Café e pobreza

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APRESENTAÇÃO

Em abril de 2002, a campanha Comércio com Justiça, que trata das relações entre o comércio e a pobreza, foi lançada mundialmente pela Oxfam Internacional. A iniciativa prosseguiu em setembro, quando veio a público a campanha O que tem no seu café? - um esforço conjunto da Oxfam, Contag e CUT, com a colaboração do Observatório Social - para desvendar os motivos da crise na atividade cafeeira e dar voz aos que mais sofrem com a desregulamentação dos produtos primários.

Nos últimos anos o setor do café vem sendo dominado pelas empresas transnacionais, trazendo conseqüências negativas para os agricultores familiares e os assalariados rurais. Nesta perspectiva, a campanha no Brasil tem como objetivo um maior entendimento da cadeia produtiva do café. O início desta etapa pode ser conferido nesta publicação, elaborada em conjunto com a Coalizão do Café, que é uma iniciativa de organizações holandesas. Trata-se de um estudo sobre a multinacional de origem norte-americana Sara Lee e sua atuação no Brasil, mais especificamente no segmento do café. Os principais objetivos são levar ao conhecimento público um perfil resumido da corporação, com ênfase na avaliação sobre a sua responsabilidade social na cadeia produtiva; e fornecer subsídios para que os trabalhadores organizados planejem as estratégias de defesa dos direitos dos pequenos cafeicultores e assalariados rurais, em âmbito nacional e internacional.

Gigante no mercado mundial de café, a Sara Lee ocupa a liderança do mercado do Brasil, que por sua vez é o maior produtor mundial. A corporação atua em 55 países, emprega 155 mil trabalhadores e fatura 17,7 bilhões de dólares/ano. Produz alimentos, bebidas, roupas, aparelhos domésticos e artigos de higiene. No Brasil, emprega cerca de mil trabalhadores no negócio do café. Embora a empresa apregoe formalmente diversos compromissos sociais, a realidade dos cafeicultores que integram sua cadeia produtiva mostra um quadro bem distinto.

A primeira parte do documento é um perfil sintético: estrutura, marcas de café com que atua e princípios de responsabilidade social. Na segunda, são apresentados indicadores contábeis e de desempenho econômico. A terceira parte é o relato de uma investigação jornalística sobre a relação entre os compromissos sociais da Sara Lee e a realidade dos produtores de café no sul do estado de Minas Gerais, maior produtor brasileiro.

Este trabalho terá continuidade com a realização de uma pesquisa mais aprofundada. A expectativa é que as informações contribuam para fortalecer o trabalho das entidades governamentais e não-governamentais que lutam por um comércio com justiça. E que esse processo leve a empresa a praticar os princípios de responsabilidade social assumidos publicamente. Como meta, busca-se a melhoria das condições de vida e a conquista de direitos dos agricultores familiares, trabalhadores rurais assalariados e demais trabalhadores do café. Coalizão do Café Contag CUT Oxfam Internacional



ÍNDICE PERFIL DA EMPRESA __________________________________________ 5 ANÁLISE ECONÔMICA DA EMPRESA _________________________________________ 11 RESPONSABILIDADE SOCIAL NÃO CHEGA À BASE DA CADEIA PRODUTIVA _________________________________________ 23 PROPOSTAS PARA A CRISE DO CAFÉ _________________________________________ 33

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Essa realidade só mudará quando as empresas assumirem, na prática, o discurso da responsabilidade social.

Aníbal Pereira, um dos líderes do Parque Rinaldi, comunidade carente da periferia de Varginha (MG).

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PERFIL DA EMPRESA


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Estrutura A Sara Lee é uma empresa multinacional de origem norte-americana com sede em Chicago, Estados Unidos. A corporação está presente em 55 países, comercializa mais de 100 marcas em 200 países e emprega no mundo cerca de 155 mil trabalhadores. A Sara Lee produz alimentos e bebidas, roupas íntimas, aparelhos domésticos e produtos de higiene pessoal. Tem marcas líderes dos seguintes produtos: carnes embaladas, pães, cafés, chás, meias o e roupas íntimas. Está em 282 lugar no Global Ranking 2002 da Revista Fortune, com faturamento mundial de 17,7 bilhões de dólares. A empresa foi fundada em 1939 pelo canadense Nathan Cummings, quando ele adquiriu a C.D. Kenny Company, uma pequena distribuidora de açúcar, café e chá na cidade norte-americana de Baltimore. A expansão deu-se a partir de 1942, quando Cummings comprou a Sprague, Warner & Company, companhia de distribuição de mercadorias renomeada mais tarde como Sprague Warner - Kenny Corporation. Nos anos 1950 firmou-se a tendência da companhia de produzir e distribuir alimentos processados e embalagens. Adquiriu em 1956 a Kitchens of Sara Lee, localizada em Chicago, e assegurou forte posição no mercado de congelados. Nos anos de 1960 a corporação expandiu-se para Europa e América do Sul. Na década de 1970 a empresa diversificou suas atividades (alimentos e bebidas, roupas íntimas, aparelhos domésticos e produtos de higiene pessoal) e em 1985 mudou o nome para Sara Lee Corporation.

PERFIL DA EMPRESA

PERFIL DA EMPRESA

Atualmente, no segmento do café a Sara Lee é a terceira maior compradora 1 mundial do produto – adquire cerca de 10 milhões de sacas anuais .

No Brasil No Brasil a estratégia da empresa é comprar marcas conhecidas, manter o nome e 2 injetar dinheiro nelas . A Sara Lee dispõe no país das seguintes marcas: • Bebidas: Café do Ponto, Caboclo, Café Pilão, Seleto e União • Meias e roupas íntimas: Zorba e Kendall • Higiene pessoal: Phebo No segmento do café a Sara Lee é, atualmente, líder do mercado brasileiro, com 24% de participação. Para abastecer o mercado nacional, consome 2 3 milhões e 200 mil sacas de café por ano . A Sara Lee Cafés do Brasil emprega cerca de 800 trabalhadores. Suas unidades de produção localizam-se em Barueri (SP), com 470 funcionários, e no bairro da Moóca em São Paulo capital, com 330 funcionários. A corporação comprou a marca Café do Ponto em 1998. O controle acionário foi adquirido por valor não divulgado. Até então, a torrefadora paulista, localizada em Barueri, tinha um faturamento anual de R$ 110 milhões e uma produção de 1.500 toneladas mensais. O Café do Ponto foi fundado em 1951 pelas famílias Gonçalves, Asato, Hatori e Sato que, após a 4 transação, retiraram-se da companhia . No final de 1998 a multinacional adquiriu a marca Café Seleto e tornou-se a segunda maior empresa de café 5 do Brasil, com 20% do mercado. A liderança era da Companhia União .

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Informações sindicais De acordo com informações da American Federation of Labor and Congress of Industrial Organizations - AFL-CIO (central sindical dos Estados Unidos), a Sara Lee emprega cerca de 57 mil trabalhadores em 1.139 localidades na América do Norte – Estados Unidos e Canadá. Dessas localidades, 139 têm trabalhadores organizados. Cerca de 22,5 mil pessoas trabalham na empresa nesses lugares, mas isto não significa que todas 10 sejam vinculadas às organizações sindicais . Os sindicatos que representam trabalhadores da Sara Lee são: • Bakery Confectionary Tobacco Workers and Grain Millers Union (BCTGM) – operações de panificação. • United Food and Commercial Workers Union (UFCW) – operações de carne embalada. • International Brotherhood of Teamsters (IBT) – distribuição de mercadorias. • International Association of Machinists and Aerospace Workers (IAM) • Union of Needletrades, Industrial and Textile Employees (UNITE) – produção de vestuário. • International Union of Operating Engineers (IUOE) • Sheet Metal Workers International Association (SMWIA) No Brasil, os trabalhadores da Sara Lee Cafés são representados pelo Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Laticínios, Produtores de Açúcar, Torrefação e Moagem de São Paulo e Região. A entidade é filiada à Força Sindical e à Federação e Confederação dos Trabalhadores da Alimentação. O Sindicato atende os trabalhadores das unidades da Moóca e Barueri. Dos 800 funcionários da Sara Lee Cafés, cerca de 140 11 têm filiação sindical .

A Sara Lee assumiu a liderança por meio de uma negociação específica feita com a Companhia União. A tradicional Companhia União dos Refinadores de Açúcar e Café foi fundada no Brasil por imigrantes italianos em 1910. Em 1975 o controle acionário passou para a Copersucar e foram lançados os seguintes produtos: Coperálcool, Uniálcool, Açúcar Granulado Grançúcar e Açúcar Cristal Cristalçucar. Em 1978 foi lançado o Café Pilão; em 1981, o Café União embalado a vácuo; em 1985, o Açúcar Granulado Doçúcar; e em 1994, o Filtro de Café Pilão. Em 2000, a Copersucar concentrou suas operações no foco de negócio principal de seus cooperados – cana, açúcar e álcool. A operação de café torrado e moído – marcas Pilão e Caboclo – foi negociada com a Sara Lee. A marca Café União foi licenciada pela corporação 6 por um período de dez anos . Em 2002 a estratégia da Sara Lee neste segmento foi a criação de uma marca de café especial, Café do Ponto Aralto, com grão desenvolvido nas regiões serranas de Mogiana (SP) e do sul de Minas Gerais. A estratégia envolve degustações em pontos-de-venda, como as redes de supermercados Pão de Açúcar e de cafeterias do Café do Ponto. Atualmente a Sara Lee 7 controla dez das 92 lojas e o restante são franquias . A empresa atua também na área de cosméticos com vendas a domicílio. Apesar de a corporação dispor de dez marcas de cosméticos no mundo, a marca escolhida no Brasil para cosméticos foi Sara Lee. São produzidos no Brasil, por terceiros, 100 itens que circulam nas sacolas das 12 mil consultoras da Sara Lee pelas principais cidades do estado de São Paulo. Até junho de 2003, a empresa espera distribuir 700 8 itens .

