Pesquisas de opinião pública

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Alexandre Correa Lima

Novatec


Copyright © 2017 da Novatec Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por escrito, do autor e da Editora. Editor: Rubens Prates Revisão gramatical: Marta Almeida de Sá Editoração eletrônica: Carolina Kuwabata Capa: Leonardo Lombardi ISBN: 978-85-7522-543-1 Histórico de impressões: Janeiro/2017

Primeira edição

Novatec Editora Ltda. Rua Luís Antônio dos Santos 110 02460-000 – São Paulo, SP – Brasil Tel.: +55 11 2959-6529 E-mail: novatec@novatec.com.br Site: www.novatec.com.br Twitter: twitter.com/novateceditora Facebook: facebook.com/novatec


capítulo 1

Introdução

1.1 Introdução Em um típico ano de eleição presidencial nos Estados Unidos são conduzidas centenas de pesquisas eleitorais. Nos meses finais de campanha, é raro o dia em que se acorde sem o bombardeio de novos números sobre o pleito. Um cenário que se repete na maioria dos países democráticos do mundo. No México, na eleição presidencial de 2012, tivemos uma situação-limite: entre 12 de abril e 26 de maio foram divulgadas 680 pesquisas, uma incrível média de 14 por dia1; trata-se de uma avalanche de dados que certamente contribui mais para a confusão do que para a informação. No Brasil, apenas nas eleições municipais de 2012 foram registradas 10.855 pesquisas2; apesar de o número parecer expressivo, é sabido que esse parâmetro é sub-representativo, uma vez que o TSE compila apenas as pesquisas destinadas à divulgação pública, portanto não registra a maioria das pesquisas eleitorais, produzidas para consumo de partidos e candidaturas. Tais levantamentos não integram as estatísticas oficiais, tampouco chegam ao conhecimento da mídia ou do grande público. As pesquisas, sejam eleitorais, de opinião pública, de mercado ou de audiência, já se tornaram parte da cultura popular. Nos anos 90, ficou famosa a chamada “Guerra das Cervejas”, em que Brahma e Antarctica se engalfinhavam na corrida para ser a marca mais consumida no país. Até aí, nada 1 2

El País on line. 19/6/2012. El desenfreno de las encuestas confunde a los votantes de México. http://internacional.elpais.com/internacional/2012/06/19/actualidad/1340138040_042861.html. http://pesqele.tse.jus.br/pesqele/publico/pesquisa/Pesquisa/consultaPublica.action.

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de tão diferente da maioria dos mercados competitivos, a não ser por um detalhe crucial: a batalha entre as duas marcas, e seus respectivos índices de mercado, era assunto popular, que alimentava debates nas esquinas, sendo mais um assunto a ser tratado apaixonadamente pelos filósofos de mesa de bar. A passionalidade era tão grande que mereceu um artigo do jornalista Luiz Caversan, da Folha de São Paulo, intitulado “Disputa está no imaginário popular”3. As pessoas discutiam não apenas qual cerveja seria a melhor, mas também qual seria a eleita de paulistas, cariocas e brasileiros. E as pesquisas de audiência? Em um país em que a TV aberta ainda conta com uma penetração quase hegemônica, não é de espantar que o tema tenha ultrapassado os limites das paredes dos executivos das emissoras. Apresentadores de programas ao vivo alardeiam ao seu público quando sua audiência aumenta ou se torna maior que a do concorrente direto. Tabelas com os índices de audiência das principais emissoras costumam ser veiculadas nos principais jornais brasileiros, o que demonstra a relevância do tema para o grande público. É raro o portal de notícias na internet que não traga diariamente uma ou mais enquetes, versando de assuntos polêmicos a trivialidades. Não é à toa que até a marca Ibope – nome do maior, mais famoso e mais antigo instituto de pesquisas do país – tenha virado verbete de dicionário4. No entanto, a despeito da popularidade que as diversas modalidades de pesquisa possam gozar junto à população, nenhuma provoca tantas polêmicas quanto as eleitorais. Parte disso parece residir na passionalidade da disputa eleitoral. Muitos assumem uma postura beligerante em relação aos adversários de seus candidatos e reagem de maneira impulsiva contra qualquer informação que, de alguma forma, lhes seja negativa. Qualquer fato ou argumento de matiz antagônico passa a ser visto como um ataque à sua posição política. Esse tipo de postura lembra muito a dos fanáticos torcedores de futebol para quem o juiz é sempre um gatuno, percepção que se torna mais aguda quanto mais desfavorável for o placar. 3 4

Folha de São Paulo, 2/7/1999. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi02079909.htm. Sigla de Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. 2. Bras. Rád.Telev. Designa genericamente índice de audiência obtido por pesquisas de opinião pública a fim de obter sondagens sobre preferências do público: O programa deu um bom ibope. 3. Fig. Prestígio pessoal, reconhecimento: O ibope do bombeiro subiu depois que salvou as crianças.


Capítulo 1 ■ Introdução

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Outro fator que contribui para que as pesquisas sejam tão duramente atacadas é a falta de compreensão, para os leigos, dos fundamentos que validam o processo amostral. Para a maioria das pessoas, é simplesmente inaceitável que uma amostra de 2.500 pessoas (bastante frequente em eleições presidenciais) possa ser usada para prever, com elevado nível de confiabilidade, a opinião ou o voto de 140 milhões de eleitores. O comentário publicado a seguir, colhido em um grupo de discussão na internet com o tema “Você confia nas pesquisas eleitorais?”5, representa muito bem este tipo de posicionamento com relação à eficácia das pesquisas: “(...) Na pesquisa Ibope a amostragem não chega nem a 0,003% do eleitorado. Aquestão é: dá para confiar? Temos a amostragem do Ibope de 3.010 eleitores, temos o número de eleitores 135.804.433 dividindo a amostragem pelo número de eleitores, temos 0,0023% aproximadamente. Se aplicarmos métodos probabilísticos nestes dados, acredito que talvez seja mais fácil acertar na MegaSena do que supor que a opinião dessa amostra se reflita no resto do eleitorado.”

A esse comentário seguiam-se outros, com teorias conspiratórias sobre o partido X ou Y, planos maquiavélicos elaborados por institutos de caráter duvidoso (supostamente, todos) e pela imprensa manipuladora para fazer com que o grupo A ou B permanecesse ou chegasse ao poder. Outros usavam o célebre bordão “eu nunca fui entrevistado”, como prova da falta de representatividade das pesquisas, colocando os métodos estatísticos sob suspeita. Por fim, existem aqueles que acham que as pesquisas exercem uma influência negativa na decisão de voto dos eleitores e que, portanto, deveriam ter sua divulgação restrita ou até proibida. Mesmo com todas as polêmicas, e ainda que exista certa suspeita acerca do assunto pelo público não especializado (ou seja, a maioria das pessoas), é necessário afirmar que a pesquisa eleitoral é uma das raras, se não a única, formas de levantamento de informações sociais que podem ter sua validade testada na prática, comparando-se os dados apurados com os resultados das eleições. A maior parte das outras modalidades de pesquisa não permite este tipo de aferição. Em uma pesquisa de satisfação de clientes, por exemplo, é possível afirmar que o índice de satisfação de uma determinada loja é de X%, 5

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/nova-enquete-queremos-saber-o-quanto-voce-confia-nas-pesquisas-de-intencao-de-voto/


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mas o dono dessa loja jamais saberá, por seus próprios meios, com exatidão, o quão próximo ou distante da realidade esse número está. O mesmo pode ser dito quanto à aferição da opinião a respeito de um tema polêmico, da potencialidade de um novo negócio, ou mesmo da audiência de um programa de TV. Devemos partir do pressuposto que os dados apurados devem estar certos, ou razoavelmente certos, dentro de determinados parâmetros cientificamente aceitos, e que a pesquisa tenha sido conduzida de acordo com as boas práticas metodológicas, uma vez que jamais teremos uma realidade paralela disponível para comparação. O constante questionamento em relação a métodos e qualidade dos dados aferidos em pesquisas de audiência de TV no Brasil, por parte de emissoras e outros agentes, ilustra muito bem a importância deste assunto para o mercado publicitário. Há algumas décadas, o Ibope é a referência brasileira em medição da audiência da TV aberta, colhendo e analisando informações recebidas de uma amostra selecionada de domicílios em diversas capitais. Cada residência recebe um aparelho chamado Peoplemeter, que mede em tempo real, minuto a minuto, os hábitos de audiência de seus moradores; as informações colhidas são enviadas à central de processamento do instituto pela internet6. Esse método, utilizado há muitos anos, é aplicado pelo Ibope no Brasil e também por outros institutos de pesquisa em todo o mundo; é uma metodologia consolidada e eficaz. Mesmo assim, algumas emissoras questionam os índices, sobretudo porque eles sistematicamente mostram a Rede Globo como hegemônica na maioria dos horários. Ao mesmo tempo, outros institutos têm interesse em morder um naco desse milionário mercado. Em 1995, a gigante norte-americana Nielsen, uma das maiores empresas de pesquisas de mercado e mídia do mundo, tentou entrar no mercado brasileiro de medição de pesquisa de audiência de TV7. A empresa contou com a resistência do mercado, que achou complicado ter de manejar e calcular verbas publicitárias por meio de dois índices que, provavelmente, sempre apresentariam divergências. A iniciativa não obteve apoio por parte de quase todas as emissoras e, assim, o negócio não teve escala para se viabilizar. 6 7

http://www.ibope.com.br/pt-br/ibope/comofazemos/Paginas/Audiencia-de-TV.aspx. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/12/05/dinheiro/14.html.


Capítulo 1 ■ Introdução

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O SBT, por meio de seu presidente-fundador Silvio Santos, insatisfeito (e desconfiado) com os índices divulgados pelo Ibope, patrocinou, em 2004, a criação de um novo instituto, o Datanexus, em conjunto com o cientista político Carlos Novaes8. Durante o período de funcionamento do Datanexus, era possível verificar que os índices de ambos os institutos eram bastante parecidos, à exceção dos dados relacionados à Globo e ao SBT9. Os índices da primeira costumavam ser menores, e do segundo, um pouco maiores, aumentando a desconfiança do mercado. O instituto, a respeito deste assunto, afirmava que havia construído uma amostra mais representativa da população brasileira, com o correto dimensionamento das áreas mais pobres das grandes cidades (público-alvo da programação popular do SBT), o que o instituto concorrente, por comodidade ou opção metodológica (supostamente), sub-representaria. A argumentação não encontrou respaldo no mercado, uma vez que o patrocinador e sócio do instituto era um interessado direto nos seus resultados; essa desconfiança, somada à falta de suporte financeiro das outras emissoras, fez com que o Datanexus encerrasse suas atividades pouco tempo depois. Este caso é um exemplo de que fazer um trabalho de qualidade, com metodologia que pode ser aferida e comprovada, e com dados que podem ser auditados, não é o bastante para obter sucesso em uma empreitada como esta; conquistar a credibilidade do mercado é condição fundamental.10 As pesquisas eleitorais, tão polêmicas e, por vezes, satanizadas quando erram, são praticamente as únicas que podem ser validadas pela opinião pública. Neste caso, a conquista da credibilidade depende única e exclusivamente da eficácia do instituto que se presta a produzir tais levantamentos; quanto mais próximos estiverem da realidade, mais crédito terá a empresa que os realizou. Desse modo, é possível afirmar que a assertividade de um instituto com relação às pesquisas eleitorais pode ser usada como elemento balizador da credibilidade deste em relação a outros mercados, como o publicitário, por exemplo. 8 http://www.dgabc.com.br/Noticia/176651/datanexus-e-o-novo-medidor-da-audiencia. 9 http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp0306200397.htm. 10 Polêmicas como essa parecem ser cíclicas. Após as infrutíferas tentativas de Nielsen e da Datanexus, em 2015 o instituto alemão GFK anunciou o início de suas atividades na medição de audiência televisiva no Brasil, num consórcio que reuniu Rede TV, SBT, Record e Bandeirantes. http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2015/05/06/gfk-divulgara-dados-de-audiencia-do-brasil-a-partir-do-terceiro-trimestre.htm.


