Diversidade e Multiculturalismo - Portfolio

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DIVERSIDADE E MULTICULTURALISMO

A cidade de Bafatá por ocasião da Comemoração dos 90 anos do nascimento de Amílcar Cabral

Trabalhos realizados no âmbito da Unidade Curricular de Projecto Final de Arquitectura do ISCTE-IUL, 2012-2013



ÍNDICE Página 04-05

DIVERSIDADE E MUTICULTURALISMO Paulo Tormenta Pinto e José Luís Saldanha

Página 06-15

O LEGADO DE AMÍLCAR CABRAL FACE AOS DESAFIOS DA ÉTICA COMTEMPORÂNEA Carlos Lopes, 2004

Página 16-19

ENUNCIADO DO WORKSHOP - ISCTE-IUL A Cidade Guineense de Bafatá

Página 20-41

CENTRO INTERPRETATIVO DE AMÍLCAR CABRAL Trabalhos Realizados no Âmbito da Unidade Curricular de Projecto de Final de Arquitectura

Página 42-45

CONSTRUIR EM ÁFRICA: A ARQUITECTURA DO GABINETE DE URBANIZAÇÃO COLONIAL EM CABO VERDE, GUINÉ-BISSAU, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, ANGOLA E MOÇAMBIQUE (1944-1974) Exposição e Apresentação dos trabalhos de Bafatá no evento Conferência e Exposição



DIVERSIDADE E MULTICULTURALISMO Paulo Tormenta Pinto e José Luís Saldanha

Apresenta-se o portefólio de um trabalho realizado pelos alunos de Projecto Final de Arquitectura

do ISCTE-IUL (5º ano, 2012-2013), na sequência das comemorações do nonagésimo aniversário do nascimento do líder africano independentista Amílcar Cabral (1929-1973), na cidade de Bafatá.

O trabalho teve como objectivo principal o reconhecimento das transformações urbanas, de Bafatá

– cidade situada nas margens do Rio Geba, através de uma estrutura efémera a realizar com o propósito de revelar a vida e o pensamento de Cabral.

O centro de Bafatá é marcado pela presença portuguesa colonial, visível no desenho urbano

da cidade e nos vários extractos arquitectónicos que a compõem. É em torno do boulevard, que articula, no sentido Nordeste/Sudoeste, a principal entrada na cidade, que o plano de quarteirões foi organizado [o hospital, a escola, a casa do governador, a igreja, os correios, o mercado moçárabe e o já degradado complexo de piscinas, são os edifícios mais representativos] . A casa onde supostamente nasceu Amílcar Cabral está integrada neste núcleo.

Actualmente a atmosfera da cidade formal contrasta com a enorme e informal periferia que cerca

o núcleo urbano. A diferença entre estas duas realidades é muito visível, enquanto o centro da cidade se apresenta em depressão é a periferia que concentra as principais actividades económicas e a habitação.

O discurso do multiculturalismo e unificação étnica enunciado por Amilcar Cabral desde os anos

50 – particularmente relevante neste período de instabilidade da Guiné-Bissau, foi tido como argumento fundamental para relançar o desenvolvimento de Bafatá, através dos projectos realizados pelos estudantes.

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O LEGADO DE AMÍLCAR CABRAL FACE AOS DESAFIOS DA ÉTICA CONTEMPORÂNEA1 Carlos Lopes2 1 - Texto elaborado por Carlos Lopes, para assinalar a efeméride dos 80 anos do nascimento de Amílcar Cabral, proferido em Brasília, em Setembro 2004.

Nasceu a 12 de Setembro de 1924 e em Bafatá. Considerado o “pai” da nacionalidade cabo-verdiana, Amílcar Cabral foi um

2 - Sociólogo, com vários diplomas do Instituto

dos mais carismáticos líderes africanos cuja acção não se limitou ao plano

Universitário de Estudos do Desenvolvimento da

político mas desempenhou um importante papel cultural tanto em Cabo Verde

Universidade de Genebra e Doutorado em História pela Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Atualmente é secretário de Ban Ki-moon. Preside ao Conselho Geral do ISCTE-IUL, desde 2010.

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como na Guiné-Bissau.


Perfazem-se 80 anos sobre o nascimento de Amílcar Cabral, personagem ímpar do continente

africano, herói no seu tempo, hoje esquecido mais do que se admite, poderoso vector de referência para as gerações que o conheceram; e para as que o sucederam. Porque é importante celebrar a sua vida e obra? Porque fazê-lo agora, e em que contexto? Estas são algumas das interrogações legítimas daqueles que, por ocasião de um aniversário, não devem entender muito bem um conjunto de acontecimentos atribuíveis aos movimentos, partidos e países que Amílcar Cabral ajudou a criar, ou que nele se legitimam. São também as interrogações de jovens que não leram o que escreveu, por razoes tão triviais como o fato da última edição das suas obras ter desaparecido das bancas há pelo menos vinte anos.

As hagiografias ao herói da Guiné e Cabo Verde foram ocupando espaço. Selos, notas de

Banco, monumentos, nomes de rua e empreendimentos, retratos e posters, simbologia vária, substituem o conhecimento das ideias, ensinamentos e exemplos de vida. Amílcar Cabral desapareceu do debate político para regressar no culto das celebridades. Mesmo nesse registo num patamar menos importante que outras celebridades da música ou do desporto, por exemplo.

Será este o início de um lamento, a indução à crítica? Não. O propósito é outro.

Comemorar Cabral hoje necessita de uma razão, sim. Essa procura não é difícil de encontrar para

todos aqueles que conviveram com ele ou beberam das suas experiências e pensamento.

Trata-se do legado ético, que muito pode servir para entender os desafios contemporâneos.

Globalização

Definida de forma vária a transformação do mundo, a que assistimos desamparados, provoca

uma gravitação dos processos económicos, sociais e culturais, fazendo-nos perder referências familiares e sentimentos confortáveis. As mudanças significativas na nossa noção de espaço e tempo questionam premissas históricas, agora invadidas por um acumulo de informação, acesso mais fácil a comunicações e uma revolução nos métodos quantitativos. A globalização é vista como um processo de riscos e oportunidades, desenhada em função de uma capacidade de inserção e aproveitamento competitivo da economia, caracterizada por desafios novos e fortes; e uma acentuação da polarização e heterogeneidade.

A globalização é um fenómeno multidimensional que se inscreve na internacionalização da economia

mundial. No entanto, pretender que o seu lócus se limita ao comércio e investimento, finanças ou regimes macroeconómicos, não faz sentido. As assimetrias que cria mudam os comportamentos e instituições e tem um impacto, diremos, na vivência cultural. O apelo à diversidade e o papel das imigrações contemporâneas, por exemplo, tem de ser analisados com uma acuidade superior.

Os seres humanos inteligentes sempre acham que vivem numa época singular, cheia de

acontecimentos únicos e marcantes. Há um pouco de verdade nessa percepção, mas muita dessa verdade também é ofuscada por uma sobrevalorização da diferença em relação a épocas passadas. Em termos de conteúdo universal os dilemas das sociedades humanas muitas vezes são repetitivos. Por exemplo, o alargamento da democracia para além dos eleitos cidadãos é um tema que ainda não se esgotou desde a Grécia antiga. Os debates recentes sobre a democracia representativa mostram que nem o sufrágio universal resolveu a questão dos direitos políticos e da plena cidadania. Seria ridículo, por exemplo, assimilar de forma simples as contribuições teóricas de Amílcar Cabral sobre a democracia à luz de dilemas actuais.

Se a globalização é um processo de identificação das relações entre sociedades, então temos

que admitir que isso acontece há milhares de anos e já nos trouxe: dissabores históricos como o tráfego de escravos; ou vantagens como a divulgação dos conhecimentos científicos, expansão do comércio ou maior intercâmbio entre os povos.

O que nos faz ter a sensação de vivermos um momento paradigmático é o fato do poder enorme de

destruição já não ser privilégio dos mais fortes. O terrorismo contemporâneo introduziu o medo nas sociedades ocidentais e universalizou a insegurança humana para os territórios protegidos: cidades; subúrbios de classe média; ou países ricos. Em vez da inspiração iluminista de uma sociedade mais integrada, ou das promessas do socialismo ou da social-democracia de uma sociedade mais igualitária, repartindo os serviços de um Estado providência, estamos perante uma civilização do medo. O medo como consequência directa de uma distribuição desigual e de uma concentração de riqueza sem precedentes.

Aqui cabe uma referência a Frantz Fanon, esse martiniques contemporâneo de Cabral, que

descreveu a violência revolucionária como força, poder e coerção exercida de forma organizada, mas que podia extravasar para algo diferente. Num prefácio ao seu livro mais importante Jean Paul Sartre sintetizou


o seu pensamento que “…basta…que os recém-nascidos (dos países do Terceiro mundo) tenham que temer a vida um pouco mais do que a morte, e a torrente da violência rompe todas as barreiras. É o momento do boomerang, o terceiro tempo da violência; volta-se contra nós, atinge-nos e, como de costume, não 3 Sartre em Fanon, Frantz (s./d.), Os condenados da

compreendemos que é nossa”.3 Esta discussão não é muito diferente da que ocupa muitas

terra, Lisboa: Ulisseia.

mentes hoje em dia.

