Construindo uma loja virtual

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• O mistério da matriosca •

André Gugliotti

Novatec


Copyright © 2016 da Novatec Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por escrito, do autor e da Editora. Editor: Rubens Prates PY20160408 Assistente editorial: Priscila A. Yoshimatsu Revisão gramatical: Claudia Ajuz Revisão técnica: Fábio Rodrigues, Laura Scheffer e Márcio Oliveira Ilustrações: João Melo Editoração eletrônica: Carolina Kuwabata Capa: Carolina Kuwabata ISBN: 978-85-7522-494-6 Histórico de impressões: Abril/2016

Primeira edição

Novatec Editora Ltda. Rua Luís Antônio dos Santos 110 02460-000 São Paulo, SP – Brasil Tel.: +55 11 2959-6529 E-mail: novatec@novatec.com.br Site: www.novatec.com.br Twitter: twitter.com/novateceditora Facebook: facebook.com/novatec LinkedIn: linkedin.com/in/novatec PY20160408


Sumário

1 ■ Dia de fúria.................................................................................................................13 2 ■ Tempos de reflexão..............................................................................................20 3 ■ Quem pode me ajudar?....................................................................................... 29 4 ■ O Professor................................................................................................................40 5 ■ Prazer, empreendedora......................................................................................50 6 ■ Planejar, verbo intransitivo............................................................................ 62 7 ■ Mais que mil palavras......................................................................................... 78 8 ■ Quando menos se espera...................................................................................88 9 ■ Dominando os mares........................................................................................ 100 10 ■ Linha de produção............................................................................................ 118 11 ■ Em busca das matrioscas.............................................................................. 141 12 ■ Botando a boca no trombone.......................................................................151 13 ■ Colocando tudo junto......................................................................................170 14 ■ A matriosca especial........................................................................................183 15 ■ Sempre te amei................................................................................................... 191 16 ■ Passos largos rumo ao sucesso................................................................ 207 Epílogo..............................................................................................................................212 Bibliografia.....................................................................................................................215

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1 Dia de fúria

– Chega, não vou mais me submeter a situações como essa. Eu me demito! Juliana perdeu a paciência e resolveu jogar tudo para o ar. Após uma conversa tensa – na verdade, a que seria a última de uma série de discussões com Miguel – decidiu em um estalo que não queria mais aquela vida. Há alguns meses sentia menos ânimo ao sair de casa. Levantava de manhã desmotivada, sem vontade de ir trabalhar. Mais do que isso, estava descontente com a profissão com que sonhara desde criança. Sempre amou a arquitetura, sempre gostou de trabalhar com projetos, casas, construções. Amava visualizar obras completas em espaços que nada tinham. Realizava-se em concretizar os sonhos de clientes, tanto em pequenos projetos residenciais como em grandes edifícios comerciais. Amava atendê-los bem, ser a condutora na construção de suas casas e prédios, ler e interpretar suas mentes, desejos e anseios em imagens, desenhos, esboços que mais tarde seriam materializados e fariam parte de suas histórias. Agora, a situação em que vivia atacava seus sonhos, chegando a um ponto em que a arquitetura não fazia mais sentido para ela. Sua 13


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paixão havia sido desidratada pouco a pouco e não podia deixar isso continuar. Era preciso agir antes que fosse tarde demais. Não podia deixar sua paixão ser enterrada sem fazer nada. Há cinco anos graduara-se em arquitetura na conceituada Universidade Mackenzie. Aluna exemplar, ela enfrentara cinco anos de faculdade sempre com notas altas e elogios de seus professores. Por muito tempo, ouviu falar da escola de engenharia – sim, sua primeira escolha era a engenharia – que havia produzido grandes profissionais em seus mais de cem anos de história. Entretanto, na metade do Ensino Médio, percebeu que a engenharia não era a sua praia – tinha sérios problemas com matemática – e buscou a área mais próxima e na qual percebeu que melhor se encaixava: preparar-se para traduzir os sonhos dos clientes e deixar para os colegas engenheiros a missão de transformar seus projetos em realidade. Passou pela graduação com a ideia de que era o aluno que fazia a faculdade e não a faculdade que fazia o aluno. Para ela, não era o nome da faculdade que importava e, sim, como aproveitaria os anos que ali estaria. Por isso, viveu intensamente cada um daqueles dias, longos cinco anos, até que conseguisse o tão sonhado diploma. Estava sempre ligada nas novidades da profissão e participava de congressos e feiras, pois sabia que, se quisesse fazer um bom trabalho, deveria estar atualizada, ainda mais em tempos de revolução digital, com a explosão do acesso à internet. Conhecera a internet ainda criança e não conseguia imaginar um mundo desconectado, sem o Google. Sempre queria saber de tudo, era a que mais perguntava em sala de aula, chegando a despertar antipatia em colegas menos estudiosos. Dificilmente deixava de assistir às aulas embora algumas vezes fugisse com os colegas para a rua Maria Antônia, repleta de bares e botecos, cheios a qualquer hora do dia. Porém, definitivamente, não era um de seus ambientes preferidos.


2 Tempos de reflexão

Quase dois meses se passaram desde a saída da MGL e seu futuro profissional havia novamente virado do avesso. Quem pensou que as surpresas tinham acabado no dia de fúria, estava enganado. Depois de organizar suas coisas, passar suas tarefas para os colegas que a substituiriam e encerrar esse longo ciclo, decidiu que não buscaria um novo emprego logo de cara. Daria um tempo para refrescar a mente e colocar suas ideias no lugar. Fez uma viagem curta para a casa de sua avó, em uma pequena cidade no interior de São Paulo; precisava se desligar de tudo e de todos, pois a cobrança dos pais e de seu irmão seria implacável. Aliás, já tinha sido: – Minha filha, você tem um ótimo emprego, como vai largá-lo assim? – perguntou a mãe no instante em que Juliana deu a notícia. A frase soava mais forte pois sua mãe provavelmente seria a única a apoiá-la, mesmo sem concordar com a decisão. Do pai e do irmão esperava coisas piores e quanto menos tivesse contato com eles nos primeiros dias, melhor. Por isso, assim que resolveu todas as pendências na MGL, arrumou as malas, pegou o ônibus e encarou a estrada.