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É essencial ressaltar que, mais importante do que servir como referencial de credibilidade para os negócios de um instituto, as pesquisas de opinião pública exercem um papel fundamental na construção e na manutenção do estado democrático, pois muitas vezes se tornam o único mecanismo com credibilidade suficiente para qualificar e quantificar as manifestações e os interesses dos diferentes atores de uma sociedade cada vez mais complexa. As pesquisas são uma forma dinâmica e transparente de levar as demandas da sociedade, muitas vezes urgentes, para a pauta dos agentes administrativos em todas as esferas de poder. Sendo a classe política mandatária do povo, e exercendo o poder em nome deste, é natural e legítimo que ouça seus desejos e suas necessidades para alinhar os programas de governo com tais aspirações. Dessa forma, é possível afirmar que, mesmo indiretamente, as pesquisas influenciam o rumo das cidades, dos estados e da nação. Sem elas, não seria incorreto supor que decisões poderiam ser guiadas apenas pela intuição ou pelo achismo de tecnocratas, baseados em suas crenças, seus interesses ou suas experiências pessoais. Ao mesmo tempo, há quem veja a pesquisa política como uma ferramenta enfraquecedora da democracia. Sua influência pode se tornar grande a ponto de subverter a lógica da representação e da liderança política: o candidato, em vez de atuar como um líder, alguém que aponta os caminhos de acordo com suas convicções e seu programa de governo, passaria a ser um escravo das pesquisas, que poderiam ser entendidas como uma representação de demandas imediatas, sem compromisso com uma agenda voltada para o futuro. Estaria condenado, portanto, a governar a partir da míope perspectiva de um olhar de retrovisor. Mais do que acreditar que uma corrente tem mais razão que outra, é legítimo entender que a pesquisa de opinião pública, com todo o controverso repertório de polêmicas que traz consigo (e exatamente por causa disso), é um dos mais legítimos instrumentos inventados pela ciência e pela democracia quando se trata de dar voz às massas e diminuir a distância entre governados e governantes.


Capítulo 1 ■ Introdução

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1.2 História 1.2.1 As origens remotas Roma antiga, dois milênios atrás. Sob o caótico zumbido da turba agitada, o contendor cai aos pés do gladiador, que sobre este aponta, na direção da jugular, sua reluzente espada. O momento decisivo, que separa a vida da morte. De joelhos, o derrotado encara a multidão, suplicando clemência após o exaustivo confronto. Embora o imperador fosse soberano para decidir o destino do infeliz, o veredito quase sempre era baseado na opinião da multidão, que deliberava sobre a vida ou a morte por meio de gestos feitos com as mãos.11 Parte da política oficial de “pão e circo” (panis et circenses), os vereditos das sangrentas lutas de gladiadores da Roma Antiga são, possivelmente, uma das primeiras manifestações de mensuração da opinião pública de que se tem registro. Não muito distante dali, aliás, encontramos os primeiros ensaios daquilo que viria a ser chamado de democracia com a experiência das Assembleias Atenienses no século V antes da era cristã. O principal traço que distinguiu essa democracia de outros sistemas foi a representatividade por voto direto: os cidadão atenienses livres decidiam conjuntamente toda e qualquer sorte de questão pública, da realização de festas à condenação de criminosos, sem a necessidade de representantes políticos eleitos para este fim. O filósofo Sócrates foi, seguramente, o mais ilustre condenado por estes julgamentos públicos, em sessão que contou com o voto de 501 atenienses. A despeito desses primeiros experimentos democráticos, seguiram-se, em maior ou menor intensidade, e com raras exceções, quase dois milênios de um mergulho em formas variadas de totalitarismo, monarquia e absolutismo, em que qualquer ideia ou movimento que representasse uma ameaça ao pensamento então dominante seria imediatamente perseguido. A origem das pesquisas de opinião remonta ao início do século XX; porém, antes que façamos este pulo no tempo, vale a pena, para contextualizar o cenário que precede o surgimento das pesquisas, analisar a curiosa trajetória política e militar de um monarca espanhol na segunda metade do século XVI. 11 http://www.ancient.eu/gladiator/


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Philipp II, rei da Espanha durante 55 anos (e depois também rei de Portugal, Algarve, Nápoles e da Inglaterra, após seu casamento com a rainha Mary), foi um dos mais poderosos homens de seu tempo. Líder da Armada Espanhola e detentor de um vasto império global, com territórios e colônias na Europa, África, Ásia, América do Norte, no Caribe e na América do Sul. Carregava nos ombros o monumental desafio de comandar um império espalhado pelas mais diversas e distantes regiões do planeta, em uma época em que não havia aviões a jato nem telecomunicações. Além disso, as colônias e os territórios não tinham moeda comum; falavam línguas diferentes, tinham culturas divergentes, sistemas políticos e sociais bastante particulares, e havia conflitos religiosos, entre outras questões. Era visto como um grande líder e estrategista, e ao mesmo tempo como indeciso e procrastinador (não por acaso recebeu a dúbia alcunha de “o Prudente”)12; apesar de ter uma personalidade, em princípio, cheia de ambiguidades, o monarca foi um inovador. Uma das suas principais contribuições foi o desenvolvimento de estratégias de governo baseadas na busca de informações atualizadas a respeito de seus domínios, um diferencial muito importante em tempos de guerra e de ampliação das fronteiras imperiais. Administrava com base em mapas, relatórios, esboços, além de se utilizar de pesquisas e questionários que distribuía aos seus líderes coloniais para poder se manter informado em relação ao status de cada um de seus novos territórios. Segundo Erdos,13 em 1577 o monarca distribuiu, por intermédio de mensageiros, um questionário com 38 perguntas aos líderes das colônias conquistadas no chamado Novo Mundo: possivelmente, foi a primeira experiência de pesquisa postal em toda a história da humanidade. Curiosamente, a mistura de excesso de informações com uma personalidade titubeante acabou gerando burocracia e ainda mais procrastinação nos processos decisórios14; mesmo assim, além de ser destacado conquistador de territórios, o rei Philipp II teve o mérito de ser um pioneiro das pesquisas postais, modo de coleta de dados que viria a ter enorme protagonismo trezentos anos depois. 12 http://www.encyclopedia.com/topic/Philip_II_(Spain).aspx 13 Erdos, P. (1970). Professional mail surveys. New York: McGraw-Hill. 14 http://www.encyclopedia.com/topic/Philip_II_(Spain).aspx


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Em resumo, até fins do século XIX, muito pouco ou quase nada foi produzido de pesquisa no mundo, como ciência metodologicamente embasada, panorama que seria alterado apenas no início do século XX.

1.2.2 As raízes históricas da pesquisa O final do século XIX traz uma série de dramáticas mudanças e eventos que, combinados, compõem o pano de fundo do surgimento da pesquisa social e das modernas técnicas de investigação de mercado, audiência e opinião pública. O mundo, até então predominantemente rural, começa a urbanizar-se rapidamente, como um efeito direto da revolução industrial. As transformações são dramáticas. A cidade de Nova York, por exemplo, tinha 60.515 habitantes em 1800 e em 1900 abrigava cerca de 3,5 milhões de pessoas. A cidade de Chicago, fundada oficialmente em 1837 por intermédio de um punhado de moradores, contabilizava 1,7 milhão de habitantes sessenta anos depois (Figura 1.1). A realização do primeiro censo nos Estados Unidos, datado em 1790, é um sintoma de que a administração pública passava a encarar o fenômeno da explosão populacional com seriedade, e marca o início das coletas de estatísticas oficiais, como taxas de natalidade, mortes, crimes e doenças. Os dados reunidos pelos censos mostravam que a expansão e a concentração populacional nos Estados Unidos ocorreram de forma muito abrupta, gerando enormes impactos na sociedade, para o bem e para o mal. No âmbito social, nas recém-criadas metrópoles americanas, vê-se a escalada sem precedentes de uma série de eventos severos, como fome, desemprego, pobreza, déficit habitacional, crime, violência e traumáticas tragédias, como os incêndios. O Grande Incêndio de Chicago, iniciado em 8 de outubro de 1871, consumiu uma parte considerável da cidade e deixou um terço dos moradores sem teto durante 48 horas de horror.15 Em 1845, um incêndio de grandes proporções destruiu mais de trezentos prédios na parte baixa da Ilha de Manhattan.16 Tornavam-se evidentes os desafios 15 http://education.nationalgeographic.com/news/chicago-fire-1871-and-great-rebuilding/ 16 http://www.boweryboyshistory.com/2009/03/explosion-of-1845-downtown-new-york-in.html


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sociais, urbanísticos e de infraestrutura daquelas cada vez mais infladas aglomerações populacionais. Evolução populacional EUA - 1790 a 1930 8.000.000

6.930.446

7.000.000

6.000.000 5.620.048

5.000.000 4.766.883

4.000.000 3.376.438 3.437.202

3.000.000 2.701.705 2.507.414 2.185.283

2.000.000 1.911.698 696.115 121.376 29.963

1.000.000 49.401 28.522 0

79.216 41.220 0

119.734 53.722 0

152.056 63.802 0

242.278 80.462 0

391.114 93.665 4.470

1800

674.022

565.529

1820

1830

1840

1850

New York

1860

1.823.779

1.950.961

1.549.008 1.293.697

1.046.964

503.185

298.977

112.172 1810

1.099.850

1.174.779 847.170

0 1790

1.478.103

1.698.575

1870

Chicago

1880

1890

1900

1910

1920

1930

Philadelphia

Figura 1.1 – Evolução populacional dos Estados Unidos da América.

Ao mesmo tempo, essa nova geografia urbana começou a apresentar diferentes contornos e atividades, propiciando o surgimento de um mercado de varejo com foco em bens de consumo de massa, além de maior demanda por informação e entretenimento. Uma invenção da primeira metade do século XV, todavia, seria decisiva para o desenvolvimento das pesquisas modernas. Desde que o alemão Johannes Gutenberg inventou a imprensa por tipos móveis,17 a produção de livros, periódicos e peças gráficas cresceu imensamente, encontrando nas grandes metrópoles o terreno ideal para o surgimento de uma pujante 17 http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/prensa-gutenberg-435887.shtml


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indústria de comunicação e da mídia impressa. Não apenas por isso, mas também porque a disseminação de informação está na base de muitos levantes reformistas, o que propiciou o surgimento de dissidências, ideias liberais e o fortalecimento dos ideais democráticos; em última instância, tais acontecimentos guardam forte relação com os movimentos de valorização da opinião pública e da economia de mercado, que são os componentes que dão fundamentação à indústria da pesquisa. A conjunção entre mercado consumidor, meios de comunicação e produtores de bens e serviços deu origem ao surgimento das primeiras agências de propaganda e marketing, que tinham a missão de entender o comportamento do consumidor e da massa cada vez maior de leitores dos periódicos impressos. Ao mesmo tempo, as transformações sociais pelas quais passavam as grandes cidades começavam a despertar a atenção de governantes e universidades, que tinham o objetivo de melhor compreender e interpretar aquele mundo em mutação. O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX foi propício ao surgimento das primeiras pesquisas; mesmo tratando-se de experimentos isolados e com pouca fundamentação científica, tais iniciativas foram extremamente importantes para a consolidação das bases relacionadas às práticas de pesquisa. Não existiam ainda métodos quantitativos amadurecidos e testados, nem um entendimento das teorias amostrais e probabilísticas. Os primeiros procedimentos, como a imersão e a observação, guardavam relação com estudos empíricos qualitativos, emprestados das emergentes ciências sociais. Desse modo, um cientista, um assistente social ou um observador obtinham autorização de uma família para com esta conviver durante determinado período, e ao longo do tempo faziam anotações sobre os hábitos do lar em que essa família habitava: o que as pessoas comiam, como se comportavam, quais produtos consumiam, o que discutiam à mesa de jantar, quais seus hábitos religiosos e de lazer, qual era o linguajar dominante, entre outras questões que julgassem relevantes. O principal difusor desse método era a organização Mass-Observation (M-O), entidade sem fins lucrativos sustentada por doações que no final dos anos 30 recrutou centenas de voluntários para atuar como observadores da