Responsabilidade Social A corporação mantém um programa chamado Global Business Practice - GBP (Prática Global de Negócios), criado em setembro de 1997. O programa procura comunicar e reforçar os valores básicos da companhia. O GBP traz algumas transformações em relação ao Código de Conduta da Empresa: enfatiza obediência às leis e valores. Tais procedimentos estão escritos em um documento chamado Global Business Standards - GBS (Padrões Globais de Negócios), distribuído para todos os funcionários. O programa também inclui o Supplier Selection Guidelines (Guia 9 de Seleção do Fornecedor) . De acordo com o Global Business Standards, apesar de a Sara Lee atuar em vários países com diferentes culturas, a empresa tem objetivos comuns de prioridades e valores. O GBS envolve responsabilidades que devem ser assumidas por todos os funcionários no mundo todo, nos diversos ramos e subsidiárias da Sara Lee, bem como joint ventures nas quais a SL tenha

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Para operacionalizá-lo foi criado Corporate Business Practices Committee, formado por executivos da companhia com a finalidade de estabelecer padrões éticos/legais e fiscalizar a obediência às leis, respeitar regulamentos e o GBS. É designado também um Corporate Business Practices Officer, que tem a função de inspecionar diariamente a implementação e a obediência aos padrões éticos da empresa. Os funcionários não podem usar terceiros (agentes, consultores, distribuidores) para deixar de cumprir as 12 normas éticas da corporação . O leque de responsabilidades do GBS seria: • com a própria empresa: todo funcionário deve ser honesto e obedecer às leis, tratar com respeito e lealdade o colega, ser responsável por ações e conseqüências. Deve seguir as normas do GBS e, caso este não seja cumprido, o funcionário pode sofrer ação disciplinar. Gerentes devem dar exemplo: comunicar o conteúdo do GBS e propiciar um ambiente onde funcionários, consultores e terceiros saibam que um comportamento ético e legal é deles esperado. Dos funcionários, a gerência deve assegurar o recebimento e fornecimento de informações que digam respeito à observância de regras contidas no 13 GBS . • com os outros: segundo as diretrizes do GBS, a SL obedece às leis trabalhistas nos países em que opera e apóia os direitos fundamentais da pessoa. A Sara Lee não utiliza trabalho infantil nem trabalho forçado. Não permite punição física ou abuso. A Sara Lee respeita o direito dos empregados de exercer livre associação. Apóia leis contra discriminação de raça, cor, gênero, nacionalidade, idade, religião, deficiência, distinção de idade, conjugal ou quaisquer outras situações distintas. A empresa assume o compromisso de tratar os funcionários de maneira leal e compensadora, de reconhecer uma boa atuação e oferecer oportunidade de crescimento por meio de promoções e treinamento. Para a Sara Lee todo o funcionário tem o direito de crescer livre de discriminação e assédio. Os funcionários devem trabalhar num ambiente livre de intimidação, ofensas, abusos ou hostilidade. Favores, conduta ou linguagem sexuais são proibidos e tais situações devem ser denunciadas. A Sara Lee se compromete também a oferecer um ambiente de trabalho saudável e seguro. Um programa de segurança inclui treinamento, obediência às leis e aos padrões da empresa. Cada funcionário é responsável pela observação da saúde e 14 segurança no trabalho . • com os consumidores: a empresa se

PERFIL DA EMPRESA

responsabilidade gerencial.

compromete a oferecer ao consumidor produtos de qualidade dentro dos padrões SL. Cada funcionário deve observar a obediência rigorosa desses padrões. O marketing dos produtos deve ser baseado na qualidade do produto, distinção, preço justo e programas 15 promocionais . • com os acionistas: fornecer aos acionistas informações exatas sobre a empresa, não dar falsas informações, expectativas ou 16 resultados . • com os parceiros comerciais: parceiros devem receber uma cópia do Global Business Standards e do Supplier Selection Guidelines. A Sara Lee não negocia com empresas que não sigam os padrões delineados nestes 17 documentos . • com as comunidades onde a empresa atua: a Sara Lee deve obedecer às leis dos países e comunidades onde atua. O funcionário que não respeitar as leis locais deve sofrer uma ação disciplinar. Mesmo se nestes países certos atos ilícitos forem socialmente aceitos, isso não desobriga o funcionário da SL de respeitar 18 as leis . A Sara Lee pode também contribuir com o desenvolvimento das comunidades locais por meio da ação da Sara Lee Foundation.

O respeito ao meio ambiente, bem como obediência às leis ambientais e padrões empresariais para se diminuir o desperdício e os impactos ambientais nas operações da empresa, deve ser seguido por todos funcionários. A Sara Lee afirma respeitar o engajamento político/ partidário de funcionários, desde que não respondam pela empresa. Mesmo fora dos Estados Unidos, a Sara Lee adota procedimentos de acordo com a Foreign Corrupt Practices Act (Lei contra Práticas de Corrupção Estrangeiras) norte-americana. As transações internacionais da Sara Lee são reguladas por leis do comércio internacional. A empresa consulta seu departamento jurídico antes de

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iniciar transações com novos países . O documento Supplier Selection Guidelines (Normas de Seleção dos Fornecedores), por sua vez, estende os padrões éticos da Sara Lee aos fornecedores. A Sara Lee inclui entre estes: empreiteiros, joint ventures, vendedores de mercadorias e serviços, incluindo matéria-prima. A Sara Lee afirma que procura, através da pressão comercial, influenciar seus fornecedores a cumprir rígidos padrões éticos, obediência às leis e regulamentos. Segundo suas normas, os fornecedores devem tratar os funcionários com respeito e dignidade, promovendo bem-estar e qualidade de vida, obedecer às leis trabalhistas, bem como ao direito de livre associação. Fornecedores devem ser socialmente responsáveis nos países e comunidades onde a empresa opera. Devem compartilhar com a corporação o comprometimento de adotar práticas e respeitar

padrões que não agridam o meio ambiente. Devem também, em relação aos seus funcionários, adotar a jornada de trabalho estipulada por lei. O fornecedor não deve adotar o trabalho infantil. A SL afirma transacionar apenas com companhias que contratam trabalhadores com idade acima de 15 anos e prefere aquelas que estimulam a educação continuada de seus funcionários. A corporação diz não contratar fornecedores que adotam trabalho forçado, sejam de matéria-prima, sejam do produto final, ou serviços provenientes de trabalho forçado. Ainda segundo o documento, a empresa prefere contratar terceiros que não adotem discriminação em função de características físicas ou crenças. A SL tem como compromisso não contratar empresas que adotem punições físicas, ou outra forma de coerção física ou mental. Prioriza negócios com fornecedores que demonstrem preocupação e compromisso com a saúde e segurança de seus 20 funcionários .

Referências Sítios da Internet www.ciauniao.com www.estado.estadao.com.br www.exame.com.br www.fortune.com www.istoedinheiro.com.br www.saralee.com

Notas 1

Disponível em http://www.cooxupe.com.br/folha/novembro02/pag18.htm. Acessado em 25/02/2003 Disponível em http://www.istoedinheiro.com.br/248/negocios/248_nova_safra_sara_lee.htm. Acessado em 20/12/2002 3 Disponível em http://www.cooxupe.com.br/folha/novembro02/pag18.htm. Acessado em 25/02/2003 4 Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/jornal/98/03/12/news133.html. Acessado em 10/03/2003 5 Folha de S.Paulo, 20/10/1998, pp: 2-2 6 Disponível em http//www.ciauniao.com.br. Acessado em 06/01/2003 7 Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2002/05/10/eco055.html . Acessado em 07/01/2003 8 Disponível em http://www2.uol.com.br/exame/edatual/pgart_0601_190802_34856.html. Acessado em 07/01/2003 9 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/global_business.html. Acessado em 18/12/2002 10 Informações fornecidas via e-mail pela AFL-CIO em 24/03/2003. 11 Informações obtidas no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Laticínios, Produtores de Açúcar, Torrefação e Moagem de São Paulo e Região. 12 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/introduction.html. Acessado em 01/12/2003 13 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/ourselves.html. Acessado em 09/01/2003 14 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/each_other.html. Acessado em 10/01/2003) 15 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/our_consumers.html#top. Acessado em 10/01/2003 16 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/our_stockholders.html. Acessado em 10/01/2003 17 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/business_partners.html. Acessado em 10/01/2003 18 Disponível em http://www.saralee.com/corporate_overview/gbs/communities.html. Acessado em 10/01/2003 19 Idem 20 http://www.saralee.com/corporate_overview/supplier_selection.html . Acessado em 10/01/2003 2

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ANÁLISE ECONÔMICA


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Introdução A análise dos indicadores contábeis e de desempenho econômico das empresas pode ser de grande valia nas relações entre capital e trabalho. O conhecimento dos indicadores contábeis por parte dos sindicatos propicia elementos inequívocos sobre a trajetória financeira e produtiva da empresa, além de traduzir sua estratégia mercadológica implementada. Ao longo deste estudo, apresentamos não somente os indicadores contábeis fundamentais do grupo Sara Lee consolidado, como também formulamos indicadores de desempenho econômico. Ambos os conjuntos de informações são avaliados a partir de dois pontos de vista: primeiro, ao longo do tempo em relação à própria empresa; e segundo, especificamente para o ano 2000, comparamos os indicadores contábeis e de desempenho econômico da Sara Lee com os das empresas fabricantes de produtos alimentícios e de bebidas com participação estrangeira majoritária no capital que atuam no Brasil. Tais empresas constam do Censo de Capitais Estrangeiros Ano Base 2000 feito pelo Banco Central. Importa ressaltar que a Sara Lee é uma dessas empresas atuantes no segmento de produtos alimentícios e de bebidas, especialmente o último, e, em especial, na cadeia do café.

ANÁLISE ECONÔMICA

ANÁLISE ECONÔMICA DO GRUPO CONSOLIDADO

O texto está estruturado em cinco seções, a contar por esta introdução. Na seção seguinte, de cunho metodológico, explicitamos os indicadores contábeis fundamentais a serem usados na análise, os indicadores de desempenho econômico construídos a partir dos indicadores contábeis e apresentamos algumas informações sobre as empresas com participação estrangeira majoritária no capital que atuam no segmento de fabricação de produtos alimentícios e bebidas. A terceira seção apresenta a análise contábil e de desempenho econômico do grupo Sara Lee consolidado, bem como algumas informações específicas ao segmento de bebidas da empresa. Na quarta seção comparamos os indicadores contábeis e econômicos da Sara Lee com os das empresas com participação estrangeira majoritária atuantes no segmento de fabricação de produtos alimentícios e bebidas. Na quinta seção apresentamos os últimos dados disponíveis e apontamos perspectivas.

Metodologia Os indicadores contábeis fundamentais para esta análise são: • Faturamento Líquido – resultado das vendas totais do grupo ao longo de determinado período. Trata-se, portanto, de um fluxo expresso sempre em milhões de dólares. • Resultado Líquido – lucro livre de impostos auferido ao longo de determinado período de tempo. Trata-se de um fluxo que remunera os investidores e os detentores de ações da empresa. • Ativo Total – soma de todos os direitos contábeis da empresa em determinada data. Trata-se de um estoque que nesse estudo será utilizado como proxy do estoque de capital da empresa. • Número de empregados – estoque de todos os empregados da empresa Sara Lee nas datas de publicação dos balanços. Em relação às empresas do Censo de Capitais Estrangeiros, trata-se da média anual de trabalhadores.

