Observatório Social Em Revista 13

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ALUMÍNIO

PROJETO AMA

Estudo avalia a cadeia produtiva de cinco multinacionais na Amazônia.

Concluído o estudo sobre políticas ambientais de quatro corporações na América Latina.

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TRABALHO ESCRAVO

ISO 26000

Pesquisa em 56 organizações de 13 estados verifica os esforços para a erradicação.

A definição da norma da Responsabilidade Social Empresarial entra em fase decisiva.

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TRABALHO DECENTE

UNILEVER

IOS testa indicador para monitorar a qualidade e as condições de trabalho nas empresas.

Estudo da RedLat mostra as diferenças entre o discurso e a prática da empresa.

18 TRABALHO DECENTE - HISTÓRIA A idéia do trabalho digno no Brasil na época da abolição da escravidão.

24 7a PESQUISA E AÇÃO SINDICAL Perspectivas do mundo do trabalho e os 10 anos do IOS.

46 CARREFOUR CGT francesa protesta contra repressão policial aos trabalhadores.

50 CONEXÃO SINDICAL Tecnologia da Informação a serviço do movimento sindical.

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ENTREVISTA:JOÃO FELÍCIO

UNIVERSIDADE GLOBAL DO TRABALHO

Secretário de Relações Internacionais da CUT fala das conquistas de 2007.

Pesquisadores do IOS contam suas experiências na Alemanha e na África do Sul.

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EM REVISTA N

2007, um ano de inovação e conquistas

unca o IOS havia realizado tantas pesquisas ao mesmo tempo como em 2007, ano em que completou dez anos de história. E o mais importante: todas elas trouxeram algo inovador para a trajetória da instituição. Selamos uma parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil para desenvolver uma metodologia de monitoramento do trabalho escravo no país. Criamos um questionário aplicado a quase 60 empresas signatárias do Pacto de Erradicação do Trabalho Escravo, firmado em 2005. Também constituímos um sistema de monitoramento das ações dessas empresas que funciona de forma permanente. Tudo isso foi realizado de forma quadripartite – a gestão do projeto exigiu um esforço de articulação entre o Instituto Ethos, o Repórter Brasil, o escritório da OIT em Brasília e a equipe do IOS em São Paulo.

O IOS também finalizou em 2007 outra pesquisa importante. Ela trata do comportamento ambiental das empresas multinacionais de alimentos em cinco países da América Latina. Aqui o desafio foi duplo. Além de trazer o tema do Meio Ambiente para dentro da agenda sindical e sensibilizar os trabalhadores e sindicatos para a questão ambiental, a pesquisa demandou grande capacidade de coordenação com outros institutos latino-americanos. Foram discutidos conjuntamente os instrumentos de pesquisa. Sua aplicação ficou sob a responsabilidade do CFES/Lasos da Argentina, ligado à CTA (Confederação dos Trabalhadores da Argentina), do Plades (Programa Laboral de Desarollo) no Peru, da ENS (Escola Nacional Sindical) de Medellín na Colômbia, e do consultor Victor Lopez no Equador. O IOS promoveu a primeira pesquisa através de amostragem em uma empresa sem atividade industrial. Trata-se da pesquisa Petros, que avaliou a empresa administradora do fundo de pensão dos empregados da Petrobras. Pelo fato de existirem apenas trabalhadores administrativos, sem vín-

culo com a manufatura, o IOS sofisticou os seus instrumentos e ferramentas de pesquisa para apurar o comportamento de uma empresa de um ramo pouco conhecido e estudado. As surpresas foram muitas. Os temas tradicionais de investigação como Liberdade Sindical e Negociação Coletiva ficaram em segundo plano. Emergiram com força questões ligadas à discriminação de gênero e raça no local de trabalho. Os resultados sinalizam que o movimento sindical deve dar cada vez mais espaço para a discussão da discriminação no local de trabalho e usar esse tema para mobilizar os trabalhadores, de forma a cobrar das empresas políticas claras e transparentes de promoção profissional. Talvez o maior desafio tenha sido a pesquisa da Cadeia do Alumínio no Pará e Maranhão. Desde o final de 2006 o IOS realiza uma pesquisa em empresas produtoras de bauxita e alumina nos dois estados da região Norte do Brasil. Foram aplicados centenas de questionários junto aos trabalhadores dessas empresas ao longo de 2007. Praticamente toda a equipe técnica no Rio de Janeiro e em São Paulo, e a área institucional do IOS, foram mobilizadas para executar esse trabalho. Os resultados estão aparecendo de forma muito positiva. A pesquisa desencadeou um processo de diálogo social entre as empresas e os sindicatos de trabalhadores. Essa nova dinâmica está ajudando a promover novos entendimentos entre capital e trabalho de forma nunca vista até então naquela região do país. Uma nova agenda de negociação está sendo constituída com ganhos para todos. Além disso, o IOS avança em um tema sobre o qual o movimento sindical sempre foi muito carente: o comportamento das empresas quando se organizam em cadeia produtiva. Até onde vão as suas responsabilidades? Qual o impacto para os trabalhadores? A pesquisa do IOS traz um bom aporte de conhecimento sobre essa questão. Indica que o tema da cadeia produtiva pode ajudar o movimento sindical a buscar novos parceiros e fortalecer sua capacidade de negociação junto às empresas.

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CADEIA PRODUTIVA DO ALUMÍNIO

Pesquisa favorece Foto: Cornelia Girndt

Estudo do IOS em cinco multinacionais na Amazônia identifica os principais problemas sócioambientais da atividade e favorece a busca de soluções negociadas entre empresas e trabalhadores. Seminário Cadeia Produtiva do Alumínio no Brasil. Mesa 7, Saúde e Segurança do Trabalhador.

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stá em fase de conclusão uma ampla pesquisa sobre cadeia produtiva do alumínio na Amazônia, a maior já realizada pelo Instituto Observatório Social. Ela abrange cinco empresas e cinco sindicatos de trabalhadores – são mais de sete mil contratados e milhares de terceirizados. Um dos resultados obtidos foi o avanço no diálogo social. Outro avanço inédito foi possibilitar a articulação de ramos distintos de atividade – mineiros, químicos, metalúrgicos, eletricitários (urbanitários) – no debate dos temas de interesse comum. O processo que deu origem à pesquisa começou em 2005 com a viagem de intercâmbio de alguns trabalhadores brasileiros do setor para a Alemanha. Em seguida, no mês de setembro do mesmo ano, na cidade de Santarém, no Pará, um seminário promovido pelos sindicatos e confederações da cadeia, formalizaram a

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realização da pesquisa. . Em novembro de 2006 realizou-se em Belém um seminário internacional promovido pelo IOS e pela central sindical alemã DGB, com apoio das centrais sindicais FNV (Holanda) e LO (Noruega), com a participação da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CMN/CUT), dos Mineiros (CNTSM), dos Químicos (CNQ), da CUT Pará e de metalúrgicos alemães. Decidiu-se iniciar o estudo na região Norte, onde há grande concentração de multinacionais do setor no Pará e no Maranhão. Essas empresas produzem bauxita, alumina e alumínio primário, em grande parte para exportação. Numa primeira etapa, foram feitas visitas às empresas da região e realizadas algumas oficinas com sindicatos dos metalúrgicos, químicos e de mineiros, para identificar os principais problemas trabalhistas e ambientais mencionados pelos trabalhadores. A

negociação com as empresas e a pesquisa de campo foram iniciadas em 2006 na MRN, Albras, Alunorte e na Alumar. Também foram levantadas informações sobre o projeto de construção, pela Alcoa, de uma mina de bauxita em Juruti (PA). As principais multinacionais envolvidas são Alcoa, Alcan, BHP Billiton, Vale do Rio Doce e NAAC, um consórcio de empresas japonesas. Nas empresas foram realizadas entrevistas com diretores, gerentes e chefias. A opinião dos trabalhadores foi obtida por meio da aplicação de questionários contemplando os temas tratados pelo IOS: os direitos fundamentais do trabalho, da OIT (Organização Internacional do Trabalho), saúde e segurança, meio ambiente e responsabilidade social empresarial. O produto da pesquisa é um panorama sobre o setor, somado aos relatórios sobre cada empresa.


diálogo social Foto: Dudu Bolito/IOS

Foto: Dudu Bolito/IOS

Oficina No Sindicato dos Mineiros de Porto Trombetas-Oriximiná/PA

Seminário de Saúde e Segurança do Trabalho no Estado do Pará

Alguns resultados Como resultado geral verificouse que, ao contrário da tão propalada verticalização da produção, há uma tendência do setor à concentração da produção em produtos com menor valor agregado: bauxita e alumina. A falta de energia foi identificada como um dos obstáculos para a produção de alumínio primário, etapa altamente consumidora de energia. De todos os setores industriais, o do alumínio é o que consome mais energia. Durante a 7ª. Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical, realizada em novembro de 2007 pelo IOS, a pesquisa na cadeia produtiva do alumínio foi tema de um dos painéis. Participaram três representantes de empresas (MRN, Alumar e Alcoa) e três dirigentes sindicais. Alguns compromissos entre empresas e sindicatos foram assumidos nesse seminário. “Podemos relatar uma conquis-

ta em construção na Alumar”, conta o supervisor institucional do Observatório Social, Amarildo Dudu Bolito. “A partir da mediação do IOS, a pedido das partes, o sindicato dos metalúrgicos do Maranhão e a Alumar (Alcoa) estão construindo uma nova relação”. Dudu lembra que a relação da empresa com o sindicato era muito ruim, principalmente depois que esta alterou o turno dos trabalhadores sem consultar os representantes dos trabalhadores. “Eles estão criando novos procedimentos de relacionamento, através de reuniões regulares e pautas concretas de interesses comuns. Inclusive faz parte da pauta o polêmico debate sobre o turno. Estão buscando alternativas para solucionar o pior problema na empresa, que antes era um assunto proibido”, assinala. A avaliação da empresa e do sindicato é de que o IOS, por meio da pesquisa e das freqüentes reuniões conjuntas,

“A partir da mediação do IOS, a pedido das partes, o sindicato dos metalúrgicos do Maranhão e a Alumar (Alcoa) estão construindo uma nova relação”.

facilitou essa nova relação. “É um processo ainda não concretizado, mas é um bom começo”, diz. Outro fator importante nesta construção do Diálogo foi a participação do IOS na reunião de líderes da empresa de toda a América Latina. O Observatório foi convidado para falar sobre os principais problemas detectados na pesquisa na Alumar e também no Projeto Juruti. Conforme termo de compromisso firmado com os participantes, o conteúdo do estudo somente poderá ser divulgado a partir da consolidação da versão final. Já foram concluídos e enviados às empresas e sindicatos os relatórios preliminares da Alumar, Projeto Juruti, MRN, Albrás e Alunorte. A partir das sugestões e críticas das partes interessadas será redigido o texto definitivo. O IOS irá discutir com os sindicatos e empresas a possibilidade de publicar o estudo em livro ainda este ano.

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Fotos: Dudu Bolito/IOS

Entenda a cadeia do alumínio A pesquisa enfoca os três primeiros elos: mineração, refino e redução. Cadeia produtiva do alumínio é a seqüência de operações necessárias para fabricar os produtos acabados feitos do metal, começando pelas matérias-primas. Os vários processos são independentes e realizados em diferentes plantas industriais. A produção do alumínio primário envolve a extração da bauxita (mineração), a transformação da bauxita em alumina (refino) e a fundição da alumina em alumínio primário (redução). Apenas estes três elos da cadeia produtiva são abrangidos pelo estudo do Observatório Social. Os outros três são produtos semiacabados, produtos acabados e reciclagem. A bauxita é uma espécie de argila vermelha que contém entre 45% a 60% de alumina (óxido de alumínio). É encontrada principalmente nas áreas tropicais e subtropicais. Quatro a cinco toneladas de bauxita produzem duas toneladas de alumina. Esta, ao ser reduzida, produz uma tonelada de alumínio primário. O processo de mineração é altamente mecanizado. Envolve operações de desmatamento, decapeamento (retiradas de camadas superficiais do solo), extração e transporte da bau-

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xita até a estação de britagem, redução de tamanho e beneficiamento (lavagem e secagem). A segunda etapa da cadeia produtiva é a transformação da bauxita em alumina a partir de cinco estágios principais: moagem, digestão, filtração/evaporação, precipitação e calcinação. Nessa fase os insumos necessários são bauxita, cal, soda cáustica, vapor, óleo combustível para calcinação, floculante sintético, energia elétrica, produtividade e água. O custo da energia elétrica

A terceira etapa é a redução. Em cubas eletrolíticas com temperaturas de quase mil graus centígrados, a alumina é banhada em criolita fundida e transformada em alumínio metálico. Este se apresenta sob a forma de lingotes, placas ou tarugos, formas que facilitam o transporte. A energia elétrica é responsável por mais de 40% do custo da redução. Por isso as refinarias se localizam nas áreas em que este insumo é abundante.

Cidade de Oriximiná,PA

Vista parcial do porto e ruas da cidade de Juruti, PA

No restante da cadeia produtiva, as indústrias metalúrgicas fabricam os produtos semi-acabados como chapas, bobinas, fios e cabos. E depois os produtos acabados, geralmente vinculados aos setores de máquinas e equipamentos, bebidas, farmacêutico e indústria química, automotivo, construção civil e transmissão de distribuição de energia elétrica. A última etapa da cadeia é a reciclagem. O alumínio é um metal resistente, anti-corrosivo, muito leve e maleável, excelente condutor de calor e de eletricidade. De todos os processos industriais, a conversão da bauxita em alumínio primário é o que mais consome energia. Estudo do BNDES em 2002 apontou que o alumínio, dentre os segmentos eletrointensivos da indústria, respondia por ¼ do consumo de energia no Brasil, à frente de siderurgia, papel e celulose, cimento e petroquímica. Várias empresas do setor estão investindo na geração de energia própria.


Foto: Dudu Bolito/IOS

CONTEXTO HISTÓRICO As perspectivas de expansão do mercado e dos preços mundiais de alumina e alumínio têm levado ao lançamento de novos projetos de extração de bauxita e de geração de energia elétrica, como Juruti e Paragominas.

Pesquisadora Mércia Consolação, do IOS, em viagem ao Pará.

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história do alumínio no Brasil começa na década de 50 com as pesquisas de bauxita na Amazônia oriental. A empresa norte-americana Kaiser Aluminium and Chemical Corporation, uma das grandes produtoras mundiais, realizou estudos sem muito sucesso. Nos anos sessenta, a Aluminium Limited of Canada (Alcan) confirmou a existência de reservas de elevado potencial comercial no município de Oriximiná (PA), segundo os pesquisadores Maria Célia Nunes Coelho e Maurílio de Abreu Monteiro. Em 1967 a Alcan iniciou o projeto da empresa MRN (Mineração do Rio do Norte), interrompendo-o em 1972, sob alegação de condições desfavoráveis do mercado internacional. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi então escalada pelo governo para cuidar da reativação do projeto. A MRN surgiria

Foto: Dudu Bolito/IOS

Terminal de carregamento de bauxita da Mineração Rio do Norte (MRN)

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Foto: Dudu Bolito

Navio Transportando Bauxita da Mineração Rio do Norte (MRN)

como uma joint-venture, na qual a CVRD teria 49% do capital e a Alcan, 19%. Participavam também do projeto a Companhia Brasileira do Alumínio (CBA, do Grupo Votorantim), a Mineração do Rio Xingu, de capital holandês, a Reynolds norte-americana, a Norsk Hydro norueguesa e a Alumina Espanhola. Com a explosão da crise do petróleo, encarecendo os custos de energia, o Japão passou a estimular a transferência de suas empresas de alumínio para o exterior. Procurou assim ter acesso a bauxita mais barata, furando o bloqueio do oligopólio das seis grandes do setor. Foi nesse contexto que o Estado, logo após a criação da Eletronorte, assumiu a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e iniciou parceria com empresas japonesas para montar a Albrás (Alumínio Brasileiro S.A.) e a Alunorte (Alumina do Norte do Brasil S.A.), ambas na cidade de Barcarena (PA).

Consórcio

A partir de 1981, na cidade de são Luís, estruturou-se o Consórcio do Alumínio do Maranhão (Alumar), sob a coordenação da Alcoa norteamericana, encarregado tanto do refino da alumina como da fabricação de alumínio. Desde o início a Alcoa contou com a participação da Billiton Metais S.A., do Grupo BHP Billiton. Nos anos noventa, outras empresas seriam agregadas na atividade refino

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de alumínio, como a Alcan canadense. Por outro lado, a Alcoa, desde 1992, passou a ter participação acionária na MRN. Observa-se que as principais empresas multinacionais atuam nas atividades do início da cadeia, possuindo frações do capital da MRN. A CVRD controla um elo da cadeia, a partir das plantas da Alunorte e da Albrás, e a Alcoa, junto com outras multinacionais, comanda o outro elo da cadeia, conformado pela Alumar. Estas cadeias atuam sobre um espaço produtivo regional que depende de um conjunto de obras de infra-estrutura, envolvendo atividades de transportes e geração de energia elétrica. O escoamento da bauxita extraída na MRN – terceira maior mina de bauxita do mundo – é realizado por uma ferrovia de 30 quilômetros e por meio de navios graneleiros que a distribuem para o exterior ou para os complexos produtivos em Barcarena e São Luís. O transporte para os mercados externos é realizado pelos portos dessas duas cidades. As perspectivas de expansão do mercado e dos preços mundiais de alumina e alumínio têm levado ao lançamento de novos projetos de extração de bauxita e de geração de energia elétrica. É o caso da mina de Juruti, a ser operada pela Alcoa, e a de Paragominas, sob controle da CVRD.


TRABALHO ESCRAVO

Monitoramento de empresas Entre junho e dezembro de 2007, o Instituto Observatório Social (IOS) desenvolveu o “Programa de Ação para o Monitoramento das Empresas Signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo”, a pedido da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no âmbito do Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas - Trabalho Escravo. Com o apoio das instituições parceiras – Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, ONG Repórter Brasil – Organização de Comunicação e Projetos Sociais e OIT, o IOS entrevistou 56 entidades (42 empresas, oito entidades representativas e seis organizações da sociedade civil), dentre as 59 selecionadas pela OIT, de dez setores de atividade em 13 estados. Para as entrevistas foi construído um roteiro padrão, adaptado a cada entrevista, com particularidades de cada instituição em foco, cadeia produtiva a que pertence e principais regiões de atuação. O principal objetivo do estudo foi efetivamente sensibilizar os signatários e registrar os esforços desenvolvidos na luta contra a existência de formas análogas a Trabalho Forçado ou Trabalho Escravo, além de dar a base para que o monitoramento seja contínuo. Em novembro de 2007, em São Paulo, os resultados preliminares da pesquisa foram divulgados em seminário com os signatários entrevistados. Em fevereiro de 2008, o relatório final foi apresentado pelo IOS à OIT e em breve estará disponível para consulta pública.

