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JOSÉ ODILO DE CALDAS BRANDÃO FILHO


josé odilo de caldas brandão filho

Povoado de Cuieiras: história e paisagem


© 2017 JOSÉ ODILO DE CALDAS BRANDÃO FILHO O AUTOR Edição CHINA FILHO Projeto gráfico e diagramação

B817p

Brandão Filho, José Odilo de Caldas Povoado de Cuieiras : história e paisagem / José Odilo de Caldas Brandão Filho. – Recife : Cepe, 2017. 274p. : il. 1. Cuieiras – Igarassu (Pe) – História. 2. Cuieiras – Igarassu (Pe) – Aspectos culturais. 3. Cuieiras – Igarassu (Pe) – Aspectos Econômicos. 4. Cuieiras – Igarassu (Pe) – Vida e Costumes Sociais. 5. Igarassu (Pe) – História. I. Título.

CDU 981.34 CDD 981.34 PeR – BPE 17-80 ISBN: 978-85-922536-0-8

Impresso no Brasil 2017 Foi feito o depósito legal


Ofereço, em forma de abraço, a todas as pessoas, em especial: Aos meus Pais (em memória), José Odilo de Caldas Brandão e Maria José Vidal Brandão; à minha esposa, Adriana, e aos meus filhos, Petros e Ruana; aos meus irmãos Júnior, Ana Luiza, Odimar, Dôra, Odinaldo, Odivaldo (em memória), Odivan (em memória), Fátima, Ody, Odilon (em memória) e Ana; a meu tio José Silvério de Caldas Brandão com extensão a todos os descendentes do casal José Domingues de Caldas Brandão e Maria Menezes do Espirito Santo Brandão; ao primo Severino Bezerra de Paula com extensão a todos os descendentes do casal Henrique Bezerra de Paula e Zepherina Maria da Conceição; a todos os moradores e ex-moradores de Cuieiras que contribuíram com este trabalho; à Dona Judite Maria da Paixão com extensão a todos os que sofreram as dores e os horrores do sistema escravista em Cuieiras.

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Agradecimentos A DEUS. Aos maiores incentivadores da minha vida: meus Pais, José Odilo e Maria José. Aos meus permanentes apoiadores e motivadores: minha esposa Adriana e meus filhos, Petros e Ruana. Aos meus irmãos, Júnior, Ana Luiza, Odimar, Dôra, Odinaldo, Odivaldo (em memória), Odivan (em memória), Fátima, Ody, Odilon (em memória) e Ana. A José Silvério de Caldas Brandão e a sua esposa, Severina Ramos de Caldas Brandão, ele sempre à disposição, ofertando todo o seu conhecimento sobre Cuieiras e fontes ao seu alcance, bem como acompanhando levantamentos de campo desta pesquisa, sendo um valioso facilitador na identificação de lugares e bens de interesse deste estudo, e, sobretudo, sendo um grande e verdadeiro entusiasta para a realização deste trabalho; ela, além de oferecer o seu conhecimento acerca de Cuieiras, decorrente de sua longa trajetória nessa comunidade, sempre se apresentou gentilmente receptiva todas as vezes em que a sua casa se transformou em local de realização desta pesquisa. A Judite Maria da Paixão, pelas intermináveis vezes que, em sua casa, nos recepcionou de forma incansável e sempre simpática e solícita em prestar todas as informações que carrega como a pessoa mais idosa, filha e moradora, de Cuieiras. A Severino Bezerra de Paula, que, apesar de se encontrar aos 87 anos e com a saúde debilitada, não mediu esforços para nos receber em sua casa, tantas vezes fossem necessárias, e, por várias horas, elucidar, de forma amistosa, todo o seu conhecimento e a sua experiência como filho e ex-morador de Cuieiras. Aos professores de história e historiadores, 5

