As aventuras de Alice no País das Maravilhas

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As Aventuras de Alice no PaĂ­s das Maravilhas



Lewis Carroll

As Aventuras de Alice no País das Maravilhas Tradução

Ten

de

el

PaP

da

Larissa Enohata e Nathalia Gröhs


Copyright © 2013 por Tenda de Papel Título original Alice’s Adventures in Wonderland Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos responsáveis pelo projeto. O acordo ortográfico vigente a partir de 2012 foi aplicado integralmente nesta obra. Preparação Larissa Enohata Revisão Nathalia Gröhs Projeto gráfico e capa Arthur Lamas Nathalia Gröhs Fotografias e diagramação Arthur Lamas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carroll, Lewis, 1832-1898. As Aventuras de Alice no País das Maravilhas / Lewis Carroll; Tradução Larissa Enohata e Nathalia Gröhs. — São Paulo : Tenda de Papel, 2013. Tradução de: Alice’s Adventures in Wonderland ISBN 978-85-xxx-xxxx-3 1. Alice — Literatura juvenil. 2. País das Maravilhas (ficção). 3. Literatura Estrangeira. I. Título. 12-14845

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura juvenil  028.5

Trabalho apresentado como exigência da disciplina Projeto em Produção Editorial em Mídia Impressa, sob a orientação do Prof. Ms. Roberto Ferreira da Silva. Curso de Produção Editorial com ênfase em Multimeios Turma de 2013 — 1º Semestre Escola de Comunicação Universidade Anhembi Morumbi


Apresentação Esta nova edição de “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, pretende dar uma nova roupagem ao clássico atemporal e dar aos leitores, sejam familiarizados com a história da menina que seguiu o coelho para fora deste mundo ou não, uma perspectiva totalmente inusitada. Baseada na paixão de Lewis Carrol pela fotografia e inspirado por Alice Liddell, apresentamos esta Alice nunca vista antes, que acredita que todos os personagens do romance, assim como suas respectivas loucuras, estão presentes dentro de cada um de nós. Da mesma forma como estavam presentes em Carroll e na Alice da obra original.



“From his shoulder Hiawatha Took the camera of rosewood, Made of sliding , folding rosewood; Neatly put it all together. In its case it lay compactly, Folded into nearly nothing; But he opened out the hinges, Pushed and pulled the joints and hinges, Till it looked all squares and oblongs, Like a complicated figure In the Second Book of Euclid.

This he perched upon a tripod Crouched beneath its dusky cover Stretched his hand, enforcing silence Said, “Be motionless, I beg you!” Mystic, awful was the process.”

Lewis Carrol, Hiawatha’s Photographing



Sumário Pela toca do Coelho.................................................. 11 A Poça de Lágrimas.................................................20 Uma corrida em comitê e uma história comprida..... 29 O Coelho da um encargo à Bill............................. 37 Conselhos de uma lagarta....................................... 47 Porco e pimenta.......................................................57 Um chá de loucos......................................................68 O campo de croqué da Rainha................................79 A História da Falsa Tartaruga................................ 90 A Quadrilha da Lagosta........................................ 100 Quem roubou as tortas?.........................................110 O depoimento de Alice...........................................119