O Pacto Lançado em 19 de maio de 2005, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo é um acordo em que empresas, entidades representativas e

o Com apoio da OIT, do Instituto Ethos e da ONG Repórter Brasil, o IOS realizou pesquisa com 56 organizações em 13 estados para avaliar os esforços na erradicação do trabalho escravo.

organizações da sociedade civil comprometem-se a defender os direitos humanos, eliminar o trabalho escravo nas cadeias produtivas e auxiliar pessoas resgatadas de condições degradantes na inclusão no mercado de trabalho. As adesões são voluntárias, realizadas publicamente e pressupõem ações integradas entre diversos atores sociais e o poder público.

O Pacto é um compromisso de empresas e organizações sociais para eliminar o trabalho escravo nas suas cadeias produtivas e auxiliar na inclusão das pessoas resgatadas.

Ana Yara Paulino * O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo é uma iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e da Agência Repórter Brasil. Em 2007, o Instituto Observatório Social realizou o monitoramento de aproximadamente 50% das empresas signatárias. Por meio de uma equipe pluridisciplinar de pesquisadores, o IOS propõe-se a monitorar e gerar relatórios sobre as ações empresariais voltadas para a erradicação do trabalho escravo no Brasil e provocar intercâmbio dessas informações com as empresas e os sindicatos envolvidos.

A luta contra o trabalho escravo, isto é, para garantir um dos direitos fundamentais do trabalho, está diretamente vinculada à campanha internacional pelo trabalho decente. Mais de 130 entidades, em sua maioria empresas e associações empresariais, são signatárias do Pacto, e assumem publicamente a responsabilidade de não admitir formas de trabalho análogas à escravidão na empresa ou em sua cadeia produtiva, não comprar ou vender produtos de/para fornecedores/clientes cujos nomes constam na “lista suja”, além de desenvolver ações de reintegração social e produtiva dos trabalhadores libertos pelos Grupos Móveis de Fiscalização do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE). Atualmente, o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto pela Erradicação do Trabalho Escravo é composto pela OIT, Ethos, Repórter Brasil e IOS.

*Socióloga, pesquisadora do Instituto Observatório Social e do Dieese, coordenadora pelo IOS do Programa de Ação para o Monitoramento das Empresas Signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no marco do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - Trabalho Escravo, OIT. Colaborou Paola Bello.

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Definições Informações na internet No website do Observatório Social (www.os.org.br) estão disponíveis notícias atualizadas sobre o tema e diversos documentos de referência: o texto do Pacto; o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo; a lista das empresas signatárias; a “lista suja” de empresas vinculadas a trabalho escravo – mantida e atualizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego; textos e relatórios da OIT, incluindo o relatório global sobre trabalho forçado; a agenda do Trabalho Decente na Bahia; o decreto que cria a Conatrae – Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo; o roteiro padrão de entrevistas do IOS com as empresas monitoradas; o relatório do seminário realizado em novembro de 2007 com os signatários entrevistados; o artigo de pesquisadores do IOS que propõe a metodologia para criação de um Índice de Trabalho Decente nas Empresas; a íntegra da edição 6 de Observatório Social em Revista, especial sobre trabalho escravo na cadeia produtiva da siderurgia, entre outros.

As Convenções 29 e 105 da OIT consideram trabalho forçado “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de alguma punição e para o qual o dito indivíduo não se apresentou voluntariamente” e determinam sua abolição pelos países signatários. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 149, estabelece pena de dois a oito anos de reclusão e multa para quem reduzir alguém à “condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. Ou seja, no Brasil, trabalho escravo é crime. O termo “trabalho escravo”, ou “trabalho forçado”, é definido como toda a condição de trabalho, mesmo provisória, com essas duas características: recurso à coação (física ou moral); e privação da liberdade de ir e vir do indivíduo. É preciso ter em conta que trabalho escravo, ou forçado, é diferente de trabalho degradante. A superexploração do trabalho e o

descumprimento da legislação trabalhista não constituem trabalho forçado desde que o trabalhador possa abandonar o emprego (pedir demissão). O trabalho forçado é sempre acompanhado de condições degradantes de trabalho, mas o inverso nem sempre ocorre. A luta contemporânea contra o trabalho escravo, isto é, para garantir um dos direitos fundamentais do trabalho, vincula-se diretamente à campanha internacional pelo trabalho decente. Segundo a OIT, Trabalho Decente é aquele exercido de forma digna, sem discriminação de qualquer espécie, em condições de segurança, remunerado de forma adequada, em ambiente seguro, com liberdade, resguardando os laços de sociabilidade e diálogo social, fomentando a eqüidade e valorizando os direitos fundamentais do trabalho. Esta definição foi estabelecida na Agenda Hemisférica de Trabalho Decente, apresentada na XVI Reunião Regional Americana da entidade, em Brasília, em maio de 2006 e reiterada na 95ª Conferência Internacional do Trabalho, na sede da OIT, em Genebra, de 31 de maio a 16 de junho de 2006.

Objetivos do programa Monitorar de forma contínua os signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.

Registrar ações desenvolvidas pelos signatários para combater e prevenir situações análogas a Trabalho Forçado ou Trabalho Escravo.

Avaliar as ações das empresas signatárias, por empresários, sindicatos e órgãos públicos envolvidos no processo de erradicação do trabalho escravo contemporâneo.

Difundir amplamente as “boas práticas” dos signatários para possibilitar multiplicação de ações.

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Criar uma rede de vigilância de diferentes atores sociais para acompanhar e monitorar o Pacto de forma institucionalizada e permanente.

Apoiar propositivamente a Agenda Nacional do Trabalho Decente, e outras agendas estaduais e locais, no sentido de combater os déficits de Trabalho Decente, onde trabalho degradante, trabalho escravo e trabalho infantil constituem suas piores formas.

Construir um modelo de monitoramento que poderá ser reproduzido para outras iniciativas de violações aos direitos fundamentais do trabalho (que inclui não trabalho escravo).


Índice de Trabalho Decente

Foto: Sérgio Vignes/IOS

Ana Yara Paulino*

O Instituto Observatório Social está testando a adoção de um indicador para monitorar a qualidade e as condições de trabalho nas empresas.

Carregadores de café

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esde 2006 o Observatório Social vem acompanhando, promovendo e participando de uma série de atividades em torno da Agenda Nacional do Trabalho Decente. Em abril de 2007, o IOS apresentou o artigo Índice de Trabalho Decente nas Empresas: proposições para uma metodologia, de autoria dos pesquisadores Ana Yara Paulino, Maria Lúcia Vilmar e Ronaldo Baltar, na África do Sul, em seminário da GLU (Global Labour University, Universidade Global do Trabalho). Em junho e setembro, o IOS

esteve presente em eventos promovidos pela OIT-ACTRAV (Organização Internacional do Trabalho – Escritório de Atividades para os Trabalhadores): A Agenda Nacional Sindical do Trabalho Decente e as Ações das Centrais Sindicais, em São Paulo, e a Agenda Estadual do Trabalho Decente da Bahia e os Trabalhadores, em Salvador. E no final de novembro, organizou a mesa Trabalho Decente em Tempos de Globalização: antigas questões, novas respostas, durante a 7ª Conferência Internacional Pesquisa & Ação Sindical,

realizada em São Paulo. Alguns projetos em desenvolvimento no IOS começam a testar a possibilidade de implementação de um Índice de Trabalho Decente nas Empresas (ITDE), capaz de verificar e monitorar a qualidade e as condições de trabalho nas empresas brasileiras. Conheça mais sobre a proposta neste texto em forma de perguntas e respostas. De que trata o artigo?

O artigo1 apresenta uma proposta de metodologia para medir o Trabalho Decente. Trata-se do

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Socióloga, técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Instituto Observatório Social (IOS). 1 Disponível em http://www.os.org.br/portal/images/stories/documentos/ios-glu-port042007.pdf

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OIT é tripartite – na verdade é o único organismo tripartite da ONU. Ou seja, nela têm assento governos, empresários e trabalhadores. Está em curso uma discussão para acabar com esse tripartismo, mas, por enquanto, ele continua vigorando. No Brasil, além da agenda nacional, a Bahia estabeleceu nos primeiros meses da nova gestão, iniciada em 2007, a prioridade de promover o TD naquele estado. Para isso realizou uma grande conferência em abril do ano passado, para o lançamento dessa política pública e estabelecer apoios e parcerias com os vários setores da sociedade. A construção dessa agenda regional é inédita no mundo e deve ser acompanhada como uma experiência piloto do que poderá ser replicado, respeitadas as especificidades culturais locais, em outras regiões do mundo. A conferência estadual definiu sete eixos temáticos (trabalho escravo, trabalho infantil, saúde do trabalhador, juventude, serviço público, promoção de igualdade, trabalhador doméstico) e um eixo setorial: bioenergia. Outra experiência regional a ser

Foto: Rosane Lima/IOS

Índice de Trabalho Decente nas Empresas (ITDE), um índice síntese, composto por vários indicadores. Essa proposta vem sendo amadurecida pela equipe de pesquisadores do IOS desde 2004, quando começou o trabalho de sistematização de textos da OIT visando a construção de indicadores, primeiro voltados para os Direitos Fundamentais do Trabalho (DFT). A partir de 2006, passaram a enfocar também o TD, que engloba os DFT e os ultrapassa, incluindo, por exemplo, o Diálogo Social. O conceito de Trabalho Decente (TD) foi proposto pela OIT em 1998 e, finalmente, em 2006, a partir das conferências promovidas por aquela entidade, resultou na elaboração de agendas regionais hemisféricas e nacionais para promover o TD no mundo até 2015. No Brasil, essa agenda é de responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O movimento sindical, através de suas centrais, está cada vez mais interessado em participar ativamente desse processo. Vale sempre lembrar que a

Soldagem

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estudada é a Promoção Intermunicipal do Trabalho Decente. Ela é prevista pelo Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana, envolvendo os municípios de Santo André, Diadema e Osasco. Essa proposta inclui a elaboração de indicadores de Trabalho Decente e para acompanhamento do Sistema Público de Emprego, projeto piloto de promoção do TD para trabalhadores autônomos da Construção Civil – em bairro selecionado de Santo André – e a formulação normativa sobre TD para subsidiar os editais públicos. O ITDE vem sendo discutido por alguns especialistas há mais de uma década. Entre eles, Guy Standing, que esteve ligado à OIT e à Rede Européia de Renda Mínima, desenvolveu um vasto estudo comparativo internacional sobre padrões de TD em empresas, o Decent Work Enterprise Index (DWEI). O ITDE do IOS inspirou-se principalmente nos trabalhos desse autor, somados à experiência acumulada da pesquisa em empresas multinacionais do próprio IOS. Onde foi apresentado o artigo? O que é a GLU?

A primeira vez que o artigo veio a público foi na Global Labour University (GLU) Conference, realizada em abril de 2007, na Universidade de Witwatersrand, em Johannesburg, África do Sul. A reunião foi promovida pela OIT, pelas universidades citadas e pelo COSATU (Congress of South African Trade Unions, Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos). Nela estavam presentes representantes da academia e do movimento sindical internacional, vinculados às mais importantes e atu-


Foto: Dauro Veras/IOS

antes entidades que estudam o mundo do trabalho. O artigo permanece acessível pela Internet, nos sites do IOS e da GLU, e muitos interessados têm mantido contato com os pesquisadores. A África do Sul é a maior potência emergente da região da África subsaariana. Foi muito significativa a apresentação desse trabalho sobre TD justamente nesse país recémdemocratizado, que vem percorrendo um longo percurso de luta pela dignidade dos trabalhadores, ainda com cicatrizes profundas do regime do apartheid. A distribuição da riqueza, o emprego, o acesso ao espaço público e ao livre transitar são ainda motivos de conquista pela população local, pois o transporte público, quando existe, é insuficiente e há falta de segurança, dependendo da região e do horário. Mas uma das marcas da sociedade sul-africana é enfrentar os desafios com coragem e grande determinação. A GLU compreende um pool de universidades de vários países, aglutinadas em torno da proposta de suscitar debates e iniciativas de ação coletiva, promover intercâmbio de pesquisadores (alunos e professores) e empreender estudo crítico de qualidade sobre o mundo do trabalho na era da globalização do capitalismo. Financiado pela OIT e parceiros locais e regionais, o projeto conta com o apoio orgânico e interesse do movimento sindical internacional. O IOS é uma das entidades participantes da GLU. Isso porque um dos objetivos da universidade é criar conhecimento com/para os trabalhadores e subsidiar a sua luta, que é local e global. Em 2004, existia somente uma universidade agregada à GLU: a de Kassel, na Alemanha. A partir de

Agricultor na colheita de cana-de-açúcar

2007, o projeto estendeu-se à Universidade de Witwatersrand, na África do Sul. Em 2008, agregamse a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – que já era parceira da proposta desde 2003 – e o Tata Institute of Social Studies, de Mumbai, Índia. Por que é importante a criação de uma metodologia para medir o trabalho decente nas empresas?

Porque à medida que a metodologia e o próprio índice passarem a ser apropriados pela classe trabalhadora, eles poderão se tornar mais um instrumento na sua luta por melhoria de condições de vida e trabalho. Por exemplo: o Índice de Custo de Vida (ICV), especialmente o do Dieese. Na medida em que o movimento sindical brasileiro percebeu que seus salários poderiam ser negociados a partir de argumentos científicos, comprováveis e irrefutáveis, a primeira demanda para o Dieese foi a construção do ICV, e isso em 1955! Sua legitimidade foi conquistada passo a passo, até que hoje, o

ICV-DIEESE é um dos índices sempre presentes e citados em mesas de negociação para salário, piso das categorias, cálculo de perdas etc. O mesmo poderá acontecer em futuro próximo com o ITDE: seja tomando-o como parâmetro para as metas da Agenda Nacional do TD, seja para negociações que envolvam diferentes unidades de uma mesma empresa em um país, região ou até mesmo em comitês sindicais internacionais; seja para diferentes empresas em uma mesma região (níveis municipal, estadual, e assim por diante). Que indicadores seriam avaliados segundo esta proposta metodológica?

O conceito de TD para a OIT é “aquele exercido de forma digna, sem discriminação de qualquer espécie, em condições de segurança, remunerado de forma adequada, em ambiente seguro, com liberdade, resguardando laços de sociabilidade e diálogo social, fomentando a eqüidade e valorizando os direitos fundamentais do trabalho”. Se desdobrarmos os subtemas

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contidos nessa definição geral, temos 10 grupos de grandes variáveis: - oportunidades de emprego; - trabalho inaceitável; - salários adequados e trabalho produtivo; - jornada decente; - estabilidade e garantia no trabalho; - equilíbrio entre trabalho e vida familiar; - tratamento digno no emprego; - trabalho seguro; - proteção social; - diálogo social e relações no ambiente de trabalho. Como pode ser apreendido ao se observar atentamente cada grupo dessas variáveis, todas são transversais, ou seja, demandam diálogo social e exigem ações por parte dos três principais atores sociais do mundo do trabalho – trabalhadores, empresários e governos. Elas implicam a necessidade de diagnóstico da realidade; o que se quer atingir ou, em outras palavras, o que é desejado; que políticas públicas existem ou devem ser executadas; que ações as empresas desenvolvem ou o que é discurso e não prática; quais são as reivindicações dos trabalhadores para a implementação ou alargamento de direitos. Seria possível avaliar o trabalho decente mesmo se a empresa não concordar em colaborar com a pesquisa?

Essa questão é fundamental rumo ao Diálogo Social que a OIT quer promover e para a democrati-

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zação das informações corporativas. Por isso, na proposta do IOS, um dos subindicadores de maior peso sozinho – 10% do total – é contabilizado pela “Transparência e melhoria da gestão do trabalho”. Sem dúvida há restrições de sua aplicabilidade se a empresa não concorda com a pesquisa. Mas, além de ela perder pontos por isso, a percepção dos trabalhadores pode julgá-la mais severamente, o que também pode levar à perda de pontos em outros subindicadores. Qual tem sido a receptividade a esta proposta?

A proposta do ITDE do IOS tem sido muito bem recebida, especialmente pelos técnicos da OIT – da sede em Genebra, Suíça, e dos escritórios na América Latina e Brasil. Eles perceberam rapidamente o potencial dessa contribuição para estudos comparativos internacionais, dada a simplicidade de sua concepção, possibilidade de tradução a realidades diversas e apropriação pelos diferentes atores sociais, em especial os trabalhadores. Embora a tarefa de construção de qualquer índice seja extremamente complexa e sofisticada, dependendo de acompanhamento constante e da avaliação de especialistas, o ITDE do IOS pretende ser um instrumento de fácil acesso para a percepção das condições de trabalho em pequenos ou grandes estabelecimentos. Até meados de 2007, da par-

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te do movimento sindical, a receptividade vinha sendo um pouco tímida, porque a Agenda do TD ou mesmo o conceito de TD da OIT ainda está sendo entendido, divulgado. Na verdade, TD não se encontra pautado pelo movimento sindical brasileiro. É um caminho que está em andamento, pelo Fórum das Centrais Sindicais para a Agenda Nacional do Trabalho Decente, coordenado pelo Dieese, e que vem sendo abordado no âmbito da Jornada pelo Desenvolvimento, da qual participam as sete maiores centrais sindicais brasileiras2. Isso está comprovado no documento final do encontro nacional Agenda sindical unitária para a promoção do trabalho decente, realizado em junho de 2007 em São Paulo, numa promoção OIT/ACTRAV (Escritório de Atividades para o Fortalecimento das Organizações dos Trabalhadores), com o apoio do Governo da Espanha e da ORIT (Organização Regional Interamericana de Trabalhadores). O documento final aponta várias ações sindicais conjuntas e prioridades, entre as quais podemos citar os setores de Construção Civil, Sucro-alcooleiro, Servidores Públicos Municipais e Comerciários. Sobre esse último evento, uma pergunta sempre surge: entendi certo? Por que o apoio do governo da Espanha? Exatamente porque o movimento sindical espanhol entende o TD como uma de

Centrais sindicais que participam do Fórum: CAT (Central Autônoma dos Trabalhadores), CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores), CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores) e SDS (Social Democracia Sindical).