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As duas semanas no interior foram boas para descansar; seus primeiros dias de férias verdadeiras em cinco anos, pois a última vez que se desligara de tudo foi logo após a formatura, quando ganhou de presente de seus pais uma viagem ao exterior. Depois disso, não conseguiu parar, sempre envolvida em seus projetos e com receio de deixar suas criações sozinhas por muito tempo. Porém, mais do que relaxar, essa temporada longe de seu dia a dia serviu para trazer à tona algumas memórias esquecidas no porão de seu cérebro. Quando era criança, costumava passar o verão na casa dos avós (o avô ainda era vivo e se preparava para receber seus quatro netos com alegria). Lembrava desse tempo como a possibilidade de mudar sua rotina – não havia escola, não havia lição de casa ou horários para levantar e dormir e ainda podia estar com seus primos mais novos, que moravam longe, em Brasília. A casa ficava no centro da cidade, uma das poucas que sobreviveram à explosão imobiliária. Era uma casa grande, da década de 1950, com três quartos espaçosos – um para os avós e os outros dois divididos entre os três filhos; seu pai dividia o quarto com o irmão mais novo e sua tia ficava com o quarto menor – e que permaneceu na família mesmo quando os filhos cresceram e se casaram. Hoje, morava apenas a avó, com 87 anos e a cabeça a pleno vapor, e sua tia, que, separada do marido, voltou a morar no interior, deixando o filho casado em São Paulo. Mesmo morando apenas as duas ali, a casa estava sempre arrumada e o quintal, com um gramado maior do que os de muitos condomínios na cidade grande, era um convite ao relaxamento, embaixo do pé de manga. Nessas duas semanas – final de outono no interior paulista, com uma temperatura agradável, nem muito calor, nem muito frio – Juliana passou parte das tardes sentada no mesmo banco que ficava com sua avó quando criança, olhando o céu, ouvindo os passarinhos, observando as formigas. Isso lhe fez lembrar com mais força de seus


3 Quem pode me ajudar?

Duas semanas se passaram e Juliana percebeu que a coisa seria bem mais complicada do que tinha imaginado. Havia começado a estudar suas possibilidades, avaliar que tipo de negócio poderia abrir, onde poderia realizar-se como empresária e ainda assim ganhar dinheiro. No entanto, em pouco tempo, tinha a constatação de que não bastava apenas querer, era preciso saber uma série de coisas que ela, sempre empregada, nunca havia se preocupado em aprender. Sua mente dizia que o melhor seria voltar atrás e procurar um emprego. Seu coração dizia que não era hora de desistir e sim de arriscar verdadeiramente, de alçar novos voos e buscar fazer algo diferente. Queria abrir uma empresa, ser aquilo que se convencionou como legal, moderno, ser empreendedor, dono do próprio negócio. Sempre via reportagens falando disso, por que ela não poderia ter a sua própria empresa? Poderia e teria. Resistiria à tentação de voltar à segurança de um emprego, com salário no fim do mês e muitos benefícios. Não queria montar nada na área de arquitetura ainda que amasse a profissão que escolheu. Era sua melhor opção, conhecia o mercado e não precisaria aprender tudo de novo, mas, ainda assim, sentia que não era isso que queria. Precisava de um choque, uma mudança radical. 29


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Amava animais desde criança, quando tinham um pastor-alemão no quintal. Poderia abrir um pet-shop e vender artigos para as pessoas que também amam animais. Comentou com sua mãe. – Juliana, abrir um pet-shop não é assim. Abrir uma loja não é assim. Além do que, quem iria atender os clientes? Você é veterinária agora? Havia se esquecido desse detalhe. A maioria dos clientes vem pelo veterinário e ele seria um grande concorrente para ela. A ideia naufragou em vinte minutos. Poderia abrir um comércio, gostava de moda, quem sabe uma loja de roupas? “Não, além de ser um ramo caro, com muito investimento, já é dominado pelos grandes competidores e não tenho a intenção de lançar uma marca própria”, refletiu. Pensou também em uma loja de vinhos ou de calçados. No caso dos vinhos, concorreria com os supermercados, além de não conhecer vinhos tão profundamente assim para argumentar com a clientela. A loja de sapatos já era mais interessante. Gostava deles e sempre comprava um novo par para enfeitar seu guarda-roupa. Sapatos eram seu fraco, conhecia bem os modelos e as tendências e gostava de ousar. “Taí uma boa ideia, se eu não vender, no final fico com o estoque inteiro pra mim”, riu consigo mesma. Ainda assim, percebeu que só tinha uma ideia nas mãos; precisava avaliar melhor. Quanto custaria para abrir uma loja de calçados? Esse era outro ponto interessante, o dinheiro. Quando saiu do escritório, tinha um salário razoável, melhor que o de muitos conhecidos que trabalhavam na área. Não queria um grande salário, grandes somas de dinheiro, ao mesmo tempo em que não tinha muito para investir e queria fugir o quanto pudesse de um empréstimo bancário. Uma loja seria algo muito caro. Pensando assim, um comércio estava definitivamente descartado. Que tal abrir uma agência de viagens? Amava viajar, conhecia muitos lugares do Brasil e já havia estado no exterior duas vezes.


4 O Professor

Ela olhou para ele com cara de espanto! Se pudesse sairia correndo pela porta naquele momento e imploraria para ter seu emprego de volta. Mas olhou os arranha-céus ao redor, respirou fundo e falou: – Não é possível, não é possível que abrir uma loja virtual dê tanto trabalho. Já estou tendo dificuldades há algumas semanas e agora o senhor vem me dizer que eu preciso levantar todos esses itens, montar um planejamento, detalhar o produto, estruturar uma loja. Pensei que era só achar o mercado e todo o restante estaria resolvido. Ele deu uma risada, fitou-a com um olhar de compaixão e lembrou-se das primeiras vezes em que ouviu falar em empreendedorismo, anos atrás: – É isso mesmo, exatamente o que você ouviu. E nem pense em desistir. Provavelmente, você passou anos escutando que o Brasil é um país empreendedor, que você pode abrir sua empresa, que é melhor ser o dono da empresa que ser empregado, que patrão não trabalha, que não é difícil nem caro abrir uma loja virtual, pois ela é virtual. Agora é a hora de aprender que isso está longe de ser verdade. Até aquele momento, a grande dúvida dela era o que ia vender, em qual ramo iria entrar. A questão técnica de como montar a loja 40