CapĂ­tulo 1

Pela toca do Coelho


A

lice estava começando a ficar muito cansada de sentar ao lado de sua irmã na grama, e de não ter nada para fazer: uma ou duas vezes espiou o livro que ela estava lendo, mas ele não tinha nenhuma figura ou diálogos “e de que serve um livro”, pensou Alice, “sem figuras nem diálogos?”. Então, refletia com seus botões (o melhor que podia, porque o calor a fazia se sentir estúpida e sonolenta) se o prazer de fazer uma coroa de margaridas valeria o esforço de se levantar e colher as flores quando, de repente, um Coelho Branco de olhos cor-de-rosa passou correndo ao lado dela. Não havia nada de MUITO extraordinário nisso; e nem Alice achou assim TÃO esquisito ouvir o Coelho dizer consigo mesmo: “Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais!” (quando pensou sobre isso mais tarde, ocorreu-lhe que deveria ter ficado espantada, mas na hora tudo pareceu muito natural); mas quando o Coelho TIROU UM RELÓGIO DO BOLSO DO COLETE, consultou as horas, e depois saiu em disparada, Alice se levantou num pulo porque passou por sua cabeça que nunca tinha visto antes um coelho nem com um colete, nem com um relógio para tirar de dentro dele, e morrendo de curiosidade, correu pelo campo atrás dele, bem a tempo de vê-lo se meter por uma grande toca de coelho debaixo da cerca. No instante seguinte, lá estava Alice se enfiando na toca atrás dele, sem nem pensar como conseguiria sair depois. Por um trecho, a toca do coelho seguiu reto, como um túnel, depois se afundou de repente, tão de repente que Alice não teve tempo de pensar em parar antes de se ver despencando num poço muito profundo.

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Ou o poço era muito fundo, ou ela caia muito devagar, porque enquanto caia teve tempo de sobra para olhar a sua volta e imaginar o que iria acontecer em seguida. Primeiro, tentou olhar para baixo e descobrir aonde iria aterrissar, mas estava escuro demais para se ver alguma coisa; então olhou para as laterais do poço, e reparou que estavam preenchidas de cristaleiras e estantes de livros; aqui e ali viu mapas e quadros pendurados. Pegou um pote de uma das prateleiras enquanto passava, o rótulo dizia “GELÉIA DE LARANJA”, mas para sua grande decepção estava vazio: como não quis soltar o pote por medo de matar alguém, deu um jeito de colocar numa das cristaleiras por que passou na queda. “Bom,” pensou Alice, “depois de uma queda desta, não sentirei nada de tropeçar na escada! Como todos vão me achar corajosa lá em casa! Porque eu não diria nadinha, mesmo que caísse do telhado da casa” (O que muito provavelmente aconteceria). Caindo, caindo, caindo. A queda não terminaria NUNCA. “Me pergunto, quantos quilômetros será que já cai até agora?” disse em voz alta. “Devo estar chegando a algum lugar perto do centro da Terra. Deixe-me ver: Isso seria a uns seis mil e quinhentos quilômetros de profundidade, acho...” (pois como você vê, Alice aprendera várias coisas do tipo em sala de aula e, embora essa não fosse uma oportunidade muito boa de exibir seu conhecimento, já que não havia ninguém para escutá-la, mas era sempre bom praticar) “... sim, a distância correta é mais ou menos essa... mas, além disso, em que Latitude ou Longitude será que estou?” (Alice não tinha a menos ideia do que Latitude fosse, nem Longitude, mas lhe pareciam.

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E logo recomeçou. “Gostaria de saber se vou cair direto ATRAVÉS da Terra! Como vai ser engraçado sair no meio daquela gente que anda de cabeça pra baixo! Os Antipáticos, acho...” (dessa vez estava muito feliz por não haver ninguém ouvindo, pois aquela não soava mesmo como a palavra certa) “.... mas vou ter que perguntar para eles o nome do país, sabe?. Por favor, senhora, aqui é a Nova Zelândia? Ou a Austrália?”(e tentou fazer uma reverência enquanto falava... Imagine fazer uma REVERÊNCIA quando se está caindo no ar! Você acha que conseguiria?)” E que menininha ignorante ela ai achar que eu sou! Não, melhor não perguntar nada: talvez eu veja o nome escrito em algum lugar.” Caindo, caindo, caindo. Como não havia mais nada a fazer, então Alice logo começou a falar novamente. “Diná vai sentir muita falta de mim hoje à noite!” (Diná era a gata) “Espero que se lembrem de seu pires de leite na hora do chá. Diná, minha querida! Queria que você estivesse aqui embaixo comigo! Pena que não haja nenhum camundongo no ar, mas você poderia pegar um morcego, eles são bem parecidos com camundongos. Mas será que gatos comem morcegos?” E aqui Alice começou a ficar muito sonolenta, e continuou a dizer para si mesma, como num sonho: “Gatos comem morcegos? Gatos comem morcegos?” e às vezes “Morcegos comem gatos?”, pois , como não sabia responder a nenhuma das perguntas, o jeito como as fazia não tinha muita importância. Sentiu que estava pegando no sono e tinha começado a sonhar que estava andando de mãos dadas com Diná, dizendo a ela muito seria: “Agora, Diná, conte-me a verdade: algum dia você já comeu um