Questionar os valores faz parte do percurso da humanidade. Também neste quesito a originalidade

em relação ao legado histórico, é diminuta. Os grandes momentos da História estão marcados precisamente por terem trazido, mais do que acontecimentos de monta, uma discussão dos princípios éticos das sociedades. A mudança moral por sua vez nos coloca perante a necessidade de definir as causas e factores que a determinam.

Amílcar Cabral foi um grande questionador do seu tempo. A partir das experiências vividas por

um grupo de africanos e asiáticos, privilegiados com o acesso ao ensino superior em Lisboa, conjugou-se na Casa dos Estudantes do Império, uma valorização das culturas de que eram originários. A tal não foram alheias as primeiras manifestações proto-nacionalistas - incluindo a figura tutelar de Francisco José Tenreiro - que lhes precederam. Mário de Andrade, Marcelino dos Santos, Eduardo dos Santos, Agostinho Neto, Alda Espírito Santo, Noémia de Sousa, e muitos outros deram início a um ciclo de conscientização que teve o seu auge no estabelecimento, na Lisboa dos anos 50, do Centro de Estudos Africanos. O que esse grupo acabou protagonizando foi um questionamento da lógica colonial, uma lógica já desenquadrada no espaço e no tempo, relativamente à evolução do processo de integração capitalista, que daria origem ao período mais recente da globalização.

De uma certa forma Amílcar Cabral e os seus colegas estavam mais adiantados na compreensão

do mundo, como se veio a provar depois com o desmoronamento da ditadura fascista imposta pelo Estado Novo a Portugal, e a independência progressiva das colónias portuguesas, nos anos 70. O primeiro movimento deste grupo não foi violento nem radical. Pediam em memorandos assinados o fim do colonialismo através de apelos. Num desses apelos, de 1961, Cabral invocava os direitos à autodeterminação consagrados pelas Nações Unidas através de processos de descolonização. Mas ele mesmo não acreditava que uma potência atrasada, como Portugal, tivesse a sofisticação para preterir a administração directa ao neo-colonialismo, que exigia meios superiores. Na ausência de entendimento e reconhecimento por parte de Portugal falava da 4 Andrade, Mário de (1980), Amílcar Cabral, ensayo

necessidade de guerra preventiva.4

de biografia política, México: Siglo veintiuno editores.

Cabral defendia que o colonizador acabaria por ser libertado pelo colonizado, numa interpretação

baseada no entendimento que a contradição revolucionária principal era a que opunha os povos dominados aos dominadores, mais do que a do proletariado contra a burguesia dos países colonizadores. “O colono criou 5 Cabaço, José Luis e Rita Chaves, “Colonialismo,

o colonizado e é este que está fadado a destruí-lo, libertando-se e libertando-o.”5 Esta tese, desafiadora do

violência e identidade cultural”, em Junior, Benjamin

marxismo em voga, foi esboçada for Fanon e aperfeiçoada por Cabral.

Abdallah (2004), Margens da Cultura, São Paulo: Boitempo.

A luta por valores

Desde cedo Amílcar percebeu que a luta que valia a pena era por valores. As suas denúncias da

situação colonial debruçavam-se sobre a imoralidade com que eram tratados os povos das colónias, sobre a injustiça no mundo e sobre a necessidade de afirmação das identidades culturais.

O discurso actual sobre a multiculturalidade já era feito por Cabral nos anos 50 do século passado.

As suas teses sobre o carácter civilizatório da luta de libertação nacional, tem a ver com a defesa das manifestações culturais como um ato de cultura. Amílcar Cabral foi o único dirigente de guerrilha capaz de articular uma tese deste tipo. Nem a teoria do foco, em voga nas guerrilhas da América Latina, nem a teoria de solidariedade entre os povos de Che Guevara, nem a defesa da integridade territorial de Vo Nguyen Giap se basearam em princípios filosóficos equivalentes.

Leitor atento de Giap, de onde derivou a sua noção de convergência entre luta de classes e lutas

nacionais, e a obsessão sobre a especificidade de cada realidade, Cabral acrescentou à visão do líder vietnamita a ideia de que a libertação nacional era simultaneamente um facto de cultura e um factor cultural, como demonstrado pela resistência cultural ser a mais efectiva forma de resistência. Segundo ele “a cultura revela-se como o fundamento do movimento de libertação, e só podem mobilizar-se, organizar-se e lutar contra a dominação estrangeira as sociedades e grupos humanos que preservam a sua cultura. Esta, qualquer que sejam as características ideológicas e idealistas da sua expressão, é um elemento essencial do processo histórico. É nela que residem a capacidade (ou a responsabilidade) de elaborar e fecundar os elementos que 09


asseguram a continuidade da História, assim como determinar as possibilidades de progresso ou regressão da sociedade. Assim -porque uma sociedade que se liberta verdadeiramente do jugo estrangeiro retoma a rota ascendente da sua própria cultura, que se nutre na realidade vivente do meio e nega tanto influencias nocivas como todas as formas de sujeição a culturas estrangeiras - a luta de libertação é antes de tudo o mais um acto de cultura”.6 A originalidade desta análise de Cabral tem uma dimensão maior por ter antecipado o debate mais

6 Cabral, Amílcar (1976), A arma da teoria. Unidade e

importante da globalização.

Luta I, Lisboa: Seara Nova.

Mas Cabral não se limitou a esta contribuição. Quando lhe perguntavam se era marxista ele tinha

uma forma rebuscada de responder. Limitava-se a contextualizar o uso do marxismo, como ferramenta indispensável para a interpretação histórica, recusando a classificação e categorização tão de moda nos anos 60. Mas acabou oferecendo um dos complementos mais importantes ao Manifesto Comunista afirmando que “o nível das forças produtivas é um elemento determinante do conteúdo e da forma da luta de classes”.7 Essas

7 Idem.

nuances faziam dele talvez um estudioso do marxismo mais sofisticado do que muitos que o reclamavam o pedestal; mas mostrava também a capacidade de não se prender a ideologias que tinham pouca relevância quando falava didacticamente com os seus guerrilheiros.

A experiência de António Gramsci, na sua luta pela transformação do Partido Comunista Italiano,

da ortodoxia imposta pela União Soviética sob Estaline, pode ter sido influência marcante para Cabral. A visão de Gramsci sobre organização do Partido e a definição do que deve ser o seu conteúdo revolucionário ou reformador, encontram-se presentes na obra de Cabral. A premissa gramsciana do optimismo da vontade contra o pessimismo da realidade está mesmo reflectida na palavra de ordem de Cabral, “esperar o melhor mas preparar-se para o pior”.

Amílcar Cabral entendia bem a proposta de Gramsci sobre o intelectual orgânico e o papel da

sociedade civil. O seu célebre Seminário de Quadros de 1965, com as suas oito aulas, foi uma tradução à letra da análise gramsciana8, depois baptizada de praxis filosófica. No Seminário, Cabral mostrou a sua maturidade

8 Cabral, Amílcar (1976), A prática revolucionária.

como dirigente político de um movimento em constante evolução, e cheio de inevitáveis contradições. Em

Unidade e Luta II, Lisboa: Seara Nova.

cada sessão os problemas da guerrilha eram expostos em termos de valores. Unidade, poder, trabalho político, nação, responsabilidade, educação, solidariedade, eram dissecados em linguagem simples, com um pragmatismo a toda a prova.

Mas Cabral estava consciente das limitações. No seio do PAIGC, que criou e desenvolveu,

conviviam muitos comportamentos reprováveis, que a natureza da guerra conseguia esconder das decisões e directivas. O Congresso de Cassacá, o II do PAIGC, realizado em Fevereiro de 1964, foi um momento fundamental na definição da ética do movimento de libertação nacional. Amílcar Cabral desafiou dirigentes oportunistas a corrigiram as suas práticas, num clima de tensão e de possível deflagração de conflito. A sua coragem foi marcante para que o movimento não se deixasse dominar por tendências negativas que enumerou como segue: militarismo e autoritarismo; “regulandade”ou clientelismo; “catchorindade” ou servilismo; “mandjuandade”ou espírito de clã; poligamia; “griotismo” ou bajulação; e o racismo, considerado o oportunismo da pior espécie. Cabral dizia que esses males eram reforçados por fraquezas organizativas tais como a tendência à improvisação; falta de planificação; falta de consideração ao factor tempo; falta de estudo sério; rendimento insuficiente; indisciplina e abusos; e desavenças entre dirigentes.9

9 Idem.

Embora a luta por valores morais nunca esmorecesse, ela foi certamente minimizada e sujeita a

crítica e acusação permanente. Mas, de uma certa forma, foi a baixeza moral que saiu parcialmente vencedora, quando correligionários do próprio Amílcar Cabral se aliaram a interesses opostos aos seus e o assassinaram em Conakry, a 20 de Janeiro de 1973.