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população em pesquisas que objetivavam entender o comportamento e os hábitos de consumo das famílias. Apesar de seu declínio, pouco mais de uma década depois, deixou importantes contribuições para o desenvolvimento da pesquisa não apenas no ainda inóspito terreno das práticas qualitativas, mas também em suas iniciativas para avaliar atitudes e opiniões. Como eram ainda pouco estruturados e não tinham uma base amostral sólida, e com as dificuldades de praxe em consolidar informações tão pulverizadas e difusas, os estudos fundamentados por esse tipo de procedimento tiveram sua disseminação comprometida. Outro método pioneiro foi a “análise de conteúdo”. Com a difusão da imprensa escrita, se tornava possível uma catalogação cronológica dos principais eventos, de notícias e editoriais de uma determinada sociedade num determinado momento. Como assinala Anthony Oberschall,18 os patrocinadores dessa metodologia partiam da premissa de que os leitores são diretamente influenciados pelas opiniões refletidas nesses periódicos; logo, a análise de conteúdo seria um indicativo seguro das opiniões então dominantes. De todo modo, nesses rudimentos de pesquisa predominava a medição objetiva, apenas de fatos concretos, como a quantidade de notícias sobre determinado tema, o percentual de pessoas com determinada característica física ou etária ou seu gênero. Não havia ainda o conceito de que opiniões ou atitudes pudessem ser atributos mensuráveis. Um dos primeiros a tatear esse terreno ainda intocado foi o investigador social Adolf Levenstein, que em 1912 conduziu um levantamento com quase 5 mil trabalhadores industriais alemães.19 Ele tinha como objetivo principal compreender como esses trabalhadores encaravam suas condições de trabalho, seus desejos, as pressões físicas e psicológicas. O estudo também se preocupou em medir outras dimensões da vida do trabalhador, como lazer, consumo de álcool, relacionamento familiar e religião.20 Esse levantamento foi um dos precursores das hoje difundidas pesquisas de clima organizacional, inovando ao tentar medir aspectos “abstratos” como desejos, sensações, sonhos e aspirações. 18 Oberschall, Anthony. The Historical Roots of Public Opinion Research. The Sage Handbook of Public Opinion Research, Nova York: Sage Publications, 2012. 19 Levenstein enviou cerca de 8 mil questionários e recebeu 63% de respostas. Mesmo para os dias de hoje, trata-se de um resultado formidável. Oberschall, Anthony. Ob. cit. 20 Levenstein, A. Die Arbeiterfrage (The working class question). München: Reinhardt, 1912.


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O intervalo compreendido entre o final do século XIX e os primeiros decênios do século XX traria ainda mais um importante componente para o surgimento das técnicas de pesquisa: a disseminação das teorias estatísticas. Importantes eventos e descobertas ocorreram nesse período. Mentes brilhantes, como as de Karl Pearson, Paul Lévy e Ronald Aylmer Fisher, deram grandes contribuições à ciência matemática e estatística nesse profícuo intervalo histórico. No seminal trabalho “Estudos sobre a variação de safras”,21 Fisher deixa fluir todo o seu gênio criativo, aplicando suas revolucionárias teorias às safras agrícolas, demonstrando a correlação entre a produtividade das plantações e os fatores climáticos e de solo. Nesse trabalho, aparece pela primeira vez a defesa da aleatoriedade como forma de se obter estudos confiáveis e livres de vieses; apesar de contraintuitivo a princípio, tal método acabaria adotado como padrão dominante da indústria americana de pesquisa algumas décadas depois.

1.2.3 Os pioneiros da pesquisa Governo, universidades, fundações, mídia e mercado. Não eram poucos os eixos que convergiam a criar demanda para a vindoura indústria de pesquisa. Apesar de parte dessas tendências também encontrar equivalência em alguns países europeus, como Inglaterra, Alemanha e França, foi nos Estados Unidos, na primeira metade do século XX, que esses fatores ocorreram com uma intensidade e simultaneidade decisivas, e este país tornou-se não por acaso o berço das pesquisas de opinião eleitorais, de mercado e de audiência. Estima-se que, do total de pesquisas realizadas em todo o mundo à época, mais de 60% tenha sido nos Estados Unidos.22 Os governantes americanos estavam preocupados em medir os novos fenômenos sociais derivados da emergência das recém-nascidas metrópoles. Fome, pobreza, crime, miséria, aumento populacional, novas demandas por serviços públicos, como saúde, infraestrutura e transportes. O advento da 21 Salsburg, David. Uma senhora toma chá… Como a estatística revolucionou a ciência no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 22 Zetterberg, Hans L. The Start of Modern Public Opinion Research. The Sage Handbook of Public Opinion Research. Nova York: Sage Publications, 2012.


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chamada Grande Depressão, que se seguiu ao crash da bolsa americana de 1929, tornou mais urgente a necessidade de conhecer melhor as condições de vida da população; assim, seria mais eficiente estimar o nível de suporte a ser dado às políticas públicas do chamado “New Deal”, pacote de medidas de estímulo à recuperação da economia e mitigação das mazelas sociais empreendido pelo presidente Franklin Roosevelt entre 1933 e 1937. Ao mesmo tempo, universidades, cientistas sociais e fundações debruçavam-se em desbravar o admirável mundo novo das pesquisas. Recursos e doações vindos do governo ou de fundações filantrópicas começavam a subsidiar a fascinante novidade. Em 1937, por exemplo, saía a primeira edição do Public Opinion Quarterly23, até hoje uma das mais importantes publicações do setor de pesquisa, nascida no campus da prestigiosa Princeton University. Quatro anos depois, era fundado o Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (NORC) na University of Denver.24 Fora do espectro acadêmico, a iniciativa privada tinha um interesse cada vez maior em conhecer a opinião dos consumidores. Com o advento da Revolução Industrial e o crescimento das grandes cidades, nasciam as primeiras agências de propaganda, que precisavam compreender melhor os hábitos de consumo das pessoas, os índices de leitura de jornais e os anúncios impressos e a efetividade das primeiras mensagens publicitárias. Era preciso dotar de ciência e racionalidade o que até então era pura intuição e experimentação. Da indústria de cigarros à de máquinas agrícolas, começava a difundir-se a importância da pesquisa de mercado. Um dos segmentos que deram grande impulso às pesquisas de opinião (principalmente as eleitorais) foi o de jornais e revistas. Nesse mercado, as pesquisas se tornaram um instrumento para medir a receptividade do leitor; os dados levantados eram interpretados com o objetivo de aumentar a atratividade das próximas edições, impulsionando a circulação das publicações e aumentando o lucro das editoras. Inicialmente as notícias eram o conteúdo primário e quase absoluto dessas publicações. Com o passar do tempo, os jornais começaram a incorporar novas “seções”, de modo a atrair um espectro cada vez maior de leitores. 23 http://poq.oxfordjournals.org/ 24 http://www.norc.org/


Capítulo 1 ■ Introdução

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Humor, utilidade pública, obituário, charges, novelas, cobertura esportiva, sermões religiosos e uma série de outros assuntos foram incorporados à pauta jornalística. As pesquisas de opinião pública e eleitorais foram somadas a esse conjunto de notícias e entretenimento – para o horror dos puristas, que viam nessa salada mista uma deterioração dos valores jornalísticos mais nobres. Foi George Gallup, ph.D. em psicologia e um dos pioneiros das técnicas científicas de pesquisa, que publicou, em sua tese “Um método objetivo de determinar o interesse do leitor no conteúdo de jornais”, dados de um levantamento que revelava que os leitores tinham mais interesse pelas colunas de humor do que pelas notícias da primeira página dos jornais.25 O fato é que as pesquisas, principalmente as eleitorais, ajudavam a vender mais jornais, que ajudavam a vender mais espaço publicitário, que ajudavam a vender mais produtos, num ciclo virtuoso que se retroalimentava. As primeiras pesquisas, muito rudimentares, eram chamadas de straw polls (“pesquisas de palha”, em tradução livre), e não apenas pela fragilidade de seus métodos, mas por um simbolismo emprestado dos hábitos da população rural americana, que costumava jogar um punhado de palha para o alto no afã de perceber para qual direção soprava o vento. Nesse sentido, essas pesquisas eleitorais embrionárias eram tentativas primitivas de compreender os humores do eleitorado (“para onde soprava o vento”), por meio da entrevista aleatória de pessoas no meio das ruas das grandes cidades, sem nenhuma espécie de método ou controle amostral. O primeiro exemplo de uma pesquisa desse tipo de que se tem registro foi a do jornal The Harrisburg Pennsylvanian, que na edição de 24 de julho de 1824 publicou um levantamento feito em Wilmington, Delaware, com uma amostra de 532 votantes, em que se indicava a folgada liderança de Andrew Jackson, com 335 citações, o que de certa forma se refletiu, com algumas variações, nas urnas daquela localidade. Durante mais de um século, desde a pioneira iniciativa desse jornal, foi o método dominante, até surgirem as inovadoras técnicas de pesquisa trazidas para a eleição presidencial americana de 1936. Talvez o mais emblemático fenômeno dessa febre de pesquisas eleitorais tenha sido protagonizado pela revista semanal The Literary Digest. Embalado pela correta previsão do resultado da eleição presidencial americana 25 The Start of Modern Public Opinion Research. Zetterberg, Hans L. 2008, SAGE Publications Ltd..


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de 1916, quando vaticinou a vitória do democrata Woodrow Wilson, o periódico embarcou em uma jornada de duas décadas de prestígio, acertando o resultado de mais quatro eleições presidenciais consecutivas: 1920, 1924, 1928 e 1932. Suas pesquisas eram na realidade mais do que conteúdo editorial, eram também uma forma indireta de angariar assinantes no território americano. Sua metodologia consistia em encartar questionários de pesquisa em suas edições, solicitando que os leitores respondessem às questões sobre suas preferências eleitorais e postassem de volta à revista para tabulação. A lógica de seus levantamentos era a de que quanto maior o tamanho da amostra, mais confiáveis os resultados – o que a eleição de 1936 provou ser uma falácia. Com uma amostra gigantesca de mais de 2 milhões de formulários, a Literary Digest foi protagonista do mais vexaminoso fiasco da história das pesquisas quando previu uma esmagadora vitória de Alf Landon sobre Roosevelt, o exato oposto das urnas. (Veja mais sobre este assunto no Capítulo 4, na seção 4.3 – Erros em pesquisas.)

Não por acaso, a longeva e respeitada revista chegou ao seu final menos de dois anos após o embaraçoso episódio. Embora tenha servido para sepultar a revista, a eleição de 1936 elevou ao estrelato George Gallup, psicólogo, diretor de pesquisa da agência de propaganda Young & Rubicam, que apenas um ano antes fundara sua empresa de pesquisa, a American Institute of Public Opinion, que, apesar do pomposo nome, viria a ser mundialmente conhecida apenas como Gallup, tamanha era a proeminência de seu fundador. Gallup acertou o resultado daquela eleição com uma amostra de apenas 3 mil casos, mas construída com base em critérios científicos de seleção amostral, numa prova de que, quando se trata de amostra, qualidade é sempre preferível à quantidade. Não por acaso, George Gallup é considerado um dos pais das modernas técnicas de pesquisa, tendo inovado em diversos aspectos dessa então incipiente disciplina. Introduziu amostras ponderadas de acordo com características demográficas do eleitorado baseadas em dados do Censo Americano; e utilizava informações de pleitos anteriores para melhor balizar suas previsões e cotas amostrais.