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virtual certamente seria simples. Não havia conseguido resolver apenas porque não tinha se encontrado no mar de informações da internet. – Não quero te dizer que você não possa fazer isso, Juliana – continuou – mas se fizer, se simplesmente escolher um segmento e começar a vender, não durará um ano no mercado. A internet é muitas vezes mais complicada que o mercado tradicional de lojas físicas, apesar de parecer mais fácil. Quantos empreendedores você conhece? Há algum em sua família? Quando seu futuro mestre fez essa pergunta, ela se lembrou do Seu Ernesto Alfredo, dono de uma mercearia na rua detrás da casa onde morava desde sempre. Ele trabalhava duro, apenas ele e a esposa, para cuidar da pequena venda, sempre atendendo os fregueses com atenção e carinho, apesar de acordar cedo e ir dormir tarde. Era ainda pequenininha quando seu pai a levava lá nos sábados pela manhã para fazer as compras e sempre ganhava balas (apesar de sua mãe dizer que estragavam os dentes). O negócio já não ia bem naquela época, fruto da concorrência dos hipermercados que viraram moda na década de 1980. Quase todos no bairro preferiam pegar o carro e dirigir alguns quilômetros até o enorme supermercado que tinha tudo que se podia imaginar. O mercadinho ficava apenas para as coisas urgentes e com os preços crescentes, não resistiu. Quando Seu Alfredo faleceu, a esposa encerrou o negócio, vendeu o imóvel e se mudou para o interior. Realmente, o mercadinho estava sempre aberto, de segunda a segunda. Juliana era uma criança, mas não se esqueceu disso. Entendia que ser dono de mercado não era uma vida fácil. Só que agora a época é outra. Os tempos mudaram, hoje as coisas são mais fáceis. Têm que ser mais fáceis ainda mais para uma loja virtual. Continuou ouvindo aquele senhor de pele clara, cabelos brancos, uma barba rala e fala pausada. O Professor era italiano, nasceu no norte da Itália, em uma cidade próxima a Milão, como havia explicado


5 Prazer, empreendedora

Fernando estava ocupado naquela sexta-feira à noite e, por isso, combinaram de se ver no sábado no fim da tarde. Isso daria tempo para que Juliana começasse a ler o livro sobre empreendedorismo. Percebeu que o autor apresentava diversos conceitos sobre empreendedorismo, com o objetivo de formar professores na área, o que trazia uma visão diferente sobre o tema, não tão voltada à criação de empresas. O Professor a havia alertado sobre isso, dizendo que era preciso primeiro entender o que era empreendedorismo para depois se lançar à criação de uma nova empresa. “Empreendedor e empresário são coisas diferentes, ainda que muitas vezes possam acontecer na mesma pessoa”, havia dito. Na hora combinada, Fernando chegou com a esposa na casa dos pais. Era sempre uma alegria quando o netinho vinha visitar e ele estava cada vez mais bonito e arteiro. Enquanto os avós curtiam o neto, os novos empreendedores foram colocar o assunto em dia. – Você está me dizendo que esse Professor é meio louco, mas ainda assim confia nele e que um homem lhe deu um papel onde está escrito que vamos ter sucesso? – resumiu. 50


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– Não, não distorça as coisas. Por que os irmãos têm essa mania de entender apenas metade das coisas? Sim, o Professor me pareceu muito estranho no começo, mas muito do que ele falou está nesse livro e começo a entender o que ele quis me dizer. Ele me colocou de uma forma dura, é verdade. No entanto, creio que ele quis me alertar, trazer de volta à Terra para que dessa vez a gente possa fazer a coisa certa. – Se você está acreditando em alucinações que te visitam enquanto olha os patos no lago, acho que não é só ele que é maluco. Tem certeza de que vocês não usaram nada ilegal nessa visita? – Nem pensar! Você sabe que eu não curto essas coisas. Sou totalmente contra qualquer tipo de droga, até mesmo um simples cigarro. Aqui está o folheto que o homem misterioso me entregou no parque. A menos que esse folheto tenha se materializado na minha mão, ele é bem real e foi entregue por alguém de verdade. Fernando olhou o folheto e era de verdade. A irmã era muito séria, não brincaria com algo assim. Se disse que um homem entregou o folheto e que acreditava que era um dos tais sinais que o Professor mencionou, é porque era algo real. Não era uma fantasia. – Certo, então vamos começar de novo. O Professor lhe explicou várias coisas sobre planejamento, disse que as coisas serão bem difíceis para nós e que devemos aprender mais sobre empreender, é isso? – Resumidamente, sim, é isso mesmo – confirmou Juliana. – Emprendo... Empreendor... puxa, ô palavra difícil. – Empreendedorismo! – riu. – Isso, isso aí não é o mesmo que abrir uma empresa? – Também achava até ontem. Ser empreendedor é muito mais do que isso. Não é apenas ter uma empresa, abrir uma empresa. Isso é ser empresário. Segundo o Professor, ser empreendedor é um estado de espírito, é um conjunto de características que formam uma pessoa,


6 Planejar, verbo intransitivo

Juliana iniciou a pesquisa agora com uma nova cabeça. Se antes ficava dando voltas sem saber o que fazer e onde queria chegar, agora tinha uma direção. Tinha lido o livro sobre empreendedorismo de cabo a rabo, duas vezes, e agora entendia melhor o que era ser uma verdadeira empreendedora. Era verdade que tinha achado tudo difícil, não fazia a menor ideia de que para ter uma empresa precisava avaliar tantas variáveis, tantos pontos diferentes. Também havia lido o livro sobre plano de negócios e não imaginava que sua construção envolvesse áreas diferentes como financeiro, recursos humanos, equipamentos, capital de giro, projeções ao longo de cinco anos – tudo em um mesmo documento. Estava em dúvida sobre como conseguiria atender a tantos requisitos a partir do nada, pois nada era o que tinha na mão naquele momento. Diferente de outros empreendedores, nem sequer sabia o que queria vender. Tinha apenas a vontade de empreender, abrindo sua própria loja virtual. Não tinha encontrado, entretanto, um produto com o qual gostasse de trabalhar e conhecesse bem, além de contar com um mercado consumidor para ele.