A contemporaneidade de Cabral - captada sucintamente no seu slogan “pensar para actuar e actuar

para pensar melhor”10 - pode ser argumentada de vários prismas. Escolhemos quatro: ideologia; o papel dos intelectuais africanos no nacionalismo; elites e pequena burguesia; e o movimento de solidariedade.

Ausência de ideologia

A tragédia do pensamento africano tem a ver com a ausência de ideologia, dizia Amílcar Cabral.

Mas ele não se referia aos debates sobre o fim das ideologias, posteriores à sua observação, mas sim à timidez de vontade própria, de projecto político próprio, à contraposição do mimético que caracterizou muito do intelectualismo africano. Na fonte dessa postura: a persistência do princípio da inferioridade africana.

Foi Hegel quem melhor sintetizou, no pensamento filosófico, a percepção mantida no Ocidente de

que a África era dominada por uma presença humana inferior, traçada pelo destino de Caim. Ao proclamar que

9 Ibidem.


a África era incapaz de produzir História, aliava-se a visão de que a civilização veio da escrita e a reivindicação do Egipto como não Africano, ou negro, e do Mediterrâneo como berço de um mundo iluminado apenas por europeus. Sabemos que todas essas categorizações são historicamente inconsistentes e apenas reflectem várias formas de produzir alteridade. Mas ao longo do tempo a sua persistência, veiculada pelos detentores do poder, foi de tal ordem, que ainda hoje de forma muitas vezes explícita, embora mais frequentemente implícita, acredita-se numa certa inferioridade africana.

Essa percepção ultrapassou a visão do colonizador e atingiu em cheio o colonizado que ficou com

uma visão de si mesmo influenciada por complexos e uma constante recorrência à identificação tradicional e inferiorizada da política. Cabral ilustrava este complexo com a pretensa defesa de certas formas de vestir, comer ou comportar-se como sendo africanas, o que na sua visão era ridículo, demagógico e populista. Dizia: “ a crise da revolução africana provém de uma crise de conhecimento. Ou, noutras palavras, da insuficiência, 11 Andrade, op.cit.

ou mesmo falta de bases teóricas para análises concretas de realidades concretas”.11

Essa atitude justificava uma distância em relação ao externo, o que deixava pouco espaço de

manobra para denúncias polidas, a não ser que elas usassem o mesmo instrumento tradicionalista. Mas no fundo isso era ausência de vontade própria, ausência de ideologia.

Outra consequência maior dessa atitude é misturar a África, ou mais propriamente toda a África

sub-sahariana, num objecto único de estudo e classificação, como se a enorme diversidade do continente coubesse no cabaz estreito da inferioridade. Cabral recusava isso, insistindo na necessidade obsessiva de se estudar a realidade de cada lugar.

Não surpreende que a África tenha uma dificuldade maior de relacionamento com a modernidade, tal

como ela foi e é definida. Não surpreende porque a África, agora sim no seu todo, foi abalada pela experiência colonial que deixou marcas mais profundas do que o próprio tráfico de escravos. É que este último muitas vezes utilizou mais do que destruiu as estruturas políticas e comerciais africanas. Raramente se exerceu em controlo territorial até o último quartel do século XIX. Já no período de directa administração colonial a agressão à estrutura existencial dos africanos foi muito grande.

O papel dos intelectuais africanos no nacionalismo

Jean Copans dizia que não há uma sociologia dos intelectuais africanos. Por essa razão, o que é

uma tarefa respeitosa transforma-se em um desafio quando se trata de enquadrar a produção desses mesmos intelectuais.

Quando as elites proto-nacionalistas começaram a se manifestar, o seu desejo primeiro era de

serem considerados cidadãos integrais, com direitos plenos, como os almejados pela Revolução francesa. O seu ponto de referência era a construção de uma harmonia nacional.

Era, pois, natural que houvesse uma evolução para conquistar uma expressão nacional

diferenciada, até porque a luta das elites proto-nacionalistas teve eco no imaginário popular, mas com outro tipo de reivindicações. Elas queriam mostrar as suas diferenças em relação a quem os dominava e nunca as considerou seres iguais. Os intelectuais africanos ficaram sempre presos às suas comparações com a modernidade externa ao mesmo tempo que queriam afirmar-se diferentes. A dimensão nacionalista sempre minou a capacidade crítica. Existem inúmeros exemplos de utilização abusiva do ímpeto nacionalista até com consequências terríveis. Cabral foi um dos raros dirigentes nacionalistas capazes de não confundir o desejo de independência com os exageros pela sua obtenção. Para ele os fins não justificavam necessariamente os meios.

Os intelectuais africanos na sua grande maioria adoptaram os princípios da modernidade, dando-lhe

uma racionalidade nacionalista interna: governo forte; liderança carismática, direito legítimo - na concepção weberiana - e soberano. O fato de se tratar de um nacionalismo sem Nação não parecia incomodar. O arquétipo Estado-Nação tinha sido adoptado por todos como símbolo e referência da modernidade; por isso mesmo os africanos não podiam ficar para trás. Aqui Cabral não foi excepção. Com esta adopção da Nação vinha todo um enredo de políticas e direitos que pressupunham um comportamento moderno.

Os dirigentes dos primeiros países independentes foram muito criativos na adaptação - alguns

chamam de africanização - do autoritarismo e centralidade do Estado. Construíram barreiras para parecerem modernos aos olhos do exterior e autênticos, ou tradicionais, para o seu público interno. Este processo de uma certa forma continua ainda presente. Por isso é importante analisar o que se passou no período de gestão local do PAIGC durante a luta armada até 1974. As chamadas zonas libertadas eram um protótipo de 11


uma construção de poder que se pretendia alternativa. Mais democrática e participativa. Com a distância do tempo não se pode dizer que os indivíduos formados nessa experiência - que depois assumiram posições de relevância no poder da Guiné Bissau - estivessem imbuídos de um comportamento diferente da norma verificada em outros países africanos.

Um dos parâmetros mais importantes do moderno pensamento africano logo foi o panafricanismo,

nascido primeiro fora do próprio do continente - com expoentes como W.E.B. Dubois, George Padmore, Dudley Thomson - e trazido para dentro por correntes políticas nacionalistas. Ele tinha a virtude de servir de contraponto a uma imagem unitária do continente, construída à volta da inferioridade africana. Mas apresentou desde o início uma série de fraquezas, a mais importante das quais era o próprio nacionalismo. A fonte de afirmação dos novos Estados (que se predispuseram na constituição da Organização da Unidade Africana a não contestar as fronteiras herdadas do colonialismo) contradizia o propósito proclamado de unificação do continente. Mas mesmo assim essa ideologia pan-africanista encontrava ressonância, visto que ela servia de contra-ponto e posicionava o continente em uma vertente de contestação do tipo nacionalista, mas desta feita a nível continental. E foi assim que a África moderna se manifestou perante o mundo: com uma ideologia fraca, mais bem do que com um objectivo pragmático.

Os grandes pensadores do nacionalismo foram do Norte de África - Habib Bourguiba da Tunísia,

Gamal Abdel Nasser do Egito e Mohamed V do Marrocos enquanto os ferrenhos pan-africanistas estavam mais ao Sul - Hailé Sellasié da Etiópia, Jomo Kenyatta do Quénia, Keneth Kaunda da Zâmbia, Ahmed Sekou Touré da Guiné-Conakry, Modibo Keita do Mali, Julius Nyerere da Tanzânia e, o maior deles todos, Kwame Nkrumah de Gana.

As lutas de libertação nacional, também tinham um espaço importante no imaginário dos

intelectuais africanos, mas menos influencia. Conhecem-se os ciúmes de Senghor e Sekou Touré em relação ao protagonismo de Cabral. Esses movimentos influenciavam o pensamento dos intelectuais e davam um foco claro às reivindicações internacionais africanas. Só a libertação da África do Sul do regime de apartheid encerrou esse foco, que durou varias décadas. Paradoxalmente essas lutas serviam de ponte entre os princípios nacionalistas e os princípios pan-africanistas. As lutas da Argélia, das colónias portuguesas e mais tarde da Rodésia e África do Sul, serviram de atracção para as relações internacionais do continente.

A visão política dos intelectuais africanos sempre foi ambígua em relação à democracia. Quando se

estabeleceu a Associação Africana de Ciências Políticas, AAPS, em Dar-es-Salam, de cujo directório viriam a sair muitos dirigentes políticos africanos, o foco era a análise de classe. A influência de Cabral foi muito forte. As suas teorias sobre as elites e a pequena burguesia influenciaram as análises.