Capítulo 1 ■ Introdução

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A notoriedade de suas pesquisas foi tão grande que logo seu instituto estaria vendendo pesquisas regulares para dezenas de jornais espalhados por todo o território americano, boletins denominados “America Speaks”, abordando não apenas as tradicionais temáticas políticas e eleitorais. A pesquisa começava a fazer parte da cultura de consumo de mídia, numa simbiose que nunca mais se desfez. Outro grande pioneiro das pesquisas foi Elmo Roper, contemporâneo de George Gallup, que já em 1933 fundara sua primeira empresa de pesquisa de mercado, a Cherington, Wood and Roper, que a partir de 1935 faria uma série de pesquisas para a revista de negócios Fortune, parceria que perdurou por uma década e meia. Em sua homenagem, foi criado em 1946 o Roper Center for Opinion Research26, um depositório dos mais diversos tipos de pesquisas já realizadas, reunindo um formidável acervo de mais de seis décadas de estudos de dezenas de países diferentes, ainda que a maioria fosse de pesquisas norte-americanas. No início da década de 1940 o mercado de pesquisa começava a se solidificar. Os fundamentos técnicos mais elementares tinham se disseminado; a importância da construção de questionários apropriados, as técnicas de composição amostral, o treinamento de entrevistadores e algum conhecimento estatístico, entre outros aspectos, já faziam parte da cartilha das melhores empresas especializadas. A essa altura, já se faziam pesquisas de mercado, de eficácia publicitária, de audiência de rádio, de opinião pública e, claro, eleitorais.

1.2.4 A Segunda Guerra Mundial Outro evento histórico que deu grande impulso às técnicas de pesquisa foi a Segunda Grande Guerra Mundial, principalmente por parte dos governos, que precisavam manter registros atualizados do moral das tropas e do nível de apoio que a população dava para as iniciativas bélicas. Em 1942 os Estados Unidos implantaram o Office of War Information (Escritório de Informação de Guerra)27, responsável por consolidar todo o 26 http://ropercenter.cornell.edu/ 27 http://www.archives.gov/research/guide-fed-records/groups/208.html


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serviço de informação do governo e servindo também como um braço de propaganda, visando obter suporte popular e motivar os jovens a se alistar no serviço militar. Muitos cientistas sociais “notáveis” foram convocados pelo governo para auxiliar na empreitada. Até mesmo programas de rádio eram produzidos pelo escritório de guerra. Um deles, por exemplo, tinha o sugestivo nome de “Esse é o nosso inimigo”28, com temas que abordavam alemães, italianos e japoneses. Nessa mesma época, foi contratado o Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (NORC) para servir como um braço operacional da Divisão de Pesquisa do Escritório de Guerra, que regularmente pesquisava temas de interesse, tais como o moral cívico da população e as opiniões a respeito dos assuntos da guerra.29 Datam desse período alguns importantes trabalhos, como os Studies in Social Psychology in World War II: The American Soldier30, escrito pelo sociólogo Samuel Andrew Stouffer, que entrevistou mais de meio milhão de soldados americanos, visando compreender melhor suas atitudes num amplo espectro de temas.

1.2.5 Pós-guerra: a pesquisa espalha-se pelo mundo Um pouco antes de a Segunda Grande Guerra Mundial eclodir, George Gallup, principal referência mundial em pesquisa de opinião pública, fundou uma associação independente, congregando instituições de pesquisa de diversas partes do globo, denominada IAPO (International Association of Public Opinion), embora acabasse conhecida como Gallup International Association. Já na década de 1940, contava com associados de inúmeros países, como Estados Unidos, Áustria, Tchecoslováquia, Dinamarca, Finlândia, França, Itália, Holanda, Noruega, Suécia, Reino Unido, Austrália e Brasil. O pós-guerra marca um movimento de forte expansionismo da pesquisa no resto do mundo, com mais força inicialmente na Europa e logo depois se expandindo para outros continentes e outras regiões. Parte desse impulso 28 http://www.wnyc.org/shows/this-is-our-enemy/ 29 Zetterberg, Hans. Obra citada. 30 Social Science Research Council (U.S.), United States. Army Service Forces. Information and Education Division Princeton University Press, 1965.


Capítulo 1 ■ Introdução

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ocorreu em consequência do intercâmbio de profissionais e acadêmicos americanos ou imigrantes que, após adquirirem alguma experiência em empresas e universidades dos Estados Unidos, levaram essa nova tecnologia a seus países de origem, ajudando a impulsionar ainda mais a atividade. Curiosamente o Brasil, que no início da década de 1940 era uma nação relativamente isolada, muito distante econômica e tecnologicamente das novidades do “mundo desenvolvido”, foi um dos países pioneiros na implantação das técnicas de pesquisa. No campo acadêmico, um dos precursores da atividade foi o professor Octávio da Costa Eduardo, nascido em Bebedouro (no interior do Estado de São Paulo), que cursou a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, concluindo o curso em 1940. No ano seguinte, entraria para a Northwestern University, para cursar dois anos de graduação em Antropologia. Durante os anos 40, produziu relevantes pesquisas e estudos sociológicos, tratando de raça, cultura, desigualdade econômica e problemas dos negros no Brasil. É, todavia, a curiosa história de um radialista que cumpre o papel mais importante em explicar a origem das pesquisas no Brasil. O paulista Auricélio Penteado, proprietário da Rádio Kosmos, preocupado em saber a audiência de sua emissora de rádio, foi aos Estados Unidos para aprender técnicas de medição de audiência, diretamente no renomado American Institute of Public Opinion, do todo-poderoso George Gallup. De volta ao Brasil, após aplicar a pioneira pesquisa de audiência em 1942, descobriu decepcionado que sua rádio tinha uma audiência muito pequena. Era o fim da Rádio Kosmos e o início do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), atualmente um dos maiores institutos de pesquisas da América Latina.

1.3 A era da informação Apesar das dificuldades em traçar essas estimativas, evidências científicas apontam para o fato de que humanos e chimpanzés separaram-se de seu ancestral comum em algum ponto entre 5 milhões e 7 milhões de anos atrás. Mesmo após esse longo decurso do tempo, ainda hoje temos mais de


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98% de similaridade com o código genético dos nossos primos símios.31 Apesar de algumas correntes científicas divergentes apontando que talvez a similaridade genética seja menor do que isso, não resta dúvidas de que compartilhamos uma notável semelhança genética. A despeito de toda essa similaridade, pilotamos aviões, visitamos a Lua, enviamos sondas a outros planetas, nos comunicamos por meio de telefones celulares, compomos músicas, poemas, e construímos grandes obras da engenharia, enquanto nossos ancestrais distantes ainda dormem em árvores, se comunicam de maneira rudimentar, comem larvas de insetos e sequer caminham eretos. Em que ponto as pequenas diferenças se tornaram grandes diferenças? Ou, para usar um termo do cientista e biólogo evolucionista americano Jared Diamond, quando se deu “o grande salto para frente”, que separou tão fortemente o destino dessas duas linhagens? Embora estejamos apenas nos campos das conjecturas, uma vez que em termos pré-históricos lidamos sempre com uma massa relativamente escassa de evidências, o autor arrisca sugerir que um dos grandes impulsos no desenvolvimento da raça humana teria sido a evolução na fala, que em virtude de alguma alteração morfológica no aparelho vocal humano teria propiciado destreza e capacidade de articulação fonética até então inéditas, permitindo ao longo do tempo maior sofisticação e articulação da comunicação entre humanos. De forma convergente, estudos recentes a respeito do DNA humano trazem um pouco de luz sobre essa teoria. Segundo a bioestatística Katherine Pollard, da University of California em San Francisco, análises comparativas sofisticadas, feitas apenas com os pedaços divergentes dos genomas de humanos e chimpanzés, levaram a surpreendentes descobertas, como a de que a pequena sequência FOXP2 seria responsável por articular o manejo de palavras, o que poderia estar por trás das formas atuais de linguagem humana. Cientistas da University of Oxford descobriram que pessoas com alteração nessa sequência genética têm enorme dificuldade para realizar certos movimentos faciais relacionados à fala.32 31 Diamond, Jared. O Terceiro Chimpanzé. Rio de Janeiro: 2010 Record. 32 Scientific American, edição nº 52, Especial Antropologia, pág.30/35. São Paulo: Duetto Editorial.


Capítulo 1 ■ Introdução

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Outros pequenos fragmentos de DNA também divergentes dos chimpanzés poderiam nos privilegiar em áreas relacionadas ao cérebro (tamanho e desenvolvimento do córtex), ou ao desenvolvimento da articulação de mãos, punhos e dedos (necessários para o manejo de ferramentas). De todo modo, admitindo-se essas suposições científicas como verdades, é possível delimitar que a raça humana se diferencia de suas origens primatas quando começa a fazer mais uso de seus recursos cerebrais, a se comunicar e processar informação. Enquanto em um mundo mais primitivo o diferencial para manter-se vivo era a força física, estávamos condenados a correr mais ou sermos mais fortes que nossos predadores – uma tarefa árdua, já que a Natureza sempre foi pródiga em gerar animais mais velozes, maiores ou mais fortes do que nós. Com o manejo da língua e do cérebro, passamos a formas mais sofisticadas de interação com o ecossistema, nos organizando em grupos para atrair animais até a beira de um abismo, por exemplo, e fundamentalmente passamos a transmitir informação de uma geração para outra, diferencial marcante da raça humana, mais longeva do que a média dos outros animais. Assim, embora não houvesse ainda uma forma física de registro da informação, os decanos da família poderiam transmitir aos seus filhos – já que raramente chegavam à idade de ser avós – ensinamentos úteis para a perpetuação da espécie, mostrando como diferenciar alimentos comestíveis de venenosos, como caçar ou onde buscar abrigo durante as tempestades. Esse introito pré-histórico pode parecer uma alegoria dispensável num capítulo sobre a revolução da informação, mas não é. O manejo da língua, o uso intensivo do cérebro e a capacidade de produzir, processar e perpetuar informação nos trouxeram até aqui e nos separaram de forma muito dramática de nossos primos que se balançam nos cipós das árvores. E se essa capacidade de produzir, digerir e distribuir informação foi uma constante evolutiva, em tempos modernos, atingiu proporções inimagináveis. Informação, tecnologia e conhecimento sempre foram decisivos em toda a história da humanidade, como bem ilustram a derrocada de homens de Neandertal, a dizimação dos ameríndios ou as vitórias bélicas em tempos mais recentes alcançadas por povos com mais tecnologia.


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Entretanto a dinâmica do processo é muito diferente no decorrer da nossa caminhada histórica. Na Idade Média, longo período histórico compreendido entre os séculos V e XV, prevaleciam os diferenciais aristocráticos de berço e hereditariedade, característicos de uma sociedade estática e hierarquizada, tornando o processo de mobilidade social muito mais lento, quando não inteiramente impossível. Filhos de nobres seriam nobres, e assim todos os seus descendentes, num ciclo hereditário quase inquebrantável. Nada mais diferente da sociedade contemporânea. Vivemos a era da tecnologia, do talento, do design e principalmente da informação. Conhecimento e informação são as forças propulsoras dos novos tempos. No livro A terceira onda, lançado na década de 1980 por Alvin Toffler, o escritor divide a evolução da humanidade em três fases distintas, que marcaram profundamente o modo como modelamos nossas relações econômicas, políticas e sociais: a Revolução Agrícola, iniciada antes mesmo da Era Cristã; a Revolução Industrial, a partir do século XIX, quando os métodos de produção passaram da manufatura para a automatização por meio de máquinas; e, por fim, a Revolução da Informação, também chamada de Terceira Onda, marcada pelo advento da informação e do conhecimento, que o autor pontua ter se iniciado a partir dos anos 50, época em que as grandes empresas começaram a usar computadores e os meios de comunicação de massa começaram a se popularizar. Segundo Toffler, “hoje, o que temos é a substituição da força física pelo conhecimento. O conhecimento é o substituto último de todas as formas de produção”. Para o especialista, a era do conhecimento vai muito além do valor das ações das empresas de tecnologia de informação. E a Terceira Onda não vai desaparecer tão cedo. “O conhecimento mudou a natureza das propriedades, das formas de dinheiro, dos sistemas de pagamentos. Mudou a natureza do capitalismo e do capital. É, sem dúvida, a revolução mais profunda desde a Revolução Industrial.” De fato, não dá para falar em pesquisa sem inseri-la num contexto maior, da sociedade da informação, fenômeno fortemente acelerado a partir do advento da internet nos anos 90. Com ela, há um fluxo brutal, intermitente e de variadas fontes de informação, gerando fenômenos como o Big Data (saiba mais na seção 8.2).