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morcego?” Quando subitamente, “Bum!”, caiu sobre um monte de gravetos e folhas secas: a queda acabara. Alice não ficou nem um pouco machucada, e num piscar de olhos estava de pé. Olhou para cima, mas estava tudo escuro; diante dela havia um corredor comprido e o Coelho Branco ainda estava à vista, andando apresado por ele. Não havia tempo a perder; lá se foi Alice como um raio, tendo tempo apenas de ouvi-lo dizer, ao virar uma esquina “Por minhas orelhas e bigodes, como está ficando tarde!” Ela estava em seu encalço, mas quando dobrou a esquina não havia mais sinal do Coelho Branco: viu-se em um salão comprido e baixo, iluminado por uma fileira de lâmpadas penduradas do teto. Havia portas ao redor do salão inteiro, mas estavam todas trancadas; depois de percorrer de um lado para o outro, tentando abrir cada porta, caminhou desolada até o meio, pensando como haveria de sair dali. De repente topou com uma mesinha de três pernas, feita de vidro maciço; sobre ela não havia nada, a não ser uma chavinha de outro, e a primeira ideia de Alice foi que devia pertencer a uma das portas do salão; mas que pena! Ou as fechaduras eram grandes demais, ou a chave muito pequena, de qualquer maneira não abria nenhuma delas. No entanto, na segunda vez, encontrou uma cortina baixa que não havia notado antes; atrás dela havia uma portinha de uns quarenta centímetros de altura: experimentou a chavezinha de ouro, que para sua grande alegria, serviu! Abriu a porta e descobriu que dava para uma pequena passagem, não muito maior que um buraco de rato: Ajoelhou-se e avistou, do

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outro lado do buraco, o jardim mais encantador já visto. Como desejava sair daquele salão escuro e passear entre aqueles canteiros de flores radiantes e aquelas fontes de água fresca! Mas não era capaz nem de enfiar a cabeça no vão da porta, “e mesmo que conseguisse enfiar a cabeça”, pensou a pobre Alice “Isso de pouco adiantaria sem meus ombros. Ah, como gostaria de poder me fechar como um telescópio! Acho que eu conseguiria, se soubesse pelo menos como começar.” Pois, vejam bem, havia acontecido tanta coisa esquisita ultimamente que Alice tinha começado a pensar que pouquíssimas coisas eram realmente impossíveis. Como não tinha porque ficar esperando junto da portinha, voltou até a mesa com uma ponta de esperança, de conseguir achar outra chave, ou pelo menos um manual com regras de como encolher pessoas como telescópios, dessa vez encontrou lá uma pequena garrafa (“que com certeza não estava aqui antes”, pensou Alice), em cujo gargalo estava enrolado um rótulo de papel com as palavras “BEBAME“ graciosamente impressas em letras garrafais. Era muito fácil dizer “Beba-me”, mas a sábia Alice não faria isso assim TÃO rapidamente. “Não, vou olhar primeiro”, disse, “E ver se está escrito’ veneno’ ou não”; pois havia lido muitas histórias sobre crianças que foram queimadas e comidas por animais selvagens e outras coisas desagradáveis, tudo porque NÃO se lembravam de regras simples que seus amigos lhes haviam ensinado: como que um atiçador de fogueira acaba queimando sua mão se você segurá-lo durante muito tempo; e se você corta o dedo muito fundo com uma faca, geralmente sangra; e ela não se esquecera, se você beber de uma

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garrafa em que está escrito “veneno”, é quase certo que te vai fazer mal, mais cedo ou mais tarde. No entanto, esta garrafa NÃO tinha “Veneno” escrito em lugar algum, então Alice arriscou a provar um gole e achando o gosto muito bom (na verdade, era um misto de torta de cereja, manjar, abacaxi, peru assado, caramelo e torrada amanteigada), então, rapidamente ela bebeu tudo.