Tanto em Dar-es-Salam como em Dacar havia um ambiente cosmopolita, com intelectuais vindos

de muitos outros países, patrocinados pela benevolência intelectual dos Presidentes Nyerere e Senghor. A acolhida às ideias de Frantz Fanon, Amílcar Cabral e outros nacionalistas pensantes era grande. A contribuição da nova vaga de historiadores africanos como Joseph Ki-Zerbo e Cheikh Anta Diop aumentavam a vontade de mostrar uma África de pirâmide invertida: em vez da inferioridade, lisonjear uma certa autenticidade que dava um carácter humano superior aos africanos. Era um momento de vanguarda, onde as lutas africanas contra os restos de colonialismo e o apartheid e em favor de um mundo mais justo faziam manchetes positivas. E as primeiras décadas de independência produziram crescimentos espectaculares nos países africanos, mostrando aí também uma imagem positiva de reversão de tendência.

As elites e a pequena burguesia

A elite é um grupo que para além do seu lugar funcional tem uma liderança natural nos processos

de transformação. Desgastadas hoje, pela super-exposição dos métodos quantitativos, introduzidos pela sociologia americana, as elites jogam à defesa enquanto grupo. Não é de bom-tom falar de elite excepto através da valorização da sociedade do espectáculo. O culto à celebridade camufla a influência mediática na construção de novas formas de aculturação e simbologia. Mas sabemos que, obviamente, as elites tiveram um papel fundamental no desenho da modernidade africana.

Desde o aparecimento do movimento republicano, portador de valores de integração cidadã e de

laicização, o Estado passou a fundamentar-se no direito. As elites souberam operar a transformação do poder público através do alargamento da participação, a construção de valores de interesse público e tradições de humanismo cívico. O papel da elite serviu de sustentáculo a transformação operada pelo republicanismo. Mas as formas aglutinadoras de identidade nacional foram deturpando um conjunto de desenvolvimentos políticos


que mudaram, para pior, o entendimento sobre os valores democráticos. A distinção entre público e privado ficou mais ténue. Apesar disso os novos liberais celebraram uma certa apatia política, por a considerarem uma demonstração pelos cidadãos da sua confiança nos poderes instituídos.

Os movimentos nacionalistas inspiraram-se nestes desenvolvimentos. Todos começaram por ser

agrupamentos de uma elite letrada, que depois se estendeu a classes populares urbanizadas e ao campo. Na Guiné e Cabo Verde a ligação com movimentos literários e de consciência cidadã foi marcada por divergências profundas sobre métodos e objectivos. Contestava-se uma certa popularização dos direitos por se achar que estes tinham mais a ver com cidadania de elite do que com justiça social. O movimento intelectual caboverdiana da Claridade inscreve-se dentro deste prisma. A ausência de uma Nação consolidada favorecia estas contradições.

Consciente deste dilema Cabral esboçou uma teoria sobre o suicídio da pequena burguesia, talvez

a sua contribuição teórica mais debatida, por se tratar de um desafio ao conceito de classe, tal como definido pelo marxismo. Segundo o seu postulado a pequena burguesia tinha uma tendência natural para se isolar dos interesses da maioria e se transformar em classe burguesa nacional. Até aí Cabral limitava-se a constatar o que tinha sido o processo natural de constituição das Nações burguesas, na Europa e no mundo. Os primeiros anos de independência de alguns países africanos confirmavam a tendência também em África.

Para evitar que a pequena burguesia sucumbisse ao desejo natural de usurpar o poder, era

necessário consolidar um processo político que levasse à renúncia dos desejos burgueses da pequena burguesia, através de um haraquiri de classe. Cabral achava que as condições para que tal acontecesse só poderiam ser observadas depois da independência. Fanon defendia que a identificação com a revolução por parte das elites só tinha sentido antes e não depois do seu envolvimento na revolução.

Estas visões contraditórias alargavam-se à focalização por Fanon no carácter fundamental dos

camponeses, que Cabral considerava apenas como força física, ou motriz, distinta do papel de liderança. Ele achava os camponeses capazes de assimilar as razões objectivas da luta, mas não as subjectivas. Para Cabral o conjunto das classes sociais de um território colonizado transformava-se em classe nacional, deixando para depois a inerência dos seus conflitos internos. A História mostrou que essa sua visão se concretizou parcialmente. O que fica em aberto é como interpretar a lição de humildade de Cabral em considerar que o desafio das elites e da pequena burguesia era o de não trair os ideais da luta de libertação nacional.

A solidariedade internacional

Com a independência da maioria dos países africanos, a modernidade estendeu-se a um outro

tema: o desenvolvimento. A construção da Nação estava directamente associada à vontade de transformação, à esperança num melhor desempenho económico contrariando a inferioridade africana.

Quando trinta anos atrás se criou o Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa Económica

e Social em África, mais conhecido como CODESRIA, estava-se no auge da escola da dependência, cujo expoente em África era Samir Amin, então Director de um Instituto de pesquisa económica em Dacar, ligado à Comissão Económica para a África da ONU. O CODESRIA depressa se afirmou como o ícone do pensamento sobre o desenvolvimento, e ainda hoje sua história é marcada por essa origem. Samir Amin criou o CODESRIA e engajou-se em um apaixonado debate que envolvia André Gunder Frank, Theotonio dos Santos e Fernando Henrique Cardoso na América Latina.

Esses teóricos, na época, eram vistos como desafiantes das teorias económicas sobre o

desenvolvimento que imperavam nos países ocidentais. Eles eram atraídos pela visão de que o desenvolvimento não era linear, haveria várias formas de atingir uma distribuição mais justa da riqueza que estaria sendo polarizada em uma relação perversa entre centro e periferia. Acreditavam, pois, que o sistema mundial não era nem justo nem equitativo e não oferecia as condições, se não fosse contestado, para viabilizar o crescimento dos países em desenvolvimento.

Estas ideias tinham o seu contraponto político na expressão de uma nova solidariedade. Amílcar

Cabral foi uma das bandeiras mais conhecidas desse movimento, sendo, naquela época, referencia e leitura obrigatória para todos os defensores destas correntes de solidariedade, que estiveram na origem da popularização do conceito de terceiro mundo. A sua tese era a de que a união dos povos na luta contra o colonialismo era indispensável, porque enquanto uma colónia permanecesse como tal, a libertação não estava completa. Ele deu máxima importância à constituição da Conferencia das Organizações Nacionalistas das 12 Andrade, op.cit.

13

Colónias Portuguesas, CONCP12, e outros agrupamentos políticos por essa razão.


Países africanos independentes depressa assumiram um papel de destaque na reivindicação de

uma nova ordem mundial. Capitaneados pela Argélia, e mais tarde a Tanzânia, os africanos conquistaram espaço e foram entusiastas da criação da chamada solidariedade, primeira afroasiática, e depois tri-continental. Os grandes movimentos de defesa dos interesses dos países em desenvolvimento - Não alinhados, Grupo dos 77, e outros menores como a Organização de Solidariedade dos Países da África, Ásia e América Latina, OSPAAAL - datam desse período, há cerca de 40 anos.

Os desafios éticos contemporâneos

Do grego ethos, ética pode ser definida como estudo dos limites entre o certo e o errado; dos

costumes, obrigações e valores morais de conduta colectiva; e a homogeneidade de comportamento sociais. Definir ética é um passatempo filosófico importante que ocupou Aristóteles, Max Weber e Karl Marx; e Amílcar Cabral também.

A essência do pensamento referencial de Aristóteles em relação à ética é a capacidade de buscar

incessantemente o bem comum na base da virtude e excelência; para se ser feliz são necessárias três realizações: possuir bens materiais, para além de possuir usufruir, e ter prazer. O pensamento aristotélico gira em volta das escolhas e a necessidade de deliberar para que estas se processem. É no de deliberar que se exercem as escolhas éticas.

A ética racionaliza uma experiência humana na sua totalidade, diversidade e variedade. “O que nela

se afirma sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve valer para a moral da sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa comunidade humana moderna. É isso que assegura o seu carácter teórico e evita a redução a uma disciplina normativa ou pragmática”.13 Ou seja, a ética teoriza o comportamento moral dos homens em sociedade. E é por essa razão que precisamos de constantemente actualizar as nossas

13 Vasquez, Adolfo Sanchez (2003). Ética, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.

noções sobre a moral.

Como todos os actos morais pressupõem a necessidade de escolha, temos de entender porque o

mundo de hoje assiste a determinadas escolhas. Logo se entenderá que a segmentação do conhecimento, a reorientação da estabilidade hegemónica através de novas redes de influência, requer, por natureza, uma moral igualmente segmentada e, porque não, assimétrica.

“Ter de escolher supõe, portanto, que preferimos o mais valioso ao menos valioso moralmente”.14

14 Idem.

Nós avaliamos as escolhas em termos axiológicos, ou seja, do seu valor. Quando Marx se referia ao fétichismo da mercadoria estava-se a referir à noção de valor na sua dimensão material, mas igualmente ao papel desmembrador do capitalismo nas escolhas morais. O que seria ético nem sempre seria o preferido pela lógica capitalista.

Princípios contrários à lógica marxista foram defendidos por Weber, segundo o qual a ética

protestante era a principal responsável pelo desenvolvimento capitalista de certos países. Depois se disse o mesmo de Confucius para justificar o espectacular desempenho económico da Ásia do Sudeste e China. Mais recentemente fez-se apelo a ética Janaísta da purificação e cultivo individual para explicar o chamado boom indiano.