ções, aspectos a serem monitorados com prioridade. Importante: a proposta do IOS sobre o ITDE está em construção! Isso significa que está aberta a discussão, contribuições, testes e aprimoramento. Fundamental para o desenvolvimento da proposta será o debate com interlocutores que cami-

nham nessa mesma direção; a construção paralela e conectada de uma base de dados macro sobre a atividade econômica (total e por setor), para ser tomada como referência dos dados obtidos no ITDE. O Dieese, por exemplo, já foi procurado para isso e poderá vir a ser um grande parceiro nessa empreitada.

Sérgio Vignes/IOS

suas prioridades e pressiona o governo espanhol para apoiar atividades sobre o tema em outras partes do mundo. Outro exemplo do interesse despertado pelo TD no movimento sindical aconteceu durante a pesquisa que o IOS realizou no 9º. CONCUT, em junho de 2006 (leia reportagem na edição 12 de Observatório Social Em Revista, disponível em www.os.org.br). A maioria dos delegados declarou que não conhecia o conceito de TD da OIT. No entanto, quando perguntados sobre cláusulas negociadas em convenções e acordos, sobre como eles mesmo definem TD ou quem seria o maior beneficiário da agenda do TD, responderam de forma pertinente aos trabalhadores e ao entendimento dos indicadores que compõem o TD da OIT. E declararam também, por unanimidade, que tinham muito interesse em conhecer a concepção propagada pela OIT. Como a metodologia do ITDE do IOS poderia ser utilizada na ação sindical, na definição de políticas públicas e no planejamento das empresas?

A Agenda do Trabalho Decente – municipal, regional, setorial, nacional, internacional... – proposta pela OIT é tripartite. Cada um dos atores sociais (governos, empregadores, trabalhadores) poderá acompanhar periodicamente o ITDE e planejar suas ações – se possível, conjuntas –, lutas, denúncias, negocia-

Trabalhadora em feira livre

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A idéia de trabalho digno no Brasil no momento da abolição da escravidão *

Arte de Laércio Alexandre Moraes

Ana Iervolino e Rafael da Cunha Scheffer

* Ana Iervolino, historiadora, pesquisadora do Observatório Social Rafael da Cunha Scheffer, historiador, bolsista da FAPESP, doutorando em História Social da Cultura pela Unicamp.

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Há pouco mais de um século, uma das visões sobre trabalho que circulavam no Brasil era relacionada às funções desempenhadas por escravos, indignas de pessoas que pertenciam às classes sociais consideradas respeitáveis. Atividades ligadas ao trabalho são encaradas de formas diversas pelas diferentes sociedades nos períodos da história. O entendimento deste conceito – trabalho – em determinado contexto é essencial para a compreensão da organização social de um povo, já que influencia a lógica das relações (e é influenciado por ela). Atualmente, são freqüentes as discussões a respeito de conceitos como o de “Trabalho Decente”, proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ou “Trabalho Digno”, como foi denominado em Portugal. Inclui preocupações em pauta neste momento de economia globalizada, como saúde e segurança, negociação coletiva, salário justo, diálogo social, jornada de trabalho, legislação trabalhista, responsabilidade social empresarial, dentre outras tantas. No contexto do fim do trabalho escravo e da expansão do trabalho assalariado no Brasil, os debates sobre trabalho digno se travavam com base em outros parâmetros, como não poderia deixar de ser, de acordo com conceitos e experiências da época. As próximas linhas procuram tratar do tema nesse período, que vai desde o final do século XIX até as primeiras décadas do século XX.

Imprensa e elites Se durante séculos os trabalhos manuais no Brasil foram vistos como depreciativos, função de pessoas das classes mais baixas da sociedade e indigno de homens e mulheres livres, essa carga pejorativa dada ao trabalho na sociedade escravista brasileira deve ser relativizada. Era parte de um discurso usado por uma camada de proprietários de cativos para afirmar sua superioridade sobre as parcelas da população que dependiam do trabalho para prover suas famílias. O uso de trabalho escravo era uma das bases da economia e da organização da sociedade. Mesmo após os acordos comerciais com a Inglaterra nas primeiras décadas do século XIX que impunham restrições neste sentido, o tráfico de escravos continuou trazendo africanos ao Brasil. Escravidão e liberalismo, dois princípios aparentemente contrários, existiram assim simultaneamente no país durante algum tempo, como é explicado pelos estudos do pesquisador Alfredo Bosi. Nas décadas finais da escravidão, com a crise desta instituição refletida na quebra da disciplina de trabalho

e na ameaça de um levante escravo que terminasse por impor a abolição, a idéia já antiga de trazer imigrantes para ocupar os postos de trabalhos começou a tornar-se realidade. Atendia à necessidade brasileira por mão-deobra e, ao mesmo tempo, oferecia possibilidade de trabalho aos camponeses europeus, em um contexto em que muitas famílias na Europa ficavam sem opções com a reorientação do uso das terras para a produção conforme o mercado. Ao longo da década de 1880, quando começam esses grandes movimentos de imigrantes ao Brasil, houve uma mudança no discurso das elites brasileiras. O novo discurso passou a valorizar o trabalho, não mais indigno, e ao mesmo tempo passou a atribuir aos brasileiros uma idéia de rejeição a qualquer atividade neste sentido. Assim, frente aos europeus recém-chegados, vistos como civilizadores e detentores de uma lógica racional do trabalho, os nacionais passaram a ter fama de preguiçosos, indolentes e vadios, que evitavam este esforço sempre que isso lhes era possível. Diversas discussões entre parlamentares e na imprensa foram realizadas partindo dessa ótica, que via a introdução de imigrantes como única forma de sustentar a organização do trabalho no Brasil depois que a escravidão fosse abolida. Há neste ponto uma divergência profunda, que deve ser explorada, entre os conceitos de trabalho e as relações que estavam postas: de qual trabalho estavam falando os parlamentares e as vozes na imprensa brasileira? Estes discursos pareciam valorizar a idéia de trabalho livre representado no trabalho assalariado, portanto envolvendo relações diferentes das vividas na experiência escravista. Refletiam idéias liberais segundo as quais o esforço individual é uma forma digna de progredir na vida, obter “sucesso” e possibilidade de ascensão social.

A percepção dos trabalhadores A Lei Áurea, que formalizou a abolição da escravatura no Brasil, foi assinada em maio de 1888. Diversas fontes e pesquisas sobre o período em questão apontam que, ao contrário do modelo presente nos discursos da imprensa e das elites sobre o trabalho, foi freqüente no país a manutenção de formas de mando e de relacionamento do sistema escravista, que continuavam a ser impostas aos trabalhadores, mesmo sendo eles funcionários. Isto pode ser observado em contratos de trabalho da época entre libertandos e patrões, em que eram estabelecidas condições muito semelhantes ou mesmo descritas como idênticas às da escravidão. Alguns desses docu-

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mentos chegavam a anunciar textualmente a preservação: “como se meu escravo fosse” é um exemplo de trecho que oficializava a forma como determinado trabalhador possuía o dever de servir a tal patrão durante o tempo estabelecido no contrato. Com isto, surge outra questão, que procura entender como as semelhanças com os tempos de escravidão eram percebidas pelos trabalhadores. Evidências indicam que muitas vezes as formas do trabalho e sua organização lembravam a eles experiências do regime escravista, vividas por muitos daqueles homens e mulheres. Não era à toa, assim, que as lutas trabalhistas que ocorriam no Brasil, no início do século XX, mantinham ainda forte uma memória do trabalho compulsório. Essa memória era acionada geralmente para fazer paralelos entre as situações do passado e as daquele momento, consideradas similarmente degradantes pelos operários e trabalhadores em geral. Muitas dessas questões podem ser observadas na pesquisa de Walter Fraga sobre o Recôncavo baiano. Segundo o pesquisador, em diversos engenhos daquela região, a libertação dos cativos foi seguida da desorganização da produção. Parte dos libertos preferiu a possibilidade de trabalhar em terras e roças para seu próprio sustento e para o comércio de excedentes nas vilas próximas, o que lhes proporcionava alguns ganhos, ao invés de continuar a trabalhar para seus antigos patrões – mesmo que estas terras fossem de propriedade dos engenhos em que trabalharam. De forma semelhante, muitos preferiam atividades remuneradas por dia, jornada ou semana, o que os deixava livres para procurar melhores oportunidades, para concentrar seus esforços em produções próprias e mesmo para procurar esses empregos somente quando necessitassem de dinheiro. Pode-se notar com isto que a autonomia, nesse contexto específico em que contrastava tão vivamente com o passado escravo, era vista pelos trabalhadores como uma conquista diretamente ligada à idéia de liberdade e de um trabalho digno. É certo que há muito essas pessoas viam o trabalho como um modo de levar suas vidas autonomamente e sustentar suas famílias, já que muitos escravos no Brasil conseguiram mesmo comprar sua liberdade através desse trabalho. Observa-se também em conflitos na justiça e em depoimentos à polícia que os trabalhadores das décadas finais do século XIX não deixaram de perceber a mudança nos discursos que circulavam quanto à valori-

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zação de uma ocupação regular: em diversos desses depoimentos, vemos as testemunhas se colocarem como “bons trabalhadores”, “ordeiros” e “morigerados”, enquanto eles próprios tentam descrever a parte contrária como “vadia”, ou “desordeira”. Contudo, o uso dessas expressões não indica necessariamente sua interiorização, e veremos como as idéias sobre um trabalho digno ou aceitável eram bastante diversas nesses anos.

Trabalho e liberdade A valorização do trabalho assalariado que ia sendo defendida de forma aberta na imprensa e sociedade brasileira, assim como a dignificação do trabalhador, não eram inerentes ao discurso defendido pela maioria dos trabalhadores brasileiros na mesma época. Em suma, para a imprensa em geral, trabalho digno era o assalariado, que possibilitava o sucesso individual. Para boa parte dos trabalhadores, sobretudo para ex-escravos, era a possibili-


dade de liberdade, que contrastava o mais possível com as relações anteriormente vividas durante a escravidão. Precarização ou liberdade, assim, são alguns dos termos desse debate. Enquanto os patrões buscavam garantir o cumprimento dos contratos e a disciplina na produção, muitos dos trabalhadores naquele mesmo momento buscavam ampliar ao máximo seus espaços de autonomia. No campo, esta situação girava em torno de questões como a possibilidade de acesso a terras e roças e o controle do tempo que os trabalhadores deveriam dedicar a suas atividades. Assim, formas de pagamento por tarefa que existiam mesmo durante a escravidão continuaram a ser utilizadas. Para evitar o êxodo de trabalhadores, muitos dos antigos senhores tiveram de permitir que eles explorassem por sua própria conta lotes de terra e sua produção. Nas cidades, em alguns momentos, vemos pessoas preferindo ao trabalho assalariado arranjos que seriam hoje vistos como precários, mas que na época permitiam que os próprios trabalhadores controlassem seu tempo de trabalho. Atividades na estiva ou no comércio urbano, por exemplo, ou a execução de uma série de serviços, que passavam por ramos tão distintos quanto os afazeres domésticos, a construção civil e diversos ramos do artesanato, apareciam assim como uma oportunidade para que estes homens e mulheres mantivessem certa autonomia, escolhendo seus patrões e arranjos de trabalho quando possível. Contudo, a chegada de milhares de imigrantes nas décadas finais do século XIX e início do XX tendeu a tornar mais concorrida a luta por empregos nas cidades. Este aumento da concorrência permitia a expansão da exploração dos trabalhadores urbanos, à medida que as boas oportunidades de emprego, ou de qualquer emprego, eram perseguidas por um número cada vez maior de trabalhadores.

mais rara em diversas regiões. Sem qualquer legislação que protegesse os empregados ou outra política do Estado para proteção social ou trabalhista, os trabalhadores passaram a se utilizar de meios de associação para buscar alguma forma de segurança e melhoria de condições. As organizações de trabalhadores, de ajuda mútua, festivas e nacionais floresceram a partir da década final do século XIX, apesar da forte repressão policial. Através delas, foi possível a troca de informações, assim como a organização de lutas que passaram a reivindicar uma série de direitos. Dentre as primeiras conquistas das lutas que foram articuladas estão a maior proteção a mulheres e “menores” nos locais de trabalho com jornadas diferenciadas. A limitação da jornada de trabalho em geral aparece como um foco importante, além, claro, das questões salariais. As discussões e mobilizações visando à melhoria das condições de trabalho, que no Brasil estavam apenas começando, vinham se desencadeando havia algumas décadas em outras partes do mundo. Os acontecimentos em países da Europa, como as greves, tinham reflexos diretos no país, que recebia idéias e informações trazidas pelos imigrantes e pelos meios de comunicação. Os debates iniciaram o século XX com vigor em todo mundo, ao mesmo tempo em que o capitalismo ganhava forças. O problema deixava de ser de interesse somente dos patrões e empregados, passando a ser também tratado com atenção pelos Estados nacionais, que pouco a pouco tratavam de criar formas de normatização das relações de trabalho. Essas preocupações são demonstradas também pela própria criação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), logo após a Primeira Guerra Mundial, organização tripartite que a partir de então se tornaria referência para as recomendações internacionais sobre o tema do trabalho.

Trabalho e o papel do Estado

Referências:

Para o Estado e grande parte da sociedade daquela época, as questões da ordem do mundo do trabalho deveriam ser definidas privadamente, entre patrões e empregados. Cabia a esses últimos cumprirem ordeiramente suas funções, sem faltas e reclamações, pois esta seria a forma de cumprir seu papel na sociedade e para o desenvolvimento do país. Sob esta lógica, aos trabalhadores “insatisfeitos” com as relações impostas pelos patrões restava apenas a possibilidade de pedir demissão e buscar outro emprego, oportunidade que, como vimos, era cada vez

BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos. In Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. CHALHOUB,Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle epoque. São Paulo: Brasiliense, 1986. ___. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

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PESQUISA E AÇÃO SINDICAL Perspectivas do mundo do trabalho Conferência do décimo aniversário do IOS colocou em debate Responsabilidade Social de Empresas, Trabalho Decente, Trabalho Escravo e comércio com a China.

Adriana Franco e Dauro Veras

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Durante três dias, dirigentes sindicais, trabalhadores,

s dez anos do Instituto Observatório Social foram comemorados de 27 a 29 de novembro de 2007, em São Paulo, durante a 7ª Conferência Internacional Pesquisa e Ação Sindical. O evento marcado por seminários e debates sobre a situação atual e as perspectivas do mundo do trabalho. Participaram pesquisadores, dirigentes sindicais do Brasil e de outros países, representantes de empresas, do governo e de instituições internacionais. Responsabilidade social empresarial, trabalho escravo, trabalho decente e direitos fundamentais do trabalho foram os principais temas de debate. Com participação ativa dos quatro sócios do IOS – CUT (Central Única dos Trabalhadores), Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Unitrabalho ((Rede Inter-Universitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho) e Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) –, o evento foi apoiado pelas organizações AFL-CIO, FNV, DGB e Friedrich Ebert Stiftung. RESULTADO A Conferência também ser-

viu para divulgar resultados práticos de pesquisas desenvolvidas pelo IOS e para ressaltar a importância da junção entre pesquisa e ação sindical. “O Observatório Social não é apenas um instrumento de pesquisa, ele tem servido, principalmente, para um resultado concreto de ação sindical”, assinalou o presidente da CUT Nacional e do Observatório Social, Artur Henrique da Silva Santos. “A partir das pesquisas feitas pelo Observatório, a ação sindical pode ser muito melhor trabalhada, com mais competência e com mais condições.” Valeir Ertle, diretor administrativo financeiro do Observatório, disse que os dez anos da organização representam um marco para o movimento sindical brasileiro. “As pesquisas contribuem para qualificar ainda mais as lutas do movimento sindical”, afirmou. “Os trabalhadores podem, através do resultado das pesquisas, conhecer detalhes sobre as empresas que muitas vezes são desconhecidos da sociedade e dos próprios trabalhadores, como, por exemplo, os estudos de cadeias produtivas”.


Fotos: Marques Casara/IOS

empresários e pesquisadores debateram na 7aConferência Pesquisa e Ação Sindical em São Paulo

Amarildo Dudu Bolito, supervisor institucional do IOS, avalia que o evento conseguiu divulgar temas abordados pelo movimento sindical e que ainda são pouco conhecidos, como Responsabilidade Social e as questões trabalhistas na China: “Foi bastante interessante avaliar e mostrar a nossa trajetória para as pessoas que estavam presentes e ainda não conheciam o Observatório, pois assim elas puderam entender a nossa atuação.” Para Jana Silverman, representante da Escola Nacional Sindical, da Colômbia, a atualidade dos temas e a qualidade dos palestrantes foram pontos fortes do evento. “Aprendi muito sobre questões que ainda não estão na agenda sindical, como a questão da China e a cadeia do alumínio”, relatou (sobre a pesquisa do alumínio, veja reportagem nesta edição). Outros 15 participantes de dez países diferentes participaram da Conferência. Cerca de cem pessoas participaram do evento, entre dirigentes sindicais, trabalhadores, representantes empresariais, pesquisadores, estudantes e demais interessados.

AVALIAÇÕES “Muitos ramos da CUT têm tido a possibilidade de se utilizar dos instrumentos e dos resultados das pesquisas do Observatório Social para melhorar a nossa ação sindical e ter uma ação sindical mais articulada, com pressão sobre as empresas para que elas cumpram os direitos dos trabalhadores. ... Um elemento fundamental que precisamos aprofundar é o [projeto] Conexão Sindical. Temos que fazer com que ele se transforme em uma ferramenta de nossos sindicatos e de troca de experiência”. Artur Henrique da Silva Santos, presidente da CUT e do IOS. “O Cedec fez questão de estar presente [nesta celebração] como parceiro de primeira hora. ... Saudamos o Observatório por esse passado tão importante, por tudo que conseguiu até o momento com projetos de conteúdo social tão expressivo”. Maria Inês Barreto, Cedec. “...quantas vezes estivemos juntos em momentos extremamente importantes: da difusão, da crítica, da reflexão, dos dilemas enfrentados pelas empresas na perspectiva da implementação de uma gestão socialmente responsável.” Caio Magri, Instituto Ethos.

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AVALIAÇÕES “Ao longo do tempo, parcerias concretas foram possíveis. ... Mais recentemente estamos trabalhando no monitoramento dos dois anos do pacto contra a erradicação do trabalho escravo. ... Esperamos poder trabalhar muito mais tempo ainda com o IOS.”

Trabalho

Andréa Bolzon, OIT.