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Os indicadores de desempenho econômico são construídos a partir dos indicadores contábeis acima relacionados. São os seguintes: • Produtividade do Capital – razão entre o faturamento líquido e o Ativo Total. Expressa a contribuição de cada unidade monetária do Ativo para a realização das vendas. Expresso em porcentagem. • Produtividade do Trabalho – razão entre o faturamento líquido e o número de empregados. Indica a contribuição de cada unidade de trabalho para a realização das vendas. Expresso em milhares de dólares. • Relação Capital Trabalho – razão entre o Ativo Total e o número de empregados. Indica se a empresa é intensiva em capital ou em trabalho. Expresso em milhares de dólares. • Rentabilidade do Capital – razão entre o resultado líquido e o Ativo Total. Expresso em porcentagem.

Gráfico 1 – Distribuição do Faturamento Líquido e do Resultado Líquido Segundo Núcleos de Negócios (%). 2002.

Neste trabalho, os indicadores contábeis e de desempenho econômico das empresas que operam no Brasil na fabricação de alimentos e bebidas com participação estrangeira majoritária no capital social são utilizados como medida de comparação em relação aos desempenhos contábeis e econômicos da Sara Lee no ano de 2000. A limitação para esse período deriva do fato de que as informações consolidadas e confiáveis da atuação das empresas transnacionais no país são disponibilizadas apenas pelo Censo de Capitais Estrangeiros elaborado pelo Banco Central. Os resultados para 2000 referem-se ao 1 segundo censo feito pelo Banco Central .

Indicadores Contábeis e de Desempenho Econômico da Sara Lee

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002

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A Sara Lee estrutura seus negócios em três segmentos: produtos alimentícios e bebidas, roupas íntimas e utensílios domésticos. No Gráfico 1 tem-se a distribuição do faturamento líquido e do resultado líquido da empresa entre os três segmentos para o exercício fiscal concluído em 29 de junho de 2002. Identifica-se clara preponderância do núcleo de produtos alimentícios e bebidas em ambos os indicadores contábeis. Dada a prevalência desse núcleo de negócios tanto no total das vendas quanto no resultado líquido e dado que esse núcleo contém o segmento de bebidas dentro do qual está inserida a atividade de compra e venda de café, apresentamos o Gráfico 2, que detalha a distribuição do faturamento líquido desse núcleo entre seus três segmentos de produtos. Nesse caso, as vendas de bebidas (café e chá) respondem por 28% das vendas desse núcleo no ano fiscal de 2002. Em


ANÁLISE ECONÔMICA

relação ao total de todo o grupo, as vendas de café e chá representam 14,4%. Esse valor é o menor desde, pelo menos, 1998, conforme indica o Gráfico 3.

Gráfico 2 – Distribuição do Faturamento Líquido Segundo os Segmentos de Produtos do Núcleo de Negócios de Produtos Alimentícios e Bebidas (%). 2002.

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002

Gráfico 3 – Participação Relativa das Vendas de Bebidas no Faturamento Líquido Total do Grupo (%). 1998-2002.

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002

Uma vez definida a colocação relativa das atividades vinculadas às bebidas, que incluem as compras e vendas de café, passamos à rápida identificação da América Latina no faturamento líquido e no resultado líquido consolidado do grupo. Observa-se, por meio do Gráfico 4, que a América Latina está consolidada com os mercados da Ásia e da Oceania. Mesmo assim, esses três continentes representam, em 2002, parcela marginal de ambos os indicadores contábeis selecionados. O mercado norte-americano emerge como predominante, o que pode indicar que a empresa deve ser considerada analiticamente como uma multinacional e que suas estratégias empresariais devem estar voltadas para a consolidação de espaços

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de mercado nos países desenvolvidos. De fato, em relação especificamente ao café a empresa comenta em seu relatório anual: O market share (fatia de mercado) da Sara Lee nas vendas ao varejo de café aumentou nos principais mercados europeus da companhia, incluindo a Holanda, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca e Hungria (Sara Lee Annual Report, 2002: 19).

Gráfico 4 – Distribuição Geográfica do Faturamento Líquido e do Resultado Líquido do Grupo (%). 2002

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002

Voltando o estudo agora para os indicadores contábeis, identificamos que, em cinco anos, o faturamento líquido expande-se 6,5% – uma taxa de crescimento de 1,65% ao ano. O valor do faturamento, de US$ 16,5 bilhões em 2002, está em linha com grandes empresas multinacionais (Tabela 1). Em relação ao resultado líquido, a Sara Lee reverte um prejuízo de US$ 0,5 bilhão em 1998 num lucro de US$ 1 bilhão em 2002. A queda nesse resultado em relação a 2001 deve-se basicamente à aquisição da Earthgrains Company por US$ 1,9 bilhão em meados do primeiro semestre de 2002. A Earthgrains Company foi consolidada à divisão de pães da Sara Lee (Tabela 1).

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Tabela 1 – Indicadores Contábeis Fundamentais da Sara Lee. (US$ milhões, números absolutos e %). 1998-2002. Indicadores Contábeis Faturamento Líquido Resultado Líquido Ativo Total Número de Empregados Retorno sobre o Capital Investido (%)

27.06. 1998 16.526 -523 10.784 134.800 16,0

03.07. 1999 16.277 1.191 10.292 133.900 21,5

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002.

Todavia, a correta composição entre esses indicadores pode nos fornecer o desempenho econômico da empresa. Por meio da Tabela 2 observamos que a produtividade do capital míngua 16% entre os anos fiscais de 1998 e 2002, denotando que o crescimento do Ativo Total, acima referido, foi maior do que a evolução do faturamento líquido. A produtividade do trabalho, ou seja, a contribuição que cada trabalhador dá ao fluxo de vendas, também cai no período. De fato, o maior valor desse indicador é observado em 1998, denotando uma tendência de decréscimo da produtividade do trabalho.

01.07. 2000 16.454 1.222 11.611 154.200 22,0

30.06. 2001 16.632 2.266 10.167 141.500 21,2

29.06. 2002 17.628 1.010 13.753 154.900 15,1

Var.% ao ano 1,65 6,25 3,54 -

ANÁLISE ECONÔMICA

O Ativo Total da companhia eleva-se nada menos do que 27,5% entre os anos fiscais de 1998 e 2002, atingindo US$ 13,7 bilhões. Tal crescimento no Ativo está relacionado à aquisição da Earthgrains Company. O emprego cresce menos no mesmo período, 15%, chegando ao ano fiscal de 2002 com 155 mil empregados (Tabela 1).

Var. % 1998-2002 6,7 293,1 27,5 14,9 -5,6

A relação capital-trabalho indica que a empresa é intensiva em trabalho, ainda que o valor do Ativo Total por trabalhadores aumente entre as pontas do período em virtude do aumento mais que proporcional do Ativo Total no ano fiscal de 2002 em relação à elevação do emprego. Uma comparação com as empresas com participação estrangeira no capital que operam no segmento de produtos alimentícios e de bebidas no Brasil indicará que essas empresas são menos intensivas em trabalho do que a Sara Lee (Tabela 2). O resultado da razão entre os fluxos de lucros (resultado líquido) e o estoque de capital (Ativo Total) nos serve como uma medida aproximada da rentabilidade do capital, que seria corretamente medida pela relação Lucro Líquido/Patrimônio Líquido. Observase que, em consonância com a trajetória do resultado líquido em unidades monetárias, a rentabilidade do ativo sai de um prejuízo de 4,8% ao ano para uma rentabilidade positiva de 7,3% ao ano, após um ápice de 22,3% no ano fiscal de 2001. Importante verificar que o resultado negativo do ano fiscal de 1998 resulta em queda do estoque de Ativos no ano fiscal seguinte (Tabelas 1 e 2).

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Tabela 2 – Indicadores de Desempenho Econômico da Sara Lee Indicadores de Desempenho Econômico Produtividade do Capital (%) Produtividade do Trabalho (US$ mil) Relação Capital Trabalho (US$ mil) Resultado Capital Produto (%) Fonte: Sara Lee Annual Report 2002.

27.06. 1998 153,2 123 80 -4,8

03.07. 1999 158,2 122 77 11,6

01.07. 2000 141,7 107 75 10,5

30.06. 2001 163,6 118 72 22,3

29.06. 2002 128,2 114 89 7,3

Var.% 1998-2002 -16,4 -7,2 11,0 -251,4

As conclusões preliminares que emergem das duas tabelas são: • A empresa aumenta seus volumes de venda no período; • A empresa recupera seus fluxos de lucro após prejuízo no ano fiscal de 1998; • A empresa mostra queda nos montantes de lucro no ano fiscal de 2002 em virtude da aquisição da Earthgrains Company; • O estoque de direitos contábeis da empresa, ou seja, seu Ativo Total, mostra significativa expansão entre os anos fiscais de 1998 e 2002, em especial de 2001 para 2002, dada a aquisição da Earthgrains Company; • A companhia emprega mais trabalhadores no ano fiscal de 2002 do que no ano fiscal de 1998 e novamente o aumento do estoque de empregados está relacionado à aquisição da Earthgrains Company; • Ambos os indicadores de produtividade dos fatores de produção (capital e trabalho) decrescem no período considerado, o que pode resultar em alguma estratégia de ampliação do estoque de capital da empresa e eventual diminuição no número de trabalhadores; • A relação capital-trabalho indica que se trata de uma empresa intensiva em trabalho e que este perde produtividade ao longo do tempo; • A rentabilidade do capital eleva-se no período considerado, o que pode resultar em formação de fundos a serem gastos em investimentos ou em outras aquisições, de tal sorte a se melhorar os indicadores de produtividade da empresa.

