small pictures, because if they’re good enough size shouldn’t
matter – you need to look closely, become intimate with intimate things, precious like jewels.
Painting is a slow, laborious process: testing colours, adjusting
shape and proportion, a sustained process of looking, making marks as equivalents of the model, correcting, balancing, putting things in and taking things out, trying to remember how to do it, remembering from lessons taught and lessons learned. A painting takes a long time, so it needs to be something significant, something of value. And by investing all that time and effort the subject matter acquires greater significance and value. Depicting something in oil paint on canvas adds a certain weight to it. You can change the subject matter, leave bits out, emphasize parts, restore a frayed, faded garment or mend the cracks and chips in treasured ceramics: remove the signs of aging and mutability. Perhaps more memento vivere than memento mori.
Um retorno a um modo de pintar quase abandonado há mais de 40 anos. Óleo sobre tela, feito da observação. Olhando o objeto e traduzindo o movimento dos olhos em movimentos do pincel. Tentado recriar o mais fielmente possível, o que está à frente.
Coisas preciosas, que você quer manter por causa de seu valor
afetivo.
Pinturas pequenas, porque se elas forem boas, o tamanho
não deverá importar – você precisa olhar de perto, tornar-se íntimo de coisas íntimas, preciosas como joias.
Pintar é um processo trabalhoso e vagaroso: testar as cores,
ajustar as formas e as proporçōes, um processo de buscar equivalentes do modelo. Corrigir, avaliar, colocar e tirar coisas, tentar recordar como se faz, rememorando liçōes ensinadas e aprendidas.
Uma pintura requer uma longa dedicação, por isto ela
precisa ser alguma coisa significante, ter algum valor. Por exigir este investimento e esforço, o tema escolhido adquire maior significado e valor. A pintura a óleo acrescenta um certo peso ao tema escolhido. Você pode mudá-lo, deixar algumas partes fora, evidenciar outras, restaurar uma roupa desgastada, desbotada, ou consertar as rachaduras e lascas de cerâmica preciosa: remover os sinais de envelhecimento e mutabilidade. Talvez mais memento vivere do que memento mori .
Nick Rands was born in England and is based in Porto Alegre,
Brazil and Caunes Minervois, France. He studied Fine Art at Reading University and Art Education at Bristol University and has also worked as an art teacher, education-programme coordinator and translator. He was Southern Arts Brazil exchange artist in 1992 and has lived in Brazil since 1998.
Nick Rands nasceu na Inglaterra e reside e trabalha em Porto
Alegre e Caunes Minervois, França. Estudou Artes Plásticas na Reading University e Arte Educação na Bristol University. Ensinou arte e trabalhou com Educação em Galerias na Inglaterra. Participou como artista no Intercâmbio Southern Arts - Brasil em 1992, e mudou-se para o Brasil em 1998.
Recent solo exhibitions include / Exposições individuais
recentes incluem: Neckinger River Levels, Bermondsey Yard, London (2015); Um Quadrado no Rio Grande do Sul, Museu Júlio de Castilhos, Porto Alegre, (2012); A Gente, Museu do Trabalho, Porto Alegre, (2011); ChromaLife, Brick House, London, (2009). Group shows include / coletivas incluem: Magmart | videoart festival, Casoria Contemporary Art Museum, Naples, Italy (2013); Digital Graffiti, Florida USA (2010, 2013, 2016); 7 Billionth Citizen Townhouse Gallery, Cairo; Solent Showcase, Southampton, UK, and Mamute, Porto Alegre (2013); 8th Mercosul Biennial, Porto Alegre, (2011).
Acknowledgements/agradecimentos: Carlos Gallo, Icleia Cattani, Airton Cattani, Chris Stevens, Heather Gordon, Pete Lawrence. Dedicated to the memory of Maria Lucia Cattani.
Photographs and Design/Fotografia e projeto grรกfico: Nick Rands
www.nickrands.com
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Ausência / Nick Rands pinturas ; curadoria Icleia Borsa Cattani . – Porto Alegre: Marcavisual, 2016. 84 p. : il. ; 14x14 cm ISBN: 978-85-61965-45-7 Texto em português e inglês. Catálogo da exposição realizada na Galeria Gestual, Porto Alegre, 26 de novembro a 24 de dezembro de 2016. 1.
Artes. 2. Pintura. I. Rands, Nick. II. Cattani, Icleia Borsa.
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CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin– Bibliotecária responsável CRB10/979)
Conselho Editorial Airton Cattani – Presidente
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Adriane Borda Almeida da Silva
UFPel – Universidade Federal de Pelotas
Celso Carnos Scaletsky
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Denise Barcellos Pinheiro Machado
UFRJ – Universidade Federal do Rio do Janeiro
Marco Antônio Rotta Teixeira UFM – Universidade Federal de Maringá
Maria de Lourdes Zuquim
USP – Universidade de São Paulo