“As ações desenvolvidas pelo Observatório Social têm sido de suma importância para o ramo químico, fortalecendo a ação sindical e potencializando a intervenção sindical organizada nos locais de trabalho. O IOS também tem importante papel na luta contra o trabalho infantil, contra a desigualdade de gênero, pela inclusão de pessoas com deficiências no mercado de trabalho, pela implementação de termos de referência em defesa dos direitos fundamentais do trabalho.” Aparecido Donizete da Silva, Confederação Nacional dos Químicos.

“Conseguimos obter mais experiência. ... Os sindicalistas mudaram alguns conceitos de como agir com as empresas. O IOS contribuiu na quebra de alguns paradigmas. As pesquisas servem como um ponto de referência e como uma alternativa para mudar”. Elisandro Marques, Comitê ThyssenKrupp.

“O Observatório já contribuiu para o setor com pesquisa em dois bancos: ABN e Santander. O resultado final – um dos pontos mais gritantes – era a pequena participação da população negra. A pesquisa resultou numa das principais campanhas do sindicato com a campanha da igualdade de oportunidade”. Deise Recoaro, Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf).

“Em 2001, quando o IOS estava se solidificando metodologicamente, percebemos que faltava o uso efetivo das pesquisas. ... Começamos a avaliar a necessidade de organizar os sindicatos para utilizá-las melhor, para que elas não se transformassem simplesmente em documentos guardados na gaveta.... Hoje, há 23 redes [de trabalhadores em multinacionais] com a participação de nove federações e confederações”. José Drummond, Projeto CUT Multi.

“Nossa presença aqui representa a quebra de um paradigma ... É a primeira vez que participamos de um processo de pesquisa que vem do movimento sindical. ... Há alguns meses fizemos uma reunião e foi a primeira vez em 20 anos que a empresa chamou o sindicato para conversar sobre assuntos que não sejam de uma pauta de reivindicações.” Luis Bulgart, gerente de RH da Alumar.

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Os debates sobre a promoção do trabalho decente e o enfrentamento ao trabalho escravo também foram momentos de destaque na Conferência Pesquisa e Ação Sindical. Sérgio Paixão, coordenador da Agenda do Trabalho Decente do Ministério do Trabalho e Emprego, explicou o conceito – que pode ser resumido nessas palavras: trabalho produtivo adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, igualdade, segurança e capaz de garantir uma vida digna. “A agenda nacional de trabalho decente é um compromisso do governo que pode ser consultado por empregadores, trabalhadores e pela sociedade civil”, disse. Ele explicou que entre as prioridades da agenda nacional, estão: gerar mais e melhores empregos com igualdade de oportunidade; erradicar o trabalho escravo e eliminar o


decente e escravo

E T A B E D M E

Trabalhador em carvoaria no Pará

trabalho infantil em suas piores formas; e fortalecer os atores tripartites e o diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática. A segunda debatedora no painel foi a coordenadora da agenda do Trabalho Decente do Governo da Bahia, Tatiana Dias Silva. O governo do seu estado foi pioneiro em definir políticas públicas específicas sobre o tema e colocá-las como prioridade da administração. Ela explicou que a base de conhecimento será feita através de estudos e publicações com o monitoramento e avaliação dos programas. Também será realizado um amplo trabalho de sensibilização e comunicação, com premiações, seminários, cursos de capacitação de gestores e técnicos e articulação de políticas setoriais. Sérgio Mendonça, representante do Dieese, disse

que sua organização de pesquisa, junto com as centrais sindicais, tem participado da construção de um diálogo social através da agenda governamental: “As centrais sindicais estão fazendo uma proposição de negociar com o governo uma agenda a partir da nossa realidade, sem deixar de discutir em todos os fóruns internacionais, sobretudo na OIT, buscando influenciar essa agenda mundial”. Para ele, a primeira coisa para gerar mais e melhores empregos é ter uma agenda de desenvolvimento que substitua o período de 15 a 20 anos em que a predominância foi o encilhamento financeiro e o pagamento da dívida. Para isso, defende, é importante ter um Estado líquido para viabilizar a solvência da dívida pública e uma política produtiva, de geração de empregos, que beneficie o investimento público e privado. “De certa forma é vem acontecendo mais recentemente”. Ronaldo Baltar, pesquisador do IOS, apresentou as principais conclusões pesquisa realizada em 2006 durante o Congresso da CUT para mostrar o que os trabalhadores pensam sobre trabalho decente (mais detalhes na edição 12 de Observatório Social Em Revista, disponível em www.os.org.br). “Há dois anos nós começamos um trabalho interno de discussão sobre como aproximar os estudos que temos desenvolvido em relação ao trabalho decente, de forma a poder instrumentalizar a ação sindical nesse debate e entrar nessa discussão do diálogo social com informações já sistematizadas sobre o tema”, disse.

Trabalho escravo

O painel seguinte contou com a presença do coordenador do Grupo Especial Móvel de Fiscalização de Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Marcelo Campos. Ele apresentou o contexto do problema em sua forma contemporânea e mostrou a conexão com nossa herança escravocrata: “Durante mais de 300 anos o Bra-

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Fiscalização. O painel também contou com a presença do presidente da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados no Estado de São Paulo), Élio Neves; Patrícia Audi, que durante cinco anos esteve à frente do programa de combate ao trabalho escravo da OIT Brasil; Rodolfo Tavares, representante da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária; e Ana Yara Paulino, pesquisadora do Observatório Social/Dieese, que mediou o debate.

Foto:Marcello Vitorino/IOS

sil se sustentou no trabalho escravo clássico, legal, no qual o escravo era um objeto que podia ser comprado e transacionado no mercado mais próximo. O país tem um histórico tão forte de trabalho escravo sustentando a produção de sua riqueza e de sua economia, que isso marca indelevelmente sua história e o comportamento contemporâneo que marcará o futuro”. Campos lembrou que comportamentos culturais não mudam da noite pro dia e que isso se manteve reproduzido principalmente no meio rural, com formas

Trabalhadora em ambiente insalubre costura calçado.

autoritárias de relacionamento entre patrões e aqueles que vendem o seu trabalho. “Um exemplo clássico disso é que, quando Getulio Vargas, com todo aquele contexto histórico, editou a Consolidação das Leis do Trabalho, lá tinha um artigo muito especial, excluindo os trabalhadores rurais. O que significa isso? Que eles eram considerados como de terceira categoria junto, é claro, com as domésticas”. Ele assinalou o marco ocorrido em 1995, quando, pela pressão dos sindicatos e organizações civis de ação sociais, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Grupo Móvel de

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O último dia da Conferência foi dedicado ao debate sobre o projeto de Monitoramento do Pacto pela erradicação do Trabalho Escravo (leia mais em texto nesta edição). Participaram pesquisadores do Observatório Social; Andréa Bolzoni e Thais Faria, da OIT; Leonardo Sakamoto, da ong e agência de notícias Repórter Brasil; João Felício, da CUT e do Conselho Diretor do IOS; Instituto Carvão Cidadão; representantes da Petrobras, Shell, Wal-Mart, Pão de Açúcar, Arcellormittal Florestas, Bertim, Viena, Grupo Maeda, IBP, Sadia e outras empresas e entidades.


Meio ambiente e comércio internacional

o

Uma questão-chave abordada pelo professor foi a da responsabilidade das empresas, especialmente as de grande porte: “Hoje temos alguns detratores das questões da responsabilidade social, da sustentabilidade, que falam: ‘Por que a empresa tem que se envolver nisso? Afinal das contas a empresa gera empregos, paga seus impostos, já está dando a sua contribuição social. A empresa não tem nada a ver, é o governo que tem que resolver os problemas sociais, trabalhistas e ambientais’. Nossa visão é diferente; a gente toma um susto quando analisa o faturamento de grandes empresas multinacionais e compara com o PIB de países”. Ele citou a General Motors, que tem faturamento superior ao PIB da Dinamarca. Referiu-se também à Wal-Mart, à Ford e outras empresas, cujas receitas de vendas de produtos durante um ano são superiores, por exemplo, ao PIB de Portugal. Uma decisão de uma empresa como a General Motors, que está presente em cerca de países, atinge transversalmente toas as populações desses países, todas as cadeias de fornecedores, todos os trabalhadores que estão lá envolvidos com a empresa. “Do ponto de vista ambiental, uma empresa como o Wal-Mart, que agora decidiu criar uma forte política

Foto: Marques Casara/IOS

O painel Multinacionais e Meio Ambiente teve palestra do professor doutor Giovanni Barontini, do Núcleo de Estudos do Futuro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ele abordou as questões relacionadas às políticas ambientais da sustentabilidade e apontou alguns dilemas importantes para as empresas: é possível crescer indefinidamente dentro de uma perspectiva de sustentabilidade? O que é produzido é realmente necessário para a sociedade? Dá para ser socialmente responsável sem ter uma atitude correta quanto à atividade fim?

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ambiental, vai criar um impacto monstruoso no planeta porque obviamente todas as suas unidades nos países onde ela atua vão seguir essa política e podem contribuir para construir um mundo melhor, com mais sustentabilidade. Nós não temos dúvidas que as grandes empresas podem e devem se envolver.” Barontini chamou a atenção para a dimensão individual da sustentabilidade. Para ele, em longo prazo, se as pessoas não mudarem, as empresas não o farão.

Projeto AMA Durante a Conferência, os pesquisadores Silvia Barrientes, do CFES/Lasos (Argentina), Limberg Chero, do Programa Laboral Plades (Peru), Jana Silverman, da Escola Nacional Sindical (Colômbia) e Lilian Arruda, do Instituto Observatório Social (Brasil) apresentaram conclusões sobre o Projeto AMA – Multinacionais e Meio Ambiente. Realizado em 2007, o estudo acompanhou o comportamento sócio-ambiental de quatro multinacionais do setor de alimentos e bebidas na América Latina: as européias Unilever e Nestlé, a brasileira Ambev e a norte-americana CocaCola. A sigla AMA se refere aos Acordos Multilaterais Ambientais. O estudo teve como área de abrangência Argentina, Brasil, Colômbia, Equador e Peru. (veja texto na página 36). Uma das principais conclusões é que o tema ambiental é quase desconhecido no mundo sindical. Boa parte dos trabalhadores entrevistados afirmou que não há cláusulas ambientais nos acordos e convenções coletivos. A maioria diz saber que a empresa tem política ambiental, mas não conhece o conteúdo dessa política e nem se envolve com essas práticas. Poucos trabalhadores ou dirigentes conhecem os protocolos e convenções ambientais. A maioria não soube informar se a empresa já causou algum dano ambiental. Entre os países pesquisados, a Colômbia é onde foram identificadas as mais graves violações de direitos. A pesquisadora Jana Silverman relatou que os trabalhadores sofrem vio-

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lação do direito a vida, liberdade e integridade física. Nos últimos anos têm sido freqüentes os casos de assassinatos de dirigentes sindicais. Há problemas de saúde e segurança, como pouca iluminação nas fábricas, muito barulho, falta manutenção das máquinas e doenças ocupacionais. Muitos trabalhadores não registram suas doenças porque temem ser demitidos.

China e América Latina A ascensão da China e os impactos sobre a América Latina sob a perspectiva dos movimentos sociais foi outro tema debatido na Conferência. Na avaliação do economista Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisador do IOS, os riscos de deslocamento da produção interna do Brasil pelas importações chinesas são elevados. O maior risco não está na concorrência dos produtos de baixo valor agregado, e sim o de empobrecimento da estrutura da produção nacional, disse. Alexandre Barbosa explicou que não é a mão-de-obra barata que irá inserir a China no mundo, e sim uma combinação de fatores que envolvem o importante papel regulador do Estado; grande quantidade de produção; forte investimento em educação, ciência e tecnologia; manifestações sociais reprimidas; elevação da produtividade agrícola; atração de multinacionais sob o modelo de joint-ventures; estímulo às exportações com câmbio administrado e incentivos fiscais; empresas mistas: oligopolistas no mercado nacional e competitivas no mercado internacional; forte presença dos empréstimos e investimentos do Estado, e aumento vertiginoso do consumo interno, entre outros. Para o pesquisador, os impactos em termos de pressão competitiva se fazem sentir diretamente sobre o emprego e as condições de trabalho. Como formas de enfrentar o fenômeno chinês, ele defende a aplicação coordenada de políticas de defesa comercial, inovação tecnológica, industriais e de financiamento de longo prazo que fortaleçam a integração regional. Também vê a necessidade de mo-

nitoramento das condições de trabalho das empresas chinesas na América Latina, pelo risco da importação de padrões trabalhistas precários. Patricio Sambonino, consultor da central sindical holandesa FNV, apresentou um panorama da situação dos trabalhadores chineses. Cerca de 250 milhões – 16,6% da população – vivem com menos de um dólar por dia. Quase 700 milhões – 47% – vivem com menos de dois dólares por dia. Estãpo ausentes direitos básicos como acesso a uma adequada seguridade social. Segundo um informe recente, mais de 200 milhões dos 758 milhões de empregados que há na China adoecem de algum tipo de enfermidade profissional. O governo não ratificou nenhum dos convênios fundamentais da OIT sobre liberdade sindical, direitos sindicais e de negociação coletiva. Hilda Sanchez, da Orit (Organização Regional Interamericana de Trabalhadores), falou sobre acordos de livre comércio e investimentos estrangeiros nos países da região da ÁsiaPacífico. Martin Pascual, do instituto de pesquisa Cendas (Chile), disse que a Ásia é o principal mercado consumidor das exportações chilenas, e que entre 80% e 90% das exportações do seu país devem ser prejudicados com o aumento das exportações chinesas. Osvaldo Battistini, do Lasos/Cefs (Argentina), afirmou que recentemente os governos do seu país e da China manifestaram o interesse em ampliar contato e negócios. Paul Castellanos, do Plades (Peru), apresentou a síntese de uma pesquisa em uma empresa chinesa instalada em seu país desde 1992, a estatal Shougang Hierro Peru. A empresa explora uma mina de ferro no litoral e em 2006 tinha 445 empregados. A empresa tem hostilidade quanto à filiação sindical, nega a negociação coletiva e aceita apenas a questão do aumento salarial, ignorando os outros pontos apresentados pelos sindicatos. Há graves problemas de saúde e segurança pela falta do uso de equipamentos de proteção individual.


ENTREVISTA

“O mercado não é um deus ao qual devemos nos curvar” Divulgação/CUT

Nesta entrevista ao Observatório Social, João Antônio Felício, secretário de relações internacionais da CUT Nacional, coloca a luta contra a Emenda 3 como uma das principais ações realizadas pela Central em 2007. Ressalta que a 4ª Marcha da Classe Trabalhadora, que reuniu 40 mil pessoas em Brasília, coroou um amplo processo de mobilização realizado pela militância cutista em 2007: “Foi um ano intenso, de muitaS mobilizações unitárias da CUT com as demais centrais. Sem esta unidade, dificilmente teríamos conseguido vencer as investidas do grande capital e de sua mídia”.

João Antônio Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT

Felício fala do trabalho realizado pela Secretaria de Relações Internacionais e da importância do Observatório Social, ao municiar o movimento sindical com dados técnicos e análises. Faz também uma análise do mandato do presidente Lula.

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Qual é a sua avaliação do trabalho desenvolvido pelo Observatório Social e qual a importância da organização para o movimento sindical? O Observatório Social é um organismo que tem por função pesquisar o mundo do trabalho, subsidiando a CUT e as entidades parceiras com informações que potencializem as ações. O Observatório vem ampliando o seu papel, tornando-se uma referência nacional e internacional ao municiar o movimento sindical com dados técnicos e análises de profunda qualidade, como o estudo contra o trabalho escravo, feito em parceria com a OIT; sobre a responsabilidade social e empresarial, com a DGB/FNV e, mais recentemente, sobre os impactos das importações chinesas na economia brasileira, também com a DGB. A seriedade e o profissionalismo têm sido as marcas do IOS. Qual é o papel da Secretaria de Relações Internacionais da CUT? O objetivo da SRI é promover o debate nas diferentes instâncias da CUT sobre a ação internacional da Central, que se guia pela defesa da auto-determinação dos povos e pela solidariedade antiimperialista. Neste momento estamos empenhados na consolidação da Confederação Sindical Internacional (CSI) e na construção da Central Sindical das Américas (CSA), estabelecendo e promovendo ações e parcerias com o foco na melhoria das condições de vida e trabalho. Buscamos estimular os dirigentes sindicais cutistas, seja na executiva nacional ou nos Ramos, para que se

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integrem nas ações de abrangência internacional, trocando experiências com organizações amigas, conhecendo as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT)... Faz parte do nosso projeto um curso de formação de dirigentes que aprimore conhecimentos na área, particularmente sobre os organismos internacionais. Participamos do Conselho da OIT, da Coordenadora das Centrais Sindicais do Cone Sul e de dezenas de entidades internacionais por meio das confederações cutistas. Nossa central, desde a sua fundação, tem uma participação ativa e marcante na vida sindical do planeta, suas opiniões são profundamente respeitadas. Qual sua avaliação sobre a 4ª Marcha da Classe Trabalhadora? A 4ª Marcha coroou um amplo processo de mobilização realizado pela militância cutista em 2007. Com 40 mil manifestantes, a nossa maior Marcha, realizada no dia 5 de dezembro, também demonstrou o amadurecimento do movimento sindical brasileiro, representado pelas suas centrais sindicais, que colocaram a identidade de classe em primeiro lugar, secundarizando divergências pontuais e priorizando o que é essencial. A construção de uma pauta unitária em defesa da redução da jornada de trabalho, de mais e melhores empregos e do fortalecimento da Seguridade Social e das políticas públicas contribuiu para fortalecer a pressão desde a base e ampliar o diálogo com a sociedade. Com maior representatividade, temos nosso poder de fogo potencializado na hora da negociação com os empresários, parlamentares e governos. É muito importante também

resgatar o estímulo dado pelas três primeiras Marchas que, ao garantir uma política de valorização do salário mínimo, possibilitou o maior índice de reajuste dos últimos 20 anos. Esta experiência, além de impactar positivamente no poder de compra, incide também sobre o inconsciente coletivo, fomentando novas ações em defesa da melhoria das condições de vida e trabalho. E o resultado... Bom, no anoitecer do dia 5 já obtivemos os primeiros resultados da Marcha: o anúncio feito pelo presidente Lula do envio ao Congresso Nacional do pedido de ratificação e regulamentação das Convenções 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece o direito à negociação coletiva no serviço público, e 158, que coíbe a demissão imotivada, pondo um freio à alta rotatividade. Além disso, o presidente se comprometeu a enraizar a democracia no local de trabalho com a eleição de representantes dos trabalhadores para os conselhos de administração de todas as empresas estatais federais. Há um entendimento de que a redução da jornada de trabalho sem redução de salário deve ser fruto de um projeto de iniciativa popular, pelo qual vamos colher milhões de assinaturas. Presente na Marcha, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, colocou a TV da casa à disposição para divulgar a importância da medida que, conforme estudos do Dieese, pode abrir mais de 2 milhões e 250 mil novas vagas. São iniciativas que se somam e dão a medida do resultado.