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Conversando com o Professor, chegou à conclusão de que não poderia ficar parada. A ideia que precisava não cairia do céu e se não tinha o ponto de partida, era preciso criar as condições para que a ideia se apresentasse. “É como a inspiração para um livro. Não é fácil escrever um livro ou mesmo um texto, é preciso inspiração para isso e ela não está sempre disponível”, disse o Professor, como se lembrasse de sua própria experiência como autor. “Se você fica parado, esperando que a inspiração te faça uma visita, provavelmente nunca terá o livro pronto. É preciso ajudá-la, escrevendo pequenos pedaços, listando itens que possam ser usados em determinado capítulo, lendo outros textos e buscando autores. De repente, como mágica, um longo texto sai em questão de horas.” “Creio que será assim com a tua loja virtual. Entendo como se sente, tua frustração, como se andasse em círculos. Minha sugestão é que você inicie o planejamento mesmo que muita coisa ainda fique fora do lugar. Pense em alguma coisa que você conhece bem e comece o planejamento como se fosse vender essa coisa.”


7 Mais que mil palavras

O centro de eventos estava lotado e não era pra menos, já que esse era o maior encontro de comércio eletrônico do Brasil. Seria um dia inteiro de palestras sobre os mais diversos temas; quase tudo que tivesse relação com lojas virtuais estaria ali, incluindo alguns palestrantes internacionais. Era o primeiro evento de que participaria depois de decidir abrir a loja virtual e estava curiosa. Que tipo de gente iria encontrar? Certamente não seriam as mesmas pessoas que encontrava em eventos sobre arquitetura aos quais estava acostumada desde sempre. Será que encontraria empresários, empreendedores ou apenas curiosos? Conseguiria conversar com empreendedores experientes que a auxiliassem a resolver sua grande dúvida? O Professor a havia alertado que não esperasse sair de lá com respostas, mas sim ainda com mais perguntas. O networking seria fundamental, pois mesmo que não conhecesse muitas pessoas, era o momento de começar a identificar quem seriam boas cartas na manga e quem apenas era mais uma figurinha fora do baralho. Encontraria pessoas que seriam ótimas parceiras de caminhada ao lado

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daquelas que apresentavam histórias mirabolantes, que não passavam de contos de fada, desmanchando-se à primeira análise mais atenta. Fez sua inscrição e se preparou para o evento. Seu irmão conseguiu uma liberação no emprego e estava com ela. Ao menos nisso ele tinha flexibilidade. Seu gerente estimulava a participação em cursos e eventos, permitindo que os funcionários se ausentassem caso buscassem conhecimento, mesmo em outras áreas, compensando as horas depois se isso não atrapalhasse o andamento do setor. Havia marcado algumas palestras para assistir e o Professor havia dado algumas sugestões. Seria um dia cheio e seu bloco de notas estava a postos. “Bloco de notas”, pensou Juliana, “é incrível como mesmo com toda essa tecnologia, um velho caderninho em papel ainda é um grande aliado. Não sei o que faria se não fossem minhas anotações”. Ainda que tivesse notebook, tablet e smartphone, o bloco de notas era a primeira parada quando queria rabiscar uma ideia ou anotar as coisas que ia aprendendo. Já havia dois meses que o caderninho era seu aliado desde aquele primeiro rabisco até o ponto em que infinitas ideias preenchiam suas páginas. Ele acompanhou a mudança da simples ideia de abrir uma empresa para o foco em uma loja virtual. Hoje, com o auxílio do Professor, seu planejamento estava muito mais sólido. O caderninho recebia os insights, coisas que precisava avaliar com mais cuidado ou ideias que surgiam ao acaso. Mas ainda faltava a ideia principal: o que venderia em sua loja virtual. Ela e Fernando aproveitaram o café de boas-vindas servido na entrada do evento para conversar e tentar conhecer outras pessoas. Seu irmão era do tipo fechado, não gostava de conversar e nem de fazer novas amizades. Ela era o oposto, sempre buscava oportunidades para fazer contatos e aprender com as pessoas.


8 Quando menos se espera

Os estudos seguiam a todo vapor. Juliana já entendia que precisava pensar em produtos que pudessem atender a determinados segmentos em vez de pensar naqueles que todos queriam e que contavam com a oferta de muitos concorrentes. Já havia esboçado o plano de negócios fictício para a loja de perfumes, esperando que conseguisse encontrar algum nicho dentro desse mercado onde pudesse finalmente atuar e partir para a vida real. No evento de e-commerce, uma questão chamou a sua atenção: a escolha do fornecedor de lojas virtuais. Não sabia que existiam tantos tipos de lojas. Para ela, bastava contratar a “empresa de lojas virtuais” e tudo estaria pronto para começar a vender. Surpreendeu-se ao saber que primeiro precisava decidir o modelo de loja para então estruturá-la e só depois começar a vender. Pior, que isso poderia levar meses, conforme o modelo escolhido. Como havia conversado com o Professor, ficou sabendo que basicamente havia três modelos para quem iria trabalhar com lojas virtuais: os marketplaces, as lojas alugadas e as lojas próprias. – Lojas alugadas? Eu posso alugar uma loja virtual? – havia questionado o Professor. 88


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– Sim, da mesma forma como você aluga um ponto comercial. Pergunto a você, todo mundo que abre uma loja física compra o imóvel? Claro que não, muitos alugam o ponto – explicou. Juliana ficara curiosa com essas possibilidades. Queria entender direito como cada uma delas funcionava para que pudesse tomar a melhor decisão e utilizar seu capital da melhor forma. Conforme lia o material enviado pelo Professor via Dropbox, ia aprofundando seus conhecimentos. Marketplaces são como shoppings virtuais, lugares onde o consumidor encontra diferentes vendedores no mesmo espaço, podendo navegar pelas lojas, obtendo informações sobre diversos produtos e podendo compará-los, exatamente como faz em um shopping”, começou a explicação. Há marketplaces genéricos e outros segmentados, focados em um determinado ramo, como artistas plásticos e artesãos ou lojas de roupas. Recentemente, os grandes varejistas também passaram a oferecer produtos de terceiros, usando sua estrutura, em um esquema similar. A vantagem de entrar em um marketplace é que você passa a expor os produtos em um site que já tem nome e conta com vários visitantes diários, ou seja, há mais chances de que você seja vista e que os produtos sejam comprados. Ao mesmo tempo, a experiência para o consumidor é padrão. Não há muita flexibilidade para trabalhar o marketing, publicidade, descontos. Você estará inserido em um ambiente em que seus concorrentes também estão. Pior, brigando muito com base no preço. Não digo que o marketplace é ruim, pelo contrário. Ele só não deve ser a única opção para que você venda seus produtos à medida que sua empresa cresce.