Estudo Comparado dos Indicadores de Desempenho Econômico da Sara Lee com as Empresas do Censo de Capitais Estrangeiros

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Embora a análise anterior sobre os indicadores contábeis e de desempenho econômico da empresa tenha inegável relevância para os sindicattos, é salutar averiguar tais indicadores da Sara Lee com seus potenciais concorrentes no segmento de fabricação de


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ANÁLISE ECONÔMICA

produtos alimentícios e bebidas do Brasil . Em primeiro lugar temos que a produtividade do capital da Sara Lee é superior à produtividade das empresas operando no Brasil. Essa discrepância pode resultar da maior difusão tecnológica das plantas da Sara Lee nos EUA e na Europa Ocidental, localidades onde se concentram as vendas da empresa (Tabela 3). Em segundo lugar, a produtividade do trabalho nas empresas constantes do Censo de Capitais Estrangeiros é maior do que a produtividade do trabalho da Sara Lee. Essa circunstância deriva do fato de que a quantidade de capital por trabalhador nas empresas em operação no Brasil é superior à da Sara Lee (Tabela 3). A questão tecnológica, que explica a maior produtividade do capital da Sara Lee, pode também explicar o fato de que, ao menos para o ano fiscal de 2000, a Sara Lee detenha uma rentabilidade do capital expressivamente superior à rentabilidade das empresas em operação no Brasil (Tabela 3). Tabela 3 – Indicadores de Desempenho Econômico da Sara Lee e das Empresas com Participação Estrangeira Majoritária no Capital Social em Operação no Segmento de Fabricação de Produtos Alimentícios e Bebidas no Brasil. 20003 . Indicadores de Desempenho Econômico

Sara Lee Empresas do Censo de Capitais Estrangeiros

Produtividade do Capital (%)

Produtividade do Trabalho (US$ mil)

Rentabilidade do Capital (%)

107

Relação Capital Trabalho (US$ mil) 75

142 101

123

122

2,6

10,5

Fonte: Sara Lee Annual Report 2002 e Censo de Capitais Estrangeiros Ano Base 2000.

Últimos dados disponíveis e perspectivas Recentemente a Sara Lee disponibilizou os resultados contábeis para os períodos fiscais de 29.06.2002 a 28.12.2002 e de 28.09.2002 a 28.12.2002, ou seja, resultados trimestrais e semestrais, comparando esses resultados com o mesmo período fiscal do ano anterior. A Tabela 4 sintetiza alguns dos indicadores mais relevantes, trazendo inclusive o setor de bebidas. As vendas do segmento de bebidas mostram um crescimento semestral semelhante ao total das vendas da empresa. Já em relação aos resultados trimestrais, o valor das vendas líquidas desse segmento supera o crescimento do valor total das vendas líquidas do grupo, indicando ganhos desse subsegmento no total do faturamento do grupo. As vendas de café na Europa têm sido particularmente

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positivas, em especial na Holanda e na Bélgica. Tanto que esse continente apresentou aumento nas vendas em volume de café de 1% entre os períodos fiscais analisados. No Brasil, as vendas em volume de café no varejo e no atacado recuaram 12% em virtude da recuperação dos preços internacionais verificada após outubro de 2002.

Tabela 4 – Indicadores Contábeis Semestrais e Trimestrais Mais Recentes do Grupo Sara Lee. Períodos Fiscais 28/06/2001 – 29/12/2001; 29/06/2002 – 28/12/2002. (US$ milhões e %).

Faturamento Líquido Carnes Pães Bebidas Utensílios Domésticos Roupas Íntimas Resultado Líquido Carnes Pães Bebidas Utensílios Domésticos Roupas Íntimas

Resultados Semestrais 28.06.2001 - 29.06.200229.12.2001 28.12.2002 Var.% 8.938 9.312 4,2 1.933 1.899 -1,8 1.399 1.684 20,4 1.297 1.350 4,1 964 1.010 4,8 3.345 3.369 0,7 733 1.062 44,9 141 203 44,0 38 66 73,7 212 207 -2,4 154 164 6,5 188 422 124,5

Resultados Trimestrais 27.09.2001 28.09.200229.12.2001 28.12.2002 Var.% 4.688 4.777 1,9 995 976 -1,9 854 862 0,9 683 731 7,0 500 532 6,4 1.656 1.676 1,2 336 556 65,5 73 113 54,8 5 21 320,0 116 121 4,3 86 92 7,0 56 209 273,2

Fonte: Sara Lee Press Release For Second Quarter of Fiscal 2003.

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Do ponto de vista da demanda, é provável que a Sara Lee continue com a estratégia de diversificação do café nos mercados europeu e norte-americano, o que tende a manter o nível corrente das quantidades demandadas. No Brasil, a recente alta dos preços resultou em queda dos volumes de café vendidos. Todavia, deve-se levar em conta que o Brasil consome ¾ da sua produção anual de café, o que, num contexto em que ainda é responsável por parcela representativa da oferta mundial, resulta em posicionamento estratégico da empresa em relação ao país. As contínuas desvalorizações da taxa de câmbio brasileira resultam em perda de receita em moeda forte pela matriz. Essa circunstância pode levar a Sara Lee a promover maiores volumes de exportações do Brasil, a fim de alavancar as receitas em moeda forte a partir de suas posições de venda num dos maiores produtores de café do mundo.

uma política de maior remuneração aos agricultores familiares e aos assalariados da empresa.

Desempenho contábil, remuneração dos agricultores familiares e instauração de melhores condições de trabalho para os assalariados

O resultado líquido de 2002, no montante de US$ 1 bilhão, poderia em parte ser revertido para a implementação de políticas de acompanhamento dos preços pagos aos assalariados rurais pelas intermediárias de comércio das quais a Sara Lee adquire os grão de café. Outro destino deste montante poderia ser na implementação de programas de melhorias da qualidade ou no desenvolvimento de tecnologias adaptadas à agricultura, promovendo melhores condições de vida para os assalariados.

Tendo em vista os resultados contábeis e econômicos acima apresentados, podemos auferir a sustentação de ações da empresa relativas a implementação de

É relevante identificar que o objetivo expresso de qualquer organização capitalista é auferir lucros que se traduzam em dividendos para os detentores das ações da empresa. Todavia, a pressão social tende a modificar em alguma medida este estado de coisas. E dentro dessa preocupação o conhecimento do desempenho contábil e econômico da empresa fornece elementos relevantes para a pressão social. O indicador inequívoco sobre a possibilidade de melhores pagamentos aos agricultores familiares de café pode ser encontrado na evolução da taxa de lucro da empresa. Como vimos, a taxa de lucro eleva-se de 1998 para 2002, atingindo um ápice de 22% em 2001. De toda a forma, uma rentabilidade de capital na casa dos 7% ao ano representa a existência de potenciais fundos para melhores remunerações aos agricultores familiares.


Todavia, há uma restrição: até que ponto reduções nos montantes de lucro e na taxa de lucro, que resultam em quedas dos dividendos pagos aos detentores das ações da Sara Lee, serão compensadas por aumentos nas vendas das marcas de café por ela comercializadas na Europa e nos EUA decorrentes de forte propaganda das políticas de melhor remuneração dos agricultores familiares de café sul-americanos ou asiáticos? Certamente, essa seria a questão colocada pelos executivos da empresa. É relevante perceber que a empresa só acatará uma proposta desta natureza se entender que em algum momento no futuro tais ações resultarão em maiores montantes e taxas de lucro ou se, de fato, a empresa resolver praticar os seus princípios de responsabilidade social. Em suma, os indicadores contábeis e econômicos da empresa apontam a viabilidade de implantação de uma política de responsabilidade social associada à melhoria das condições de trabalho e de rendimentos dos agricultores familiares. Um elemento de pressão é justamente apresentar, segundo a análise do desempenho contábil e econômico da empresa, os seguintes resultados:

• A taxa de lucro positiva e o montante de lucro de US$ 1 bilhão podem ser em parte redirecionados para despesas dessa natureza; • A recente aquisição da Earthgrains Company tende a elevar a rentabilidade da empresa, ou seja, ainda que se argumente que tal aquisição incrementa os custos diretos e indiretos, não haveria racionalidade na aquisição se não se projetasse expansão dos lucros no médio prazo; • Essa aquisição resultou em queda da produtividade do capital. Todavia, tal tendência tende a se reverter no médio prazo; • Os mercados nos quais a empresa vende seus produtos certamente não são mercados de concorrência perfeita, logo, a empresa aufere lucros extraordinários. Ou seja, do ponto de vista teórico, é sustentável a implantação de uma política nesse sentido. Em relação aos assalariados da Sara Lee, é de se esperar que os salários reais dos trabalhadores das plantas dos EUA e da Europa Ocidental sejam sensivelmente superiores aos dos trabalhadores na Ásia e América Latina. Isso resulta da diferença na atualização tecnológica do capital utilizado .

Portanto, uma união entre trabalhadores Norte-Sul será difícil, mas necessária, especialmente com os consumidores. Conhecendo-se a situação contábil da empresa, pode-se formular sólidos argumentos a favor da elevação dos salários ou da melhoria das condições do trabalho.

ANÁLISE ECONÔMICA

Trata-se de utilizar o poder de quase monopsônio (apenas um comprador ou vendedor no mercado, equivalente ao monopólio) da Sara Lee nos elos para trás da cadeia produtiva.

O primeiro e fundamental indicador contábil e econômico nas relações capital trabalho é a taxa de crescimento dos montantes de lucros e a taxa de crescimento dos salários reais. Ou seja, supondo que os montantes de lucros sejam residuais, em momentos de aumentos desses montantes, como entre 1998 e 1999, 1999 e 2000, 2000 e 2001, fica flagrante a possibilidade de se requisitar aumentos nos montantes pagos de salários. A publicação periódica desses indicadores de lucros viabiliza a organização quase contemporânea de pressões por aumentos de salários.

Entre 1998 e 2002, os lucros aumentaram em todos os anos, exceto de 2001 para 2002, muito em função da ampliação do capital da empresa e não em decorrência de queda nas vendas e eventuais aumentos dos custos diretos (matérias-primas e insumos) e indiretos. Daí a viabilidade de se requisitar aumentos salariais e nos preços pagos aos produtores. Mesmo em momentos de queda nos montantes absolutos dos lucros, como entre os anos fiscais de 2001 para 2002, pode-se avaliar suas causas. Neste exemplo, já vimos a causa dessa queda. Por outro lado, supondo que a queda dos lucros resulte de queda nas vendas e não de aumentos de custos, o requerimento de aumentos salariais, como é sabido, é trocado pelas demandas por manutenção dos empregos.

Assim, monitorando-se alguns poucos indicadores contábeis, é possível estruturar argumentos em favor de reajustes salariais e melhores preços. Tais indicadores são:

• Taxa de variação dos salários reais; • Taxa de variação do montante de lucros; • Variação no ativo da empresa, para detectar se está em curso uma expansão da empresa, circunstância na qual as demandas por elevação salarial serão ainda mais justificáveis; • Variação das vendas dos produtos da empresa, a fim de detectar a colocação relativa dos produtos da empresa em seus diferentes mercados. Por exemplo, suponha-se que o mercado mundial de café aumentou 1% de um ano para o outro, e que as vendas da Sara Lee nesse mercado cresceram 2%. Logo, a Sara Lee ganha posição no mercado. O que eventualmente favorece ganhos de monopólio da empresa e, portanto, maiores lucros.