Qual é sua avaliação sobre o trabalho atualmente desenvolvido pela CUT? Foi um ano intenso, de muitas mobilizações unitárias da CUT com as demais centrais. Sem esta unidade, dificilmente teríamos conseguido vencer as investidas do grande capital e de sua mídia, como na batalha da Emenda 3, que queria assaltar conquistas históricas da classe trabalhadora como o direito às férias, descanso semanal remunerado, 13º, licenças maternidade e paternidade. Foi com paralisações e mobilizações nas ruas que conseguimos manter o veto presidencial contra a retirada de direitos. Acredito que desenvolvemos uma série de iniciativas que põem em relevo uma prática sindical ousada, coerente com os princípios da liberdade e da autonomia de patrões e governos, o que nos dá autoridade e nos fortalece em qualidade e quantidade. A CUT é a maior central sindical do Brasil, a quinta do mundo e continua crescendo, sem se descuidar da formação de seus dirigentes e militantes, democratizando cada vez mais o trabalho de gestão, seja nas CUTs estaduais ou nos Ramos. Faça um apanhado das principais ações da Central ao longo do ano. Inicio lembrando uma vez mais da luta contra a Emenda 3, pois é carregada de simbolismo, já que destituía o trabalhador de sua própria essência ao transformá-lo em “pessoa jurídica”, os chamados “PJs”, sem carteira e sem direito, numa relação promíscua bem ao gosto dos neoliberais, que vêem o mercado como um Deus todo poderoso ao qual deveríamos nos curvar.

Demonstramos o absurdo do PLP 01, que representaria um tiro no pé do Programa de Aceleração do Crescimento, uma camisa-de-força para os serviços públicos e para o próprio desenvolvimento nacional, ao impor limites ao investimento com pessoal. Ele inviabilizaria a realização de concursos e, conseqüentemente, de novas contratações, sabidamente necessárias para dotar o Estado de condições, valorizando os serviços e os servidores. Em defesa da Seguridade, repudiamos de forma veemente, no Fórum Nacional da Previdência, nas ruas e em todas as instâncias, a perversidade do fator previdenciário, mecanismo de arrocho imposto pelo tucanato privatista para assaltar as aposentadorias. Investimos na realização das Jornadas de Desenvolvimento, também ao lado do Dieese e das centrais, envolvendo o conjunto das regiões na formulação de um projeto para o Brasil, convictos de que é preciso estimular a capacidade crítica e criativa da classe trabalhadora, com vistas a garantir o seu protagonismo.

Integrantes da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), nos somamos à Campanha “Concessões de Rádio e TV, Quem Manda é Você”, defendendo critérios que possibilitem um controle social das concessões públicas. Nos posicionamentos também em favor de uma Conferência Nacional de Comunicação, para alastrar e enraizar o debater sobre a democratização dos meios, cada vez mais concentrados nas mãos de poucas famílias. Lideramos inúmeras mobilizações e paralisações no serviço público, exigindo recursos e respeito, elementos chaves para um atendimento de qualidade à população, principalmente a mais carente e mais necessitada. Realizamos a Caravana da Cidadania no Ramo da Construção, lutando por contrapartidas sociais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com metas de emprego e qualificação para a liberação dos investimentos públicos para um setor recordista em informalidade e em acidentes fatais. A Marcha das Margaridas, organizada pelas companheiras rurais,

A CUT é a maior central sindical do Brasil, a quinta do mundo e continua crescendo, sem se descuidar da formação de seus dirigentes e militantes, democratizando cada vez mais o trabalho de gestão, seja nas CUTs estaduais ou nos Ramos.

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cobriu novamente a Esplanada dos Ministérios, destacando o papel da mulher trabalhadora na luta pela reforma agrária, em defesa da agricultura familiar e de políticas públicas que fortaleçam o setor. E no plano internacional? No plano internacional, tivemos participação ativa em ações do movimento sindical em toda a América Latina, com presença na OIT em Genebra, na Coordenadora, empenhados na fundação e construção da CSI, na luta por trabalho decente. Estivemos em Havana somando com a Central de Trabalhadores de Cuba (CTC) na linha de frente contra os Tratados de Livre Comércio (TLCs). Na luta pela integração latino-americana, nos posicionamos de forma enfática em defesa da soberania do povo venezuelano e boliviano contra os golpistas patrocinados pelo governo norte-americano. É um momento rico da história da América Latina, onde, em que pesem as divergências, há vários governos do campo democrático-popular, como o de Lula, Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa, Tereza Kirchner e Michele Bachelet, que descortinam novos horizontes. Posso dizer que 2007 nos estimula a encarar os desafios de 2008. Começamos a retomar parcerias com o movimento sindical africano, particularmente com a central da África do Sul, a Kosatu, e também com os países de língua portuguesa. Conversamos com a CGTP e a UGT de Portugal sobre a necessidade de uma maior aproximação, de um estreitamento para pagar esta dívida social que temos com os povos africanos.

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Qual é a sua avaliação sobre o mandato do presidente Lula? O presidente Lula foi eleito e reeleito com amplo apoio popular, principalmente dos mais pobres, do movimento sindical e social, o que criou enorme expectativa. É natural que, numa sociedade de classes, todos os segmentos pressionem para que suas demandas sejam atendidas. Um governo de composição é sempre permeável a influências, o que amplia nossa responsabilidade, principalmente quando em nosso país há uma imprensa conservadora que se posiciona como partido político, disputando permanentemente para que seja aplicada a agenda neoliberal, derrotada nas eleições. Volta e meia pressionam por retrocessos, querendo fazer a roda da história girar para trás, com privatizações e perda de direitos. Neste quadro, de intensa disputa, o movimento sindical e social tem obtido inúmeras conquistas, com o maior reajuste salarial dos últimos 20 anos, a abertura de milhões de novas vagas no mercado de trabalho, melhor distribuição de renda, ampliação do Bolsa Família, reconhecimento das centrais sindicais... Um balanço positivo... Diria que o mandato é positivo, principalmente se compararmos com o desastre do governo tucano, mas há naturalmente uma disputa permanente para definir quais os rumos e a profundidade das transformações em curso. É o caso do Programa de Aceleração do Crescimento, que coloca o Estado como indutor do desenvolvimento e começa a injetar bilhões na eco-

nomia. Nós, da CUT, defendemos contrapartidas sociais no PAC, a fim de que tenhamos metas de emprego e qualificação para esses trabalhadores, fazendo com que o crescimento econômico se traduza também em melhorias efetivas no plano social. Neste sentido, inclusive, conquistamos a formação de um Grupo de Trabalho ministerial, com a participação das centrais sindicais, que terá prazo de 60 dias para apresentar suas conclusões. Não há comparação nenhuma com o governo do PSDB, que criminalizava, perseguia lideranças, demitia, como continua fazendo no Estado de São Paulo. As limitações do governo federal estão no conservadorismo da política econômica, na manutenção dos juros altos e do elevado superávit primário, que representam uma camisa-de-força para a produção nacional e o crescimento sustentável. Falta um enfrentamento ideológico mais ousado contra a propaganda da direita, que tem inúmeros instrumentos à sua disposição para pressionar por suas bandeiras, como foi no caso da CPMF. As iniciativas de democratização da mídia ainda são extremamente tímidas diante de meios que desinformam, manipulam e não dão vez nem voz ao contraditório. Lutamos por uma reforma tributária que taxe as grandes fortunas; uma reforma agrária que enfrente o latifúndio improdutivo e traga justiça social ao campo; recursos para a educação que preparem a juventude e o país para as transformações no campo da ciência e da tecnologia. Temos consciência de que é a nossa luta, a ação articulada do movimento sindical e social, que será a parteira desse novo tempo que começamos a construir.


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PROJETO AMA - MULTINACIONAIS E MEIO AMBIENTE

O comportamento de quatro empresas na América Latina Lilian Arruda *

Pesquisa conclui que as políticas ambientais de Ambev, Coca-Cola, Nestlé e Unilever são diferenciadas nos cinco países abrangidos pela pesquisa – Argentina, Brasil, Colômbia, Equador e Peru. Essas diferenças se devem a aspectos culturais, legislação nacional, pressões externas e presença das empresas no mercado nacional. As respostas sindicais também variam. Um traço comum pode ser encontrado em todos os países: trabalhadores e dirigentes sindicais conhecem pouco das políticas e ações das companhias. Questões ambientais passam largo da agenda dos acordos coletivos. *

Socióloga, pesquisadora do Instituto Observatório Social.

cc IAMsam

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N

o início de 2006 o Instituto Observatório Social reuniu os institutos CFES/Lasos da Argentina, ligado à CNA (Confederação dos Trabalhadores da Argentina), o Programa Laboral de Desarollo (Plades), do Peru, a ENS (Escola Nacional Sindical) de Medellín, Colômbia, e o consultor Victor Lopez, do Equador para desenvolver a primeira pesquisa conjunta com esses países. Denominada AMA – Multinacionais e Meio Ambiente (a sigla AMA se refere aos Acordos Multilaterais Ambientais que embasam o projeto), teve como objetivo conhecer o comportamento ambiental e sócio-trabalhista de quatro empresas do ramo de alimentos e bebidas: Ambev, Coca-Cola, Nestlé e Unilever. A realização dessa pesquisa envolveu uma série de desafios para o IOS: trabalhar com um novo tema, meio ambiente, ainda pouco explorado pelo movimento sindical e pelo próprio IOS; trabalhar com institutos de outros países, superando barreiras lingüísticas e culturais; de-

cc pedroANGELINI

Sérgio Vignes


senvolver uma metodologia que contemplasse o tema e a participação de outros países na aplicação da pesquisa. Para iniciar os estudos era necessário fazer uma reflexão a priori, partindo de algumas questões: 1. Como as empresas escolhidas apresentam publicamente suas políticas ambientais nos diferentes países? 2. Até que ponto as empresas utilizam os padrões dos acordos multilaterais ambientais para elaborar suas políticas de meio ambiente? 3. Qual é o nível de conhecimento dos trabalhadores a respeito dessas políticas ambientais?

Para responder as duas primeiras questões foi elaborada uma reflexão teórica e foram examinadas as políticas ambientais e trabalhistas das empresas estudadas. Para responder a terceira questão foram realizadas entrevistas com trabalhadores e dirigentes sindicais das empresas. Essas etapas foram realizadas por todos os países envolvidos.

Políticas e ações diferenciadas A crescente influência das empresas multinacionais na elaboração de políticas estatais e multilaterais, bem como a intervenção sócio-ambiental dessas empresas em âmbito nacional, têm levantado uma série de questionamentos por parte setores da sociedade civil, ongs, movimentos sociais – em especial o sindical – e representantes do mundo acadêmico. Este movimento questiona se o papel das empresas é apenas gerar lucros ou se, além disso, é possível desenvolver políticas, programas e ações de Responsabilidade Social e Ambiental. As grandes corporações têm influência na elaboração de regimes internacionais – tratados ou acordos multilaterais ambientais na forma de Convenções e os Protocolos (Quioto, Montreal, Cartagena, por exemplo). Por sua vez, as empresas são influenciadas pelos tratados internacionais para elaborar suas políticas ambientais. Para perceber a influência dos tratados ambientais nas políticas das empresas foram escolhidos alguns acordos multilaterais, por serem considerados os mais importantes no âmbito da OMC: · Protocolo de Montreal sobre as substâncias que destroem a Camada de Ozônio (1987) · Convenção da Basiléia sobre Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e o seu Depósito (1989) · Convenção de Roterdã sobre Procedimento para o Consentimento Prévio para o Comércio Internacional de Certos Químicos e Pesticidas Perigosos (1998) · Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (1990)

· Convenção de Mudança do Clima (1994) – O objetivo é estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. O Protocolo de Quioto (1997), assinado em 1997, faz parte da Convenção Quadro de Mudança de Clima e diferentemente da Convenção, o Protocolo estabelece metas e prazos. · Convenção de Biodiversidade ECO 92 - O objetivo da Convenção é conservar a diversidade biológica através da utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. As grandes corporações participam indiretamente nos resultados e na eficácia desses tratados internacionais, pois dispõem de recursos e tecnologia para transformar esses tratados em ações concretas nas suas políticas. Por exemplo, essas empresas têm tecnologia para diminuir as emissões de gases que causam o efeito estufa ou que destroem a camada de ozônio. As empresas, contudo, incorporam essas convenções e protocolos de forma diferente entre elas, e também desenvolvem suas políticas de maneira diferenciada em cada país. Se, por um lado, uma múlti tem a autoridade privada de elaborar e implementar normas ambientais (ISO 14000, por exemplo), por outra lado, as empresas recebem pressões sociais de organizações da sociedade civil, de movimento sociais, do movimento sindical e operário, ongs, atores sociais que também têm atuação globalizada e contra-hegemônica. As formas como as empresas vão exercer o seu poder e qual ambiente essas empresas vão encontrar nas sociedades nacionais são muito diferentes.

Os resultados da pesquisa A avaliação das políticas ambientais das empresas mostrou que elas são divulgadas de maneira diferenciada nos países estudados. A referência aos tratados ambientais na elaboração dessas políticas por parte das empresas é, também, diferenciada. Nas políticas ambientais das empresas de bebidas e alimentação os tratados selecionados são pouco citados. No processo produtivo das empresas de alimentação e bebida, a água é a matéria-prima mais utilizada e, portanto, suas políticas ambientais estão voltadas para o tratamento de efluentes. Entre os tratados ambientais escolhidos, nenhum contempla padrões internacionais sobre o uso da água. As citações de tratados são feitas de formas diferenciadas nos países estudados, mesmo porque o comportamento dessas empresas também é diferenciado nestes países considerando-se: aspectos culturais, legislação nacional, pressões externas das partes interessadas, presença da empresa no mercado nacional. Assim como o comportamento das empresas, as respostas sindicais são diferenciadas.

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Ambev É interessante ressaltar que as políticas ambientais da matriz brasileira valem para toda a América Latina e a gerência de Responsabilidade Ambiental para a América Latina localiza-se no Brasil, o maior mercado da região. Na Argentina há pouca divulgação das políticas ambientais da empresa para as partes interessadas. Além disso, houve também dificuldade de se conseguir informações dos sindicatos. Como a Ambev, com a marca Quilmes, domina o mercado de cervejas naquele país, pode-se concluir que a falta de alternativas torna a empresa muito forte e o país mais vulnerável, mais dependente de suas ações. Da mesma forma, a baixa mobilização social no contexto argentino permite à empresa não adotar políticas ambientais específicas para este país, apenas aquelas delineadas pela matriz brasileira. Mesmo assim, sabe-se que na Argentina a empresa adota algumas ações: tratamento de efluentes da unidade de produção da Quilmes e outras unidades, que podem se estender às engarrafadoras da Pepsi. A empresa conta com um grupo de gestão ambiental que se encarrega da certificação ISO 14000. As plantas certificadas são: Zarate, Mendoza, Corrientes e Tucumán. No Brasil as políticas da empresa são focadas em resultados, e a grande capacidade de mobilização das partes interessadas para esse objetivo é a marca registrada da Ambev. Essa dinâmica torna a área ambiental da empresa uma das mais ativas para o cumprimento de metas e programas de produção. As políticas ambientais são um diferencial importante, seja na cristalização desses valores e identidades para a cultura corporativa da empresa, seja na capacidade de influência direta sobre o consumidor. Nesse sentido, os dirigentes sindicais consideram que a empresa dá importância às suas políticas ambientais. A Ambev não tem o ISO 14001 porque tem um sistema de gestão próprio e, segundo os trabalhado-

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res entrevistados, é mais sofisticado que o sistema ISO. No Equador, mesmo sabendo-se dos impactos ambientais ocasionados pela produção de cerveja como as emissões de gases e contaminação da água, a Ambev não informa se faz algum controle de suas emissões ou se há um sistema de tratamento de efluentes, nem tampouco se os restos de fermentação, levedura e grãos secos são recuperados para produção de alimentação animal. A única política ambiental que a Ambev informa no Equador refere-se à reciclagem de resíduos sólidos. A ausência de um movimento sindical organizado naquele país deixa a empresa livre para agir: não há sindicatos que representem os seus trabalhadores nem tampouco movimentos sociais que questionem as políticas corporativas da empresa. O grau de vulnerabilidade do Equador não é maior pelo fato de a empresa não ser a líder do mercado. No Peru, o Sindicato Único de Trabajadores de la CIA. Cervecera AmBev Perú S.A.C. representa apenas os trabalhadores diretos da empresa. De maneira geral, as políticas ambientais da empresa referem-se ao reaproveitamento da água, ao controle de emissões de gás carbônico e à reciclagem de resíduos sólidos. Chama a atenção o desconhecimento dos trabalhadores em relação aos tratados ambientais que dão suporte ao estudo: 71,4% afirmaram desconhecer os tratados internacionais e se a empresa desenvolve práticas inspiradas por esses tratados. As políticas específicas para o Peru não estão difundidas por todo o território nacional e, em sua maioria, se resumem a programas internos e obras de projeção social. Portanto, seguindo sua política para a América do Sul, a Ambev divulga suas políticas ambientais no Peru. Pelo fato de a empresa possuir uma parte interessada importante – o movimento sindical, de não deter uma posição dominante no mercado e contar com um desempenho favorável da economia, esses fatores tornam o Peru um país menos vulnerável à ação da empresa.