Juliana lembrou-se de um grande site que trabalhava dessa forma. Era como um grande mercado, onde vendedores de todos os tipos ofereciam seus produtos. Entendia o que o Professor queria dizer. A competição era muito baseada no preço – ela própria buscava esse


9 Dominando os mares

Juliana chegou ao escritório do Professor para a conversa semanal empolgada com a solução para o seu problema. Já sabia o que iria vender e certamente o Professor ficaria contente com isso. “Bom, acho que ficará. Ele é meio de lua, quando pensamos que estamos agradando, ele muda de direção e vem com um novo desafio. Espero que dessa vez dê tudo certo e possamos começar a trabalhar finalmente com algo concreto”. A futura empreendedora foi surpreendida, no entanto, não com a reação do Professor, mas, sim, com quem encontrou ao entrar em sua sala. Lá estava Pedro, o rapaz que tanto vinha mexendo com ela, sem que nem mesmo ela soubesse o motivo. Ficou encabulada, talvez até mesmo corada. – Entre, Juliana. Foi bom você ter chegado, estávamos falando de você. Pedro disfarçou, fingiu que não era com ele. O que será que falavam dela? – Comentava com o Pedro sobre tua determinação e força de vontade. Seria bom se o Brasil tivesse mais empreendedores como vocês dois, que buscam aprender, fazer a coisa certa, com paciência 100


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e sem ganância. O Pedro é meu discípulo há quase dois anos e só agora a empresa dele começa a dar dinheiro. Passou por um período difícil em que a maioria das pessoas teria desistido. Ah, e será assim com você, é minha única certeza. – Pois é, Professor, será que eu aguento? Começamos o trabalho há pouco mais de um mês e, mesmo avançando, sinto o peso da responsabilidade. – Você tira de letra – disse Pedro, olhando firme em seus olhos. – Porém, o Professor me dizia que você ainda não sabe o que vai vender. Como pode isso? Normalmente, as pessoas resolvem abrir uma empresa já sabendo com o que vão trabalhar. – Ahá! Não sabia, agora eu sei. E quem me deu a solução foi o Sergey e suas fotos maravilhosas. Vejam, trouxe impresso aqui. Não me contentei apenas em olhar na tela, queria ver no papel. Veja, Professor, vou vender matrioscas. Pedro olhou com uma cara de quem não entendia nada. Matrioscas? O que era aquilo? Para ele, parecia apenas uma boneca, um enfeite talvez. Quem iria querer comprar aquilo? Já o Professor apenas suspirou, olhando a imagem. – O que foi, Professor? Não gostou da ideia? Não é um bom produto? Ninguém vai querer comprá-lo? Não vai dar certo? Fale alguma coisa, Professor! – Antes de eu falar qualquer coisa, me explique o que você está pensando. Por que você quer vender matrioscas, o que viu nelas? Juliana explicou que pensava na área de decoração, algo que conhecia um pouco por conta de sua base em arquitetura, e na construção de peças únicas, que tivessem uma conexão com a pessoa que fosse comprar ou ganhar a matriosca. Realmente, não era algo comum, como havia pesquisado e não sabia se teria mercado. Era preciso fazer uma pesquisa e avaliar os potenciais compradores e como incentivar as pessoas a comprarem seu produto.


10 Linha de produção

– Vou te mostrar como trabalhamos com a logística aqui, pra você ter uma base. A operação é bem simples, mas requer muita atenção. O primeiro passo é fazer uma projeção do estoque, de modo que você sempre tenha os principais produtos em estoque. Não vou entrar em detalhes sobre como fazer as contas, mas você deve pensar em quanto tempo seu fornecedor leva para entregar o produto e quantos produtos são vendidos por dia – explicou Pedro. – Eu vi isso em algum lugar, chama-se estoque mínimo, não é? – Exato! Não é uma conta muito precisa, pois você trabalha com a média de vendas. Se de repente um produto sai muito mais que o esperado ou o fornecedor atrasa a entrega, você corre o risco de ficar sem o produto. De todo modo, é a melhor forma no momento, a menos que você trabalhe sem estoque. – Sem estoque? – Sim, é um sistema chamado drop shipping, onde o fornecedor envia o produto diretamente para a casa do consumidor, sem passar pelo lojista. É assim: você oferece o produto em sua loja virtual, com um estoque fictício ou integrado diretamente ao sistema do fornecedor. Uma vez que o pedido é feito e confirmado o pagamento, você

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dispara o envio do produto. Eu já pensei em implantar isso na minha loja, pois ganharíamos escala e diminuiríamos custos com logística e estoque, mas desisti. – Deixa eu ver se eu entendi. Você conecta sua loja virtual diretamente ao fabricante e oferece os produtos para seus clientes. Quando uma compra é feita, o sistema já avisa ao fabricante e ele envia o produto como se você tivesse enviado. – Basicamente isso – sorriu Pedro. – E o que você faria então? Nada? Pedro deu uma gargalhada com o comentário daquela empreendedora iniciante, que acreditava que uma loja virtual era apenas pegar os produtos e enviar para os clientes. Sabia que ela perceberia em breve que havia muito mais entre o céu e a terra que apenas basicamente isso. – Por enquanto, posso te dizer que o esforço de logística é importante, mas é uma pequena parcela de todo o processo. – Se for do jeito que você fala, o drop shipping é ótimo e ainda diminui o número de caminhões rodando por aí, é uma etapa a menos na cadeia logística, é assim que se fala? – Eu vejo dois grandes problemas no drop shipping. O primeiro é de ordem fiscal. No método tradicional, em que o produto é faturado e passa pela empresa, a burocracia já é enorme, com diversas regras mesmo que a empresa esteja enquadrada no Simples. Pense então no envio do produto diretamente pelo fabricante. Pior ainda se for de um estado diferente daquele da loja virtual. – Essa parte contábil me enche de dúvidas. O Professor falou um pouco da parte financeira e me disse que eu deveria ter um bom contador, que me orientasse em todos os processos e documentos necessários.