Capítulo 1 ■ Introdução

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Uma sociedade marcada pela predominância do conhecimento e da informação muda completamente a balança da distribuição do poder no mundo. Durante quase todo o século XX, as empresas mais poderosas do planeta, em sentido abstrato ou mesmo em valor de mercado, eram companhias de “tijolo e cimento”, centenárias ou com um longo histórico de atuação, grandes corporações multinacionais, com enormes fábricas em diversos países do mundo e quantidade brutal de ativos em máquinas e bens físicos. A partir do século XXI, contudo, testemunhamos uma explosão de companhias novatas do setor de tecnologia, com poucos ativos físicos, mas muito capital intelectual. Já em 1995, com apenas 40 anos de idade, o fundador da Microsoft, Bill Gates, se tornaria o homem mais rico do mundo por meio do desenvolvimento de um característico produto da era da informação: o software. Nascido em um típico lar americano de classe média, um fenômeno como esse jamais poderia ser forjado algumas décadas antes, quando as fortunas eram lentamente construídas durante décadas, ou então adquiridas por herança. Estima-se que Mark Zuckerberg, fundador da rede social Facebook, tenha ganhado seu primeiro bilhão de dólares com apenas 23 anos de idade, o que o tornou à época o mais jovem bilionário da história do planeta. Nenhuma lista atual com as mais poderosas, influentes e ricas empresas do mundo poderia deixar de fora nomes da era da tecnologia e da informação como Apple, Google, Microsoft ou Facebook. O Google, um amontoado inteligente de bits e mentes brilhantes, é um dos mais emblemáticos exemplos. Seu valor de mercado supera gigantes industriais como Coca-Cola, Boeing e a poderosa mineradora brasileira Vale. O valor de mercado do Google ultrapassa centenas de bilhões de dólares.33 O Google ajudou a colocar ordem no caos que era a internet gerindo uma massa brutal e indomável de dados, dando forma ao que se convencionou chamar de “sabedoria das multidões”. O sucesso hoje é fortemente influenciado pelo conhecimento, pela informação, pelo design e pelo talento diferenciado. Artistas, esportistas e produtores de conteúdo são também grandes beneficiários dessa enorme aldeia global interconectada em que se transformou o planeta Terra. E tal qual a teoria dos genes que embasa o princípio deste capítulo, quando se 33 http://www.forbes.com/companies/google/


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trata de informação e conhecimento, pequenas diferenças podem gerar grandes resultados.

1.3.1 Exemplos práticos A busca por decisões mais rápidas e acertadas tem permeado todos os setores da atividade humana. Atualmente, se fazem pesquisas ou implantam-se formas regulares de obtenção de informação virtualmente em qualquer atividade econômica ou segmento de mercado. 1.3.1.1 Combate ao crime

Talvez você se lembre do filme Minority Report34, lançado em 2002, dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise. O filme se passa na cidade de Washington, no futurístico ano de 2054, retratando o cotidiano do departamento de polícia local, que conseguiu zerar a ocorrência de crimes com o uso de um engenhoso invento que permite prever os futuros delitos, baseando-se na incrível capacidade premonitória dos precogs, espécie de paranormais que trabalham conjuntamente num tanque de líquido fluido. Ao prever crimes que ocorrerão alguns dias depois, seus autores e as circunstâncias, a polícia mobiliza-se para prender o criminoso antes que o fato se concretize. É óbvio que se trata de uma obra de ficção, e atualmente não há nenhuma evidência cientificamente séria de uso da clarividência a serviço do combate ao crime. Mas haveria alguma forma de antever a ocorrência de crimes para que se pudesse desenvolver políticas públicas mais eficazes ou preventivas? Vamos analisar o caso da cidade de Nova York. Durante mais de duas décadas, do final dos anos 60 até o início dos anos 90, a cidade foi assolada por uma verdadeira epidemia de violência. Brigas de gangues, tráfico de drogas, estupros, furtos, roubos e delinquência juvenil, culminando na maior taxa anual de homicídios da história: 2.245 assassinatos no sangrento ano de 1990 (veja Figura 1.2). 34 http://www.imdb.com/title/tt0181689/


Capítulo 1 ■ Introdução

43 Assassinatos em Nova York

2500 2000 1500 1000 500 0

1920

1930

1940

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

Figura 1.2 – Assassinatos em Nova York. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/ Timeline_of_New_York_City_events,_crimes_and_disasters

Entretanto, a partir do ano seguinte, e mais intensamente a partir de 1994, as taxas de homicídios (e de diversas outras modalidades de crimes) começaram a declinar de forma vertiginosa, ano após ano. Diversas medidas parecem guardar alguma relação com o êxito no combate ao crime: a contratação de mais policiais, a implantação da chamada política de tolerância zero do prefeito Rudolph Giulianni contra qualquer tipo de transgressão à lei, por menor que fosse, mudanças demográficas ocorridas na cidade, investimentos no treinamento e no desenvolvimento dos policiais, programas habitacionais e sociais beneficiando populações em situação de vulnerabilidade, avanços na medicina que permitiram a mais vítimas sobreviver às agressões sofridas, entre outras. Até mesmo teorias mais excêntricas vieram à tona, como a formulada por Steven Levitt no best-seller Freaknomics35. Segundo ele, foi a legalização do aborto em 1973 que gerou significativas reduções nas taxas de criminalidade dezoito anos depois, exercendo papel fundamental nessa mudança de padrão. Sua polêmica tese se sustenta no fato de que a maior parte dos crimes é cometida por jovens entre 18 e 24 anos, oriundos de famílias socialmente desestruturadas, e que a legalização do aborto reduziria o “estoque” de futuros transgressores, já que é nas classes menos favorecidas que ocorre a maioria dos casos de gravidez prematura e indesejada. À parte essa multivariada fonte de possíveis causas para a redução dos crimes, muitos analistas apontam o CompStat como um dos principais responsáveis pela redução da criminalidade. Apesar de ser um nome que 35 http://pricetheory.uchicago.edu/levitt/Papers/DonohueLevittTheImpactOfLegalized2001.pdf


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remete a software, o CompStat (abreviação de Computer Statistics ou Comparative Statistics) é na realidade uma sistemática de trabalho baseada no uso intensivo de informações colhidas de diversas fontes para desenhar padrões de ocorrência de crimes que possam estabelecer um método de antever as futuras ocorrências. É neste ponto que essa metodologia de trabalho aproxima a abordagem do departamento de polícia de Nova York ao futurista cenário descrito no filme Minority Report. A predição de ocorrências não ocorre através do cérebro mediúnico de precogs, mas sim do uso de inteligência criminal, da leitura dos padrões de ocorrências anteriores para criar políticas públicas e mecanismos preventivos dessas ocorrências. Assim, se os roubos de carros se concentravam em determinados distritos e em determinados horários, mais aparato policial poderia ser deslocado para aquelas regiões naqueles períodos do dia. Se a delinquência juvenil era concentrada em determinados bairros, eram criadas políticas públicas de incentivo a esportes, artes ou educação naquelas comunidades específicas. O CompStat provocou uma profunda mudança na cultura de combate ao crime, transformando a atitude reativa (agir apenas após a ocorrência) em uma postura proativa (de se antecipar aos delitos), por meio da coleta e da análise constantes de informações de múltiplas fontes, dados obtidos por meio de geoprocessamento, análises cruzadas de indicadores sociais dos diversos distritos e reuniões semanais com os responsáveis por cada uma das áreas, em que eram exibidas em telões infográficos com as taxas dos diversos delitos em cada uma das regiões da cidade, permitindo uma análise visual muito mais rica, profunda e intuitiva dos variados padrões criminais. Após o êxito do programa em Nova York, o CompStat foi adotado em diversas cidades americanas, como Washington, Seattle, Los Angeles, San Francisco e Filadélfia.36 Nova York é hoje a cidade menos violenta das grandes metrópoles americanas, um verdadeiro case mundial, que deve muito de seu sucesso ao uso intensivo da informação a serviço do combate ao crime. No Brasil, como sabemos, o crime costuma ser mais organizado que o Estado.

36 http://www.policeforum.org/assets/docs/Free_Online_Documents/Compstat/compstat%20-%20its%20 origins%20evolution%20and%20future%20in%20law%20enforcement%20agencies%202013.pdf


Capítulo 1 ■ Introdução

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1.3.1.2 Esportes

Faz muito tempo que a prática esportiva profissional deixou para trás uma era romântica, amadora, intuitiva. O esporte, como quase toda atividade econômica contemporânea, virou uma imensa indústria, muitas vezes, mais conectada ao mundo do marketing do que do esporte. E como qualquer mercado em que há muito dinheiro em jogo, eficiência é palavra de ordem. E aqui também tecnologia e informação são partes indissociáveis da atividade, tão importantes quanto os abdominais ou a boa alimentação. O técnico de futebol brasileiro Vanderlei Luxemburgo, por exemplo, lançou, ainda na década de 1990, um software para gerenciamento de equipes futebolísticas37 que facilitava o planejamento e a demonstração das táticas de jogo aos jogadores de seu time. E pelo jeito ele não está sozinho na empreitada. Bob Bradley, ex-técnico da seleção americana de futebol, é outro entusiasta da estatística aplicada ao esporte. Em inúmeras ocasiões, declarou que utiliza índices de desempenho de seus atletas e de adversários para poder montar suas estratégias de jogo.38 A tecnologia da informação está presente também em inúmeras outras aplicações, como nos equipamentos de auxílio à arbitragem. No basquete, já é utilizado o sistema de replay em vídeo quando o juiz precisa saber se o jogador arremessou dentro do intervalo de tempo permitido para tanto, o que às vezes ocorre a frações de segundo do prazo regulamentar. No tênis, a tecnologia do “desafio eletrônico”, ou hawk-eye, permite saber quando uma bola foi fora ou dentro com precisão milimétrica. E no futebol já está disponível a tecnologia que permite saber quando a bola ultrapassou a linha divisória do gol, mesmo que por distância imperceptível para o olho humano. Tudo isso é apenas o início. Com a maior profissionalização do segmento e as somas cada vez maiores de recursos alocadas nos grandes eventos esportivos, a tendência é que um uso ainda maior de todo esse aparato de inteligência seja adotado por clubes, atletas, técnicos e veículos de divulgação.