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Notas 1

O primeiro censo tem data base 1995. Para acessar os resultados e as planilhas de ambos os censos, ver http://www.bcb.gov.br. Para análises dos resultados dos censos, ver Carta da SOBEET nº 08 e nº 24 (esta última no prelo). 2 Para fins analíticos, excluímos desta comparação os segmentos de comércio varejista e de comércio no atacado e intermediários do comércio. 3 Para as empresas do Censo de Capitais Estrangeiros, os indicadores referem-se ao ano fiscal finalizado em 31/12/2000 e para a Sara Lee os indicadores referem-se ao ano fiscal terminado em 01/07/2000.

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REPORTAGEM


A infância de Maria Nair de Oliveira terminou bruscamente em uma manhã do outono de 1953, quando sua mãe a tirou da cama antes das primeiras luzes da alvorada. Comeu um pedaço de pão com manteiga, bebeu um gole de café e tomou o rumo da lavoura. Tinha 10 anos de idade quando colheu seu primeiro grão de café. Desde então, sua vida vem sendo pautada pelos humores da safra, do preço, do clima, das normas do mercado internacional. O mundo dos negócios, a bem da verdade, não conhece Maria Nair. Nunca a viu de perto, pois jamais foi dada a ela a oportunidade de desfrutar a renda de uma das culturas agrícolas mais importantes do Brasil. Porque a ponta da cadeia produtiva do café descortina um cenário desolador: miséria, doença, subemprego, analfabetismo, violência social.

Responsabilidade social não chega à base da cadeia produtiva Maior compradora do café produzido no Brasil, a Sara Lee não tem controle sobre os problemas que ocorrem na sua cadeia produtiva, como subemprego e desrespeito aos direitos trabalhistas. Isto revela contradição entre o discurso social e as práticas comerciais da empresa. Na região onde trabalha Maria Nair, no sul de Minas Gerais, nunca se ouviu falar, por exemplo, em Global Business Standards (Padrões Globais de Negócios), documento proclamado como referência de responsabilidade social pela maior compradora do café brasileiro, a multinacional Sara Lee, responsável pelo comércio de uma em cada quatro xícaras do café consumido no mercado interno e a terceira maior compradora de café em todo o mundo. A partir do final da década de 90, a empresa entrou firme no mercado brasileiro ao comprar marcas consolidadas como Café do Ponto e Café Pilão. O país assistiu a uma guinada bastante positiva na indústria de torrefação, que passava por uma crise gerada, em grande medida, pela baixa competitividade, pelo sucateamento do parque industrial e pela baixa qualidade do produto. A entrada da Sara Lee trouxe um rápido processo de inovação tecnológica, melhoria significativa da 1 qualidade do produto, competitividade comercial . Mas apenas isso, pois em nenhum momento, apesar do que apregoam suas normas de conduta empresarial, a empresa atuou para mudar o cenário dos lugares onde obtém sua matéria-prima. Tudo segue de maneira muito parecida àquele outono de 1953, quando Maria Nair deixou de lado as brincadeiras de criança para transformar-se em uma trabalhadora do café.

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O documento Supplier Selection Guidelines (Guia de Seleção do Fornecedor), editado pela Sara Lee, deveria estender os padrões éticos da empresa aos fornecedores. Estão previstas diversas ações, inclusive através da pressão comercial, para gerar benefícios diretos às comunidades que vivem nas áreas


a base da cadeia produtiva Maria Nair trabalha na colheita de café desde os dez anos de idade e nunca pôde usufruir da riqueza gerada pelo grão produtoras. O documento dá a entender que o poder econômico da multinacional deve ser usado para melhorar a qualidade de vida, a saúde e a escolarização das pessoas ligadas à sua cadeia produtiva. "Isso não existe aqui; é conversa fiada", diz Antônio Joaquim de Souza Neto, o Toninho, presidente da Cooperativa de Cafeicultores de São Gabriel da Palha (Cooabriel), sediada no estado do Espírito Santo e que tem dois mil sócios, a maioria formada por agricultores familiares.

diferente. "A maioria dos trabalhadores ganha menos de um salário mínimo e não é registrada em carteira", denuncia o coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Região do Sul de Minas Gerais, Paulo Sebastião. "As grandes empresas não estão nem aí para esse problema, pois o que interessa, para elas, não é a condição de vida do trabalhador da lavoura, mas o lucro financeiro", queixase. "E quem reclamar não consegue mais trabalho, pois entra para uma lista negra dos produtores".

Como a Sara Lee está entre as principais compradoras do café da Cooabriel, Toninho não esconde um certo constrangimento ao fazer tais observações. Mesmo assim, afirma que a adoção das práticas contidas nos documentos da empresa traria grandes benefícios aos cooperados. "A maioria do nosso pessoal tem 50 hectares de terra e todas as nossas operações são feitas dentro da lei. Acho absolutamente justo privilegiar a cooperativa e desenvolver a economia regional, ao invés de comprar de grandes comerciantes que, muitas vezes, vendem o café mais barato graças à sonegação de impostos e às fraudes fiscais".

Lucimara das Graças de Carli tem 31 anos de idade, 20 dos quais como trabalhadora nas lavouras de café. Ela vive em Varginha, cidade-pólo da indústria cafeeira do sul de Minas Gerais, estado que produz 25% da safra nacional e onde existe uma grande contratação 2 de mão-de-obra clandestina . O caso de Lucimara é típico e emblemático: em 2002 ela trabalhou durante seis meses na colheita do café. Oficialmente, contudo, atuou por apenas 30 dias, período que teve registrado em carteira. Em 2001 a situação foi ainda pior, pois trabalhou seis meses e foi registrada por apenas 10 dias. Tais práticas são bastante comuns, segundo o depoimento de diversos líderes sindicais. As empresas fazem isso para não pagar ao governo os encargos trabalhistas. Os trabalhadores saem prejudicados, pois não têm seus direitos reconhecidos. Lucimara tem três filhos pequenos, mal sabe ler e escrever (esteve na escola apenas por um ano) e atualmente está desempregada. Tanto ela como o marido e toda a sua família vivem em péssimas condições sanitárias. Uma característica comum a esses trabalhadores é o péssimo estado da dentição bucal. Boa parte deles tem menos da metade dos dentes na boca.

Fornecedores não respeitam a legislação trabalhista Caso seguisse à risca o que apregoam seus manuais de ética e conduta empresarial, a Sara Lee precisaria mudar a relação que mantém com empresas atravessadoras, que atuam na compra e venda do café verde produzido pelos pequenos e médios produtores. Isso porque, no Supplier Selection Guidelines, a empresa diz claramente que seus fornecedores devem obedecer às leis fiscais e trabalhistas e não exercer nenhum tipo de abuso sobre seus empregados. Contudo, há fortes evidências de que a realidade é bem

O marido, Natal de Carli, 43 anos, está empregado. Se é que se pode chamar de emprego sua atividade de serviços gerais. Ganha R$ 8,00 por dia de trabalho (US$ 2,60 pelo câmbio de 15/04/2003), sem direito ao registro profissional. É um trabalhador clandestino.

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"Não podemos reclamar e muito menos denunciar. Precisamos desse dinheiro para comer", explica Lucimara, que concedeu a entrevista em um final de tarde do mês de fevereiro de 2003. Nesse dia, esperava ansiosa a chegada do marido e de sua preciosa diária de R$ 8. Dependia desse dinheiro para comprar algo de comer para os filhos. "Não passamos fome, mas nossa vida é uma guerra diária em busca do que comer".

Não passamos fome, mas nossa vida é uma guerra diária em busca do que comer.

Lucimara das Graças de Carli, trabalhadora do café

Lucimara convidou a reportagem a visitar sua cozinha. Abriu a geladeira: duas latas de fermento para pão, duas garrafas de leite, uma tigela de mingau de farinha, ovos. Uma situação comum a muitos trabalhadores do café que vivem no sul de Minas Gerais, gente como Maria Nair, a personagem que em 1953 foi precocemente despertada para a vida adulta, quando a mãe a levou para a lavoura. Atualmente desempregada, Maria Nair aguarda ansiosa a próxima safra, quando espera ser novamente contratada para trabalhar na colheita. Para pessoas como ela e Lucimara, o ano não tem 12 meses, mas apenas seis, período em que as fazendas, por causa da colheita, contratam mão-de-obra temporária. O resto do tempo é um eterno esperar. "Quando termina a colheita o trabalhador torna-se um estorvo. A responsabilidade social não existe na indústria do café", diz o sindicalista Paulo Sebastião. Esta opinião é corroborada por Jairo Darcy Passos, diretor da secretaria de assalariados da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais, que tem 450 sindicatos filiados em todo o estado. "Eu gostaria muito de poder colocar a logomarca da Sara Lee nos cartazes de divulgação que enviamos para os sindicatos", diz ele. "Boa parte do nosso material de comunicação prega a importância de seguir as leis trabalhistas e tem tudo a ver com o discurso da empresa. A sociedade precisa se unir para combater o trabalho escravo, o trabalho clandestino, a ilegalidade que caracteriza a cafeicultura no Brasil. Contudo, a Sara Lee não pratica o seu próprio discurso. É uma fachada". Passos concedeu a entrevista na manhã de 7 de abril de 2003, um dos piores dias de sua vida. Acabara de receber a notícia de um acidente com um caminhão que transportava sete trabalhadores para uma lavoura de café. Os lavradores viajavam na carroceria do veículo, o que é proibido. Iam para uma fazenda que os contratara para trabalhar no preparo dos pés de café para a colheita. Todos morreram. Detalhe: como não estavam legalmente registrados, as famílias dos mortos não terão nenhuma espécie de direito ou seguro por causa do acidente. Ficará o dito pelo não dito. "Essa é a realidade do campo", lamenta Passos. "O café é o maior gerador de empregos em Minas Gerais, mas também é aquele que menos segue o que determina a lei". A cafeicultura gera 4,6 milhões de empregos diretos e indiretos no estado. Quase 700 dos 853 municípios cultivam o produto, em 150 mil propriedades (30% do total).

