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PRÓLOGO
Akureyri, Islândia Dezembro de 2017
As imagens que ecoavam dentro da mente da pequena Dalla eram mais do que apenas sonhos aleatórios. Elas tinham vivacidade, gosto e cheiro de saudade. Eram memórias reais, de um tempo livre e feliz. Anterior ao monstro que começou a nascer no sangue da menina, impedindo-a de respirar, de comer, até mesmo de reunir forças para sair da cama, dia após dia, e que a fez trocar o calor do lar por um quarto gelado e fedorento de hospital.
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Mas as suas atenções sempre voavam para longe dali. Graças aos seus doces devaneios, fugiam daquela realidade lúgubre e aterrissavam onde ela bem entendesse. Esse era o lado bom de ser uma criança de 8 anos. Talvez os adultos perdessem isso com o tempo, o que poderia ser até mais triste do que a doença que aos poucos triturava sua saúde e sua sanidade.
Dalla estava com os joelhos sobre o tapete felpudo do quarto, um sorriso desenhado nos lábios, os olhos presos na janela, certa de que veria um dos treze rapazes de Yule – os Jólasveinar. Afinal, era véspera de Natal, e ela já havia colocado uma tigela de leite de ovelha no quintal. Era questão de tempo até os trolls saírem das montanhas e descerem à cidade para rechear as meias das crianças de presentes, ou de batatas estragadas – caso alguém tivesse se comportado mal. A menina estava tranquila, segura de que não sofreria nenhuma punição, uma vez que ganhara ótimas lembranças nos doze dias anteriores.
A ansiedade a consumia como de costume, revirando seu pobre estômago, que implorava pela ceia que seria servida muito em breve. No fundo, ela sabia que receberia a visita que tanto aguardava apenas quando estivesse dormindo. Aquilo a irritava um pouco. A mesma coisa acontecia com os elfos que vinham buscar os dentes de leite. Nunca fora capaz de vê-los. A frustração a fez apanhar um boneco no baú de brinquedos e uma tesoura que guardava no fundo da gaveta do armário. Depois de dar mais uma espiadinha através da janela, para se certificar de que a tigela de leite de ovelha estava cheia e notar a estranha presença de uma mariposa marrom de asas grandes e peludas, a menina se deitou no chão do quarto e começou a fazer algo que mais tarde chamaria de “recriação”.
Dalla ouviu o trinco da porta girar num estalo agudo. Por alguns segundos, desviou os olhos do boneco e os inclinou na direção da mãe, que invadira o quarto como um furacão desgovernado.
– Filha! – disse Asdis, o corpo meio desajeitado. – Seu pai acabou de retirar o cordeiro do forno. Desça para comer. Sua avó já está à mesa, doida para contar aquelas mesmas histórias sobre os deuses.
– Espere, mamãe. Só preciso terminar meu trabalho. – Dalla entortou os lábios e depois apontou para o boneco que, àquela altura, já estava sem os braços e com a cabeça cortada em pequenos pedaços.
– Perdoe-me, querida. Mas o que está fazendo? – Asdis indagou com seriedade, arqueando as sobrancelhas.
– Estou reconstruindo…
Asdis, nitidamente preocupada, ajoelhou-se ao lado da filha e, em silêncio, apanhou alguns fragmentos de plástico que se emaranhavam no tapete.
– Com estes pedaços vou pintar o céu – Dalla falou com a voz doce. – Com estes outros criarei os mares. Os pés do boneco serão as montanhas. Os braços, as árvores. E com estas tiras que estou abrindo na barriga, vou dar vida a crianças que não sofram com doenças.