37 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0901200502.htm 38 http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/copa-das-confederacoes/ultimas-noticias/2009/06/28/ estudioso-tecnico-dos-eua-usa-estatistica-como-maior-arma.htm


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1.3.1.3 Televisão/Novelas

Televisão no Brasil é uma indústria bilionária. Dados de 2014 do projeto Intermeios39 apontam que apenas a TV aberta recebeu um aporte de mais de 23 bilhões anuais em investimentos publicitários, fazendo dela o meio com maior faturamento, abocanhando quase 60% do total das verbas investidas pelos anunciantes. Obviamente essa montanha de dinheiro gera uma pressão muito forte dos anunciantes quanto ao desempenho da audiência das emissoras, e tanto estas quanto os anunciantes e suas agências utilizam indicadores de pesquisas para balizar seus investimentos. Isso é algo bastante previsível e óbvio até. Ocorre que o império das pesquisas já adentra terrenos antes sagrados, como o da criação “artística” e dos rumos dos enredos das séries, novelas e mesmo dos programas de auditório. Cada vez mais os capítulos das novelas são ditados pela performance de audiência e pelos relatórios de pesquisas qualitativas. Assim, um personagem cujo destino é a morte no enredo original pode eventualmente sobreviver até o último capítulo caso haja evidências de que o público sentirá sua falta ao longo da trama. A esse respeito, vale observar o que declarou o autor de novelas Gilberto Braga em entrevista à Folha de São Paulo Online na época em que dirigia a novela da Rede Globo Paraíso Tropical40: “Na hora da estreia gostaríamos de ter uns quarenta [capítulos]. Mais [do que isso] eu acho que pode ser perigoso, porque precisamos de retorno.” O poderoso “retorno” de que ele fala são as pesquisas – quantitativas e qualitativas – que a emissora promove regularmente para avaliar a opinião do público sobre a trama e seus personagens. Essas pesquisas já foram responsáveis por mudanças bruscas no comportamento de importantes personagens da trama. Em programas ao vivo, a pressão das pesquisas pode ser ainda maior. Como a maioria das emissoras de TV aberta assina o módulo de medição de audiência em tempo real, é possível monitorar o comportamento do público de acordo com o que estiver acontecendo em determinado momento. 39 http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2015/04/27/Mercado-cresce-1-5-porcento-em-2014.html

40 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u67982.shtml


Capítulo 1 ■ Introdução

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Assim, uma atração que estiver agradando o público pode ser incentivada a continuar em cena para manter os índices, enquanto outra que não agradar pode ser cortada muito antes do previsto, de modo a alinhar o conteúdo às demandas imediatas do todo-poderoso telespectador. 1.3.1.4 Outros

A revolução que a tecnologia da informação está promovendo em toda atividade humana é impossível de enumerar. Governantes, por exemplo, pautam cada vez mais sua atuação e seus projetos de acordo com os humores da opinião pública, captados não apenas pelas pesquisas convencionais, mas também por um aparato tecnológico cada vez mais massivo e imediato, composto de plataformas eletrônicas, dispositivos móveis e redes sociais. Gestores de recursos humanos de grandes empresas se utilizam de métricas de desempenho de sua força laboral advindas de pesquisas ou de dados secundários coletados automaticamente através das rotinas de trabalho, tais como produtividade, absenteísmo, entre outras. Isso para não falar do impacto em várias outras indústrias. Um bom exemplo é o segmento de saúde. Nos “velhos tempos”, o respeitável médico de confiança da família dava seu diagnóstico após uma longa conversa com o paciente e um minucioso exame visual e tátil de suas condições físicas gerais. Hoje em dia, é raro o profissional que não prescreve uma série de exames médicos preliminares para somente então dar o seu diagnóstico. Isso não é apenas um modismo ou uma preferência das novas gerações médicas. Isso ocorre porque a tecnologia disponível propiciou um nível nunca antes visto de acesso à informação. Tomografias, ressonâncias, imagens computadorizadas, teste de DNA e uma miríade de novos exames estão hoje disponíveis a um custo relativamente acessível, tornando o diagnóstico médico muito mais preciso e cientificamente aferido, uma vez que é baseado mais em informações concretas. Muitos criticam essa “tecnologização” da medicina, e tanto os pacientes parecem sentir falta do exame tradicional quanto os planos de saúde, que enxergam nesse comportamento um ônus desnecessário, por conta do pedido indiscriminado de exames bem como da perda de protagonismo do exame clínico.


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De todo modo, os exemplos aqui listados anteriormente, que são uma fração muito diminuta do alcance e do poder da informação, mostram de maneira contundente o colossal impacto que o conhecimento está causando em todo tipo de indústria e atividade econômica, mais uma prova inequívoca de que vivemos sob o império da tecnologia, do conhecimento e da informação.

1.4 Porque fazer pesquisas Ainda que se reconheça que a intuição e o chamado feeling possam desempenhar o seu papel – muitas vezes, relevante –, o fato é que informação confiável é a base fundamental para todo processo bem-sucedido de tomada de decisão em qualquer campo econômico ou da atividade humana. Onde abrir uma nova unidade de uma rede de fast food? Em quais veículos e mídias investir a verba de propaganda? Qual candidato do partido tem mais chances de se eleger prefeito? Qual será o impacto no eleitorado (e na intenção de voto) caso o candidato assuma que já usou drogas? Por que o índice de audiência do programa X vem caindo entre jovens de baixa escolaridade? A população brasileira é contra ou a favor da redução da maioridade penal? Até mesmo um músico, ao compor uma canção, por mais que seja guiado por um processo eminentemente criativo e, portanto, teoricamente livre, sempre irá combinar sons e acordes de uma maneira harmônica, e essa noção de harmonia, de que sons combinam entre si, parte de uma informação previamente catalogada na sua mente: as escalas musicais, os campos harmônicos, sua experiência em saber que determinadas estruturas combinam mais que outras, ainda que esse processo ocorra de maneira intuitiva. De alguma forma, em espaços inconscientes, seu cérebro pesquisou catálogos de referências musicais para compor uma canção agradável e que “faça sentido”. Fazemos pesquisas a todo momento, mesmo para as tarefas mais triviais, que não nos damos conta. Só podemos decidir com um mínimo de segurança porque essas pesquisas, feitas de maneira racional ou não, proporcionam uma base de informação que nos permite escolher uma opção entre as diversas disponíveis para aquele caso.


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Se você tem fome e está na sua casa, vai pesquisar a geladeira; se está no trabalho, vai pesquisar a cantina da empresa ou o restaurante mais próximo; se está no primeiro dia da visita a um país desconhecido, irá perguntar a alguém na rua ou consultar a internet. Seja como for, só podemos tomar decisões minimamente confiáveis quando acessamos alguma forma de base de dados que nos forneça informação segura para agirmos. Conquanto seja óbvia a importância da informação como o subsídio mais elementar ao processo de tomada de decisão, vale a pena nos inteirarmos de alguns outros fatores que tornam a realização de pesquisas algo de fundamental importância.

1.4.1 Informação é a matéria-prima do planejamento O processo de planejamento, seja para a abertura de uma nova empresa ou para o lançamento de uma candidatura política, deve ser sempre a etapa introdutória. O planejamento é a fase abstrata que precede as ações concretas. Não há (ou não deveria haver) “mão na massa” sem que seja feito um planejamento, com o diagnóstico da situação, as atividades a ser desenvolvidas e os objetivos esperados. Assim como um barco precisa de uma rota e um edifício requer um projeto arquitetônico, uma campanha eleitoral demanda um planejamento minucioso se quiser aumentar suas chances de êxito. E pesquisa é a matéria-prima que subsidia qualquer planejamento, principalmente no ambiente político e eleitoral. Não há como pensar uma estratégia eleitoral vitoriosa que não seja alimentada por informação de qualidade, com pesquisas regulares e tecnicamente benfeitas. Inicialmente restrita às grandes campanhas majoritárias nacionais ou estaduais há algumas décadas, hoje é quase impensável a realização de uma campanha em bases profissionais sem o auxílio das pesquisas eleitorais e de opinião pública.


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1.4.2 As eleições estão mais competitivas e profissionais Houve um tempo romântico em que os estratagemas eleitorais eram fruto da intuição e da sabedoria adquirida dos “notáveis”, políticos ou assessores que por sua grande experiência julgavam conhecer os meandros da política e os desejos e aspirações dos eleitores, usando esse acervo experiencial como uma bússola para as decisões estratégicas de campanha. No livro Voto é marketing, o resto é política41, os autores pontuam o ano de 1954, na eleição municipal de Belo Horizonte, como o primeiro caso catalogado de uso efetivo do marketing político como ferramenta num pleito nacional. O case conta a incrível vitória de Celso Azevedo sobre o poderoso, popular e supostamente imbatível advogado Amintas de Barros, que, não obstante essas credenciais pessoais, ainda tinha o apoio partidário de duas das mais fortes personalidades políticas do país à época, o governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek e o presidente Getúlio Vargas, que viria a se suicidar dois meses antes do pleito, criando uma atmosfera de comoção nacional ainda mais favorável ao candidato governista. Importante destacar que, mesmo nessa que talvez fosse a primeira campanha eleitoral a se utilizar do marketing político como orientação estratégica, o uso do ferramental de pesquisa se deu de maneira bastante frágil, menos por desejo e mais por limitação orçamentária. A solução encontrada nesse período foi o uso de uma forma rudimentar de pesquisa. O publicitário da campanha, João Moacir de Medeiros, lançou mão de um engenhoso plano para captar os desejos do povo belo-horizontino: além de ter conversas informais com pessoas de diversos perfis, passou a entrevistar taxistas e barbeiros, que pela natureza do ofício conviviam e conversavam com uma quantidade muito grande de moradores diariamente, conseguindo captar, de maneira indireta, mas bastante eficaz, o sentimento da população. Hoje seria praticamente impensável a realização de uma campanha profissional, ainda mais numa capital, sem o auxílio das modernas técnicas de pesquisas quantitativas e qualitativas. 41 Livro Voto é marketing, o resto é política - Estratégias eleitorais competitivas, organizados pelo professor doutor Rodolfo Grandi (PUC-Rio), Alexandre Marins e Eduardo Falcão, com charges de Chico Caruso. São Paulo: Loyola.


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Ainda que possa haver grandes variações em termos de qualidade e profundidade analítica desses estudos (em função dos recursos disponíveis e dos diferentes níveis de profissionalização dos provedores de pesquisa envolvidos), as pesquisas eleitorais são de uso corrente na maioria das eleições e cidades, atingindo até mesmo as mais diminutas. Além disso, a sociedade se tornou muito mais fragmentada e complexa. O eleitorado é hoje uma soma difusa de interesses e personagens muito distintos, difíceis de ser corretamente catalogados e analisados com base apenas no feeling, no retrospecto de eleições passadas ou mesmo com estratagemas engenhosos, como as entrevistas com taxistas e barbeiros, embora tais métodos continuem tendo alguma validade como insumo exploratório suplementar. À medida que as eleições se tornam mais profissionais, mais planejamento é feito e mais pesquisa é demandada.

1.4.3 Recursos tendem a escassear, é preciso buscar eficiência Quase todo setor de atividade econômica passou por um profundo processo de ajuste de suas operações nos últimos anos, buscando maior eficiência, produzindo mais e melhor com menos, uma vez que há uma tendência generalizada de escassez de recursos. Essa pressão pela racionalização tem origens diversas. Na iniciativa privada, a mais óbvia delas é a globalização, que ampliou enormemente a arena de combate das empresas e, com isso, a competição. Com mais concorrentes em potencial, maior a necessidade de aumentar a qualidade e reduzir os custos, já que o consumidor pode não apenas comprar de fornecedores locais, mas também importar esses bens. O exemplo mais emblemático desse fenômeno é a China, que a partir da década de 1990 se posicionou como um importante produtor mundial de quase todo tipo de produto manufaturado, conseguindo desovar seus estoques em qualquer canto do planeta a um custo incrivelmente baixo. A internet também acirrou esse cenário, tornando mais rápido e fácil comparar preços de produtos e serviços similares. A esse pano de fundo que impulsionou uma lógica econômica de eficiência se soma um cenário particular do ambiente político e da dificuldade cada vez maior de arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais.


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O começo do século XXI foi marcado por grandes escândalos de uso de caixa 2 em campanhas eleitorais e todo tipo de ilicitude que de alguma forma guarda relação com o sistema de financiamento das campanhas eleitorais no Brasil, culminando com o processo do Mensalão, ocorrido durante o mandato do presidente Lula, possivelmente um dos mais famosos escândalos da política brasileira, atingindo políticos e empresários dos mais elevados escalões, e posteriormente com a Operação Lava Jato, entre 2015 e 2016. Esse cenário obriga a um uso mais racional dos recursos de campanha. Em um ambiente com recursos mais escassos, é preciso utilizá-los com eficiência, e para isso informação de qualidade é fundamental. Quando só se tem uma bala para matar um leão, é preciso que a mira seja perfeita. Com pesquisas bem conduzidas é mais fácil orientar as ações e os investimentos de maneira inteligente, de modo a obter o melhor retorno potencial por cada moeda investida, já que não se dispersa investimento com ações desnecessárias ou não prioritárias. A pesquisa pode apontar, por exemplo, em quais bairros ou regiões da cidade o candidato está melhor ou pior, reduzindo a necessidade de uma ação global, ou então permitindo um discurso personalizado de acordo com as demandas específicas de cada eleitorado, levando-o a obter maior aderência às suas propostas. Quando as ações não são baseadas em pesquisas, tende-se a adotar uma estratégia generalista, de atirar para todos os lados, o que quase invariavelmente significa desperdício de recursos e ineficiência.