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A lavoura nunca ouviu falar em responsabilidade social Problemas como esse são tão antigos quanto a própria história do café no Brasil. Seria pertinente, então, perguntar: o que a Sara Lee tem a ver com isso, já que está no país há pouco tempo? A Sara Lee, na avaliação de vários produtores, cooperativas e líderes sindicais, tem responsabilidade porque, para ela, é comercialmente vantajoso comprar um café em cujo preço não estejam agregados os custos sociais. "A Sara Lee, no que diz respeito ao relacionamento com os produtores, cooperativas e atravessadores, visa apenas o lucro", diz o presidente de uma grande cooperativa que tem a corporação como um dos principais clientes: "Não existe nenhum tipo de pressão para que os trabalhadores sejam retirados das precárias condições de subemprego em que vivem". Ao conhecer as diretrizes delimitadas por documentos como o Global Business Standards e o Supplier Selection Guidelines, o presidente, que prefere não ter seu nome revelado, é taxativo: "A Sara Lee não cumpre essas cláusulas no início da cadeia produtiva". O subemprego, o analfabetismo e as péssimas condições sanitárias em que vivem os trabalhadores são reforçados pelo desinteresse dos grandes compradores em relação às reais condições em que o café é produzido. A coordenadora geral do Sindicato dos Empregados Rurais do Sul de Minas, Elizabete Florêncio, dá uma dica de como uma mudança efetiva poderia ser realizada a partir de iniciativas protagonizadas por corporações como a Sara Lee: "Evitem os atravessadores e negociem parte do café diretamente com os agricultores familiares; incentivem outras culturas para evitar os problemas sociais decorrentes da monocultura; invistam em programas sociais; visitem a região e conheçam a realidade do produtor do café que vocês compram".

As questões sociais não fazem parte dos interesses das grandes compradoras

Hugo Passos Swerts Jr., produtor de café

Em torno de 2 milhões de pessoas trabalham direta e indiretamente com a cafeicultura no sul de Minas Gerais, segundo estimativa da Federação da Agricultura do Estado (FAEMG). Destas, 80% ficam sem trabalho durante a entressafra, calcula o Sindicato dos Empregados Rurais. Muitos trabalhadores, como na região onde vive Elizabete, recorrem ao subemprego nas minas de pedras usadas em revestimento

abandono na velhice Arildo Augusto, que colhe café desde criança, fica sem trabalho na entressafra. Na foto da esquerda, panelas vazias na sua cozinha

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cerâmico. É o caso de Mateus Vieira Lima, pequeno produtor do sul de Minas. Seis meses por ano, ele empunha talhadeira e marreta em uma mineradora localizada no município de Guapé. "A safra não sustenta a família durante o ano todo, precisamos deixar a terra de lado e recorrer ao trabalho nas pedreiras", explica. "Não temos como estocar o café para esperar o melhor preço. Geralmente, no final da colheita estamos cheios de dívidas. Precisamos entregar café por qualquer preço, é uma questão de sobrevivência". Arildo Augusto, 61 anos, trabalha com café desde os 12 anos de idade. Mora no Parque Rinaldi, comunidade carente localizada na periferia de Varginha. Nunca foi à escola. Na casa, moram ele, a mulher e outros seis parentes. É mais um dos desempregados da entressafra. Entre janeiro e fevereiro de 2003, conseguiu trabalhar durante oito dias limpando um roçado. Ganhou, pelo serviço, R$ 80,00 (US$ 26 pelo câmbio de 15/04/2003) . "A riqueza do café é para poucos, muito poucos", diz ele. "Na época da safra a gente consegue um dinheirinho. No restante do ano, dependemos da boa vontade dos parentes e da ajuda da Igreja".

Não temos como estocar o café para esperar o melhor preço. Geralmente, no final da colheita estamos cheios de dívidas. Precisamos entregar café por qualquer preço, é uma questão de sobrevivência.

Mateus Vieira Lima, pequeno produtor

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Uma vez por semana um furgão de uma entidade ligada à Igreja Católica estaciona no pátio da casa de Aníbal Pereira, um dos líderes da comunidade do Parque Rinaldi. Duas grandes panelas de alumínio aliviam a fome das pessoas que ali vivem, boa parte delas trabalhadores temporários nos cafezais. São os filhos dos trabalhadores, em geral, que vão buscar seu bocado de sopa de arroz com batatas. As doses são medidas para que todos possam levar um pouco. As panelas ajudam a esperar até que chegue a próxima safra, alimentam a esperança de que, um dia, a vida no sul de Minas vai melhorar para todos. "Essa realidade só mudará quando as empresas assumirem, na prática, o discurso da responsabilidade social", avalia Aníbal. "Aqui nós produzimos a matéria-prima sem a qual as empresas não teriam seus lucros. As relações de trabalho precisam ser mais justas". As cooperativas de pequenos e médios produtores, que poderiam representar um maior poder de negociação com os grandes compradores, não conseguiram, até agora, cumprir a sua parte quanto à distribuição da renda gerada pela cultura do café. "Elas foram feitas para o pequeno produtor, mas estão nas mãos dos grandes compradores, que não vivem a realidade dessa gente", avalia a sindicalista Elizabete Florêncio. A crítica não parte apenas de sindicalistas. João Pedro Alvarenga, dirigente da Volcafé, uma das maiores exportadoras de café sediadas no Sul de Minas, também acha que as cooperativas perderam, em grande medida, sua função social. "Algumas viraram meros comerciantes de café: compram dos agricultores familiares com a intenção de especular no mercado futuro. E os produtores, após terem vendido o café para a sua própria cooperativa, não têm direito aos


Solidariedade Filhos de trabalhadores temporários nos cafezais aliviam a fome com sopa servida por entidade ligada à Igreja Católica

lucros da venda futura". A Cooxupé, que se intitula a maior cooperativa cafeeira do mundo, foi diretamente citada por Pedro Alvarenga como uma entidade que adota a prática de especular com café no mercado futuro. Com 8.600 sócios e 1.100 funcionários, a cooperativa atua em 56 municípios e tem capacidade de armazenamento de 3,3 milhões de sacas de 60 kg. Ela está entre as dez maiores exportadoras brasileiras de café verde. O diretor comercial da Cooxupé, Oto Villas-Boas, foi indagado a respeito. Ele diz que a compra dos agricultores familiares para a venda futura representa apenas 1% de todo o café movimentado pela cooperativa e que o produto armazenado nunca é de cooperado, mas de produtores independentes. A reportagem pediu a ele que informasse: - o montante de café que a cooperativa compra e armazena para venda futura; - de onde vem esse café, e - qual café é vendido para Sara Lee e a que preço. “São dados sigilosos, portanto, não podem ser revelados”, limitou-se a informar. Por outro lado, os maiores produtores, que não precisam da cooperativa para escoar o produto, também fazem muito pouco para reverter o círculo vicioso que caracteriza o processo de produção e beneficiamento do café. "Os grandes produtores aliamse às empresas porque também, para eles, não interessa regularizar a situação do lavrador", explica Elizabete Florêncio. "São empresários que vêem o investimento social como despesa. Para eles, as questões sociais simplesmente não interessam, não fazem parte da administração do negócio". As exceções em relação a essa postura são bem poucas. Na avaliação de diversos sindicalistas, o problema ocorre em função da falta de fiscalização por parte dos órgãos governamentais e do desinteresse das grandes compradoras em saber as reais condições

sociais em que a matéria-prima foi produzida. “Produtores, trabalhadores e as grandes empresas precisam olhar a questão de frente e tomar medidas conjuntas para reverter o problema”, propõe Jairo Passos, da Federação dos Trabalhadores. O maior produtor de café de Varginha, Hugo Passos Swerts Jr., tem a mesma opinião: “As questões sociais não fazem parte dos interesses das grandes compradoras”, afirma. “A Sara Lee quer saber é do preço. Para ela, não interessa qual é a relação que eu tenho com meus funcionários, se eles comem ou se vão para a escola. A Sara Lee nunca me procurou para saber as condições de vida do meu trabalhador. Só a Nestlé faz isso de vez em quando, pois está interessada no meu projeto de agricultura sustentada”. Em uma de suas fazendas, a Santa Cruz, o cafezal de Hugo estende-se para além de onde a vista alcança. Nessa propriedade, ele tem 1,3 milhão de pés de café, 45 funcionários fixos e 27 casas. Durante a época de colheita, o número de trabalhadores sobe para cerca de 300. “Vou transformar esta fazenda em uma referência de produção agrícola com responsabilidade social”, anuncia ele. Sua intenção é desenvolver práticas de agricultura sustentada. “Mudar a cultura do negócio é caro e arriscado. Contudo, tenho certeza que no futuro meu café estará mais valorizado. Estou agregando ao produto uma maneira de produzir que leva em conta os princípios da responsabilidade social empresarial”. Segundo ele, faz isso também por uma questão de consciência: “É muito fácil ficar rico matando trabalhadores. A maioria das fazendas, por exemplo, não usa equipamentos de proteção individual. Os trabalhadores morrem ou ficam doentes por causa dos defensivos [agrotóxicos]”. Antônio José Dias e Maria de Lourdes, casados há 15 anos e pais de seis filhos, vivem uma realidade bem diferente. Residentes na periferia de Guapé (MG), conseguem trabalho apenas durante a época da

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colheita. "Este ano, para não passar fome, fomos vendendo o que dava: móveis, televisão, geladeira. Temos que sustentar seis filhos pequenos e que ainda não trabalham", justifica Antônio. Este casal não tem uma vida diferente da que leva Maria Nair, que começou a trabalhar aos 10 anos de idade; de Lucimara, que em 2002 trabalhou seis meses e só foi registrada por 10 dias; de Mateus, pequeno produtor que durante a entressafra troca o cultivo de café pelo trabalho na pedreira. Analfabetos, Antônio e Maria não têm perspectivas de melhorar de vida. E sabem disso: "Vivemos na escuridão, não esperamos nada para o futuro", lamenta Maria. Há trabalhador do café que vive em situação ainda pior. Antônio e Maria pelo menos conseguem ser registrados nos meses que trabalham na safra. Roberto Carlos Rodrigues, 32 anos, nem isso alcança. "Não tenho registro, não tenho documento, vivo entregue à sorte", diz ele. Por que não reclama? Por que não procura a Justiça? "Somos fracos. Se reclamar, não trabalha pra mais ninguém. A vida no campo não merece reclamação".

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Roberto Carlos viveu durante seis anos com a mulher e os filhos em uma casa de barro, que ele mesmo construiu. "Outro dia encontrei uma cobra dentro do guarda-roupa", conta. "A gente não pode se assustar com essas coisas, precisa ter coragem para levar a vida". Em 2003 conseguiu construir uma casa de tijolos e a casa de pau-a-pique agora serve como cozinha. "Não espero muita coisa da vida", diz. "Vamos torcer para os filhos conseguirem concluir os estudos e viver melhor". É o sonho de Roberto Carlos. É o pequeno sonho a que se dão o direito os lavradores do sul de Minas Gerais.