De facto o desenvolvimento é o resultado de muitos factores. Para Cabral o factor mais importante

era o conhecimento da realidade. Ele acreditava que apenas uma identificação específica de um local permitia equacionar a sua transformação. O entendimento da cultura de um lugar é condição necessária para poder ancorar o processo de transformação. A existência de uma ética própria serve para aumentar o sentido de comunidade e de auto-estima, factores entre os mais valorizados na capacitação dos indivíduos, instituições e sociedades. Em tempos de imprevisibilidade o recurso à discussão ética era sinal de valorização e autoestima.

Embora existam sempre variações no discurso ético de qualquer sociedade, estas se têm exacerbado

com a globalização. Enquanto nas sociedades ocidentais a tendência vai ser de uma individualização tamanha que acabará provocando uma auto-ética15 especifica a cada um, já em muitas outras regiões do mundo a defesa da tradição vai-se erguer em barreira contra essa possibilidade. O caminho da solidariedade oferece uma saída. Cabral havia equacionado a necessidade do aprendizado comum, da vontade própria relacionada

15 Expressão de Edgar Morin, segundo o qual “as nossas finalidades não vão inevitavelmente triunfar, e a marcha da História não é moral. Devemos visualizar seu insucesso possível e até mesmo provável. Justamente porque a incerteza sobre o real é fundamental, é que somos conduzidos a lutar

ao respeito do outro. As suas observações sobre a necessidade de um relacionamento com os portugueses,

por nossas finalidades. A ecologia da ação não nos

que considerava igualmente sofredores de um regime totalitário, são de uma generosidade singular. Igualmente

convida a inação, mas ao desafio que reconhece seus

valorizava a língua portuguesa e a História comum como elementos da criação de uma identidade própria, que aproximava os portugueses da luta dos guineenses e cabo-verdianos.

riscos, e a estratégia que permite modificar a ação empreendida”. Morin, Edgar (2000). A ética do sujeito possível, Ética, solidariedade e complexidade, PalasAthena, São Paulo.


Depois de ter insistido que os valores do protestantismo podem explicar o enorme sucesso de certos

países ocidentais, com o intuito de demonstrar a actualidade de Max Weber, o pensador ocidental Huttington chegou à conclusão que o papel da cultura na definição do destino das sociedades talvez seja mais importante do que se pensava. Até aí tudo bem. Está em companhia de Amílcar Cabral, que muito antes dele chegou à mesma conclusão. Mas o paradoxo é que este argumento é qualificado da forma mais estranha para um intelectual capaz de influenciar uma boa parte da elite do país mais poderoso do mundo. 16 Huttington, Samuel P. (2004). Who are we?

America’s great debate, Simon & Schuster, Londres.

No seu livro mais recente “Quem somos?” Huttington16 não têm nenhuma hesitação em classificar

a qualidade dos diferentes aportes culturais para a construção dos Estados Unidos da América, relegando para segundo plano tudo o que não pertença ao grupo dominante branco, protestante anglo-saxão. Fá-lo de uma forma límpida, inclusive para identificar o inimigo futuro que é a cultura hispânica, sobretudo mexicana. Este seria o grande desafio interno do progresso, da mesma forma que já tinha visto na cultura muçulmana a resultante de um confronto de civilizações com os valores cristãos.

As teses de Huttington estão baseadas numa leitura moral e propõe uma ética própria que, a

vigorar, é excludente; enquanto paradoxalmente se refugia na defesa dos valores democráticos. Valores vistos como intrínsecos a determinadas culturas. Na realidade não é descabido dizer que existem comportamentos culturais que se correlacionam com determinados comportamentos económicos. Cabral escreveu muito sobre essa verdade. Só que não necessariamente na ordem que apresenta Huttington, e certamente sem a possibilidade de demonstração empírica que ele apresenta. Os países estão hoje “contaminados” (para utilizar o mesmo tipo de expressão usado por certo establishment) por tantas interacções de ordem demográfica, cultural e identitarias que não existem mais culturas puras. Aliás, elas nunca existiram totalmente, mas hoje, graças às razões que tornaram a globalização marcante, ainda menos.

É repulsiva a ideia de que algumas culturas seriam correctas, por provocarem determinados

comportamentos económicos, ou erradas por não terem como centro determinadas formas de comportamento laboral ou de intercâmbio económico. Segundo Amílcar Cabral mesmo os povos potencialmente considerados atrasados eram capazes de dar lições de civilização indispensáveis ao próprio avanço da humanidade. Daí a sua insistência para que as zonas libertadas da Guine fossem visitadas por inúmeras delegações, inclusive do Comité de Descolonização das Nações Unidas. A forma participativa de poder, defendia, era uma lição de como governar com humildade e respeito pela diferença. As suas análises sobre etnicidade eram pautadas pelo profundo respeito das diferenças.

O mundo tem tratado a diferença de uma forma inaceitável tendo conduzido as minorias, e algumas

vezes maiorias destituídas de poder, a situações de marginalidade. Para uma parte importante deste mar de marginalizados apenas resta o activismo. Se os valores éticos de Amílcar Cabral fossem respeitados poderia centrar-se o debate sobre a multiculturalidade e diversidade de uma forma diferente. Porque o mundo não vive um choque de civilizações. O mundo vive uma civilização humana diversa e plural. Entender este mundo requer uma abertura à diversidade e liberdade cultural. Essa atitude não pode ser entendida, e muito menos defendida, sem uma actualização da moral e da ética. Essa actualização deve comportar as cautelas aqui evocadas.

Descobrimos com o genoma humano a complexidade do que somos. Descobrimos com a física

quântica a gama de atributos do universo. Mas paradoxalmente os seres humanos têm dificuldade em admitir que não existem identidades, tão finamente definidas e classificadas. O desafio ético de hoje, esse passatempo dos filósofos, é admitir estas diferenças e considerálas enriquecedoras. Como fez Cabral até ao momento em que a intolerância pela diferença lhe interrompeu a vida em 1973. Comemoramos hoje o fato de não terem conseguido interromper a sua influência.

15



ENUNCIADO DO WORKSHOP - ISCTE-IUL

“A Cidade Guineense de Bafatá” Paulo Tormenta Pinto e José Luís Saldanha

Argumento

Considerando a proximidade da comemoração dos 90 anos do nascimento de Amílcar Cabral (em

12 de Setembro de 1924) na cidade de Bafatá, pretende-se levar a cabo a edificação de uma estrutura que possa albergar um centro de estudos tendo como base o pensamento e a obra literária do fundador do Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Este centro de estudos deve ser visto na esfera dos estudos pós-coloniais, devendo para tal ser

pensado com o propósito do estabelecimento de uma leitura de amplo espectro, não só, em torno das décadas de 50 a 70 em que a ação política dos movimentos independentistas, no mundo colonial português, foi mais ativa, como deve ser capaz de incluir uma leitura sobre o contexto social e político em que germinaram tais movimentos, estendendo-se ainda ao estudo do resultado contemporâneo da afirmação da independência de estados como a Guiné-Bissau.

O edifício a construir em Bafatá deve ser projetado com base numa estrutura efémera e de baixo

custo, admitindo-se uma abordagem que integre elementos amovíveis de fácil montagem e desmontagem de modo que se possa considerar a edificação de um equipamento similar em outros locais do país. Pelas suas características programáticas este equipamento deverá abrir-se à cidade, podendo acolher atividades paralelas de interesse comunitário. Este projeto deverá ainda privilegiar toda uma reflexão sobre o ajustamento construtivo do edifício ao clima tropical.

17


Breve Descrição da Cidade de Bafatá

A cidade de Bafatá situa-se no coração do território da Guiné-Bissau e é banhada pelo Rio Geba.

O centro da cidade é fortemente marcado pela presença colonial portuguesa, visível tanto no traçado

urbano, como também nos diversos estratos arquitectónicos que a qualificam.

É em torno de um boulevard que articula, no sentido Nordeste/Sudoeste, a principal entrada na

cidade com o Geba, que o traçado de quarteirões urbanos se organiza. Este grande eixo, estruturante, conecta também os edifícios públicos mais marcantes da cidade. Junto á entrada do núcleo urbano situa-se o hospital, desenhado em 1946 por João Simões, caracterizado por uma composição simétrica de volumetria térrea dando expressão à cobertura, alta, de telha cerâmica, recordando as construções vernaculares do Sul de Portugal. Um pouco mais abaixo situa-se a área mais administrativa da cidade, neste núcleo inclui-se a casa do governador de características fino-oitocentistas e a escola integrando uma construção de aspecto eclético. A completar este sector urbano, existem ainda edifícios desenhados sob a matriz da arquitetura pública do Estado Novo, tais como a igreja com desenho de Eurico Pinto Lopes de 1950 e o posto de correios, realizado em 1943, por Francisco de Matos. Ao fundo do eixo fundamental da cidade, já na proximidade da Rio Geba, localiza-se um largo, onde foi implantado o busto de Amílcar Cabral. Para este largo convergem edifícios como o mercado municipal delineado sob uma temática moçárabe, bem como um núcleo de piscinas, possivelmente projetado na década de 60 e que atualmente se encontra em elevado estado de degradação. No contexto dos quarteirões podem observar-se construções de um, ou dois pisos, onde predomina a utilização de grilhagens cerâmicas e áreas alpendradas para sombreamento e ventilação nas construções. É neste núcleo habitacional que se situa a casa onde terá nascido Amílcar Cabral. A cidade de Bafatá encontra-se, de modo geral, num estado depressivo com pouca atividade, situação que contrasta fortemente com a sua periferia, de grande dimensão, agregadora de uma forte atividade comercial.