********************* ********************** ********************* “Mas que sensação curiosa!” disse Alice; “devo estar me fechando como um telescópio!”. E realmente estava: agora tinha só vinte e cinco centímetros de altura e seu rosto de iluminou à ideia de que chegara ao tamanho certo para passar pela portinha e entrar naquele jardim. Primeiro, no entanto, esperou alguns minutos para ver se ainda iria encolher mais: o que a deixou um pouco nervosa; “porque poderia acabar, você sabe,” disse Alice consigo mesma, “em mim desaparecendo completamente, como uma vela. Imagino, como eu seria?” E tentou imaginar como a chama se parece depois que a vela se apaga, pois não conseguia se lembrar de jamais ter visto uma coisa dessas. Depois de um tempo, ao ver que nada mais acontecera, decidiu ir, de uma vez, para o jardim; mas, ai! Pobre Alice! Quando chegou à porta, descobriu que tinha esquecido a chavinha de ouro, e quando

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voltou à mesa para pegá-la, constatou que não conseguia alcança-la de jeito nenhum: conseguia vê-la perfeitamente através do vidro, e fez o que pôde para tentar escalar uma das pernas da mesa, mas era muito escorregadia; quando se cansou de tenta, a pobre pobrezinha sentou-se e chorou. ‘Vamos! Não tem sentido em chorar dessa maneira!’ disse a si mesma rispidamente; ‘Eu a aconselho a deixar disso nesse momento!’ Ela geralmente dava a si mesma muitos bons conselhos, (embora muito raramente os seguisse), e algumas vezes ela se repreendia tão severamente, que seus olhos se enchiam de lágrimas; e uma vez, ela se lembrava, ela tentou puxar suas próprias orelhas por ter trapaceado em um jogo de croqué que ela jogava contra si própria, porque essa criança curiosa gostava muito de fazer de conta que era duas pessoas. ‘Mas não tem nenhuma serventia agora, ‘ pensou a pobre Alice, ‘fingir ser duas pessoas! Porque dificilmente sobrou o suficiente de mim p/ formar UMA pessoa respeitável!’ Logo seus olhos localizaram uma caixinha de vidro debaixo da mesa: abriu-a, e encontrou dentro um bolo muito pequeno, com as palavras “COMA-ME” lindamente confeitadas em passas. “Bem, vou comê-lo”, disse Alice; “se me fizer crescer posso alcançar a chave; e se me fizer diminuir, posso rastejar por baixo da porta; então, de uma maneira ou de outra vou chegar ao jardim; para mim tanto faz!”. Comeu um pedacinho, e disse ansiosamente para si mesma “Qual lado? Para cima ou para baixo?”, e com a mão sobre a cabeça para sentir em que direção estava indo, ficando muito surpresa ao

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descobrir que permanecia do mesmo tamanho: para falar a verdade, isso geralmente acontece quando se come bolo, mas Alice tinha se acostumado tanto a esperar que as coisas acontecessem de nenhuma outro jeito, alĂŠm do inimaginĂĄvel, que lhe parecia bastante bobo e estupido que a vida continuasse de maneira habitual. EntĂŁo ela sentou-se, e rapidamente comeu todo o resto do bolo.

