SĂŠrgio Calderaro
Novatec
Copyright © 2015 da Novatec Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial, por qualquer processo, sem prévia autorização, por escrito, do autor e da Editora. Editor: Rubens Prates Assistente editorial: Priscila A. Yoshimatsu Revisão gramatical: Viviane Oshima Editoração eletrônica: Carolina Kuwabata Capa: Carolina Kuwabata ISBN: 978-85-7522-439-7 MP20150609 Histórico de impressões: Junho/2015
Primeira edição
Novatec Editora Ltda. Rua Luís Antônio dos Santos 110 02460-000 São Paulo, SP – Brasil Tel.: +55 11 2959-6529 E-mail: novatec@novatec.com.br Site: www.novatec.com.br Twitter: twitter.com/novateceditora Facebook: facebook.com/novatec LinkedIn: linkedin.com/in/novatec
Tudo o que você podia ser
O que leva alguém a querer ser redator? Essa pergunta, com ares de irrespondível, guiará este capítulo. Nunca a responderemos de forma exata e conclusiva, está claro, mas a indagação inicial pode render pano pra manga. O que nos interessa, afinal, é praticar a escritura e a leitura, e aqui e agora cai bem resgatar Paulinho da Viola: “O samba para mim não é problema, se você me der um tema eu faço um samba pra você”. Nosso tema é descobrir – ou pelo menos divagar sobre – a origem dessa estranha vontade de se tornar redator. Poderia ser também os diferentes formatos do caroço da azeitona. O tema, já nos parece óbvio, será o de menos. O que vale neste momento é o samba, ou melhor, o texto (e se conseguirmos atingir com o texto nível parecido ao que o Paulinho alcança com seus sambas, estamos na trilha certa). Escrevamos, pois. 13
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Manual do Futuro Redator
Levantar hipóteses pode ser exercício divertido quando não se tem compromisso com o rigor acadêmico, como é o nosso caso neste livro. Aliás, isso de “levantar” hipóteses é criticável, e a crítica tem até razão de ser. Levantar, mesmo, a gente levanta uma cadeira, um troféu, um copo. Hipótese ninguém levanta, convenhamos. Por outro lado, estamos carecas de saber que as palavras estão vivas na boca das pessoas e é comum que adquiram outros sentidos que acabam, com o tempo e com o uso, se impondo como aceitáveis. Dizem os detratores de “levantar hipóteses” que verbo mais digno neste caso seria “aventar” hipóteses, ainda que isso de “aventar” possa gerar confusão com aquela peça do vestuário que se utiliza na cozinha. Dizia minha querida avó ao meu não menos querido avô: “Véio, mi passa o aventar que vô fritá batata prus mininu”. É o curioso sotaque do interior paulista. Uma delícia. Aventar ou levantar não é o xis da questão no contexto deste Manual. A intenção foi tão somente alertar o futuro redator de que há que se estar sempre atento a essas ciladas, modismos e diferentes usos, que variam de acordo com fatores geográficos, etários, temporais ou sociais. O negócio é não perder de vista essa variabilidade, conhecê-la na medida do possível e ter o discernimento para usar o termo e a linguagem mais adequados a cada situação. Notem: dificilmente neste Manual falaremos de certo e errado, mas sim de adequado e não adequado. A ordem é atualizar-se constantemente e utilizar olhos e orelhas como antenas abertas ao universo, às diferentes formas de falar e de escrever que pululam mundo lusófono afora. É recomendável relacionar-se com outros redatores para poder discutir com algum nível questões como essa. Se você tiver um professor à mão, leve também esse tipo de dúvida a ele. A polêmica é em geral saudável. E o futuro redator é obrigado a tomar partido em questões de língua, pois dele isso se espera. Então, há que estar informado sobre os dois