Programa

O programa deve incluir:

Arquivo e Centro de Documentação 150,00 m2 Centro de Estudos e Pesquisas 150,00 m2 Centro de Formação 75,00 m2 Auditório 150,00 m2 Loja 50,00 m2 Total de área bruta 575,00 m2 Nota: Instalações sanitárias e/ou zonas de serviço estão incluídas nos grupos de áreas parciais. Metodologia - O trabalho será desenvolvido em grupos de 5 alunos; - A implantação do Centro Interpretativo ficará a cargo de cada grupo de alunos; - Como ponto de partida para a definição espacial, cada um dos grupos deverá refletir sobre o exercício de aquecimento, desenvolvido no arranque do ano lectivo;

Elementos a entregar

- Apresentação em formato powerpoint, para 15 minutos; - Maqueta à escala 1:200 (ou outra a acordar com os docentes) - Caderno 21x21cm, incluindo síntese gráfica e memoria descritiva; - 2 painéis de formato A1, incluindo simulações do edifício e plantas cortes e alçados; Apresentação: - Dia 15 de Novembro, com base no powerpoint, maqueta, e painéis.


Fotografias da Cidade de Bafatรก

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CENTRO INTERPRETATIVO DE AMÍLCAR CABRAL Trabalhos Realizados no Âmbito da Unidade Curricular de Projecto Final de Arquitectura ISCTE-IUL, 2012-2013

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GRUPO 1 Adriana Afonso | Hugo Menezes | Leandro Martinho | Mariana Ferreira | Rita Portela


PAINEL

CENTRO DE ESTUDOS AMÍLCAR CABRAL

01

02

PAINEL

ADRIANA AFONSO | HUGO MENESES | LEANDRO MARTINHO | MARIANA FERREIRA | RITA PORTELA

África, uma palavra que provoca uma estranha e súbita sensação de calor, que nos faz ver a cores, que nos obriga a sorrir quando a dizemos em voz alta. «África» transporta-nos sobretudo para um imaginário não muito longínquo e é neste momento que a sensação de pertença nos começa a percorrer as entranhas. A nossa ligação a África começa no momento em que o tema «Mundo Novo» é exposto no contexto do Estado Novo e da sua relação com as ex-colónias africanas. Depois ouvimos um nome sonante, Amílcar Cabral, dizem-nos que vamos ouvir falar muito nele e, de repente, estamos a passear dentro da sala por Bafatá. Esta viagem sem sair do lugar apaixonou-nos e cativou a nossa atenção sobre uma antiga cidade que se encontra aparentemente abandonada pelos seus habitantes – migrados para a periferia. Uma cidade com um rio que se abre em frente dela em gancho e quase a abraça e abarca na corrente. Nesta cidade a presença portuguesa grita das paredes dos edifícios, emerge das ruas com travos de avenida e a história ajuda-nos finalmente a encontrar o elo que faltava, os factos, as autorias e os princípios. Com esta leve – muito leve, à qual não estamos habituados – bagagem, partimos nesta viagem. A ligação à orla do rio Geba foi imediata e rapidamente nos debruçamos sobre o jardim onde jaz a memória de uma estátua do antigo governador da Guiné, entre 1906 e 1909, Oliveira Muzanti, da qual apenas resta o embasamento. Em linha e na desembocadura da avenida de Bafatá junto ao rio olha-nos ainda o busto de Amílcar Cabral, vigilante, e a seguir surge o mercado, abandonado no seu interior mas vivido à face da rua, e aqui vemos a batalha ganha pelas tradições locais. Tendas e expositores improvisados ganham vida em frente ao edifício. E começamos a imaginar esta vivência, esta cor, esta festa. E surge uma textura, um carácter efémero, amovível e adaptável ao qual é preci(o)so responder, surgem módulos com madeira, surge a afizélia e o metal, em doses reduzidas, surgem caixas (-fortes) para guardar o sumo do programa, surgem rodas de bicicleta sem pneus, surgem calhas e apoios, surge um auditório a um por-do-sol que mergulha no rio Geba, por entre as palmeiras.

módulo de parede

módulo de entrada

detalhe da estrutura

caixa forte

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GRUPO 2 Ana Catarina Gonรงalves | Ana Margarida Moural | Katherine Chong | Mariana Evangelista | Nรกdia Romรฃo


Centro Amílcar Cabral entrada e varandas, de onde é possível ter breves vistas sobre Bafatá, até se alcançar o penúltimo volume, que faz uma rotação diferente, assumindo a sua diferença também através da materialidade, pois todo o volume é fechado para o exterior, excepto na zona de miradouro, onde possui um grande vão que serve para contemplar toda a cidade de Bafatá. Este desalinhar apenas ocorre num determinado eixo, criando a ilusão, em determinados ângulos de que é toda alinhada excepto o volume do miradouro. A posição dos passadiços e a sua relação com a torre conformam ainda um auditório ao ar livre. Tanto os passadiços como a torre são construídos em ripado de madeira, por ser um material abundante na zona, e que não implicaria demasiados custos de transporte. Com esta estrutura em ripado é nos possível ter ventilação no edifício, ao mesmo tempo que deixa passar a luz.

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GRUPO 3 Fábio Rodrigues Correia | João Sequeira | Júlio Rosa | Leonilde Monteiro | Rui Marques | Sandra Lopes


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GRUPO 4 António Gorjão | Francisco Nóbrega | Nuno Botelho | Pedro Pão | Sérgio Sá | Tiago Ornelas


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GRUPO 5 João Bagorro | Patrícia Oliveira | Catarina Oliveira | José Ferrão | João Quinas


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GRUPO 6 Claúdia Diniz | Rita Patinha | Rita Rodrigues | Rubén Viegas | Vanessa Silva


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GRUPO 7 Claúdia Lopes | Joana Brazão | Tatiana Russo | Sara Dantas | Mafalda Pinheiro


BAFATÁ CENTRO INTERPRETATIVO AMILCAR CABRAL CLÁUDIA LOPES | JOANA BRAZÃO | TATIANA RUSSO | SARA DANTAS | MAFALDA PINHEIRO

Programa

A organização do edifício e disposição dos módulos que o constituem, partiu de

O presente exercício, realizado no âmbito do 2º Workshop de Projecto Final de

um caminho existente que actualmente se encontra em grande parte coberto pela

Arquitectura desenvolve-se na cidade guineense de Bafatá e tem como objectivo a

estrutura verde do local de implantação. Deste modo, o caminho surge como um

concretização de um edifício que acomodará um Centro de Estudos. A necessidade

elemento estruturante na concepção e organização do edifício.

da elaboração deste Centro surge na sequência da proximidade da celebração dos

Descrição do Projecto

90 anos do nascimento de Amilcar Cabral (12 de Setembro de 1924) na Cidade de

Era pedido que o projecto apresentasse uma componente efémera que

Bafatá.

estruturasse toda a concepção do edifício, esse desejo de efemeridade está

O edifício pressupunha que a sua construção assenta-se na ambiguidade entre o

presente na materialidade do nosso projecto, a estrutura metálica revestida a cana

efémero e o permanente, no confronto entre materiais locais e industriais e que

dos módulos elevados que abarcam o programa, e da chapa metálica quer do

simultaneamente acolhesse a comunidade, oferecendo as suas funções à cidade. Para a realização deste projecto foram também considerados os princípios do

passadiço quer da cobertura. Contudo diversos factores acabaram por transmitir a este edifício um carácter mais permanente. Por um lado a relação íntima do

primeiro exercício desenvolvido no arranque do ano lectivo, na medida em que

objecto arquitectónico ao local de implantação, onde este se ajusta às diferenças

serviria como ponto de partida para a definição da espacialidade. Neste sentido,

de cota para criar zonas de maior ou menor tensão ou de como molda o terreno

tendo como base o conceito de marca e a ambiguidade entre efémero e

de forma albergar o auditório.

permanente, desenvolveu-se o projecto sempre com o intuito de permitir que a

Como já foi mencionado, o edifício é constituído por quatro módulos suspensos,

estrutura permaneça e sirva a cidade, e que simultaneamente deixe uma marca

revestidos a cana e estruturados com perfis metálicos ,organizados em torno de

física desta comemoração.

um pátio. Estes são por sua vez unificados por um passadiço também metálico e

O programa da estrutura deverá albergar um Arquivo e Centro de Documentação,

suspenso, assim como por uma cobertura tripartida ( 3 cotas distintas), esbelta,

um Centro de Estudos e Pesquisas e um Auditório que deverão apresentar uma

em chapa de zinco que apresenta uma estrutura autónoma à dos volumes. A

área de 150m², um Centro de Formação com 75 m² e uma Loja com 50 m²,

distância, relativamente ao solo, a que se encontram os quatro módulos varia

assumindo um total de área bruta de 575 m²

consoante a intenção de criar espaços de maior ou menor compressão para quem percorre aquele espaço.