1.4.4 Eleição e política são campos de alta volatilidade Na política, como na moda, tudo muda. A grande diferença é a velocidade com que essas mudanças se processam. Certas opiniões ou preferências tendem a ter certa estabilidade no tempo. Não mudam, ou mudam muito lentamente, e outras mudam com muita rapidez. Na primeira categoria – de eventos, atitudes ou opiniões mais estáveis –, podemos citar, por exemplo, a religião. Embora toda pessoa possa a qualquer momento mudar de religião (apesar de isso ser menos viável em países cujo regime de governo seja baseado em teocracias totalitárias), é óbvio que essas


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mudanças são bastante incomuns; ocorrem raras vezes ao longo da vida. A trajetória mais comum é a adoção da religião dos pais e com esse valor inculcado desde a mais tenra infância carregá-lo pelo resto de seus dias, ou então mudar uma única vez, décadas depois. O Brasil tem suas particularidades nesse campo, é preciso admitir. É um país com muita liberdade de culto e um grande sincretismo religioso, que se expressa na incomum prática cotidiana das pessoas, que misturam crenças com símbolos, santos e liturgias de diferentes religiões. Mesmo assim, levou mais de um século para que o catolicismo perdesse 10 pontos percentuais na preferência do brasileiro, entre 1872 e 1980 (quando caiu de quase 100% para algo próximo a 90%).42 A partir dos anos 80, a tendência de perda de força do catolicismo e de expansão das religiões evangélicas se acentuou, tendo o catolicismo perdido mais de 20% de participação ao longo de três décadas. Uma variação aceleradíssima em termos religiosos, mas apesar disso houve menos de 1% de migração anual. O mesmo poderia ser dito da preferência por times de futebol, que embora também sofra oscilação tende a permanecer razoavelmente estável ao longo dos anos, só sendo possível perceber mudanças significativas ao cabo de décadas combinadas. Conquanto seja razoável supor uma baixa volatilidade em campos como a preferência religiosa ou futebolística, o mesmo não se pode dizer da preferência política ou eleitoral, sujeita a variações de grande magnitude em curtos espaços de tempo. No Brasil, as chamadas viradas eleitorais são muito frequentes, e as eleições não raro se transformam em verdadeiras montanhas-russas, com a preferência pelos candidatos sofrendo grandes oscilações ao sabor do vento, do horário eleitoral, dos escândalos, dos humores e das idiossincrasias do eleitorado. Uma das razões que poderia explicar essa maior volatilidade, além dos óbvios fatores relacionados à complexidade de uma disputa política e toda a miríade de temas que engloba, é o baixo nível de ideologia presente na maioria das disputas no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos existe um sistema bipartidário em que os eleitores se alinham com relativa estabilidade em um dos dois eixos (democratas ou republicanos), no Brasil o peso da 42 http://www.cps.fgv.br/cps/bd/rel3/REN_texto_FGV_CPS_Neri.pdf


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ideologia partidária exerce papel secundário, abrindo espaço para um campo de alta volatilidade, já que as preferências se baseiam em atributos pessoais dos postulantes, temas de campanha e ataques pontuais ao adversário. Num cenário de alta volatilidade como é o caso da política e das eleições, é evidente que se torna mais importante ainda a utilização das pesquisas eleitorais e de opinião pública para poder medir essas oscilações e ajustar as estratégias eleitorais e políticas públicas a essas demandas flutuantes.

1.4.5 Nem sempre é fácil ter uma autoimagem acurada Enxergamos o mundo através de nossa óptica individual, por nossas próprias lentes. Se essas lentes são amarelas, tendemos a enxergar mesmo as paredes mais alvas como amareladas. É sempre muito difícil ter uma percepção precisa sobre nós e as coisas e pessoas que nos são próximas e queridas. Nossos filhos serão sempre mais bonitos e educados que os do vizinho; achamos que o juiz sempre prejudica o nosso time e raramente admitimos que nosso colega de trabalho mereceu a promoção mais que nós. Esse fenômeno tem causas emocionais e objetivas. No plano emocional, é necessário admitir que toda vez que desenvolvemos afeto por determinado objeto, uma pessoa ou um tema, nossa capacidade de julgamento crítico de alguma forma, e em variados níveis de profundidade, começa a ficar embotada. É por isso que sempre teremos alguma inclinação a proteger ou destacar nossos filhos ou nosso time do coração, por exemplo. No campo racional, temos um desequilíbrio de informação. No caso da promoção do colega de escritório, por exemplo, nós temos 100% de informação sobre a nossa carreira e atuação profissional, mas não temos o mesmo nível de conhecimento sobre o colega de trabalho. Não conhecemos todas as suas habilidades, não sabemos se ele se destacou em algum projeto ou se propôs alguma solução genial para algum problema que a chefia lhe incumbiu de resolver. Isso não é diferente do ambiente político. Invariavelmente o governante tem plena ciência do que fez e por que o fez, e das limitações – orçamentárias, legais ou políticas – para fazer mais, ou melhor. No entanto o grande


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público normalmente não tem o mesmo nível de informação, e julga seus governantes com base em episódios mais sutis ou na percepção concreta de assuntos pontuais do cotidiano.

1.4.6 O poder e a blindagem da realidade Dizem que o poder tem características peculiares, até afrodisíacas. Não é de estranhar que tantos se empenhem tão obstinadamente em empreitadas que consomem suas energias físicas, pessoais, familiares e financeiras em embates autodestrutivos e por vezes totalmente irascíveis. A despeito do peso de exercê-lo, o poder fascina; seu brilho e seu aparato exercem um magnetismo quase incontrolável sobre aqueles que o obtêm. Porém muito brilho e muita luz acabam por cegar. O sucesso, quase invariavelmente, traz consigo as primeiras ervas daninhas, sementes da derrocada futura. Uma eleição vitoriosa proporciona uma revolução interior que poucos conseguem avaliar, criando uma traiçoeira memória emocional da vitória, tão fugaz quanto ilusória, já que esse sucesso pontual não é garantia de nada, pois o mandato acaba e a próxima eleição sempre chega, normalmente mais rápido do que se esperava. O primeiro efeito disso (sobretudo para políticos inexperientes) é a crença num sucesso mais duradouro do que ele realmente é, uma espécie de zona de conforto psicológica, proporcionada pela memória afetiva da vitória e pelo aparato dourado que o poder envolve. Entretanto, além do fator interno, inerente ao próprio governante, há ainda fatores conjunturais que tornam a percepção da realidade muito mais complexa. Quem está no poder tende a ter a realidade “filtrada” por seu exército de assessores, que, no bem intencionado afã de blindar o rei dos infortúnios do exercício diário da função, acaba por pintar um quadro com cores mais festivas do que a realidade quase sempre impõe. Além disso, o ambiente de governo é sempre cercado de muita bajulação, e nem sempre as críticas mais ácidas encontram caminho fácil para chegar até os ouvidos do governante.


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Nesse cenário, a inclusão de um cronograma periódico de pesquisas, conduzido por entidade externa, confiável e autônoma, é fundamental para medir o eventual descompasso entre percepção e realidade, entre aquilo que se fala nos corredores acarpetados dos palácios presidenciais e aquilo que ocorre nos becos, nas vielas e nos subúrbios das cidades – a vida como ela é.

1.5 Uma atividade multidisciplinar Pesquisa é uma atividade complexa que demanda a soma de esforços de diferentes áreas do conhecimento humano para que seja bem executada – como estatística, sociologia, psicologia, marketing, gestão de processos, entre outras. Mais do que isso, a pesquisa é uma área de atividade cuja interdisciplinaridade congrega, afeta e interessa a um enorme rol de disciplinas, como veremos a seguir.

1.5.1 História Para os historiadores, os estudos e as manifestações da opinião pública são uma fonte importante para contextualizar os acontecimentos e as mudanças pelas quais a sociedade passou, ainda que essas disciplinas – pesquisa e história – andem em tempos muito diferentes, já que a pesquisa é uma ciência que ganhou impulso há pouco mais de meio século, um “quase nada” em termos históricos. Mesmo assim, não há como negar a importância das pesquisas e do levantamento de opinião na análise de acontecimentos históricos contemporâneos. O Nazismo, por exemplo, é uma mancha terrível na história da humanidade e gerou um trauma até hoje mal digerido pela sociedade alemã. Um episódio nefasto, que resultou na morte de milhões de inocentes, e um dos estopins da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, apesar de ter sido um movimento liderado pelo sanguinário ditador Adolf Hitler, vale destacar que seus poderes foram conquistados com a gradual anuência do povo germânico. Em plebiscito conduzido na Alemanha em 1934 com a quase totalidade da população (43 milhões de um total de cerca de 45 milhões


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de votantes), cerca de 90% dos eleitores referendaram poderes absolutos ao líder do partido nazista (que já dera mostras inequívocas de seu ideário hediondo), com uma esmagadora maioria de 38.279.514 que responderam “sim” contra apenas 4.287.808 que preferiram “não” dar plenos poderes ao Führer.43 Os votos nulos somaram 871.056. Em resumo, Hitler foi um ditador sanguinário, que por meio de sua máquina de propaganda acabou por angariar amplo suporte popular. Durante o período de ocupação germânica no pós-guerra (1945-1949), uma série de estudos de opinião foi conduzida na Alemanha, denominada “Public Opinion in Occupied Germany”44, com resultados muito valiosos para os historiadores entenderem a relação entre aquele regime de governo e seu povo. Em diversos levantamentos consecutivos, conduzidos entre novembro de 1945 e fevereiro de 1949, a maioria dos entrevistados acreditava que o nacional-socialismo (gênese ideológica do Nazismo Hitlerista) era uma boa ideia, apenas mal executada, contra cerca de 40% que apontava ser o nacional-socialismo uma má ideia. Pesquisas similares indicavam ainda um incômodo nível de aceitação a muitas das ideias nazistas nos anos seguintes ao pós-guerra, como a supremacia da raça ariana sobre outras ditas inferiores, como a negra e a judia. Mesmo após a derrocada do regime nazista, ainda havia enorme resistência por parte da população alemã a condenar totalmente o sistema.45 Entender e contextualizar alguns fenômenos históricos são ações que se tornam mais fáceis quando se tem acesso a pesquisas e levantamentos sobre a opinião, as atitudes e o comportamento das populações locais no que se refere a esses temas. Muitos episódios históricos poderão ser mais bem compreendidos, analisados e “contados” para as gerações futuras com o auxílio das pesquisas e dos levantamentos de opinião. Pesquisas do Ibope anteriores ao golpe militar que depôs o presidente João Goulart mostram que havia um campo fértil de aceitação do ideário que culminou com o golpe militar – 80% dos entrevistados eram contra a 43 http://images.expressdumidi.bibliotheque.toulouse.fr/1936/B315556101_EXPRESS_1936_03_31.pdf 44 https://archive.org/stream/publicopinionino00merr/publicopinionino00merr_djvu.txt 45 Alexander, Gerard. The Sources of Democratic Consolidation. Nova York: Cornell University Press, 2002.


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legalização do Partido Comunista; 68% viam o regime comunista como um perigo futuro ou imediato, contra apenas 19% que não o consideravam um perigo.46 Em pesquisa de meados de maio de 1964, menos de dois meses após a concretização do golpe, 70% dos entrevistados achavam que a situação do Brasil iria melhorar, contra apenas 10% que achavam que iria piorar. A deposição do presidente era vista como positiva por 54%, contra 20% que a achavam negativa.47 Ou seja, ainda que se leve em consideração que boa parte dessa percepção possa ter sido construída pelo aparato de propaganda do regime militar, não resta dúvidas de que havia uma propensão interna muito forte a acreditar nesses fundamentos. O movimento das Diretas Já no Brasil, a queda do Muro de Berlim ou os mais recentes levantes no mundo árabe são exemplos de episódios que poderão ser mais bem interpretados quando associados a um entendimento do comportamento da opinião pública.