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Capítulo 2

A Poça de Lágrimas


“C

uriouser & curiouser!” exclamou Alice (a surpresa fora tanta que quase se esquecera de como falar direito). “Agora estou me abrindo como o maior telescópio que já existiu! Adeus, adeus, pés!” (pois, quando olhou para baixo, eles pareciam quase fora de vista, de tão distantes). “Oh, meus pobres pés, quem vai colocar em vocês seus sapatos e meias agora, meus queridos? Certamente, EU é que não serei capaz! Vou estar longe demais para me preocupar com vocês: arranjem-se como puderem... Mas vou ser gentil com eles”, pensou Alice, “ou talvez eles não andem na direção que eu quero ir! Deixe-me ver: Darei a eles um par de botas novas todo Natal!” E continuou planejando com seus botões como faria isso. “Eles iriam pelo correio”, pensou; “e como será engraçado, mandar presentes pra os próprios pés! E quão estranho o endereço vai ficar! Ex.mo Sr. Pé Direito da Alice, Tapete junto à lareira Perto do guarda-fogo, (Com amor, da Alice). “Ai, ai, quanta besteira estou dizendo!” Exatamente nesse momento sua cabeça bateu contra o teto do salão: de fato, estava agora com quase três metros de altura; agarrou imediatamente a chavinha de ouro e correu para a porta que dava para o jardim. Pobre Alice! O máximo que conseguiu, deitada de lado, foi ol-

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har para o jardim com um olho só; mas entrar lá estava mais impossível do que nunca: sentou-se e começou a chorar de novo. “Devia ter vergonha de si mesma”, disse Alice, “uma garota crescida como você” (podia bem dizer isso), “chorando dessa maneira! Pare já, já! Estou mandando!” Mas continuou, derramando galões de lágrimas, até que à sua volta se formou uma grande poça, com cerca de meio palmo de profundidade e estendendo-se até a metade do salão. Após algum tempo, ouviu uns passinhos à distância e enxugou seus olhos rapidamente para ver o que estava se aproximando. Era o Coelho Branco voltando, esplendidamente vestido, com um par de luvinhas brancas em uma das mãos e um grande leque na outra: vinha andando com pressa, muito afobado, murmurando consigo mesmo pelo caminho: “Oh, a Duquesa, a Duquesa! Oh! Como vai ficar furiosa se a deixar esperando!” Alice estava tão desesperada que se sentia disposta a pedir ajuda a qualquer um; então, quando o Coelho Branco se aproximou, começou, com uma vozinha tímida e baixa: “Por gentileza, Senh...” O Coelho virou-se assustado, deixou cair as luvinhas brancas e o leque, e correu para a escuridão o mais depressa que pôde. Alice apanhou o leque e as luvas, e como fazia muito calor no salão, começou a se abanando enquanto falava: “Ai, ai! Quão estranho está tudo hoje! E ontem as coisas aconteceram exatamente como de costume. Será que mudei durante a noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando acordei esta manhã? Acho que lembro de me sentir um pouquinho diferente. Mas, se não sou a mesma, a próxima

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pergunta é: ‘Afinal de contas, quem sou eu?’ Ah, esta é a grande questão!” E começou a enumerar todas as crianças de sua idade que conhecia para ver se poderia ter sido trocada por alguma delas. “Com certeza não sou Ada”, disse, “porque o cabelo dela tem cachos bem longos, e o meu definitivamente não tem cacho nenhuma; é claro que não posso ser Mabel, pois sei todo tipo de coisas e ela, oh! Sabe tão pouquinho! Além do mais, ela é ela, e eu sou eu, e... ai, ai, que confusão é isto tudo! Vou verificar para ver se sei tudo que eu costumava saber. Deixe-me ver: quatro vezes cinco é doze, e quatro vezes seis é treze, e quatro vezes sete é... ai, ai! Deste jeito nunca chegarei a vinte! Mas a Tabuada não conta; Vamos tentar Geografia. Londres é a capital de Paris, e Paris é a capital de Roma, e Roma... não, está TUDO errado, tenho certeza! Devo ter sido trocada com Mabel! Vou tentar recitar ‘Como pode... ’” e de mãos cruzadas no colo, como se estivesse declamando lições, recomeçou a recitar, mas sua voz soou rouca e estranha e as palavras não saíram como de costume: Como pode o pequeno crocodilo Levantar sua cauda brilhante, Borrifando as águas do Nilo Em cada escama dourada! Quão alegremente parece sorrir, Quão elegantemente estica suas garras, E acolhe os peixinhos para dentro Com sua gentil e sorridente bocona!