Implantação

A ideia de unidade transmitida pela organização e constituição do edifício, vai de

O movimento City Beautiful, implantado em diversas Cidades Africanas pelo

encontro a uma das medidas defendidas por Amilcar Cabral, quando este propõe o

Estado Novo, nomeadamente Bafatá, consistia na concretização de uma matriz

ensino da Língua Portuguesa nas escolas com o intuito de unificar o povo,

urbana da qual faz parte um grande eixo estruturante, que parte da zona costeira

composto por uma elevada diversidade de etnias. Assim nasceu o desejo de criar

até a um ponto mais alto da cidade, onde se encontra uma rótula – centro radial -

uma relação entre os

da qual derivam diversos eixos e que consequentemente remetem para o

agregados, criam um espaço central, livre e que unifica todo o projecto.

crescimento da cidade.

Por se inserir num clima tropical, foram privilegiadas as questões climáticas,

No caso de Bafatá, a demarcação do fim deste eixo não ocorre de modo tão

nomeadamente a protecção da exposição solar directa na época quente e da

diversos espaços com características individuais, que

evidente como nas restantes cidades onde este modelo foi aplicado. Agregado a

violência da precipitação na época de chuvas. Resolveu-se estas questões pela

este eixo surgem os diversos edifícios públicos principais como o Mercado, a Casa

introdução de uma grande cobertura, que se “define” em três cotas diferentes,

do Governador, o Hospital e a Igreja.

permitindo o ensombramento mas também a introdução de diversos pontos de

Analisando este modelo e assumindo que se pretendia revitalizar e evidenciar este

recolha de águas pluviais. Na concepção do projecto ponderou-se também a

eixo estruturante, considerou-se pertinente a implantação do edifício num espaço

questão da ventilação natural, tanto do edifício no geral como nos módulos. Assim

de cota mais elevada tirando partindo da desnível proporcionado pelo terreno, da estrutura verde existente no local, assim como a sua proximidade com o elementos emblemáticos da cidade, como o caso do Hospital.

propôs-se a utilização do revestimento com paliçada de cana de forma a permitir a passagem do ar, tonando assim os volumes elementos suspensos e de alguma forma permeáveis, possibilitando a entrada de frestas de luz verticais, criando um ambiente dinâmico e diferenciado entre os espaços interiores.

Planta de Implantação Ortofotomapa

Esquema de Ventilação

Planta do Piso 1 Planta do Piso 01

Programa do Piso 1 Programa do Piso 0 Auditório

35

Circulação do Piso 0

I.S.

Loja

Centro de estudos e pesquisa

Centro de Formação

Centro de Documentação e Arquivo

Circulação Vertical

Circulação do Piso 1 Circulação Vertical

Circulação Horizontal


GRUPO 8 Camila Mairos Lutas | Henrique Gama | Jorge da Silva | Joรฃo Fonseca | Mรกrcio Bonifรกcio


Projecto: Camila Mairos Lutas Henrique Gama Jorge Silva Orientadores: José Luis Saldanha Paulo Tormenta Pinto

Centro Interpretativo Amílcar Cabral

João Fonseca

Márcio Bonifácio

Embora Bafatá seja a segunda maior cidade de Guiné-Bissau, a sua Cidade Formal encontra-se muito desertificada, mesmo com mais de 20 000 habitantes, esta zona fortemente marcada pela presença portuguesa no período colonial, faz lembrar uma cidade fantasma. Um grande boulevard divide a Cidade Formal em duas partes, dando solo nas suas margens para os edifícios de maior acento arquitetónico. Esta avenida liga a zona colonial e o grande aglomerado populacional, tendo como rótula de ligação o Hospital. No final desta importante rua dá-se o toque com o rio Geba que banha a margem da cidade. A presença colonial é de um grande poder nesta cidade e embora Amilcar Cabral, revolucionário respeitado pela maioria dos cidadãos, fosse contra a presença portuguesa em território africano, a verdade é que o próprio defendia o ensino da Língua de Camões de forma a poder unificar o povo. Entendemos que a própria presença arquitectónica portuguesa que encontramos hoje, tem também esse carácter unificador. Esta análise leva-nos a olhar para a intervenção, não apenas como uma efemeridade, mas como algo que cria a possibilidade de alterar o sítio e marcar a sua presença. Com base nestas premissas resolvemos intervir no final da grande Boulevard, onde existe uma grande proximidade com o rio e com o mercado, hoje desactivado. A marcação do que foi a praça é um ponto fundamental e não poderia entrar em conflito com a parte programática exigida. Decidimos então inverter a pendente do terreno de modo a criar a marcação dos limites da antiga praça e ao mesmo tempo inserir o centro interpretativo no local. O centro abriga-se do sol por baixo de uma cobertura em canas de bamboo que é lançada por uma plataforma em betão que com a sua forte materialidade marca o limite do auditório. A nossa interpretação do programa proposto foi desde início clara, define-se pela união dos espaços. Criamos assim um bloco paralelepipédico onde se encontra todo o programa, com excepção do auditório. Este bloco é composto por módulos de 2m de largura por 6m de comprimento, onde a intenção é criar a possibilidade de ter um programa contínuo, sem divisões, embora a existência das mesmas também seja possível. Existem dois tipos de módulo: um fechado que é composto por blocos de betão e outro aberto (com a possibilidade de ser fechado) em painéis de madeira. Este segundo tem como função encerar o espaço no final do horário de uso ou compartimentá-lo caso seja necessário.

Alçado Poente

1.200

Todas as normas relacionadas com a construção em ambiente tropical húmido são respeitadas: o bloco paralelepipédico levanta-se do chão apoiado em elementos contínuos de betão, posicionados de acordo com os módulos, impedem em parte a subida dos insectos e em época de chuvas permitem a passagem das águas por baixo do bloco programático; nas paredes compostas por blocos de betão existe um distanciamento horizontal entre cada um de modo a permitir a passagem da briza fresca vinda do rio geba, enquanto as brisas quentes vindas do Sahara são evitadas com a plataforma em betão que as faz passar por cima da intervenção. No seguimento da nossa linha de pensamento, a memória do local é um ponto importante e, nesse sentido a intervenção proposta deixa a possibilidade da futura construção ter uma parte efémera e uma parte permanente. A plataforma que contraria a pendente do terreno marca os limites do que outrora foi uma praça e dá maior importância ao rio, por outro lado, a cobertura que é uma continuação da plataforma de betão, dá sombra e abriga, deixando a possibilidade de ser retirada ou de ficar como apoio ao mercado. Planta de Implantação 1.2000

#1

#2

Corte Transversal ao Edificio 1.100 Corte Transversal

Corte Transversal ao Edificio

1.200

1.100

Corte Transversal ao Edificio 1.100 • •• • • • •• • •• •• • • •••••• •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

• •• • • • •• • •• •• • • •••••• •• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Alçado Sul

1.200

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Planta

1.100

1.200

Corte Longitudinal

1.200

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GRUPO 9 Duarte Santana | Rita Cepa | Tatiana Cheong | Tiago Rebocho


Como resposta ao exercício proposto foi criada uma estrutura para albergar um centro de estudos com base no pensamento e obra literária de Amílcar Cabral. Este equipamento de carácter efémero pressupôs: a adaptação ao clima tropical, um reduzido custo e facilidade de construção e a coexistência de actividades comunitárias paralelas. Para além destes requisitos, foi necessário ter em conta a possibilidade de ser edificado um equipamento similar noutros locais da Guiné-Bissau. O conceito do projecto procura relacionar-se com a forma de organização da população no território guineense. Neste sentido, as tabancas – ocupação primitiva, constituída por um conjunto de palhotas – e os reordenamentos – sistema implementado pelas forças armadas portuguesas, durante a guerra colonial – tornaram-se uma referência para o desenvolvimento da proposta. No projecto do centro de estudos procurou-se uma organização dos volumes com base num sistema de composição modular, que permite explorar variadas soluções. A disposição destes módulos, fundamentados num dos arquétipos de construção local – volume térreo de duas águas – define um eixo central, a partir do qual se estruturam pátios de difer entes dimensões.