Coca-Cola A pesquisa do Observatório Social constatou que, entre os países pesquisados, a Coca-Cola fez uma divulgação consolidada de suas políticas ambientais apenas no Brasil. Para os trabalhadores da CocaCola na Argentina, a empresa tem algum compromisso com o meio ambiente ao divulgar suas políticas e projetos referentes ao tema. Os trabalhadores, contudo, demonstraram pouco conhecimento acerca das políticas ambientais da empresa. A maioria não soube responder se a empresa tem ISO 14.000, mesmo porque na Argentina a companhia não informa, em seu sítio da internet, se possui a certificação. A atuação da empresa nesse país através de cinco grandes engarrafadoras não tira a capacidade de a Coca-Cola exercer grande influência através de sua marca. Porém, apesar de ter essa capacidade, pode-se presumir que a política da empresa em toda a América do Sul é focada no negócio e pouco permeável à influência das partes interessadas, em especial dos trabalhadores. No Brasil, o modelo de negócio é semelhante ao da Argentina: a empresa atua através de engarrafadoras. Trata-se de um negócio baseado na concessão de uma licença para produzir. Para compensar a fragilidade desse modelo, a Coca-Cola é a empresa que desenvolveu campanhas mais agressivas e que dispõe de projetos mais inovadores para o tema da sustentabilidade. Como o modelo de negócio está baseado na “terceirização” ostensiva e como a empresa lida com bens de consumo, necessita maximizar sua influência por meio de políticas ambientais em escala global. Em 1997 a Coca-Cola criou um sistema de Gestão Ambiental válido para os negócios no mundo, chamado de eKOsystem. Este sistema é composto de diversas práticas antes consolidadas pela empresa que tratam do gerenciamento de resíduos sólidos, tratamento de efluentes industriais, controle de gases, uso da


água, além de outras medidas de prevenção. Em 1995, a Coca-Cola foi pioneira ao adotar medidas efetivas de preservação da camada de ozônio, antes mesmo da assinatura do Protocolo de Montreal (1997). Na Colômbia, como no Brasil e na Argentina, a Coca-Cola produz e distribui a bebida através de um sistema de engarrafadoras. A pesquisa na Colômbia aponta que há sérias violações sindicais por parte da CocaCola e suas engarrafadoras, não só em relação à liberdade sindical como também no que diz respeito à vida, liberdade, e integridade física dos trabalhadores sindicalizados, e, sobretudo, os trabalhadores afiliados ao Sinaltrainal (Sindicato Nacional de Trabajadores de la Industria de Alimentos). O contexto de violência política colombiano explica, em parte, o comportamento da Coca-Cola. A empresa também desenvolveu um comportamento agressivo e intimidatório em relação às partes interessadas. Como o seu comportamento traz um risco de reputação que atinge diretamente suas marcas junto ao consumidor, a Coca-Cola desenvolve políticas ambientais extremamente agressivas e inovadoras. Entretanto, as partes interessadas, sobretudo os sindicatos, não têm participação alguma. Os principais impactos ambientais causados pela produção de Cocacola são relacionados ao uso da água, energia e materiais não-biodegradáveis para produzir de vasilhames. No país nenhuma máquina de refrigeração contém CFC, gás que diminui da camada de ozônio. Houve uma tentativa, por parte dos sindicatos e particularmente do Sinaltrainal, incluir cláusulas nas convenções coletivas comprometendo a empresa a melhorar a qualidade do ar e do meio ambiente. Porém, os negociadores para CocaCola Femsa nunca aceitaram suas propostas, com o argumento de que este tema está fora do âmbito trabalhista na mesa de negociação. No Equador não existe organização sindical na EBC (Ecuador Bottling Company), engarrafadora exclusiva da Coca-Cola, pois esta foi de-

sarticulada no fim dos anos 1990 quando houve a fusão das engarrafadoras nacionais. Há uma associação de empregados, ainda que não seja conhecida sua agenda trabalhista frente à EBC. Nesse sentido, o negócio da Coca-Cola no Equador é pouco voltado para as partes interessadas. De novo, a debilidade do movimento social equatoriano aumenta o poder de influência da empresa no país. Em relação às políticas de meio ambiente, a Coca-Cola Company enumerou três desafios principais: água, embalagem, proteção ao clima e energia. As plantas engarrafadoras da EBC de Quito e Guayaquil conseguiram o reconhecimento dos auditores representantes da Coca-Cola Company para o Sistema de Gestão Ambiental. Não é possível identificar, contudo, como o SGI incorpora as três variáveis ambientais sensíveis referidas no Relatório Ambiental de Coca-Cola. Os trabalhadores entrevistados não detalharam os tipos de impactos ambientais gerados pela empresa. No Peru, verifica-se que uma grande engarrafadora nacional (J.R. Lindley) monopoliza as atividades de envase. A Lindley tem suas próprias políticas ambientais, embora a CocaCola defina as diretrizes. O conhecimento de trabalhadores e dirigentes da Lindley em relação ao meio ambiente, se comparado com situações dos outros países pesquisados, é maior. Entre os entrevistados, 87,5% têm alto conhecimento das práticas ambientais da empresa; todos os trabalhadores conhecem a existência da certificação ISO 14000 e a maioria conhece onde é feita a captação de água. No Peru, a Coca-Cola divulga muito pouco suas políticas, assim como nos outros países da América do Sul, exceto o Brasil. Mas o comportamento da Lindley, especificamente, é mais voltado às partes interessadas e a pressão do movimento sindical é mais efetiva. Mesmo assim, mais de 50% dos entrevistados responderam que os temas ambientais não fazem parte da negociação coletiva.

Nestlé Na Argentina a pesquisa foi feita com os trabalhadores do Sindicato Argentino de la Industria de la Alimentación da unidade produtiva Magdalena, em que 90% do trabalhadores são sindicalizados. As poucas informações divulgadas pela empresa dizem respeito à compatibilidade de suas políticas ambientais com as normas internacionais voluntárias como ISO14001 e o plano de Gestão Ecológico e Auditoria da União Européia. O alto grau de sindicalização entre os trabalhadores da Nestlé pode significar a presença de uma parte interessada forte e atuante. Contudo, se o comportamento da empresa em relação à liberdade sindical é positivo, percebe-se que não há relevância quanto ao tema ambiental: as políticas ambientais são pouco divulgadas; na opinião dos trabalhadores há pouco comprometimento da empresa com o meio ambiente e os temas ambientais não são tratados nos processos de negociação. Detentora de uma marca forte, a empresa tem a possibilidade de exercer a sua influência e com isso direcionar o seu poder de negociação para determinados temas em que a questão ambiental não está incluída. No Brasil, ao contrário do que ocorre na Coca-Cola e da Ambev, a área ambiental da Nestlé não tem o mesmo destaque. Suas ações e programas estão articulados à cadeia de valor que organiza a produção dos insumos (leite, cacau e água) e as marcas. O fato de dispor de marcas e produtos muito próximos do consumidor leva à parcimônia em suas ações, programas e políticas sociais e ambientais. Adota comportamento cauteloso junto à representação de empregados, sempre aberta ao diálogo e à negociação. É uma empresa que dificilmente fecha fábricas e demite empregados de forma massiva no Brasil. Com a possibilidade de exercer ser poder brando, os trabalhadores ligados ao Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Chocolates Garoto – Nes-

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tlé de Vila Velha, na cidade de Vitória (ES), declararam, em sua maioria, que a empresa tem “muito” compromisso com o meio ambiente, embora declarem também que não há cláusulas ambientais nas convenções coletivas. A maioria dos entrevistados conhece a origem da captação da água que a empresa realiza para seu abastecimento industrial. A Nestlé tem desde 1963 uma Unidade de Tratamento de Efluentes (ETE), na fábrica Araçatuba (SP). Em 2004, a Nestlé registrou redução de 14,6% na emissão de CO2, 7,5% na emissão de CFC-11, 14,5% na de SOx e 9,3% na de NOx. A Nestlé Colômbia tem 1,4 mil trabalhadores diretos, dos quais 60% (840 trabalhadores) são membros do Sinaltrainal. Semelhante à situação em que vivem seus companheiros da Coca-Cola, os dirigentes do Sinaltrainal com vínculos trabalhistas na Nestlé padecem de violações do direito de liberdade sindical, como também direitos fundamentais à vida e à integridade física. Há evidências de que a empresa, por ação ou omissão, tem sido cúmplice em algumas de tais violações. Os principais impactos ambientais causados pela produção da Nestlé estão relacionados com o uso de energia e água, emissão de gases e o manejo de resíduos sólidos e líquidos. O uso de recursos hídricos nos processos produtivos da empresa na região Andina diminuiu 37% entre 2001 e 2004. Na Colômbia, existem plantas de tratamento de águas residuais industriais nas fábricas de Bugalagrande, Dosquebradas, Florencia e Mosquera. A Nestlé reduziu suas emissões de gases de efeito estufa (especificamente, CO2) em 35% na região andina no período 2001-2004 e deixou de usar refrigeradores que afetam a camada de ozônio, de acordo com o Protocolo de Montreal. O Sinaltrainal tentou incluir temas ambientais nas convenções, como a restauração das bacias hidrográficas, mas a Nestlé nunca as aceitou. No Equador, as políticas ambientais da Nestlé têm colocado em prática medidas que tentam evitar a contaminação da água, ar e solo.

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Como poucas no Equador, a empresa tem uma planta de tratamento de águas residuais nas unidades Guayaquil e Ecuajugos. Também desenvolve ações para depurar os gases da combustão de caldeiras bem como o uso do amoníaco para refrigeração, gás que não afeta a camada de ozônio. Os trabalhadores consultados não conhecem com precisão as políticas e ações ambientais da Nestlé, mas identificam que atividades da empresa, como a coleta de leite e emissões de caminhões de distribuição, causam impactos ambientais. A produção, que demanda muita energia térmica e água e gera grande quantidade de águas residuais com alto material orgânico, apresenta elevada concentração de produtos químicos em virtude do uso de detergentes. A grande dificuldade de execução do estudo da Nestlé Ecuador se deveu à ausência do movimento sindical. A fragilidade dos sindicatos foi aprofundada com a abertura comercial e a flexibilização dos direitos trabalhistas realizadas na década de 1990. Com isso, a Nestlé adota uma posição hermética frente aos problemas trabalhistas e ambientais. Apesar de as filiais seguirem as diretrizes ambientais da matriz, as partes interessadas têm pouco acesso ao conteúdo dessas diretrizes. A presença da Nestlé no Peru se consolidou através da compra do fabricante nacional líder de sorvetes e doces D’Onofrio em 1997; a nova empresa passou a chamar-se inicialmente Nestlé D’Onofrio del Perú S.A. O comportamento da Nestlé Peru não destoa de sua atuação em outros países: as políticas ambientais são delineadas pela matriz e, aparentemente, não têm papel de destaque quando se consideram as especificidades ambientais dos países. A empresa tem uma posição líder no mercado peruano: é detentora de marca forte, o que resulta em grande capacidade de influência. O tema ambiental, contudo, está fora da agenda controlada pela empresa. Pode-se dizer que o grau de conhecimento das políticas da empresa por parte de trabalhadores e dirigentes é pequeno. Portanto,

o NEMS (Nestlé Environmental Management System, Sistema de Gerenciamento Ambiental da Nestlé) é pouco divulgado (quase 80% dos entrevistados não conhecem ou conhecem pouco as políticas da empresa). Também há demonstração de desinteresse por parte dos dirigentes em incluir temas ambientais nas negociações. A grande maioria dos trabalhadores e todos os dirigentes responderam que os temas ambientais não fazem parte da negociação coletiva, apesar de os trabalhadores assinalarem problemas de contaminação, denúncias e danos ambientais.

Unilever Um traço comum do comportamento da Unilever nos países estudados é o processo de reestruturação permanente que essa empresa desenvolve globalmente. Na Argentina os trabalhadores da Unilever são representados principalmente por Sindicato de Trabajadores de Industrias de la Alimentación; Sindicato de Trabajadores Perfumistas y Sindicato de Trabajadores de Refinerías de Maíz. Este último, circunscrito à planta de Florida e pertencente ao único sindicato ligado à CTA (Central de Trabajadores Argentinos). Os outros pertencem à CGT (Confederación General del Trabajo). A maioria dos entrevistados declarou que a companhia é negligente quanto ao meio ambiente. Os trabalhadores sindicalizados desconhecem o tema e estavam totalmente alheios às atividades desenvolvidas pela companhia. A política global de reestruturação da Unilever permite considerar que, também na Argentina, seu comportamento está mais focado no retorno do negócio que no diálogo com as partes interessadas. Voltada para dentro, a Unilever tem políticas de Recursos Humanos bem estruturadas que tentam dar aos trabalhadores sentimento de pertencimento à empresa; percebe-se, contudo, que o diálogo com os trabalhadores e movimento sindical é difícil. No Brasil, devido à reestruturação constante e à heterogeneidade de


Foto: Daniel Monteiro/IOS

Fachada da Unilever em Vinhedo, São Paulo

sua base sindical, composta majoritariamente por sindicatos ligados à Força Sindical e “independentes”, o comportamento da empresa é o de reconhecer essa dispersão e nada fazer para superá-la. A empresa criou, apenas no Brasil, uma diretoria de assuntos sócio-ambientais para, entre outras atribuições, estabelecer relações com as partes interessadas. Essa estrutura apresenta as boas práticas para o mundo externo, ou seja, do Brasil para o mundo, e, internamente, para fóruns como órgãos públicos e ongs. A atuação da empresa em relação ao meio ambiente acontece em três frentes: consumo de água; reaproveitamento de resíduos sólidos através da racionalização de embalagens, e mudança de fonte de energia em sete das 12 unidades através de um procedimento de substituição de óleo combustível por gás natural e, com isso, redução das emissões de SOx e CO2. A Unilever Andina na Colômbia vem aplicando também políticas de reestruturação neste país, por meio da

mudança da maior parte de sua produção para fábricas no Valle del Cauca. Lá a mão-de-obra é contratada através de cooperativas de trabalho associado em que os trabalhadores recebem salários menores e não podem exercer seu direito de associação sindical e negociação coletiva. No plano de reestruturação na Colômbia, foram fechadas e transferidas unidades e demitidos trabalhadores. A atuação da empresa na área ambiental tem sido implementar novas tecnologias que diminuam os impactos ambientais – tratar e recuperar água utilizada nos processos de produção em suas fábricas em Bogotá e Valle del Cauca e atuar em conformidade com a legislação colombiana. A Unilever não adota na Colômbia, portanto, o mesmo comportamento anti-sindical da Coca-Cola e da Nestlé, mas opera no mesmo contexto político adverso. Adiciona-se aqui com um complicador: a estratégia global de reestruturação constante. Com isso, as pressões sociais são dificultadas, o papel das partes interessa-

das acaba sendo fragilizado e o diálogo social nunca é estabelecido em bases permanentes. No Equador, atualmente a Unilever emprega trabalhadores por intermediação e terceirização. Não há organizações sindicais para interferir ou questionar este tipo de contratação. Não é possível afirmar se existem organizações do tipo “comitês de empresa” ou associações de empregados. No caso da Unilever, podemos considerar que o comportamento dessa empresa no Equador é pouco voltado para as partes interessadas. A fragilidade do movimento sindical e das ações do Estado fazem o ambiente equatoriano pouco resistente às políticas agressivas de reestruturação e de implementação de ações ambientais de parte da empresa. Não há muita informação a respeito das políticas de meio ambiente da Unilever Equador. Sabe-se que é uma das grandes consumidoras de energia elétrica no país, inclusive com fontes de energia poluidoras (diesel, bunker, etc) de geradores elétricos.

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ISO 26000

Norma de Responsabilidade Social entra em novo estágio

Os meses que antecedem setembro de 2008 serão decisivos para que os diversos segmentos interessados proponham mudanças significativas no texto da norma.

Regina Queiroz * A 5ª Conferência Internacional do Grupo de Trabalho da ISO 26000 de Responsabilidade Social, realizada em Viena, Áustria, no início de novembro de 2007, estabeleceu mudanças no processo de elaboração da norma. Após mais de 7.200 comentários sobre o terceiro esboço (working draft – WD3), foi criada uma força tarefa (Integrate Draft Task Force – IDTF) para organizar um texto consistente em que sejam solucionadas as superposições, o equilíbrio e consolidação dos capítulos.

se seguia ao patamar seguinte (Commitee Draft – CD), no qual as elaborações são feitas somente por país, não mais com todos os especialistas, e devem ser apresentadas por consenso/país. Esta fórmula é prejudicial para países onde os comitês espelhos são frágeis em sua composição e, no caso da participação do stakeholders trabalhadores, mais ainda porque em muitos casos essa representação não está participando.

A criação desse grupo foi precedida por um forte debate na plenária sobre a seqüência do processo: ou se realizava mais um estágio de comentários e consultas abertas (WD4) ou

Com a decisão de realizar o WD4 – portanto, mais uma rodada de comentários –, a finalização do processo está prevista para 2010. Mas há a possibilidade de que esse prazo seja abreviado na próxima conferência, que será

Representantes brasileiros O IDTF – grupo para consolidação do texto da norma é composto por 22 membros ativos, mantendo equilíbrio entre países em desenvolvimento e os desenvolvidos. Os brasileiros que fazem parte do grupo são: Clóvis Scherer, do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), como representante dos trabalhadores; Aron Belinky, secretário-executivo do GAO, como representante das ongs, e Gustavo Ferroni, do Instituto Ethos, suplente de Aron Belinky.

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ampliando o grupo de trabalho da ISO 26000, do qual participarão os atuais membros da delegação brasileira e também vários outros representantes dos grupos de stakeholders a serem escolhidos em um processo aberto e transparente. Mais informações com clovis@dieese.org.br ou regina@os.org.br. Para entrar em contato com a ABNT/CEE/RS: milena@abnt.org.br.

realizada em Santiago em setembro de 2008. O período até lá será bastante importante e exigirá participação ativa de todas as partes interessadas. É praticamente o último momento a possibilitar, de forma individual, mudanças mais significativas no texto.

Comitê Espelho Entretanto, verdadeiramente importante é a ampliação e a consolidação do comitê espelho nacional. O comitê espelho é a composição de um grupo com representação dos seis stakeholders – trabalhadores, governo, indústria, ongs, consumidores e outros (academia, consultores) – que segue o modelo internacional do Grupo de Trabalho da ISO 26000. Todas as partes interessadas podem e devem convidar o maior número de participantes de sua área de atuação para os debates e as definições a serem apresentadas.

Atuação dos trabalhadores A 5ª Conferência Internacional do Grupo de Trabalho da ISO 26000, realizada no início de novembro de 2007 em Viena, teve um número recorde de representantes na história da ISO. Compareceram aproximadamente 390 especialistas, vindos 78 países e de 38 organizações internacionais. O segmento dos trabalhadores é o menor representado em números absolutos (apenas 13 especialistas e três observadores), mas, mesmo assim, teve uma atuação decisiva no processo, com um posicionamento que contribuiu para as principais decisões tomadas pela Plenária.