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“Tenho certeza que estas não são as palavras certas”, disse a pobre Alice, e seus olhos se encheram de lágrimas novamente enquanto continuava. “Devo mesmo ser Mabel, e vou ter que ir morar naquela casinha apertada, e não ter quase nenhum brinquedo para brincar, e oh! Tantas lições para aprender! Não, minha decisão está tomada; se sou Mabel, ficarei aqui! Não vai adiantar eles colocarem suas cabeças aqui em baixo e pedirem ‘Suba de volta, querida!’ Vou simplesmente olhar para cima e perguntar ‘Então quem sou eu? Primeiro me digam; e então, se eu gostar de ser essa pessoa, eu subo; senão, ficarei aqui em baixo até ser outra pessoa’ ...Mas, ai, ai!” chorou Alice em um repentino aceso de lágrimas, “ bem queria que eles COLOCASSEM suas cabeças aqui em baixo! Estou TÃO cansada de estar tão sozinha aqui!” Ao dizer isto, olhou para suas mãos e ficou surpresa de ver que havia colocado uma das luvinhas brancas do Coelho Branco enquanto falava. “Como POSSO ter feito isso?” pensou. “Devo estar encolhendo novamente.” Levantou-se, foi até a mesa para se medir por ela e descobriu que, tanto quanto podia calcular, estava agora com sessenta centímetros, e continuava a encolher rapidamente: logo descobriu que a causa era o leque que estava segurando e jogou-o bruscamente no chão, bem em tempo de evitar encolher até sumir de vez. “Foi por um TRIZ!” disse Alice, bastante apavorada com a mudança repentina, mas muito satisfeita por ainda estar existindo. “E agora, para o jardim!” e correu a toda velociade de volta à portinha – mas, que pena! a portinha se fechara novamente e a chavinha de

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ouro estava sobre a mesa como antes; “As coisas estão piores que nunca”, pensou a pobre criança, “pois nunca fui tão pequena assim antes, nunca! Eu garanto, isto é muito ruim, de verdade!” Quando dizia essas palavras, seus pés escorregaram e, num instante, tchibum! Estava com água salgada até o queixo. Seu primeiro pensamento, foi ter, de alguma maneira, caído no mar, “E nesse caso posso voltar de trem”, disse. (Alice tinha estado no litoral uma vez na vida, e chegara à conclusão de que, onde quer que se vá no litoral da Inglaterra encontra-se uma porção de máquinas de banho no mar, algumas crianças escavando a areia com pás de madeira, uma fileira de pousadas e, atrás delas, uma estação ferroviária.) Com tudo, logo se deu conta de que estava na poça de lágrimas que havia chorado quando tinha quase três metros de altura. “Gostaria de não ter chorado tanto!” disse Alice, enquanto nadava de um lado para o outro, tentando encontrar uma saída. “Suponho que vou ser castigada por isso agora, me afogando em minhas próprias lágrimas! Isto VAI ser uma coisa esquisita, com certeza! Mas, está tudo tão esquisito hoje.” Nesse instante, ela ouviu alguma coisa remexendo e espirando água na poça um pouco adiante e se aproximou a nado para ver o que era: inicialmente pensou ser uma morsa ou um hipopótamo, mas então se lembrou de o quão pequena estava agora e logo se deu conta de que era só um camundongo que, como ela, havia escorregado. “Será que adiantaria alguma coisa, agora,” pensou Alice, “falar com este camundongo? É tudo tão anormal aqui embaixo que acho bem possível que ele saiba falar; de qualquer modo, não faz