11 Em busca das matrioscas

Próximo a Curitiba havia uma cidade repleta de imigrantes russos, vindos para o Brasil no começo do século passado. Seria um ótimo lugar para buscar inspiração e fazer contatos, e, especialmente, para conseguir um fornecedor para os produtos de sua loja virtual. De São Paulo até lá seriam em torno de sete horas de viagem, se fizessem duas paradas. Com a empolgação que estava, o tempo de estrada seria tranquilo. Ficou preocupada porque sua cunhada iria com eles. Já há algum tempo, Isabel passou a encarar Juliana com outros olhos. Enquanto seguia trabalhando no escritório de arquitetura e não se intrometia na vida de seu irmão, a relação entre as duas era normal. Não eram grandes amigas, mas se respeitavam. Desde o início dos trabalhos para a loja, as coisas começaram a mudar. Isabel era contra qualquer coisa que ameaçasse a segurança da família e depois que Fernando começou a flertar com a ideia de ser empreendedor, mesmo que sequer cogitasse abandonar a rotina pesada no banco, Isabel se fechou. Eram cinco horas da manhã quando Fernando pegou Juliana em casa. Estavam no começo de setembro e o dia ainda demoraria a clarear. Uma neblina envolvia São Paulo e tudo indicava que em 141


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breve seria um lindo dia de sol. Queria acumular o máximo de conhecimento possível naquele fim de semana. Se Deus ajudasse, estariam de volta a São Paulo no domingo à noite, com ainda mais ideias e novos desafios. O filhinho de Fernando e Isabel dormiu o caminho todo, como um anjo. Passava da uma da tarde quando entraram no pequeno hotel. Era um casarão antigo, na rua principal, com apenas sete quartos. O recepcionista já havia estranhado quando Juliana fez a reserva e perguntou novamente o que eles faziam ali, pois a cidade era calma, pacata e não havia atrações turísticas; não era comum receberem turistas de fim de semana. Talvez um ou outro visitando os restaurantes ou fazendo turismo de um dia. “Sou arquiteta e estou fazendo um estudo sobre a cultura russa, seu artesanato e suas tradições. Pelo que me disseram, ainda há muitos descendentes de russos por aqui. Achei que era preciso viajar até aqui e ver tudo isso pessoalmente. Estou correta?” “Sim, se está procurando pela Rússia no Brasil, esse é um dos melhores lugares”, respondeu com um sorriso. “Não deixe de visitar o museu da cidade e também o ateliê da dona Anna Catarina, ela é uma artista de qualidade, tem ótimos trabalhos ligados à cultura russa, acho que vocês vão gostar”. O circuito estava fechado, era isso que ela queria ouvir. Já havia lido sobre o ateliê, estava listado como uma das atrações da cidade, no site da prefeitura, mas não quis falar nada pois sua ideia ainda era muito frágil, não queria entregá-la de mão beijada.

••• Foram dar uma volta pela cidade. Sua cunhada reclamava que não sabia o que tinham ido fazer naquele fim de mundo. Viajar horas e horas para chegar a uma cidade minúscula, sem lojas e sem nada para fazer. Tudo isso por conta dos delírios de Juliana.


12 Botando a boca no trombone

Às nove e meia estava na agência de marketing, como havia combinado com Bianca. Quando telefonou pela primeira vez e disse que o Professor havia indicado seu contato, ela demonstrou uma alegria ímpar. Pelo visto, nutria muito respeito por ele. Abriu uma brecha na agenda dali a dois dias e pediu que Juliana a visitasse em seu escritório. A agência era o que se podia chamar de descolada. Uma casa em Perdizes, pintada em cores berrantes, com muitos profissionais em um grande salão no térreo. Se por um lado as mesas eram repletas de coisas, itens que pareciam ser enfeites pessoais de seus usuários, por outro mais parecia uma grande república estudantil, onde ninguém era dono de nada. Juliana havia lido algumas reportagens sobre as novas empresas digitais, que rompiam com os conceitos formais de escritórios sérios e propunham espaços descolados, propícios à criatividade. Chegara a discutir essa tendência com Miguel, pensando em implantá-la no escritório e o quanto isso poderia impactar em melhores projetos. A negativa era constante, na velha linha de que no que está bom não se mexe, e que essas novidades eram coisa de quem não tinha o que fazer. 151


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Ainda assim, era a primeira vez que entrava em uma agência e gostava do que via. As pessoas pareciam felizes e pareciam trabalhar com prazer. Mais da metade das cadeiras ainda estava vazia, no entanto. – Juliana? Seja bem-vinda. Você é uma das novas vítimas do Professor? Como está aquele velho ranzinza, atormentando muito seus pupilos? – perguntou uma moça de cabelos pintados de azul, visual despojado, a própria imagem que se tem de um publicitário maluco, enquanto dava uma gargalhada estridente. – Ele é ranzinza mesmo e muito exigente, né? Tem horas que quero sair correndo do escritório, de tantas coisas que ele fala e pede. Por outro lado, isso é necessário. Poucos meses atrás, eu não imaginava que era tão difícil abrir uma empresa e hoje entendo porque a maioria delas quebra no primeiro ou segundo ano de vida. – Sim, sim! Eu brinco quando chamo o Professor de velho ranzinza, mas gosto muito dele e tenho profunda admiração por seu trabalho. Ele é muito sério e se avaliarmos os empreendedores que ele orientou e tiveram força de vontade, todos obtiveram sucesso. – Gostei do teu escritório. Sempre tive curiosidade sobre esses ambientes descolados, mesmo sem a oportunidade de planejar um. – Vamos dar uma volta e te apresento as áreas. Nós estamos aqui há cinco anos, é uma região legal, perto de tudo e com boas universidades. A maioria dos nossos profissionais entrou como estagiário e segue conosco. Nossa filosofia é de investir nos colaboradores e mantê-los aqui, por isso nosso turnover é baixo e poucos profissionais saem da empresa. – O escritório parece meio vazio, é normal isso? – Ainda não são nem dez da manhã. Lembre-se de que publicitários trabalham de noite e dormem de dia – riu novamente. – Nosso horário aqui é flexível, o pessoal faz o horário que achar melhor. Conforme for, eles podem até mesmo trabalhar em casa.