Um desafio posto para o comitê espelho é o exercício da busca pelo consenso. Uma vez que o próximo estágio do processo é a apresentação para o nível internacional das propostas por consenso-país, e não mais por especialistas dos stakeholders, os debates em torno de alguns temas e/ou procedimentos deverá exigir muita participação, empenho e negociação no sentido de buscar garantir os interesses dos vários segmentos ajustados sob o guarda-chuva da Responsabilidade Social. A importância deste comitê transcende a elaboração da norma em seu estágio atual. Um comitê espelho completo e ativo terá também como foco a discussão e o acompanhamento da implantação da norma. E é nesse momento, a implantação, que reside o potencial de êxito e expectativa do esforço empreendido até o momento por tantos países e tantos segmentos da sociedade. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) é representante oficial do Brasil na ISO. Para a ampliação e consolidação do Comitê Espelho Brasileiro da ISO 26000, a entidade, por meio da Comissão de Estudo Especial de Responsabilidade Social (ABNT/CEE/RS), está

Todos os documentos sobre a ISO 26000, o texto do esboço do trabalho (conteúdos e capítulos da norma) e os resultados da primeira reunião do IDTF, ocorrida em janeiro, estão disponíveis em www.iso.org/wgsr *

Coordenadora de Responsabilidade Social Empresarial do IOS.

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UNILEVER NA AMÉRICA LATINA

Discurso avançado, prática atrasada Foto: Observatório Social Europa

Estudo da RedLat aponta discrepância entre as declarações oficiais da empresa sobre respeito aos direitos do trabalho e a realidade nas suas fábricas em vários países.

Fábrica da Unilever na Holanda.

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Reestruturação produtiva A reestruturação produtiva na Unilever é um processo permanente de redução de custos e ganhos de eficiência, com a diminuição do efetivo e o fechamento (ou deslocamento) de linhas de produção e fábricas. Na Colômbia, em 2000, a empresa fechou a fábrica de sabonetes em Bogotá e transferiu a produção para a fábrica Varela, onde os trabalhadores são terceirizados e ganham 50% menos que os sindicalizados. Em 2002, repetiu a tática e mudou a fábrica de margarina de Bogotá ao Vale de Cauca, provocando a perda de 150 empregos. A compra da fábrica Disa em Cali também levou a prejuízos aos trabalhadores. Muitos renunciaram a seus empregos em troca de incentivos econômicos. Isso evitou que a empresa recorresse a demissões

sem justa causa para reduzir seu efetivo. No Brasil, em 2005 a Unilever anunciou o fechamento da fábrica de sorvetes Kibon, localizada na cidade de São Paulo, e a transferência de parte da produção para a unidade de Jaboatão (PE). Não houve diálogo prévio com o sindicato. A empresa entende que essa é uma decisão corporativa ligada ao negócio, e que não deve ser partilhada com sindicatos ou qualquer outro stakeholder. Nas diretrizes da OCDE, na parte relativa às relações de trabalho, recomenda-se à empresa negociar com os trabalhadores toda e qualquer mudança que afeta suas vidas, como o fechamento de fábricas e o deslocamento de linhas de produção. É verdade que a política da empresa é a de buscar realocar os empregados em outras unidades, mas a opção é avaliada pelo sindicato como complexa, dada a distância entre São Paulo e Jaboatão (cerca de 2.600 quilômetros). Além disso, a recolocação só se dará a partir do que se chama “job posting”: o trabalhador deve prestar um concurso interno para avaliação de seus conhecimentos na função solicitada em outra unidade, ainda que seja a mesma função exercida atualmente. Esse procedimento foi o mesmo adotado quando do fechamento da unidade de Vespasiano (MG), de produtos de limpeza, ocorrida em 2003. Naquela ocasião houve dispensa de 300 trabalhadores e poucos foram reaproveitados. Também em Vinhedo (SP), a linha de creme dental foi transferida para a unidade de Pernambuco com a dispensa de aproximadamente 150 empregados. A reestruturação afetou negativamente os trabalhadores da Unilever no Chile. Nos últimos oito anos a empresa fechou fábricas e demitiu aproximadamente 2 mil empregados. Em dezembro de 2004, anunciou o fechamento de três

Foto: Elizabeth Avelino/IOS

Em diversos documentos corporativos, a Unilever manifesta respeito aos direitos do trabalho. Entretanto, a prática é bem distinta. Sua estratégia de negócios não permite consolidar relações de trabalho sólidas nem reconhecer os trabalhadores e suas instâncias de representação como interlocutores fundamentais e permanentes. A conclusão é de um estudo inédito realizado pela RedLat – Rede LatinoAmericana de Pesquisa em Empresas Multinacionais. O fechamento de fábricas da empresa no Chile, na Colômbia e no Brasil confirma essa avaliação. Realizado em 2007 pelos centros de pesquisa participantes da RedLat – da qual faz parte o Instituto Observatório Social –, o estudo teve apoio da central sindical holandesa FNV. Seu objetivo era analisar o comportamento social e trabalhista da corporação anglo-holandesa em vários países latino-americanos, no contexto de uma reestruturação produtiva sem precedentes entre as grandes multinacionais do setor de alimentos e higiene e beleza. Foram observados os impactos dessas mudanças nas condições de trabalho dos empregados e dos vinculados à cadeia de produção. A Unilever se aproveita de situações de maior debilidade político-institucional, como os casos de países como Colômbia e Peru, para promover a subcontratação e a terceirização da produção e da mão-de-obra. Dessa forma, cria situações gritantes de desigualdade quanto a direitos e condições de trabalho. Há os trabalhadores diretamente contratados, com padrões laborais mais elevados, e aqueles contratados pelas empresas terceirizadas e/ou através de cooperativas de trabalho, com benefícios e direitos rebaixados. Em países como o Chile e o Brasil, o problema está na diferença de salários e benefícios entre as fábricas das diferentes divisões e unidades de negócios localizadas em diferentes regiões. Também há vários problemas relativos à liberdade sindical e à negociação coletiva. A empresa não permite a livre organização dos trabalhadores no local de trabalho e dificulta ao máximo o acesso dos dirigentes sindicais. No caso da negociação coletiva, destaca-se a dificuldade dos sindicatos em ter acesso às informações mínimas.

Fábrica da Alicorp (Unilever) no Peru.

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fábricas, com a conseqüente demissão de 250 trabalhadores, dos quais 180 são representados pelo Sindicato Nº 1 Unilever Chile. A produção de cremes dentais (Pepsodent, Signal, Mentadent C e Close Up) deve ser transferida pra as fábricas da empresa no Brasil; a de sabonetes e desodorantes (Rexona, Dove e Axe), para o México; a linha de detergentes líquidos (Quix, Vim, Soft, Cif, Drive) poderá ser terceirizada no Chile, se aprovada por estudos de viabilidade, ou então para a Argentina. Na Argentina, o fechamento da empresa Cica, localizada na província de Mendoza, para transferência de suas operações ao Brasil e ao Chile, deixou 110 empregados fixos e 160 trabalhadores temporários sem trabalho. A mudança implicou uma perda anual de 4 milhões de dólares para os produtores da região, equivalente a 15% da produção local de tomates. Em 2003 a divisão de alimentos da Unilever Bestfoods fechou a fábrica de La Cocha, na província de Tucumán, onde eram produzidos sucos de soja e molhos de tomate. A produção foi transferida para a fábrica de Pilar, em Buenos Aires. Segundo fontes da empresa, essa medida foi uma resposta à redução de consumo no Noroeste argentino e deixou mais de 50 trabalhadores desempregados.

Liberdade sindical e negociação coletiva

Foto: Banco de Imagens/IOS

As características comuns ao comportamento da Unilever em todos os países considerados, com exceção do México, são a dificuldade de os dirigentes acessarem os trabalhadores nas fábricas e a debilidade dos sindicatos

Colheita do tomate para a Unilever em Goiás

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na negociação coletiva. Um dos aspectos destacados é a falta de acesso à informação como mecanismo de empoderamento da empresa e de enfraquecimento dos sindicatos. Na Colômbia, os dirigentes do SintraUnilever Andina e Sintraimagra assinalam que existe uma cultura anti-sindical dentro da empresa, apesar das declarações da alta gerência da Unilever proclamando seu respeito à liberdade sindical. Nos últimos cinco anos a empresa tem bloqueado o acesso à fábrica a vários dirigentes sindicais. No Chile, na Frigosam, os trabalhadores dizem que a Unilever tem práticas anti-sindicais, como ameaça de demissão e demissões sem justificativa. A empresa faz valer somente os direitos adquiridos e as vitórias próprias de cada organização sindical. No Brasil, como a negociação coletiva é local e/ou através do sindicato patronal com a federação estadual, as empresas como a Unilever se valem dos dados agregados para obter vantagens na negociação coletiva. Os sindicatos, quando muito, conseguem informações apenas sobre as suas próprias unidades, o que fortalece a posição da empresa. No México, os delegados sindicais e as comissões têm licenças específicas para cumprir com suas funções; o secretário geral tem tempo integral para desempenhar suas atividades dentro da empresa. Não têm ocorrido casos de discriminação contra os trabalhadores por motivos sindicais. Também não se verificaram greves nem conflitos de destaque com a empresa nos últimos cinco anos. Em breve a íntegra do estudo estará disponível nos websites da RedLat e do Observatório Social.


CARREFOUR

CGT francesa apóia luta de trabalhadores brasileiros do Carrefour

Foto:Lucilene Binsfeld

A CGT, maior central sindical da França, considerou um escândalo inaceitável a ação do Carrefour e da polícia contra trabalhadores e dirigentes sindicais brasileiros.

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Dirigentes da CGT da França, em visita à CUT no início de dezembro de 2007, manifestaram apoio e solidariedade aos dirigentes sindicais da Contracs/CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços) e do Comitê Sindical Nacional de Trabalhadores no Grupo Carrefour, que sofreram repressão policial com violência durante manifestação pacífica em frente à multinacional francesa Carrefour. Bernard Thibault, Phillippe Texier e Hélène Bouneaud, da CGT, se dispuseram a atuar em conjunto com a Contracs/CUT e o Comitê para estabelecer um novo canal de diálogo com o Carrefour. Antes da estada de seus dirigentes no Brasil, a CGT já havia enviado carta ao diretor geral de Recursos Humanos do Carrefour na França, em que considerou um escândalo a atuação violenta e anti-sindical da empresa no Brasil. Em 30 de agosto de 2007, Contracs e Comitê Sindical Nacional dos Trabalhadores no Grupo Carrefour realizaram uma manifestação pacífica em frente ao Centro de Distribuição e loja da empresa na cidade de Osasco (SP). Cerca de setenta pessoas participaram da manifestação, reivindicando a negociação de uma PLR (participação nos lucros e resultados) justa e igualitária para os trabalhadores.

Violência Dirigentes da CUT e parlamentares – um deputado estadual e um vereador de Osasco – participaram e deram apoio à manifestação. A mesma transcorria pacífica,

mas foi tratada com truculência e inabilidade pela empresa, que chamou a Polícia Militar. Esta foi ao local e conversou tranqüilamente com os dirigentes da Contracs/CUT. Mais tarde a polícia retornou com muitos carros e motos, agindo com truculência. Mulheres foram agredidas e várias pessoas foram ameaçadas por policiais, que jogaram spray de pimenta nos olhos de dois dirigentes do Sindicato dos Comerciários de Osasco. Apesar de a presidente da Contracs/CUT avisar ao microfone “Nós vamos pacificamente recolher nosso movimento”, a polícia continuou sua atuação violenta. Três policiais atacaram inesperadamente, pelas costas, o secretário de Relações Internacionais da Contracs e diretor do Sindicomerciários do Espírito Santo, Alci Matos, que foi agredido publicamente e preso. O secretário de Comunicação da Contracs e diretor do Sindicato dos Comerciários de Osasco, Luciano Pereira Leite, também foi preso. A violência gratuita contra trabalhadores chocou quem estava presente e repercutiu por meio de entidades sindicais internacionais em vários países e veículos de comunicação. “O Carrefour não quis dialogar com os trabalhadores, numa atitude anti-sindical e ainda acionou a polícia”, relata Josinete Mara Fonseca, coordenadora do Comitê. A comitiva da CGT francesa fez questão de conhecer uma filial do Carrefour no Brasil. Representantes do Carrefour estiveram reunidos com os dirigentes franceses, da Contracs e da CUT e aceitaram voltar a dialogar com o comitê de trabalhadores e a Contracs.

Alci Matos

Trabalhadores em rede

Representantes da CGT França, junto com dirigentes da Contracs/CUT, do SindProdem e do Sindicato dos Comerciários de Osasco, visitam loja do Carrefour.

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União e diálogo. Foi com esse objetivo que a Contracs/CUT criou o Comitê Sindical Nacional dos Trabalhadores no Grupo Carrefour. Através do Comitê, trabalhadores de todo o país manifestam suas opiniões, fazem denúncias, conhecem as dificuldades de trabalhadores da mesma multinacional em outras cidades e buscam estratégias para melhorar as condições de trabalho no Carrefour. “O Comitê, composto por sindicatos da Contracs de todo o Brasil, que têm na base trabalhadores/as do Carrefour, procurou a multinacional para negociar melhores condições de trabalho e há um ano vinha dialogando sobre PLR (Participação nos Lucros e Resultados)”, relata Alci Matos, Secretário de Relações Internacionais da Contracs/CUT. As negociações seguiram até que a falta de detalhamento das metas de PLR e a impossibilidade de verificar se elas seriam possíveis de cumprir ou não levaram a um impasse nas negociações e à manifestação de 30 de outubro, em frente ao Carrefour em Osasco.


Ação lamentável Fotos: Suzana Vier

Dirigentes sindicais questionam preparo da polícia e exigem respeito aos movimentos sociais. A ação ou reação da polícia aos movimentos populares, sociais e sindicais tem deixado seqüelas, especialmente nas vítimas das agressões policiais. E não é só. “A sociedade se pergunta: a polícia não deveria proteger os cidadãos? Porque usar o contingente policial, pessoas e armamentos, contra os trabalhadores?”, questiona Lucilene Binsfeld, presidente da Contracs/CUT. Uma pesquisa rápida na internet revela que esse tipo de ocorrência visita constantemente as páginas dos jornais, especialmente as dos movimentos sindical e social. Só em 2007 foram dezenas os casos – conhecidos, sem contar os que não chegam à imprensa – de repressão policial aos movimentos populares. “Há um nítido despreparo da Polícia Militar para lidar com os movimentos sociais, populares e de trabalhadores”, avalia José Vanilson Cordeiro, secretário de Organização da Contracs/CUT.

O Secretário de Relações Internacionais da Contracs/CUT Alci Matos Araujo - é jogado ao chão e preso, após ter sofrido inúmeras agressões.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO “Numa democracia todos têm liberdade de manifestação. Ir às ruas, reivindicar melhores condições de vida, empunhar bandeiras, vestir camisetas de luta é direito de todo o povo brasileiro” diz Valeir Ertle, diretor da Contracs e do Observatório Social. Afinal, quem não lembra da importância das manifestações do movimento “Diretas Já”? Respeito às liberdades individuais e à liberdade de expressão não é o único nó dessa história. Exercitar o diálogo social é essencial, gritam os fatos. João Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT cita que, para a OIT (Organização Internacional do Trabalho) “o diálogo social é um meio para alcançar o trabalho decente e produtivo”. “Estabelecer um diálogo verdadeiro entre empresa e trabalhadores, entre empresa e sociedade é crucial para evitarmos essas repetidas ações de truculência”, enfatiza Quintino Severo, secretário Geral da CUT, que também participou da manifestação pacífica no Carrefour de Osasco. “Não podemos esquecer que os policiais também são trabalhadores e é inadmissível que trabalhador venha a ferir trabalhador. É hora de as forças policiais compreenderem e respeitarem os movimentos sociais, populares e sindicais”.

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CONEXÃO SINDICAL: tecnologia da informação para o movimento sindical

Desde que o pesquisador norte-americano Norbert Wiener começou seus estudos sobre cibernética nos final dos anos 40, cada vez mais organizações empresariais e instituições governamentais tem buscado adaptar a tecnologia da informação para aumentar a produtividade do trabalho, controlar os lucros e agilizar o processo de tomada de decisões. A cibernética é uma palavra grega, utilizada pelo filósofo Platão, que significa “condutor”, piloto ou governo: isto é, aquilo que dá a direção.

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Um mecanismo cibernético é qualquer mecanismo “autogovernado”, não necessariamente um computador. Um termostato, por exemplo, é um mecanismo cibernético que controla uma caldeira. Mas com a invenção dos computadores nas décadas seguintes e, sobretudo, com o microcomputador pessoal da década de 80, o PC de hoje, os mecanismos digitais passaram a ser os governadores de quase todos os mecanismos. Com o passar dos anos, a palavra cibernética foi sendo substituída por computação, depois informática e


NOS ÚLTIMOS QUINZE ANOS, A INFORMÁTICA TEM TRANSFORMADO EMPRESAS E GOVERNOS NO BRASIL E NO MUNDO. E OS SINDICATOS, ESTÃO ACOMPANHANDO ESTA MUDANÇA?

Ronaldo Baltar Ana Iervolino

gerenciar a informação, para governar as decisões. No mundo de hoje, disputar a governabilidade das decisões significa saber apropriar-se da tecnologia da informação.

Empresas adiantadas

Sindicalistas aprendem a usar o ambiente virtual

atualmente “tecnologia da informação”. Esta mudança no termo ressalta que o que dá direção às ações de máquinas e pessoas não é apenas um mecanismo físico, mas sim a informação. Governar um processo, isto é, dar a direção a um processo, significa ser capaz de deter e dispor das informações necessárias à condução das ações que se quer realizar. O computador é um aparelho, mas o que é importante mesmo é a informação processada por este aparelho. Saber utilizar um computador é o caminho para

Muitos sindicatos sabem da importância dos computadores e têm investido na capacitação de dirigentes e de trabalhadores, bem como na instalação de equipamentos. Mas muitos ainda não perceberam a importância da tecnologia da informação para a ação sindical. Em uma pesquisa realizada pelo Observatório Social no último CONCUT, 57% dos dirigentes sindicais não sabiam o e-mail do sindicato ao qual pertenciam e 70% não souberam dizer se o seu sindicato tinha ou não página na internet. Mesmo entre aqueles que sabem da importância da informática, é comum pensar no computador como um substituto de equipamentos de escritório: um misto de máquina de escrever com calculadora e fax. A internet é usada pela maioria para troca de mensagens, leitura de jornais, consulta de informações, realização de serviços bancários e compras de modo geral. Parece bastante novidade, mas será que as empresas investiriam milhões anualmente na informatização de suas unidades para modernizar dois ou três equipamentos de escritório, agilizar compras, facilitar a leitura de jornais e o envio de cartas? Certamente a tecnologia da informação tem um potencial muito maior. Trata-se da gestão do conhecimento, da condução dos processos de decisão e do que delas decorre. Para o movimento sindical, apropriar-se da tecnologia da informação significa entrar na disputa pela democratização na sociedade no século XXI. Atualmente, quase todos os processos gerenciais em uma empresa são informatizados, quer dizer, são armazenados, sistematizados e disseminados por pro-

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O ambiente virtual foi reformulado para se tornar mais intuitivo e atrativo

gramas de computadores (software). Estes programas auxiliam a tomada de decisão, corrigem falhas, facilitam a colaboração e permitem a recuperação rápida de conhecimento acumulado. Se as empresas utilizam computadores em sua plena potencialidade e sindicatos se limitam a utilizar os mesmos computadores como máquinas de escrever e caixas postais para troca de e-mail, então essa disputa se tornará cada vez menos favorável aos trabalhadores. Diversas entidades já estão recuperando o terreno perdido e se apropriando da tecnologia da informação como instrumento para a ação sindical. E o investimento necessário para isso? Exatamente contra a concentração econômica em torno da propriedade dos programas de computador, que afinal são feitos pelo acúmulo de conhecimento de várias pessoas, existe um movimento de software livre. Dentro destes princípios, desde 2003 o Observatório Social desenvolve o projeto Conexão Sindical, uma plataforma para colocar a tecnologia da informação a serviço dos trabalhadores.