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mal tentar.” Então, continuou: “Ó Camundongo! Você sabe como se sai dessa poça? Estou muito cansada de ficar nadando por aqui, Ó Camundongo!” (Alice achava que essa deveria ser a maneira correta de se dirigir a um camundongo; nunca fizera uma coisa destas antes, mas lembrava de ter visto na Gramática Latina do irmão: “Um camundongo... de um camundongo... para um camundongo... um camundongo... Ó camundongo!”) O Camundongo lançou lhe um olhar um tanto curioso, e pareceu a ela ter piscado um dos olho, mas não disse nada. “Talvez não entenda inglês”, pensou Alice. “Aposto que é um camundongo francês que veio com Willian, o Conquistador.” (Pois, com todo o seu conhecimento de história Alice não tinha nenhuma noção de há quanto tempo qualquer coisa tinha acontecido.) Então, recomeçou: “Où est ma chatte?” que era a primeira frase do seu livro de francês. O Camundongo saltou fora d’água e pareceu estremecer todo de medo. “Oh, desculpe-me!” Alice apressou-se em exclamar, temendo ter machucado os sentimentos do pobre animal. “Me esqueci completamente que você não gostava de gatos.” “Não gostar de gatos!” choramingou o Camundongo com uma voz estridente. “VOCÊ gostaria, se fosse eu?” “Bem, talvez não”, respondeu Alice num tom tranquilizador. “Não fique bravo. Mesmo assim, gostaria de poder lhe apresentar nossa gata Diná: acho que começaria a ter uma quedinha por gatos se ao menos pudesse vê-la. Ela é tão tranquila, tão querida,” Alice continuou, falando mais para si mesma, enquanto nadava preguiçosamente pela poça, “e se senta ronronando tão bonitinha junto a lareira,

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lambendo as patas e limpando o rosto... E ela é uma coisinha tão macia para se ninar... e é tão formidável para pegar camundongos... Oh, desculpe-me!” exclamou novamente, porque dessa vez o camundongo estava ficando todo arrepiado, e ela teve certeza que ele devia estar realmente ofendido. “Nós não falaremos mais sobre ela, se você preferir.” “De fato, não!” gritou o Camundongo, que agora tremia até a ponta do rabo. “Como se eu fosse falar de um assunto desses! Nossa família sempre ODIOU gatos: criaturas nojentas, baixas e vulgares! Não me faça ouvir o nome de novo!” “Não vou mesmo!” disse Alice, com pressa de mudar o assunto da conversa. “Por acaso, você... Você gosta... De... De cachorros?” Como o Camundongo não respondeu, Alice continuou, animada: “Há um cachorrinho tão lindo perto da nossa casa, gostaria de lhe mostrar! Um terrier pequenino de olhos espertos sabe, com, oh! Um pelo marrom tão encaracolado! E ele apanha as coisas quando você joga, e se senta e pede seu jantar, e várias outras coisas... Não consigo me lembrar de metade delas... E pertence a um fazendeiro, sabe, ele diz que ele é tão útil que vale uma centena de libras! Diz que mata todos os ratos e... Ai, ai!” exclamou Alice, arrependida. “Temo que o tenha ofendido novamente!” Pois o Camundongo estava nadando para longe dela o mais rápido que podia, causando um verdadeiro tumulto na poça. Então ela o chamou carinhosamente: “Querido Camundongo! Volte aqui, e não falaremos mais de gatos e nem de cachorros, se você não gosta deles!” Ao ouvir isso, o Camundongo deu meia volta

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e veio nadando devagar em direção a ela: tinha um rosto pálido (de emoção, pensou Alice), e disse com voz baixa e trêmula: “Vamos para a margem. Lá eu lhe contarei minha história e você entenderá do porque odeio gatos e cachorros.” Era mais do que hora de ir, pois a poça estava ficando superlotada com os pássaros e animais que tinham caído nela: havia um Pato e um Dodô, uma Arara e uma Aguiazinha, além de várias outras estranhas criaturas. Alice guiou o caminho e todo o grupo nadou até a margem.

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