13 Colocando tudo junto

Enquanto a primeira encomenda não chegava, Juliana resolveu colocar em ordem os diversos pontos que tinha, na tentativa de deixá-los ainda mais organizados. Já havia feito a pesquisa de mercado e a definição do público-alvo. Sabia que deveria buscar as classes A e B, segmentando pessoas que gostavam de decorar a casa, eram interessadas em culturas estrangeiras e que poderiam ser estimuladas a comprar produtos para si e para dar de presente para os amigos. Não estava segura ainda de onde estariam essas pessoas. Seu alvo mais provável eram as grandes cidades, mas talvez cidades médias do interior, especialmente em São Paulo, poderiam reunir pessoas com potencial para serem atingidas. Sabia que o começo seria difícil, pois precisaria testar várias abordagens até achar a que lhe trouxesse mais consumidores prontos para comprar. Havia entendido que deveria trabalhar em duas linhas. – Como a Bianca deve ter te explicado, o principal público é o pronto para comprar, pois ele representa o tempo presente. Se não houver compras agora, não haverá um futuro com o qual você possa trabalhar. Porém, você não pode se esquecer das pessoas que comprarão as matrioscas nos próximos meses. Esse público é o que 170


colocando tudo junto

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precisa ser educado, precisa conhecer o produto e passar por um processo de convencimento – disse o Professor. – Minha grande dúvida é que, no começo, eu não terei ninguém pronto para comprar. Como faço? – Justamente por isso te disse que você deve ter a reserva para se manter por um ano. Se você tivesse em mãos um produto cobiçado, seria mais fácil. Em teu caso, será necessário educar o público e isso pode levar tempo. Portanto, os primeiros meses serão de mostrar a cara, contar para as pessoas que você existe e o que o teu produto faz, trabalhando para que elas comprem de você em algum ponto do futuro. Mais do que isso, que passem a ser tuas clientes. – E para o tempo atual, eu busco pessoas que estejam procurando presentes ou itens de decoração? – questionou.

– Exatamente. Tudo isso sem perder o foco no segmento que te interessa. Você será tentada a baixar a guarda e abrir o leque, tentando pegar pessoas que não estejam no perfil desejado. Minha experiência diz que você perderá dinheiro e desperdiçará esforços se seguir por essa linha. – Mesmo que eu não esteja vendendo nada?


14 A matriosca especial

– Juliana, sua encomenda chegou! Desceu as escadas correndo e abriu a porta antes mesmo que o entregador tocasse a campainha. Havia esperado quase uma semana entre a confirmação de Anna de que as matrioscas haviam sido colocadas na transportadora e aquele momento. Quase uma semana de ansiedade, esperando pelos produtos que dariam vida a seu novo projeto. Conferiu os dados, verificou se o pacote estava em ordem, assinou o recebimento e agradeceu. Voou para a mesa da sala, rasgando a embalagem sem piedade. Tamanha era sua ansiedade que não conseguia abrir a caixa. – Calma, minha filha, deixa eu te ajudar – disse a mãe, portando uma faca e cortando a fita adesiva. Estavam ali, doze matrioscas como havia combinado com Anna. Para iniciar a loja, colocaria seis diferentes produtos, sendo três exclusivas, pinturas únicas feitas pela artista, e três peças convencionais, com mais de uma unidade em estoque. Essas vieram prontas da Rússia e poderiam ser repostas à medida que os pedidos entrassem. Havia combinado com Anna que, conforme o andamento das vendas, faria os pedidos uma vez por mês e ela entregaria conforme 183


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seu estoque. Caso tivesse que encomendar novas bonecas, o fornecedor no exterior pedia trinta dias para entregar, esperando que o desembaraço aduaneiro fosse simplificado.

Desembalou uma por uma e as colocou em fila indiana sobre a mesa. Ainda estava admirando a beleza do produto que seria o centro de sua carreira profissional nos próximos meses quando sua mãe lhe disse: – Filha, tem mais uma embalagem aqui, você não viu? – Esqueci de alguma? Já estão as doze encomendadas aqui, não? Hum, é verdade, temos onze apenas. Vamos abrir essa também, pode abrir, te dou esse gostinho – sorriu. – Nossa, como essa matriosca é linda, veja só – mostrando para a filha. Para surpresa de Juliana, a última peça era justamente aquela com a qual havia se encantado na colônia russa. A boneca com o olhar triste, quase a chorar, em suas cores suaves, discretas. Anna havia dito que ela estava reservada para outro comprador, o que será que fazia ali?


15 Sempre te amei

O telefone tocou. No visor, apenas a identificação como ‘Número Privado’, o que indicava que provavelmente não era boa coisa, provavelmente alguém querendo vender algo. Ia deixar tocar, não estava com cabeça para aquilo. Ainda assim atendeu. – Quem fala? – perguntou uma voz masculina do outro lado. – Com quem você quer falar? – respondeu com voz irritada. – Quero falar com a garota que tem algo que me pertence e que, se for inteligente, vai devolver para mim sem envolver a polícia. Juliana deu um pulo da cama. Parecia que não havia entendido direito as palavras, porém a ideia entrou firme em sua cabeça. Era o dono da joia misteriosa. – Como assim? Desculpe, não sei do que está falando. Aliás, quem está falando, por favor? – Não se faça de desentendida, garota. Sabemos que você está com a nossa matriosca especial. Eu a quero de volta e a quero ainda hoje. Ela está com você? Se estiver, enviarei as instruções mais tarde. – De novo, não sei do que você está falando.

