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CAPÍTULO II MILAGRE Kraftaverk
Reykjavík, Islândia
Dias depois
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Dalla fitou a paisagem através da janela do quarto do Hospital de Fossvogur pela última vez. Por meses, aquele cenário isolado era tudo o que podia observar, uma ínfima fração do planeta havia se tornado o seu universo. E por mais estranho que pudesse parecer, mesmo ciente da doença quase incurável que jantava suas células a cada minuto e lhe causava dores insuportáveis, a ilusão de que o mundo era apenas daquele tamanho lhe trazia algum conforto e segurança. Como um pássaro que se vê apreensivo ao notar a gaiola aberta e a possibilidade de bater asas livremente. A imensidão do mundo pode assustá-lo.
Um vento instável agitava as folhas das copas das árvores, recortadas à frente de um céu azul ausente de nuvens. Os raios de um sol que prometia ser fervente já manchavam de dourado boa parte do gramado ao fundo. Os lábios de Dalla se curvaram num sorriso ansioso. Desviou sua atenção para os brinquedos amontoados no chão. Decidiu deixá-los ali mesmo, como uma maneira de trazer sorte aos que usariam o quarto após sua partida. O mesmo valia para os seus sapatos, ela não os queria mais. Sairia dali com os pés descalços, como se experimentasse a vida pela primeira vez – tinha certeza de que a mãe compreenderia. Continuou estudando o cômodo, e suas pupilas encontraram os cantos altos das paredes. Não conseguiu descobrir o esconderijo da borboleta, mas sabia que ela estava por perto, em alguma imperfeição entre os tijolos, observando-a como um guarda-costas. Ela apertou as pálpebras ao se lembrar de Phantom, ohomem esquisito que havia lhe trazido saúde e paz. Gostaria que ele estivesse ali, que a visse deixar aquele leito com perfume de morte e regressar ao mundo dos vivos. Talvez ele tivesse, dentro de sua cartola mágica, palavras de coragem para lhe dizer, e todo aquele medo de enfrentar a vida se esvaísse de uma vez. Imaginou-o curando outras crianças, condenadas a uma infância isolada e cercada por muros de sombras e trevas, com intermináveis visitas a centros médicos e cirurgias com estudos alternativos – bem, isso se aquilo fosse de fato o seu emprego. Uma lágrima saltou de suas pupilas e deslizou por sua pele corada. Dalla levou as pontas dos dedos ao rosto e a amassou, exatamente como fazia com os origamis que a avó Birna lhe trazia quando a visitava no Natal.
Uma voz conhecida chegou aos seus ouvidos e a retirou de seus pensamentos:
–Vamos, filha. – As palavras de Asdis encontraram um cômodo silencioso, os aparelhos atrás da cama se descobriam desligados.
–Estou pronta – disse a menina, virando a cabeça. Os olhos marejados denunciavam o choro recente. – E o papai?
–Está indo buscar o carro no estacionamento. – Asdis se aproximou da menina e lhe deu a mão. – Vai ficar tudo bem, meu amor. Você não precisa mais permanecer aqui. Voltaremos apenas para mais alguns exames. Os médicos estão incrédulos, sem entender como o seu corpo reagiu. O milagre já aconteceu!
–Foi aquele homem… Eu disse para vocês! – Dalla engoliu em seco e fez uma breve pausa; ela sabia que ninguém acreditava que um homem misterioso realmente estivera por ali injetando medicamentos sem a autorização e a ciência dos médicos do hospital. – Será que este mundo gigante vai me aceitar de volta?
–Ele não tem a mínima graça sem você.
Edição: 1ª
Fonte: Palatino Linotype