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Conexão Sindical: uma solução concreta O projeto Conexão Sindical atua por meio de um ambiente virtual em que os usuários registrados têm a possibilidade de fornecer informações, e não apenas ter acesso ao material publicado, como ocorre nos sites de organizações sindicais, de agências de notícias, dentre outros. A plataforma permite ainda a formação de redes, incentivando a articulação entre pessoas – sejam dirigentes, trabalhadores ou pesquisadores – para a ação sindical. Com base na experiência da utilização do sistema, no ano de 2007 foi criado um novo ambiente virtual, mais intuitivo e atrativo. Cada usuário, a partir do momento em que se registra, possui um blog dentro do site do Conexão Sindical, de forma que todos os textos que publica aparecem nesta página. Esses textos publicados podem ser em forma de artigos, dúvidas, informes ou qualquer outra através da qual os usuários prefiram trocar informações pertinentes ao meio sindical. Um novo texto publicado no

blog de um usuário assume posição de destaque na capa do site Conexão Sindical, e pode ser comentado pelos visitantes, gerando possibilidades de discussão de um tema. Os debates podem ser mais explicitamente propostos por meio da criação de grupos de discussão públicos ou privados, de acordo com a escolha do seu propositor. Atualmente há grupos com temas de alta relevância, demonstrados nos títulos, por exemplo: · A importância da informática na ação sindical · A mídia faz a cabeça do trabalhador? · Danos morais nas relações de trabalho · Jornada de trabalho e negociação coletiva · Mulheres sindicalistas · A importância da juventude no movimento sindical O novo site, no ar desde setembro, vem ampliando o número de acessos a cada semana – atualmen-


te são 800 visitas por dia. Desde sua criação o site já teve mais de 43 mil visitas, a maioria, por usuários de diferentes partes do Brasil, mas há também acessos de outros 71 países, distribuídos pelos cinco continentes. Além dos recursos já expostos, novas ferramentas serão disponibilizadas. Um exemplo é um banco de vídeos, em que alguns temas serão rapidamente apresentados para promover discussões e apresentar um pouco das pesquisas desenvolvidas pelo Observatório Social. Em breve, o sistema contará também com uma biblioteca virtual, onde poderão ser encontrados os estudos, artigos e reportagens produzidos. Futuramente os usuários poderão também promover reuniões virtuais ou participar das que forem propostas pelo Observatório Social, através de uma ferramenta de interação simultânea. A busca de informações poderá ser feita ainda em um banco de notícias, organizado desde 2002.

Oficinas Fundamental para o desenvolvimento do projeto é a realização de oficinas com trabalhadores e dirigentes. Nelas são apresentadas as ferramentas do site e as possibilidades do uso da tecnologia da informação para a ação sindical. A experiência muitas vezes detecta possibilidades de melhorias que podem ser demandadas para o alcance dos objetivos propostos. Essa atividade pode ser planejada para diversos tipos de público – desde

participantes que já são usuários da internet àqueles sem familiaridade com ferramentas de tecnologia da informação. Desde a implantação da nova plataforma, foram realizadas três oficinas em parceria com a Secretaria de Formação da CUT São Paulo e com a Escola São Paulo, totalizando 40 participantes. As duas primeiras foram em setembro: uma na capital paulista e a outra, em Santo André. A terceira foi em Guarulhos, em outubro. Houve ainda a demonstração das ferramentas do projeto durante a 7ª Conferencia Pesquisa & Ação Sindical, promovida pelo Observatório Social em dezembro deste ano, em São Paulo.

Conexão Sindical e CUT Para o presidente da CUT e do IOS, Artur Henrique da Silva Santos, nestes dez anos de existência do Observatório Social, uma das contribuições principais para a organização sindical dos trabalhadores foi na questão da comunicação. Ele frisa a importância da troca de experiências e informações entre os dirigentes sindicais: “Nesse sentido o projeto Conexão Sindical é um instrumento extremamente eficaz, que deve ser usado como uma arma para a ação sindical”. Em breve, um vídeo com a íntegra deste depoimento e outros vídeos estarão disponíveis para serem vistos e comentados no site do Conexão Sindical. Participe!

Foto: Giuliano Saneh/IOS

www.os.org.br/conex

Participantes de oficina do projeto Conexão Sindical

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UNIVERSIDADE GLOBAL DO TRABALHO

Três visões sobre um projeto inovador Pesquisadores do IOS contam sobre sua participação em cursos de mestrado na Alemanha e na África do Sul.

A Universidade Global do Trabalho (GLU em inglês) é uma rede de instituições de ensino que oferece um programa inovador voltado para o estudo crítico sobre o mundo do trabalho. Financiada pela OIT com parceiros locais e regionais, oferece cursos de mestrado em três países: Alemanha (Políticas Trabalhistas e Globalização), África do Sul (Trabalho e Desenvolvimento, Política Econômica, Globalização e Trabalho) e Brasil (Economia Social e Trabalho, na Unicamp). Em 2008 está previsto o início de um novo curso na Índia. O Instituto Observatório Social é uma das entidades participantes da GLU, projeto apoiado pelo movimento sindical internacional. Três pesquisadores do IOS contam como foi ou está sendo a experiência acadêmica e a vivência multicultural. Felipe Saboya fez parte da terceira turma, que em 2006 e 2007 estudou na Universidade de Kassel e na Escola de Ciências Econômicas de Berlim. Daniela Sampaio freqüentou a Universidade de Witwatersrand, em Johannesburg. E Luciana Hachmann está no início do curso na Alemanha.

Mais informações: http://www.global-labour-university.org/

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Foto: Mariana Naylor

Felipe Saboya (de camisa azul), pesquisador do IOS, com colegas de mestrado da África, Ásia e Leste Europeu

Novos horizontes Felipe Saboya

No início de setembro de 2006, 21 pessoas dos quatro cantos do mundo se reuniram na Alemanha com um objetivo em mente, entre outros: conhecer mais sobre o mundo do trabalho e levar essa nova bagagem de volta para a luta diária em seus países. Eu era uma delas. Posso resumir os 13 meses de passagem pelo curso em três pontos principais: o aprendizado acadêmico do curso em si, a incrível troca de experiências entre os participantes e a vivência em um país com uma cultura bem diferente. O aspecto mais interessante do curso é a sua multidisciplinaridade. Por ser focado no mundo do trabalho, lida com assuntos ligados a diferentes áreas, como ciência política, economia e sociologia. Não importa a formação, todos tiveram acesso a pelo menos algum campo novo. Como engenheiro de produção, o curso me possibilitou conhecer novos horizontes, diferentes perspectivas dentro da temática, o que acredito ter sido muito importante para a minha atuação profissional. Mais ainda, pude aprender sobre todos esses temas através do ponto de vista europeu – tanto em relação aos acadêmicos quanto à bibliografia. Isso me possibilitou ter um olhar a mais frente a temas globais conhecidos, ampliando o prisma de sua interpretação. O nosso grupo era variado em muitos aspectos, como idade, formação, área de atuação, ideologia, o que fez ser mais rica ainda a troca de experiências. Aprendi, por exemplo, desde a estrutura sindical de países africanos, passando pela situação econômica e social dos ex-países soviéticos atualmente até a longínqua culinária coreana. Hoje, quando leio alguma notícia sobre os países de origem de meus colegas, tenho a clara sensação de proximidade, por

saber exatamente quais são seus problemas – e que muitos deles são comuns a nós brasileiros. Problemas locais, mas de motivações globais. Além disso, fazia constantemente o papel de um embaixador brasileiro, na medida em que dava informações detalhadas sobre o nosso país, tamanha era a curiosidade do grupo. Nessa empreitada, alguns passaram a conhecer o Instituto Observatório Social e outros – principalmente da Europa – já eram familiares e reconheciam o nosso trabalho, o que foi muito gratificante. Por último, fui positivamente surpreendido pela Alemanha, principalmente pelo povo alemão. A idéia de um povo frio e distante caiu por terra logo nos primeiros dias. Os alemães que conheci foram bastante receptivos e interessados em outras culturas. Pude perceber isso com mais intensidade em Berlim, cidade bastante peculiar, fusão de dois mundos antes completamente distintos. Após a queda do muro, a cara da população mudou. Muitos alemães desempregados saíram e muitos estrangeiros curiosos chegaram, tornando a cidade bastante muito cosmopolita. O que não quer dizer que a meticulosa organização alemã tenha sido abandonada. Em todo lugar, as regras são criadas para os cidadãos e acima de tudo respeitadas pelos próprios. Isso se refletia também para os trabalhadores. Por isso, no dia a dia eu percebia e me convencia de que, apesar de também ter seus problemas, é uma sociedade que funciona. Refletia sobre isso diariamente, tentando olhar nossa sociedade de fora. Na volta ao meu país, sinto agora que isso me ajuda a entender melhor nossas mazelas e me dá mais subsídios como um cidadão para combatê-las.

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Aprendizado multicultural Luciana Hachmann

Foto:Mira Said

Os choques culturais, o contato com diferentes línguas, costumes, rotinas, culinárias estão definitivamente dentro do pacote de uma experiência internacional. Poucos são os exemplos que me recordo serem tão ricos em informação e aprendizado como morar, estudar e debater relevantes temas políticos, econômicos e sociais com 19 estudantes de diversos cantos do mundo. Trata-se do mestrado sobre as Políticas de Trabalho e Globalização, que estou cursando desde setembro de 2007 na Alemanha. Organizado pela Universidade Global do Trabalho, este programa tem o objetivo de promover a qualificação de líderes sindicais e/ou pessoas envolvidas com temas trabalhistas. Os principais temas estudados referem-se a questões de política social e econômica, tais como emprego, proteção social e implementação de padrões internacionais de trabalho. A proposta do curso é que estes estudantes retornem a seus países e apliquem os novos coneitos e práticas aos quais foram expostos. É um período de capacitação, aprendizado e troca de experiências com pessoas outros países. Estou morando atualmente em Kassel, onde os primeiros seis meses do curso são ministrados. Está localizada perto de Frankfurt e sua população é de 192 mil pessoas, das quais 17 mil estudantes. A partir de abril de 2008, todos os estudantes deste mestrado se mudam para Berlin para completar os seis meses restantes do curso. Kassel é pequena, bem estruturada e oferece ótimas condições de vida aos universitários. Não é uma cidade muito cara em relação a outras na Europa e está localizada num

Luciana Hachmann espera ônibus para a Universidade de Kassel, Alemanha

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ponto estratégico do mapa Alemão – caso a intenção seja desbravar o país utilizando o impecável sistema de transporte regional. A cultura alemã é bem diferente da brasileira e tenho certeza disso a cada dia que passa. É impressionante como ficamos mais patriotas quando estamos fora do nosso país. É claro que morar num país desenvolvido tem seus incontáveis méritos como segurança, infra-estrutura, melhores instituições de ensino e por aí adiante. Apesar de a cultura alemã ter seus pontos fortes e também aqueles questionáveis, a parte mais interessante de fazer este curso eu encontro dentro da sala de aula e em casa. Me refiro ao convívio diário com meus colegas de tantos países diferentes. Cada um tem uma perspectiva diferente sobre a vida, costumes e maneiras de se expressar. A língua central é o inglês e felizmente, a fluência do idioma garante a boa comunição entre as pessoas. Todos os estudantes moram no mesmo prédio. O convívio com os estudantes da Malásia, Palestina, Rússia e aqueles que pertenciam à antiga União Soviética, como Ucrânia e Quirguistão, tem sido a experiência mais rica para mim. O aprendizado vai desde a maneira diferente de as pessoas se expressarem até a história e os desafios econômicos, políticos e sociais destes países. Em relação ao aprendizado sobre questões trabalhistas e ao conteúdo do curso, não tenho dúvidas que os países em desenvolvimento como Brasil e África do Sul têm muito a acrescentar e apimentar as discussões em sala de aula e seminários afora. Existe sempre o conflito ideológico entre aqueles que nos analisam de longe, com olhar de colonizador, e nós, que lutamos por um lugar ao sol. Devido à formação acadêmica e profissional dos alunos deste curso, o posicionamento ideológico esquerdista é predominante. De qualquer forma, os conflitos ideológicos são recorrentes porque viemos de ambientes culturais diferentes. Em resumo, estes três meses que passaram foram definitavemente um mar de aprendizado e a estrutura do programa nos possibilita obter uma abordagem acadêmica sobre os desafios atuais dos atores sociais. Entendo que este é um dos grandes desafios deste programa: promover uma abordagem e análise acadêmica acerca de problemas atuais dos nossos países, principalmente no que se se refere a questões sociais e trabalhistas, para este grupo de estudantes que não tem necessariamente um perfil acadêmico, mas sim militante. Este é o desafio que irei acompanhar. De qualquer forma, ainda tenho muito a desvendar.


Foto: Arquivo pessoal

África do Sul?! Que país é este? Daniela Sampaio Daniela Sampaio no Museu do Apartheid

Minha avó me perguntou: “Onde você vai, minha filha? Pra África do Sul!! Onde fica isso?... Por que num vai para a Europa?Dizem que lá é tão bonito!!!! A África não é um lugar perigoso?” Bom, com certeza esse último comentário da minha avó estava associado com os estereótipos, os nossos preconceitos e tudo mais que a mente do ser humano consegue criar sem refletir sobre. Para mim, no período que antecedeu a viagem, a noção de que a África do Sul era um lugar inseguro estava conectada com a história do Apartheid1, mas principalmente com as notícias dos jornais, nada animadoras. Além disso, em todas as conversas com colegas que haviam visitado o país o tema violência sempre aparecia. Mesmo assim embarquei. Claro! Carregando todos os amuletos da sorte possíveis e uma boa dose de coragem. Faz um ano que pisei pela primeira vez na África do Sul, mais precisamente em Johannesburg (Johannes para os mais íntimos). Confesso que o destino me reservou a receptividade do povo africano e a violência passou longe da paulistana que infelizmente já está acostumada a conviver com a insegurança diária. Quando me perguntam qual foi o legado de minha estada, digo rapidamente que no decorrer dos quase 11 meses tive a oportunidade de apreender muitas coisas na sala de aula. Como o inglês, que era péssimo e ficou um pouco melhor; o mestrado, que me aprofundou no tema de desenvolvimento, relações trabalhistas e investimento estrangeiro, área na qual desejo continuar. Todavia, sem dúvida, o que trouxe de mais valioso não aprendi nos livros, mas no contato diário com o povo sulafricano. Sua história é regada com muito sofrimento, devido às segregações associadas a inúmeras questões como a cor da pele, a língua, a religião, etc. Esse contato foi ampliado quando conheci pessoas de todo o continente: Nigéria, Eritréia, Congo, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Botsuana, Zâmbia, Zimbábue, Gana, Costa do Marfim, Angola, Moçambique, Uganda, Togo etc. Isso foi possível porque tive a oportunidade de residir na moradia estudantil,

onde se localizavam os estudantes vindos de outras regiões da África. Dessa forma, além de me aprofundar nos temas de relações trabalhistas, impactos da globalização e desenvolvimento humano, também compreendi um pouco mais sobre as questões políticas, sociais e culturais de todo o continente. Também foi de extremo valor viver em uma sociedade na qual o dia a dia é dominado pelos conflitos sociais, essencialmente raciais. Isso me permitiu perceber como é a rotina dos cidadãos de um país que procura, através de políticas de ação afirmativa2 ou pela implantação da constituição mais democrática do mundo, superar os duros anos de segregação racial. Além disso, também presenciei a imensa imigração de pessoas advindas de países em guerra ou extremamente pobres do resto do continente para a África do Sul. Sem falar dos problemas relacionados com os índices alarmantes de HIV que assombram a vida do povo africano, tornando-se atualmente um dos desafios centrais para as políticas governamentais que visam o desenvolvimento da região. Por fim, considero que a Global Labour University é um programa inovador e sensacional, por permitir essa troca de experiência internacional entre pessoas que trabalham com questões trabalhistas, o que amplia os horizontes e o entendimento do mundo no qual se vive. Contudo, é importante reconhecer a existência de falhas que devem ser sanadas ao longo do tempo. O problema principal, a meu ver, é como fazer com que as experiências desses estudantes sejam utilizadas nacionalmente e internacionalmente em prol de um novo sindicalismo. E que assim elas sejam verdadeiros instrumentos de suporte para a reformulação dos sindicatos burocráticos e de auxílio para transformar a OIT em uma instituição na qual os trabalhadores tanto do Norte quanto do Sul tenham mais espaço de representatividade. P.S.: Quem quiser saber um pouco mais da minha estada na África do Sul pode entrar em http://www.daniafricadosul.blogspot.com/

1 O Apartheid foi uma política de segregação racial na África do Sul que teve início ainda no século XVII, momento os colonizadores chegados da Holanda colocaram em prática a separação entre brancos e negros. Essa política se tornou oficial em 1948, quando se instituiu uma lei deixando explícitas as restrições aos negros. O Apartheid terminou em 1994. 2 O ‘Black Economic Empowerment’ (BEE) é um programa econômico cujo objetivo é fazer desaparecer os desequilíbrios entre brancos, negros, indianos e mestiços (colours) – e dessa forma repartir o poder econômico e financeiro com a maior fatia dos cidadãos do país, a população negra.

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