1.5.2 A lei e o Direito No campo legal, o estudo da opinião pública é importante para saber até que ponto o arcabouço jurídico de determinada sociedade corresponde à escala de valores ou às demandas de sua população. O Direito normatiza as condutas humanas, e nesse sentido as leis devem refletir os valores da sociedade que regula, e estas leis devem estar alinhadas ao conjunto de valores predominantes da sociedade em uma dada época, sempre de modo a espelhar o maior ou o menor nível de aceitação de determinadas práticas. Vamos analisar o adultério. Historicamente, e na maioria das culturas, sempre foi uma conduta fortemente reprimida, e com sanções que não raro resultavam em pena de morte, principalmente quando cometido por uma mulher. No Brasil, até muito recentemente, antes da promulgação da Lei nº 11.106, de 2005, o adultério era considerado uma conduta criminosa, prevista no artigo 240 do Código Penal. Ocorre que, mesmo durante a vigência 46 https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/fevereiro2003/ju204g03.html 47 Pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) realizada entre 12 e 22 de maio de 1964, em São Paulo, com base em quinhentas entrevistas. Arquivo: Edgard Leuenroth.


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da lei, era um crime raramente punido não por se tratar de um delito de baixa incidência, mas exatamente pelo contrário. De tão comum, passou a ser aceito como um desvio colateral da vida privada sem grandes prejuízos para a sociedade como um todo, acabando por cair em desuso como figura criminal, refletindo um padrão social de mais aceitação da conduta. Hoje é quase impensável, por mais que o ato possa ser ainda moralmente condenável, que a sociedade possa defender uma pena criminal para um caso de infidelidade conjugal. Embora as leis nem sempre consigam transmutar-se na velocidade com que a sociedade muda, já que sua alteração requer um rito próprio normalmente complexo e lento, e o próprio exemplo do crime de adultério é elucidativo disso, vale destacar que a sociedade pode caminhar tanto no sentido de abrandar determinadas condutas como o seu contrário, passando a demandar punições mais severas para determinadas condutas. O julgamento em 2012 do chamado Mensalão (Ação Penal nº 470, por meio da qual a alta cúpula do Partido dos Trabalhadores e da Presidência da República foi acusada de desvio de recursos públicos para compra de apoio parlamentar no ano de 2005) foi um exemplo disso. Segundo alguns críticos, a justiça supostamente teria sucumbido às pressões da opinião pública, infligindo penas em tese mais rigorosas do que o exame cru das provas materiais poderia sugerir (como a adoção, por exemplo, da Teoria do domínio do fato). Embora seja uma matéria tão complexa quanto controversa (até mesmo porque o histórico de impunidade no país sempre foi marcante), não há dúvida de que o clima de opinião pública pode influir nos rumos que a lei e o direito tomam.

1.5.3 Psicologia No campo da Psicologia, a realização de pesquisas é parte indissociável do trabalho não apenas acadêmico quanto prático, para melhor conhecer a relação entre certos fenômenos psicológicos e as atitudes dos pacientes, utilizando uma variedade muito grande de técnicas, como as entrevistas pessoais, os métodos de observação direta e indireta, as técnicas projetivas e os estudos de caso.


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Vale dizer que a pesquisa é importante não apenas como ferramental. As mudanças na sociedade e nas atitudes das pessoas captadas pelas pesquisas podem provocar a revisão de conceitos disseminados e aceitos como válidos pela categoria profissional. Um exemplo disso é o homossexualismo, que até 1990 constava oficialmente da lista internacional de doenças da OMS (Organização Mundial da Saúde), sendo considerado um distúrbio mental e caso de saúde pública em muitos países, inclusive no Brasil. O Conselho Federal de Psicologia eliminou a caracterização de patologia (doença) apenas em Resolução de 1999. Embora façam parte de um clube cada vez menor, ainda há países que até mesmo criminalizam a conduta homossexual, alguns raros com a pena de morte.48 O fato é que não houve nenhuma grande descoberta científica entre os anos 80 e 90 que justificasse essa mudança de postura por parte dos organismos internacionais de saúde e psicologia. Ao contrário, nunca houve fundamentação científica sólida para a inclusão da opção sexual homossexual como um distúrbio psicológico. Os grandes vetores da reclassificação foram as mudanças sociais, a maior tolerância em relação a comportamentos alternativos (em quase todos os campos) e um nível sem precedentes de aceitação da liberdade de opção sexual, criando uma força ambiental muito forte para que a Psicologia revisasse essa antiga classificação patológica.

1.5.4 Sociologia Enquanto a Psicologia é um ramo da ciência mais preocupado em entender o comportamento humano em sua individualidade, a Sociologia se preocupa em entender esse comportamento não apenas em sua versão coletiva, mas nas complexas relações de interdependência, seja na família, em sociedade, na política ou nas relações de trabalho. Assim sendo, é mais do que evidente a importância vital que a disciplina de pesquisa tem no estudo dos fenômenos sociológicos. Como entender o comportamento das massas e dos diversos subgrupos populacionais sem estudá-los e pesquisá-los corretamente? A Sociologia 48 http://www.bbc.com/news/world-25927595


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usa intensivamente tanto as técnicas quantitativas quanto qualitativas para melhor compreender a sociedade e os grupos sociais, objetos do seu estudo. O alemão Max Weber, considerado um dos fundadores da Sociologia, falava de uma Sociologia Livre de Valores para enfatizar a importância de basear os estudos e as descobertas unicamente ancorados nas evidências coletadas cientificamente, sem deixar que sua visão de mundo ou seus referenciais ideológicos influíssem no objeto de estudo. Apesar de a disciplina lançar mão de quase todas as metodologias de pesquisa disponíveis, duas técnicas bastante empregadas são os estudos etnográficos e a observação participativa. Embora a etnografia tenha suas origens remotas nos estudos antropológicos, é amplamente utilizada na Sociologia. Tem por objetivo fornecer uma visão detalhada e em profundidade dos valores e da identidade cultural de diferentes povos ou grupos populacionais. A observação participativa é uma técnica de orientação qualitativa (bastante empregada em análises etnográficas) na qual o pesquisador se confunde com a figura do entrevistado, na medida em que o estudo consiste no compartilhamento, total ou parcial, da realidade do grupo pesquisado. Nessa metodologia, para que o pesquisador possa compreender em profundidade a realidade que pretende entender, precisa se envolver, tornando-se parte dessa realidade, mas ao mesmo tempo mantendo um necessário distanciamento emocional, para que possa continuar com a capacidade de julgamento descontaminada e fazer análises isentas de viés. Além disso, pela natureza de sua operação, é uma metodologia que requer um rigoroso trato ético não apenas durante sua realização, mas também na fase de divulgação, garantindo o anonimato das pessoas envolvidas. Um dos casos mais polêmicos desse tipo de estudo foi conduzido em meados dos anos 60 pelo sociólogo Laud Humphreys, da University of Washington, e serviu de base para seu ph.D.49 Determinado a descobrir o que fazia com que respeitosos pais de família buscassem (ou simplesmente aceitassem) sexo oral homossexual em banheiros públicos, o pesquisador angariava a simpatia dos participantes e então se oferecia para ser uma 49 http://thesocietypages.org/sociologylens/2013/02/05/laud-humphreys-tearoom-trade-the-best-and-worst-of-sociology/


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espécie de guardião do banheiro, encarregado de avisar aos participantes caso se aproximasse algum estranho ou mesmo a polícia, já que o ato poderia redundar em cadeia. Após a consumação do ato, Laud tentava entrevistar os envolvidos, descobrir suas características sociodemográficas e motivações individuais. Como nem todos estavam dispostos a dar-lhe essas informações, muitas vezes, recorria a um estratagema tão engenhoso quanto eticamente condenável: anotava, às escondidas, as placas dos carros dessas pessoas para que pudesse posteriormente identificá-los e descobrir seus endereços. Muitos meses depois do insólito episódio, dirigia-se pessoalmente à casa dessas pessoas com o pretexto de realizar uma pesquisa social, e então coletava os dados daquela família. Seu estudo proporcionou interessantes conclusões, como a de que a maioria absoluta dos que buscavam esse tipo de ato eram homens casados, católicos e indivíduos admirados em suas comunidades, mas que, por alguma baixa na qualidade do relacionamento conjugal (principalmente após a chegada dos filhos), buscavam alguma forma rápida de gratificação sexual, não onerosa e que não envolvesse os riscos de envolvimento emocional normalmente associados a uma relação extraconjugal. Seus estudos serviram para atenuar a repressão policial contra esse tipo de conduta, mas também causaram um verdadeiro pandemônio no departamento de sociologia da universidade, pois seus pares o acusaram de conduta antiética e pediram a cassação do seu diploma. O episódio resultou numa série de eventos problemáticos, como a debandada de inúmeros professores da universidade e uma negativa repercussão da atividade de pesquisadores sociais junto à mídia daquele Estado.

1.5.6 Publicidade e marketing A indústria da comunicação funda-se amplamente na compreensão do comportamento dos consumidores dos seus produtos culturais e mercadológicos e ergue sua teia de símbolos de acordo com os arquétipos vigentes na sociedade. Na década de 1950, a indústria cultural, liderada pelo cinema, projetava a imagem do fumo como sinônimo de status, poder e glamour. Grandes galãs disseminavam sua aura de sedução e charme através da fumaça dos cigarros.


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Hoje em dia, com as campanhas estatais antitabagistas, o policiamento da sociedade em relação às práticas politicamente incorretas e o maior nível de informação das pessoas, o simbolismo do tabaco no cinema e na TV está fortemente associado a desvios de caráter, vilanismo e desequilíbrios psicológicos de variados matizes. Quem fuma na telinha não é mais o galã, mas o vilão, o gângster, o problemático, o anti-herói. O mesmo pode ser dito do papel que a mulher exerce nos comerciais de TV, que foi sendo alterado à medida que a sociedade foi mudando e a mulher protagonizando um papel cada vez mais relevante na sociedade e no mercado de trabalho. É cada vez menos comum o estereótipo da mulher dona de casa envolta em tarefas domésticas, pelo menos nas grandes campanhas de bens de consumo de massa. A publicidade e o marketing dependem em larga escala das pesquisas mercadológicas, comportamentais e de hábitos de consumo para poder posicionar adequadamente suas marcas, criando uma comunicação que tenha credibilidade e ressonância junto aos consumidores-alvo.

1.5.7 Economia Os economistas se baseiam em uma formidável gama de números, dados e pesquisas para balizar toda e qualquer previsão que fazem, muitas delas lastreadas em complexos modelos matemáticos e estatísticos. E apesar da óbvia importância dos dados objetivos, que descrevem fatos ou quantificam ocorrências concretas (como a taxa de câmbio, a inflação ou o Produto Interno Bruto), vale destacar que os indicadores de “opinião e expectativa” também são largamente utilizados e um importante preditivo do que pode estar por vir. É necessário lembrar que a Economia, principalmente em uma época globalizada e ultraconectada como a atual, é um campo da ciência altamente volátil e complexo, no qual a simples estimativa econômica já causa um impacto na realidade, provocando, muitas vezes, o que se chama de profecias autorrealizáveis. Se as pessoas acham que o Real Madrid vai golear o Barcelona no campeonato espanhol, essa percepção terá pouco (ou nenhum) impacto prático no resultado real da futura partida. Porém se o mercado acha que determinado


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Pesquisas de opinião pública

país enfrentará dificuldades econômicas ou que determinada empresa terá problemas, ainda que essa percepção seja falsa, isso poderá ocasionar consequências práticas danosas a esses agentes. Investidores migrarão suas economias e venderão moeda local (que tenderá a se desvalorizar), consumidores poderão vender suas ações ou reduzir o consumo de determinado produto ou serviço, baseando-se, muitas vezes, em meras percepções e temores, reais ou imaginários. Uma crise de confiança pode quebrar até as instituições mais sólidas. Não é à toa que se fazem tantas pesquisas para mensurar o nível de otimismo do consumidor, ou o nível de expectativa e confiança na economia de grandes industriais e agentes financeiros.


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