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– Garota, não me faça perder a paciência. Achei que você fosse mais esperta e me enganei. Você faz ideia de em que está metida? A artista russa já era e se você não colaborar, o próximo será seu namoradinho – ameaçou. – Espere, o que você quis dizer com a artista russa já era? E o que vai fazer com o Pedro? – Exatamente o que você entendeu. A matriosca que ela enviou para você é minha e a quero de volta, todas as três bonecas. Se você não colaborar, seu namorado será o próximo. Ah, e não precisa se preocupar em avisá-lo, ele está aqui na minha frente. Fale com ela, fale. Peça que ela seja racional e não dificulte as coisas. – Juliana, me desculpe. – Pedro, você está bem? – Estou bem, estou bem. Eles me pegaram quando saía de casa, disseram que você tem algo deles, uma matriosca. O chefão disse que se você entregar a joia, eles me soltam sem nenhum arranhão e não aparecem mais. Não entregue nada, Juliana, chame a polícia o quanto antes. – Chega, já falou demais. Eu ligo mais tarde, fique com a matriosca em mãos e você receberá novas instruções – e desligou o telefone.

••• – Meu jovem, você fala demais. Então quer dizer que vocês descobriram a joia escondida. Quem mais sabe disso? Pedro percebeu a bobagem que havia feito. Agora todos corriam perigo. – Ninguém, apenas eu e a Juliana, eu juro. – Comece a rezar pois hoje você e sua namoradinha vão encontrar-se com Deus.


16 Passos largos rumo ao sucesso

Toda essa confusão durou apenas três dias, entretanto, parecia que havia durado uma eternidade. Depois que foram libertados, uma ambulância levou Pedro para o hospital, onde seria atendido e faria exames. Juliana ainda ficaria mais um tempo no galpão visto que o investigador precisava pegar mais algumas informações com ela. A rua parecia um carnaval. Carros para todo lado, com suas sirenes piscando. A notícia havia se espalhado rapidamente e ainda não entendia como a imprensa havia ficado sabendo. Uma fila de repórteres se formara, todos querendo falar com ela para saber de detalhes. Não sossegariam enquanto não conseguissem uma declaração. Nunca havia aparecido na televisão e não tinha a menor vontade de ser entrevistada, mas não houve saída. Entraria ao vivo nos principais jornais da noite. Explicou que estava abrindo uma loja virtual para vender matrioscas. – Matrioscas? O que são matrioscas? – perguntou um repórter. – São bonecas tradicionais russas, que se caracterizam por terem outras bonecas dentro delas. Um traficante internacional escondeu a Joia do Imperador dentro de uma matriosca que veio parar em minhas mãos. Por conta disso, um grande amigo foi sequestrado e

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aconteceu toda essa confusão. Agora, os russos poderão receber sua estimada joia de volta. As perguntas continuaram e, sem se dar conta, Juliana conseguiu preciosos minutos de publicidade gratuita em todo o país. Sua cabeça, no entanto, pensava apenas em sair dali e ir encontrar com Pedro. O carro da polícia a levou até o hospital. Encontrou Pedro recebendo os cuidados médicos enquanto assistia o noticiário. Quando a viu, perguntou: – Sou só um grande amigo, é? – Não, você é o amor da minha vida. Abraçaram-se e se beijaram. Uma vida toda estava reunida naquele abraço. – Eu te amo. – Não, eu te amo.

•••


Epílogo

Um ano se passou desde o lançamento da loja de matrioscas. Enquanto espera no carro, um filme passa por sua cabeça, no melhor estilo de “filme da vida”. Se quando ainda empregada na MGL alguém lhe dissesse que dali a algum tempo seria uma empreendedora de sucesso, com um produto desejado e da moda, dona de uma loja virtual modelo e procurada por empresários do setor para compartilhar suas ideias, não acreditaria. Estava feliz em seu emprego, fazendo o que gostava, projetando casas, prédios, edifícios feitos por e para pessoas. Estava contente porque seus projetos estavam entre os mais conceituados de São Paulo. Mesmo que seu nome não aparecesse, isso não importava. Fazia parte de um grande time, sentia orgulho e estava feliz com isso. Parece que a vida faz de propósito. Sempre que ela vai bem, sempre que as coisas começam a se acomodar e entrar nos eixos, algo vem e sacode, muda tudo de lugar, para que tenhamos um recomeço, em novas condições. Uma nova chance de fazer tudo de novo, aprender e ensinar. Era assim que se sentia sentada no banco de trás, olhando a porta da igreja. Sua mão esquerda apertava a mão de seu pai, que sorria a seu lado. Nenhuma palavra era trocada, apenas o olhar dizia tudo, um olhar de cumplicidade, um olhar de proteção, porque os pais são

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assim, mesmo quando nos freiam, eles apenas querem nos proteger. Sabia que seu pai sempre lhe apoiou e que estava radiante por dentro com as conquistas de sua filha. O tempo passado no interior, na casa da avó, havia sido um retiro, uma descompressão, uma artimanha usada pela vida para que ela fosse chamada à sua verdadeira missão. Se tivesse permanecido em São Paulo naqueles dias que se seguiram à grande mudança, talvez agora estivesse em outro escritório, cuidando de outros projetos. Não teria decidido empreender, não teria conhecido o Professor, não teria conhecido o Pedro. Como será que ele estaria lá dentro da igreja? Nervoso como ela, preocupado com o grande passo de suas vidas, receoso do que aconteceria dali pra frente? Não! Pedro era como ela. Tinham suas diferenças, mas ambos eram empreendedores e por isso se davam bem e se completavam. Um entendia o outro, compreendia suas angústias e sabia seus anseios. Ambos tinham uma missão, pois isso era ser empreendedor e ela estava contente porque poderiam compartilhar essa missão. Lembrou-se da primeira vez que o viu, no evento de comércio eletrônico. Percebeu como cada segundo de nossas vidas pode fazer a diferença, cada ato, cada decisão que tomamos pode mudar todos os anos que ainda nos restam. Lembrou-se da primeira vez que conheceu o Professor e como ele de certo modo tinha sido o responsável por ela estar ali sentada naquele carro, aguardando a hora de adentrar a igreja. Agradecia por ter tomado aquelas decisões, por ter se atirado no desconhecido e por ter dado uma chance àquele Professor estranho, que falava complicado, parecia louco, mas mostrou-se um velho sábio. Pela primeira vez pensou em como seria sua vida se não tivesse acreditado nas palavras do Professor. Provavelmente encontraria


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