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– ou os vários – lados que uma pendenga como essa do “levantar hipótese” suscita. Há que se conhecer bem os argumentos contra e a favor. Você tem que estar preparado pra defender seu texto, com unhas, dentes e opiniões sólidas. Mas estamos aqui pra tentar responder o que faz um sujeito querer ser redator. A primeira hipótese é a mais óbvia: o candidato a escrevinhador tem na família um redator que o influenciou, alguém que admira desde moleque. O adolescente muitas vezes pode cair na armadilha de enxergar somente o lado glamouroso da vida, por exemplo, daquele tio meio diferentão e engraçado, bom bebedor de uísque, que sempre conta sobre as festas que vai e aparece a cada fim de ano com uma namorada nova. O cara parece o máximo aos olhos do incauto guri. A parte ruim – o baixo salário, a pressão do dia a dia, os sapos tragados, as crises criativas – o tio bacanão não conta. Essa influência familiar pode ser motivo determinante para que o desavisado se enverede pelo caminho da redação e sonhe um dia ser como o descolado titio. Já cantava Marcelo Nova nos idos anos oitenta: “O meu primo Zé, queria ser como ele é, sempre gentil e arrumado, ele é muito bem relacionado, ele alcançou a felicidade frequentando a alta sociedade, pra impressionar traçou um plano, comprava um carro novo todo fim de ano... o orgulho da família, o predileto da mamãe”. Vale a pena procurar esse som do Camisa de Vênus e sacar a letrinha inteira. O Nova, que já não era adolescente nessa época, manjava que os primos Zés da vida são pura casca, uns pulhas, e compôs esse belo punk rock carregado de ironia e crítica. Pode nos servir de lição: não vá atrás de exemplos aparentemente exitosos. Informe-se e procure saber a fundo os entremeios da profissão. Chame seu tio bacanudo pra um papo na chincha. Sigamos levantando. Pode ser que o futuro redator não tenha nenhum outro profissional das letrinhas na família e mesmo assim decida-se por essa profissão. Foi o meu caso, permitam-me dizer. De pai médico e mãe professora
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de piano, nunca tinha ouvido falar em marketing até meus dezessete anos, creio eu. O detalhe é que meu pai – e pode ser também o seu caso – é um devorador de livros, e sempre manteve em nossa casa um escritório com respeitável e variada biblioteca: de enciclopédias e Sidney Sheldon a Vargas Llosa, Poe e Guimarães Rosa. Comecei a ler as coleções sobre o mundo animal ainda criança, para daí passar aos fascinantes livros do Tesouro da Juventude e lá pelos quatorze começar com Jorge Amado, Gabriel García Márquez, João Ubaldo. Aos dezoito me rebelei e devorei a geração beat norte-americana, os Bukowski e os Fante, além de todos os do Castañeda (esses meu pai não tinha na sua biblioteca). Passada a fase revolucionário-alternativa, voltei aos mais clássicos e a tudo o que me sugeriam. A biblioteca caseira foi a isca, e eu tô fisgado até hoje. Outra influência que pode decidir o futuro de um sujeito são os professores. Se o mestre que leciona Língua e Literatura no colégio é competente e carismático, ele tem o poder de plantar sementes. Foi também meu caso, diga-se bem de passagem. Deixo o nome do culpado em forma de homenagem: Walter Barbosa, meu professor de Literatura durante três anos. Mas tem futuro redator que sai do colégio sem a mínima ideia do que quer ser. Muitos acabam entrando em Publicidade e Propaganda ou Jornalismo acompanhando colegas, ou ainda porque simplesmente isso de ser publicitário ou jornalista lhe soa bem aos ouvidos. Aí, se o gurizão perdido topa no meio do caminho universitário com um igualmente carismático e competente professor de Redação, também existe a possibilidade de encasquetar que quer ser redator. Só que não é fácil assim. Não é só querer ser e pronto. Talento para mim é sinônimo de trabalho e dedicação, e isso em qualquer área, decida você ser redator, advogado ou o grande herói das estradas. Vamos trocar de capítulo porque este aqui já deu pra bola.