Na primeira semana de março a reportagem do Observatório Social solicitou à gerência de comunicação da Sara Lee Cafés do Brasil uma entrevista com o então presidente da empresa, Maurílio Lobo Filho. Fomos informados de que isso não seria possível, por causa de mudanças na estrutura da diretoria. A equipe do Observatório reiterou a importância de incluir a versão da empresa sobre os temas abordados nesta publicação e propôs como alternativa uma entrevista por escrito. No dia 7 de abril uma lista de perguntas foi encaminhada por correio eletrônico. Elas foram respondidas no dia 22

Sara Lee quer parcerias para difundir práticas sociais pelo diretor de Marketing da Sara Lee Cafés do Brasil, Manu Melotte. O diretor afirmou que a empresa está comprometida com a justiça e o desenvolvimento na cadeia produtiva do café. Ele disse que a Sara Lee adota normas globais para promover a responsabilidade social. Acrescentou ainda que, no Brasil, há um projeto de desen-

1) Qual é a política internacional da Sara Lee

para responsabilidade social e que aspectos recebem atenção especial no Brasil?

- A Sara Lee Corporation está interessada em desenvolver a agricultura do café, o que beneficia toda a cadeia produtiva: agricultor, fazendeiro, distribuidor e indústria. No entanto, quando temos superproduções, como a que aconteceu no mundo no ano passado, o preço e a qualidade do grão verde caem. Para tentar solucionar problemas como estes, a Sara Lee vem desenvolvendo vários projetos, tais como: Corporates Guide Lines: norteiam os valores da empresa pelo mundo. Small Farmers Policy: (desde 1989) nos obriga que no mínimo 10% de toda compra de café verde seja efetuada diretamente dos pequenos fazendeiros, evitando assim os intermediários. Projetos in coffee originating - Projetos de desenvolvimento local, hoje em andamento em Uganda, Vietnam, Peru e Brasil. No Brasil o projeto para o desenvolvimento da agricultura e suas práticas, no norte de São Paulo e sul de Minas Gerais, existe há aproximadamente seis meses, mas ainda não temos nenhum resultado concreto que possa ser divulgado.

2) Que ferramentas e procedimentos a Sara Lee dispõe para garantir a implementação da sua política de responsabilidade social?

- Temos o GBS (Global Business Practices) que são nossas práticas que devem ser difundidas, regidas e controladas por responsáveis local de nível de diretoria ou através de um contato mundial acessado por um número de telefone (0800) ou e-

volvimento local sendo promovido há seis meses, mas que ainda não foi possível obter resultados mensuráveis. Melotte admitiu que a corporação não tem o total conhecimento de seus fornecedores e expressou o desejo da empresa de contar com órgãos governamentais, estaduais e ONGs para ajudála a difundir as práticas sociais adequadas.

mail. Treinamentos foram ministrados pelo mundo todo, por equipes americanas altamente capacitadas, a gerência e propagadores das práticas, que acreditamos serem as mais justas a todos os nossos públicos interno e externo.

3) Quanto a empresa investe anualmente em

responsabilidade social no mundo e no Brasil e como o dinheiro é aplicado?

- A empresa tem por estatuto mundial não divulgar investimentos.

4) Como a Sara Lee informa seus stakeholders [acionistas, trabalhadores, consumidores e fornecedores] sobre os resultados de sua política de responsabilidade social?

- Aqui no Brasil, o projeto está em andamento ha aproximadamente seis meses e ainda não surtiu resultados mensuráveis, sabemos que só os vamos obter em longo prazo. Porém, os resultados serão comunicados de maneira formal, ou seja, em reuniões, boletins e comunicados formais.

5) Que critérios a Sara Lee utiliza para

estabelecer o preço de compra do café? Existe algum benefício financeiro para os agricultores familiares ou para produtores que adotem práticas de agricultura sustentada ou de responsabilidade social?

- Os critérios quem define é o mercado. Além disso, queremos influenciar com projetos tais como: Small Farmers Policy, que nos obriga que no mínimo 10% de toda compra de café verde feita

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pela Sara Lee seja efetuada diretamente dos pequenos fazendeiros; Desenvolvimento da qualidade dos cafés, para tirar o café do status de commodity, agregando-lhe maior valor. Isto faz com que cresça a demanda de produtos de qualidade, aumentando o mercado (ex: Café Creme, projeto em parceria com a Philips na Europa). Dinamizar o setor de café, aumentando o equilíbrio entre oferta e demanda e aumentando o share of stomach, ou seja, o consumo per capita; Desenvolvimento de blends de café que trazem na sua composição produtos que não agridem a natureza. É o caso dos cafés orgânicos: produto cultivado sem agrotóxicos e solos fertilizados com adubos naturais, fiscalizados com a ajuda do IBD – Instituto Bio-dinâmico.

6) Quais são os 10 maiores fornecedores de café

para a Sara Lee no Brasil e quais são os principais critérios utilizados para sua seleção?

- Como qualquer outra empresa, não podemos abrir nossos fornecedores. A concorrência pode neles descobrir os segredos dos nossos blends. Porém o principal critério para seleção é qualidade do grão.

7) Quais são os principais clientes no mercado internacional para o café industrializado pela Sara Lee?

- A Sara Lee Cafés do Brasil não foca seu trabalho no mercado exterior e sim no local aonde ela produz, por isso a preocupação da Sara Lee Cafés do Brasil é desenvolver a agricultura brasileira.

8) Segundo as normas da empresa, os parceiros

comerciais devem receber uma cópia do Global Business Standards e do Supplier Selection Guidelines, que determinam a maneira como a Sara Lee se relaciona com os fornecedores e sua postura em relação à responsabilidade social. A reportagem conversou, no Sul de Minas Gerais, com grandes parceiros comerciais da Sara Lee, dentre eles cooperativas e grandes produtores de café. Eles dizem, de maneira unânime, que nunca receberam o documento e que a Sara Lee também nunca se interessou em saber se eles seguem as leis trabalhistas ou se adotam práticas de gestão socialmente responsáveis. O que a Sara Lee tem a dizer sobre isso?

- Isto realmente pode acontecer, mas com certeza

não pode ser unanimidade, levando-se em conta um universo de aproximadamente 10.000 produtores e intermediários. Re-atualizaremos o material junto aos nossos fornecedores e cobraremos uma postura mais pró-ativa.

9) Os documentos oficiais da Sara Lee dizem que

a empresa procura, através da pressão comercial, influenciar seus fornecedores a cumprir rígidos padrões éticos e obedecer as leis e os regulamentos. Segundo suas normas, os fornecedores devem tratar os funcionários com respeito e dignidade, promovendo bemestar e qualidade de vida, obedecer às leis trabalhistas, bem como o direito de livre associação. Devem ser socialmente responsáveis nos países e comunidades onde a empresa opera. A reportagem conversou com vários fornecedores da Sara Lee e nenhum deles afirmou que foi pressionado a mudar sua conduta e aprimorar padrões éticos e morais. Isso quer dizer que a Sara Lee está satisfeita com a maneira de atuar dos seus fornecedores?

- Sim, acreditamos ter os melhores parceiros nacionais, mas também sabemos não ter o total conhecimento de seus fornecedores, para isso gostaríamos de contar com órgãos governamentais, estaduais e ONGs para nos ajudar a difundir as práticas sociais adequadas.

10) A Sara Lee afirma não contratar fornecedores que adotam trabalho forçado e trabalho infantil, seja de matéria-prima, seja do produto final, ou serviços provenientes de trabalho forçado e infantil. Como a empresa controla essa prática junto aos seus fornecedores?

- O que já podemos garantir é que em nossas fábricas não existe trabalho infantil nem exploração de mão-de-obra. Muito pelo contrário, em linha com os sindicatos que regem as categorias, pagamos salários e benefícios justos e implantamos projetos sociais visando o desenvolvimento da população ao nosso entorno. Porém, quanto aos fornecedores, detemos 15% do mercado de café verde, e precisamos contar com a parcela restante, além dos órgãos oficiais desta categoria. Nós, Sara Lee Cafés do Brasil, queremos trabalhar junto às associações que representam o setor de café. Vamos estimular e influenciar fornecedores e intermediários para que não estabeleçam contatos comerciais com parceiros que transgridam estas premissas e façam com que este segmento seja cada vez mais justo e desenvolvido.

Notas 1 2

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Fontes: Coffeebusiness e Centro de Comércio de Café do Estado de Minas Gerais. Café do BraZil, o sabor amargo da crise. Observatório Social, setembro de 2002.


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PROPOSTAS PARA A CRISE DO CAFÉ


BRASIL

Propostas dos agricultores * familiares e assalariados rurais A agricultura familiar e os assalariados rurais formam o elo mais vulnerável da cadeia produtiva do café. É onde o impacto social e econômico da crise atual pode ser percebido de forma mais dramática. Enquanto as transnacionais do café aumentam seus lucros com o produto, os agricultores familiares abandonam suas lavouras e os trabalhadores rurais ligados ao setor vêm perdendo seu emprego e tendo as suas condições de trabalho precarizadas. Portanto, são necessárias medidas urgentes que viabilizem a cultura do café como um produto de sustentação e fortalecimento da agricultura familiar no Brasil, bem como de condições de trabalho dignas para os assalariados e assalariadas rurais.

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Estas propostas foram aprovadas durante Encontro Nacional realizado em Vitória (ES) nos dias 20 e 21 de agosto de 2002, organizado pela Contag, CUT e Oxfam. O encontro contou com o apoio da Action Aid Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, do Estado do Espírito Santo (Fetaes) e Secretaria Estadual da Agricultura(ES).


TORREFADORAS DE CAFÉ Compromisso com um diálogo propositivo com a representação dos agricultores familiares. Compromissos claros com respeito à garantia dos direitos dos trabalhadores envolvidos na produção do café, incluindo o financiamento de mecanismos efetivos de monitoramento. Investimento de recursos em programas de melhoramento da qualidade do café produzido pela agricultura familiar.