Facilmente transportável e passível de se adaptar a diferentes ambientes, o centro de estudos define-se como um edifício sem lugar, elevando-se no território por meio de uma estacaria de madeira assente num embasamento em terra. Na ausência do edifício, aquele permanece em forma de “ruína”, deixando uma marca simbólica no território. O projecto segue o princípio de baixo custo de produção, utilizando recursos e materiais locais adaptados à mão-de-obra existente, artesanal e pouco desenvolvida tecnologicamente. Ao nível do ajustamento térmico ao clima tropical húmido, os diferentes volumes que compõem o edifício organizam-se no sentido dos ventos predominantes – Nordeste-Sudoeste – permitindo a ventilação no interior pelo ripado de madeira existente na parte superior das empenas. Ao nível do usuário a ventilação é garantida pelos painéis e persianas dos alçados. O tecto em caniço permite não só o isolamento térmico, mas também acústico da chuva que incide na cobertura metálica. Na perspectiva de acolher actividades paralelas de interesse à comunidade local, além dos pátios exteriores, o auditório tem a possibilidade de se transformar numa cobertura, por meio da abertura das persianas.

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GRUPO 10 David Martins | Inês Amaro | Maria Pommerenke | Mariana Serra Brandão | Nuno Roque


CENTRO INTERPRETATIVO AMILCAR CABRAL Bafatá, Guiné-Bissau

Amílcar Cabral, defensor da união de duas antigas colónias portuguesas, dedica sua vida à luta pela independencia de Cabo Verde

os nativos que vivem maioritariamente na periferia ao centro, inserindo novos programas de interesse comunitário, tal como um

e Guiné-Bissau. Defendia que a própria natureza os une, através da água, um sendo ilha rodeada pelo oceano e outra banhada por

clube de vídeo e zona expositiva.

uma extensa bacia hidiográfica. O seu sonho era a conquista da liberdade e a construção do seu processo para a felicidade de uma

O uso de estruturas efémeras de baixo custo, com elementos de fácil montagem e desmontagem (módulos), permite um zonamento

África ultramarina independente, morrendo sem ver seu sonho concretizado.

dos diferentes elementos efémeros e programáticos ao longo da frente ribeirinha de forma a revitalizá-la. Mais importante que

Bafatá é uma cidade formada em pleno regime colonial, no centro da Guiné-bissau, banhada pelo rio Geba. A cidade formal é

implantar um programa efémero, importa-nos melhorar os espaços exteriores, deixando marcas valorizando o existente assim

desenhada e pensada pelo regime, mas quando a Guiné ganha sua independência, este centro urbano perde os seus habitantes,

como redesenhar o sistema de vias, permitindo uma maior afluência a este centro, com a reconstrução permanente da ponte pelos

pois os nativos decidem usar a periferia ao seu gosto ao invés de usar os antigos edifícios portugueses. Os nativos apesar de não

nativos (mutirão/autogestão), deixando uma peça simbolica na cidade.

Discentes

viverem no centro, usufruem no seu quotidiano de três infra-estruturas, o rio, as estradas e o lazer. O rio usam-no para lavar a roupa

A reflexão acerca da temática ribeirinha, suporta ao mesmo tempo o pensamento acerca da ventilação nas estruturas, esta realiza-

David Martins, Inês Amaro, Maria Pommerenke, Mariana Brandão, Nuno Roque

e pescar. As estradas para o transporte de mercadorias, a partir de uma entrada norte, uma outra a sul que veio substituir uma

se com o apoio da proximidade do rio, uma vez que os ventos frescos de sudoeste trespassam pelos espaços programáticos a partir

ponte actualmente destruída que atravessava o rio Geba. Finalmente o lazer onde existia um pequeno clube de vídeo que trazia os

de grelhas por baixo da estrutura, enquanto o quente sai por cima e é ventilado pela cobertura.

Professores

nativos até ao centro para ver filmes que passavam uma vez por semana.

Este projecto tem como intensão um zonamento na frente ribeirinha a ponto de a revitalizar, ao contrário de um projecto com uma

Prof. Paulo Tormenta Pinto, Prof. José Luis Saldanha

Após tantas mudanças sociais e políticas a que este povo teve que se sujeitar e conquistar, o contacto com o rio foi o único ritual

implantação única. Impõe assim um desenho urbano em qualquer localização que este adquire, de forma a «agrafar» as suas

doméstico que foi não eliminado no dia-a-dia destas pessoas. Desta forma, propomos revitalizar a frente ribeirinha de forma a atrair

características sociais, urbanas e arquitectónicas.

“Guiné Portuguesa”, Bafatá , 1955

Fotografia Aérea com Eixos Estruturantes

5.6m 4.6m 3.6m

0.6m

Abril 2013

Sistema Modular

Bafatá, Guiné-Bissau

Alçado Geral 1.500

Planta de Implantação 1.1000

Corte Longitudinal 1.200

41

Alçado 1.200

Corte Transversal 1.200

Corte Transversal 1.200



Exposição e Apresentação dos trabalhos de Bafatá no evento

Construir em África: A arquitetura do Gabinete de Urbanização Colonial em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique (1944-1974)1

1 - Retirado do texto de Ana Vaz Milheiro, do Catálogo do evento Construir em África: A

No decorrer do ano letivo de 2012-2013, e integrado no projeto de investigação Os Gabinetes

Coloniais de Urbanização: Cultura e Prática Arquitetónico – liderado pela investigadora e professora Ava

arquitetura do Gabinete de Urbanização Colonial em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e

Vaz Milheiro – foi levada a cabo uma conferência realizada no dia 17 de Abril de 2013, em que alunos dos

Príncipe, Angola e Moçambique (1944-1974)

dois últimos anos do Mestrado Integrado em Arquitetura do Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE foram convidados a participar.

O resultado desta conferência foi Construir em África: A arquitetura do Gabinete de Urbanização

Colonial em Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique (1944-1974), onde se realizou uma exposição, um catálogo e um seminário onde nomes como José Luís Saldanha, António Seabra, Fernando Schiappa de Campos e Alfredo Caldeira foram os mais sonantes. Os alunos foram fonte ativa, estudando a cidade e a arquitetura portuguesa realizada fora do território português, em particular nos “territórios coloniais africanos”, tendo a oportunidade de aprofundar temas que têm vindo a ser investigados por um grupo multidisciplinar ligado ao Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE desde 2010, que tem permitido essencialmente “lançar novas perspetivas sobre as estratégias de ocupação do território africano e asiático que antecederam a desagregação do império colonial português”.

Neste evento, para além do trabalho já referido, realizado pelos alunos do 4º ano do Mestrado

Integrado em Arquitetura, foram também convidados a participar os alunos finalistas da Unidade Curricular de Projeto Final de Arquitetura do mesmo curso, que por sua vez tiveram como tarefa desenvolver um workshop 43


para Bafatá – orientado pelos professores José luís Saldanha e Paulo Tormenta Pinto – por ocasião das comemorações do nascimento de Amílcar Cabral. Este workshop que teve a duração do mês de novembro de 2012, levou à realização de 10 trabalhos diferentes para Bafatá, onde os resultados obtidos demonstraram o entusiasmo dos alunos na realização dos mesmos e se encontram representados por fotografia na página seguinte.

“Os resultados obtidos pelos estudantes demonstram o entusiasmo com que o exercício foi acolhido,

ao mesmo tempo que se verificou um enorme encantamento no reconhecimento de Bafatá - da sua geografia e arquitectura, estando bem presente a importância do papel da história na materialização de uma consciência

2 - PINTO, Paulo Tormenta “ A Investigação e o Ensino, partir do projecto Os Gabinetes Coloniais de Urbanização - Cultura e Prática Arquitectónica” em MILHEIRO, Ana Vaz, Construir em África, edições CIAAM, Lisboa, 2013;

arquitectónica que se pretende mais ampla que o livre arbítrio formal e como tal, caminho para uma cidadania activa e participativa.” 2

Conferência dos projetos pelos discentes


Exposição dos projectos pelos discentes

45


FICHA TÉCNICA Paulo Tormenta Pinto José Luis Saldanha Ana Vaz Milheiro David Oliveira Martins Inês Amaro Jorge da Silva Márcio Bonifácio Mariana Serra Brandão Nuno Baptista Roque

Adriana Afonso Ana Catarina Gonçalves Ana Margarida Moural António Gorjão Camila Mairos Lutas Catarina Oliveira Claúdia Diniz Claúdia Lopes David Martins Duarte Santana Fábio Rodrigues Correia Francisco Nóbrega Henrique Gama Hugo Menezes Inês Amaro Joana Brazão João Bagorro

João Fonseca João Quinas João Sequeira Jorge da Silva José Ferrão Júlio Rosa Katherine Chong Leandro Martinho Leonilde Monteiro Mafalda Pinheiro Maria Pommerenke Mariana Evangelista Mariana Ferreira Mariana Serra Brandão Márcio Bonifácio Nádia Romão Nuno Botelho

Nuno Baptista Roque Patrícia Oliveira Pedro Pão Rita Cepa Rita Patinha Rita Portela Rita Rodrigues Rubén Viegas Rui Marques Sandra Lopes Sara Dantas Sérgio Sá Tatiana Cheong Tatiana Russo Tiago Ornelas Tiago Rebocho Vanessa Silva

Docentes

Equipa de Projecto Expositivo

Discentes de Projecto


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