GOVERNO Agricultura Familiar Participação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores no Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC). Participação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores nas reuniões internacionais da Organização Internacional do Café (OIC) e outras instâncias internacionais relevantes. Implementação de políticas específicas para o café dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), incluindo recursos do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) que fortaleçam a extensão e a assistência técnica voltadas para a qualidade do café e a diversificação da produção; além de capacitação em estocagem, marketing e transformação do café para exportação direta. Negociação das dívidas existentes junto ao Pronaf. Política de garantia de preços mínimos para o café da agricultura familiar. Ações para o fortalecimento da participação da agricultura familiar no mercado de Comércio Justo do café. Acesso a terra, através da reforma agrária e da expansão do crédito fundiário, para que os meeiros, arrendatários e filhos de pequenos proprietários possam melhorar suas condições de vida na produção do café. Realização de pesquisa sobre o perfil da produção de café no Brasil, que identifique a participação e condições dos agricultores familiares e assalariados rurais, feita em conjunto com as suas representações. Criação de um selo de qualidade e origem da produção de café da agricultura familiar, com a participação do governo. Política de marketing internacional que melhore a imagem do café do Brasil. Estabelecimento de um mecanismo para monitoramento da competição efetiva entre torrefadores e outros atores da cadeia. Transparência sobre os preços para produtores e consumidores em cada região e disseminação dessas informações aos agricultores familiares. Campanha de esclarecimento ao consumidor brasileiro sobre a qualidade do café.

Assalariados rurais Criação de uma legislação específica para que o contrato de safra seja feito de forma coletiva, através dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs), garantindo os direitos trabalhistas e previdenciários. Aumento da fiscalização no meio rural realizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), garantindo a aplicação das leis e normas que protegem os direitos dos trabalhadores. Suspensão do crédito público aos empregadores que desrespeitarem as legislações trabalhista e previdenciária. Criação de um programa de capacitação dos trabalhadores quanto ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), manuseio de produtos químicos e técnicas que diminuam os riscos de acidentes no campo.

As propostas de políticas domésticas apresentadas devem ser complementadas por uma negociação do governo junto aos países produtores, buscando encontrar mecanismos que gerenciem a produção e os preços.

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PROPOSTA INTERNACIONAL

Um plano de

É necessário um Plano de Resgate para o Café que realinhe a oferta com a demanda e apóie o desenvolvimento rural, de modo que os cafeicultores possam ter uma renda decente. O plano precisa reunir os principais atores envolvidos na produção e no comércio do café para que a crise seja superada e se possa criar um mercado mais estável. Dentro de um ano, e sob os auspícios da OIC, o Plano de Resgate deve resultar em: 1. Compromisso das empresas torrefadoras de pagar um preço decente aos produtores. 2. Compromisso das empresas torrefadoras de só comercializar cafés que satisfaçam aos padrões do Esquema de Melhoria da Qualidade da OIC. 3. Destruição de pelo menos cinco milhões de sacas como medida imediata, a ser financiada por governos de países ricos e por empresas torrefadoras. 4. Criação de um Fundo de Diversificação destinado a ajudar produtores com baixa produtividade a buscar outros meios de vida. 5. Compromisso, por parte das empresas torrefadoras, de comprar volumes crescentes de cafés comercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, esse volume deve corresponder a 2%, com aumentos incrementais subseqüentes.

O Plano de Resgate representa o piloto de uma Iniciativa de Gestão de Commodities, de prazo mais longo, destinada a melhorar os preços destes produtos e a disponibilizar outros meios de vida para os produtores. Os resultados desse plano seriam os seguintes, entre outros: 1. Estabelecimento de mecanismos, por parte dos produtores e dos governos de países consumidores, para corrigir o desequilíbrio entre oferta e demanda, visando garantir preços razoáveis para os produtores. Os produtores devem estar adequadamente representados nesses esquemas. 2. Cooperação entre governos de países consumidores no sentido de impedir que entre no mercado

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um volume maior de commodities do que pode ser vendido. 3. Apoio aos países produtores para que estes extraiam uma parcela maior do valor de seus produtos de commodity. 4. Amplos financiamentos de doadores para reduzir a enorme dependência que os agricultores familiares têm de commodities agrícolas. 5. Fim dos duplos padrões adotados pela União Européia e pelos Estados Unidos no comércio de produtos agrícolas, que restringem as opções dos países em desenvolvimento. 6. Pagamento, pelas empresas, de um preço decente por produtos primários (acima dos custos de produção).


resgate para o café

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Varejistas (supermercados e cafés) O Plano de Resgate para o Café só poderá ser bem-sucedido se todos os atores deste mercado se envolverem ativamente na sua execução. As recomendações apresentadas a seguir incluem elementos do que cada grupo pode fazer para que o plano funcione.

Empresas de café Empresas torrefadoras – Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee 1. Comprometam-se a pagar um preço decente aos produtores. 2. Invistam um volume significativo de recursos na superação da crise do café (incluindo uma contribuição financeira para pacotes de ajuda humanitária contra a crise). 3. Rotulem produtos a base de café de acordo com a sua qualidade. 4. Comprometam-se a comprar volumes crescentes de cafés comercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo e diretamente dos produtores. Dentro de um ano, o volume deve corresponder a 2% de suas compras de café, com importantes aumentos incrementais subseqüentes a serem determinados anualmente pelo movimento do Comércio Justo. 5. Desenvolvam atividades de lobby junto ao governo dos Estados Unidos para que este volte a ser membro da OIC.

1. Exijam dos fornecedores que o café vendido por eles garanta um preço decente aos produtores. 2. Promovam marcas e produtos à base de café vinculados ao movimento do Comércio Justo. 3. Insistam para que produtos a base de café sejam rotulados de acordo com a sua qualidade. 4. A Starbucks deve divulgar publicamente suas verificações em relação à viabilidade comercial de suas diretrizes para a seleção de fontes para a compra de café.

Governos e instituições Organização Internacional do Café 1. Organizem, com a ONU (Organização das Nações Unidas) e com a participação do Banco Mundial, uma conferência de alto nível sobre a crise do café, presidida por Kofi Annan, até fevereiro/março de 2003, especificando que a participação deve estar vinculada à disposição e capacidade de assumir compromissos concretos. 2. Trabalhem com países produtores, organizações envolvidas no movimento do Comércio Justo e empresas torrefadoras para definir uma renda decente para os produtores. 3. Implementem o esquema de qualidade, após avaliar seu impacto para pequenos produtores rurais.

6. Assumam compromissos claros e verificáveis de respeitar os direitos de trabalhadores migrantes e sazonais e as convenções da OIT. *Este plano faz parte da campanha global O que tem no seu café, da Oxfam Internacional.

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Banco Mundial 1. Identifique o apoio que o Banco pode oferecer a países produtores na administração do impacto de curto prazo de baixas no preço do café, tecendo, também, considerações sobre o desenvolvimento rural no exercício do Documento de Estratégias para a Redução da Pobreza (PRSP). O Banco Mundial e o FMI devem desenvolver uma estratégia integrada de longo prazo para atacar o problema das commodities. 2. Continue a avaliar o processo do programa HIPC à luz da queda esperada nas receitas de exportação, em decorrência da baixa nos preços dos produtos primários, e tome as medidas necessárias para que qualquer país que sofra os efeitos de uma queda importante nos preços de produtos primários entre o Ponto de Decisão e Conclusão da HIPC receba automaticamente uma assistência adicional em relação à dívida no Ponto de Conclusão para cumprir a meta de 150% de dívida-exportações. 3. Contribua para a realização de uma conferência internacional de peso sobre o café, organizada pelas Nações Unidas (UNCTAD) e pela OIC até fevereiro/março de 2003.

Governos de países produtores 1. Cooperem entre si para impedir que entre no mercado um volume de commodities maior do que possa ser vendido. 2. Coloquem a diversificação no centro das estratégias de redução da pobreza. 3. Disponibilizem mecanismos de apoio a produtores que precisam sair do mercado do café, incluindo assistência a mulheres deixadas em propriedades rurais da família. 4. Adotem medidas para satisfazer as necessidades imediatas de produtores rurais em termos de serviços de extensão, entre os quais: · informações técnicas e de comercialização, · esquemas de crédito e serviços de gestão de dívidas. Os serviços de extensão devem considerar, particularmente, as necessidades das mulheres produtoras. 5. Estabeleçam sanções contra práticas comerciais anticompetitivas que prejudiquem pequenos produtores rurais. 6. Avaliem o impacto do Esquema de Qualidade da OIC para pequenos cafeicultores, principalmente para mulheres produtoras.

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) 1. Desenvolva uma estratégia de longo prazo para o problema dos produtos primários. 2. Organize uma conferência internacional de peso sobre o café com a OIC até fevereiro/março de 2003.

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7. Protejam os direitos de trabalhadores sazonais e fixos, visando garantir a aprovação e a implementação de leis trabalhistas compatíveis com convenções essenciais da OIT. Os direitos das mulheres trabalhadoras exigem atenção especial. 8. Promovam associações de pequenos produtores e empresas visando a fortalecê-los nos mercados nacionais de café.

Investidores 1. Estimulem as empresas torrefadoras a adotar esquemas de gerenciamento de cadeias de abastecimento e políticas de preços que garantam preços acima dos custos de produção e protejam os direitos trabalhistas dos trabalhadores em cafezais, visando garantir a sustentabilidade do mercado do café no longo prazo.


Governos de países ricos consumidores 1. Ofereçam apoio político e financeiro para eliminar o problema da superoferta por meio de medidas, tais como: · apoio e ajuda financeira ao esquema de qualidade da OIC, incluindo o monitoramento da qualidade do café que entra em seus mercados oriundo de cada país produtor, disponibilizando rapidamente informações resultantes desse monitoramento; · eliminação das tarifas ainda em vigor; · destruição de estoques de café de qualidade inferior. 2. Apóiem a OIC como o foro no qual produtores e consumidores podem atacar a crise do café. 3. Aumentem o financiamento destinado ao desenvolvimento rural e aos meios de vida rurais na ODA (Assistência Externa ao Desenvolvimento). 4. Ofereçam incentivos para que as torrefadoras transfiram tecnologia e desenvolvam uma proporção maior do processamento de valor agregado nos países em desenvolvimento.

Consumidores 1. Comprem mais cafés comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 2. Peçam aos varejistas que estoquem mais produtos comercializados no âmbito do movimento do Comércio Justo. 3. Exijam que as empresas adotem políticas de preços que garantam uma renda decente aos produtores. 4. Exijam uma melhor rotulação sobre a origem do café comercializado pelas torrefadoras/varejistas. 5. Peçam aos gerentes de fundos de pensão que levantem as questões indicadas abaixo.

2. Digam às empresas de café nas quais investem que a promoção de melhorias na qualidade de vida de produtores rurais pobres será um critério-chave na avaliação da gestão do risco de sua reputação à luz dos preços que adotam e de sua gestão da cadeia de abastecimento.

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