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Jorge Ricardo de Carvalho Michilles, Guilherme Jorge Paes Barreto Neto, Leandro Nascimento de Souza, Eva Maria Macario e Afonso Ivo de Lira; ao primeiro por se dispor a orientar a monografia que embasa este trabalho, ao segundo pela disposição em facilitar o acesso a importantes fontes documentais, sobretudo, do acervo do Museu Histórico de Igarassu, aos demais pelo constante apoio e incentivos dispensados. A todos os integrantes da família Caldas Brandão, que de forma calorosa forneceram valiosos dados, inclusive permitindo o amplo acesso a particulares acervos documentais. Aos filhos e/ou moradores de Cuieiras, a seguir relacionados, pelos importantes dados concedidos, de forma gentil, e pela agradável e amigável receptividade dispensada, ao nos receberem em suas casas: irmãs Antônia Maria da Conceição e Maria José da Conceição; Maria das Dores da Silva e filhos; Damiana Maria da Conceição; Adeildo Leocadio da Silva; Severino Calixto de Oliveira e filhos; Luiza Gomes da Cruz; irmãos e pescadores de Cuieiras, Amaro Otaviano de Souza, Moaci Otávio de Souza e Josué Severino de Souza; Arlindo Calixto de Oliveira e sua companheira, Arlinda Maria da Conceição; Severino Leocadio da Silva; Cosmo Leocadio da Silva e sua companheira, Joana Maria da Conceição; irmãs Verônica Alves Damascena e Marly Alves Damascena. A Pedro Salomão do Ó, ex-morador de Cuieiras, e esposa, Maria da Conceição da Silva do Ó, pela gentileza com que nos receberam e forneceram valiosos dados para o enriquecimento deste trabalho. Aos descendentes da Senhora Maria Dias Vidal (Dona Maroquinha), pela sua valorosa contribuição para com o fortalecimento desse povoado. A Sandro Barros, Marcos Bezerra, Adailson Jorge, Fabiano Santana e Evaldo Brandão, pelo apoio técnico e operacional em atividades de campo. A todos os professores e alunos do Curso de Licenciatura em História da Funeso, pelas experiências compartilhadas durante os anos de 2011 a 2015. Ao amigo Eduardo França, pela longa parceria em defesa da preservação do patrimônio cultural. Por fim, a todas as pessoas que viveram e vivem no Povoado de Cuieiras. 6

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Sumário

Considerações iniciais 8 1. Marcos históricos 14 2. O Povo 64 3. Paisagem urbano-rural 134 Território 136 Arquitetura e morfologia urbano-rural 142 4. Paisagem sociocultural 168 Práticas socioculturais 170 Futebol e religiosidade 191 5. Paisagem econômica 206 Pesca artesanal 208 Produção de cal 225 Cultivo de coco 232 Atividades comerciais 239 Agricultura de subsistência 247 Período da Fábrica Poty 251 Considerações finais 255 Notas de referências 260


Considerações iniciais

A Comunidade de Cuieiras, pequeno povoado localizado na zona rural do Município de Igarassu, Região Metropolitana do Recife, em Pernambuco, no Nordeste do Brasil, repousa em sítios, com destaque para Muximbata, Barca e Cuieiras, que estão inseridos em uma ambiência de grande valor paisagístico e de riqueza natural, no Estuário do Rio Timbó, que, até fins da década de 1970, era conhecido como Rio Maria Farinha1. Esse rio, com nascente no Tabuleiro de Araçá, no Município de Abreu e Lima, cuja bacia hidrográfica localiza-se nos municípios de Igarassu, Paulista e Abreu e Lima, apresenta um dos mais férteis estuários da região, com aproximadamente 1.397 hectares, onde ocorre uma grande área de vegetação de mangue2. Com manguezais e remanescentes da Mata Atlântica, Cuieiras insere-se em uma ambiência que conta, além do Estuário do Rio Timbó, com a Barra Sul do Canal de Santa Cruz, onde descortinam a Ilha de Itamaracá e a charmosa Ilhota Coroa do Avião, que dialogam com o pontal de Maria Farinha e com o Oceano Atlântico. Desde 7 de fevereiro de 2002, conforme Decreto Estadual n. 24.017/2002, a Zona Estuarina do Rio Timbó e ecossistemas adjacentes trata-se de uma Área de Proteção Ambiental (APA) à qual o Povoado de Cuieiras pertence. Nessa pequena comunidade ribeirinha, composta, em sua maioria, por uma população simples, encontram-se edificações do século XVIII e XIX e inúmeras casas em pau a pique que remetem às habitações populares africanas. Essa composição revela o valor 8

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sociocultural desse lugar, que decorre, sobretudo, do histórico processo de transmissão oral das crenças, expressões, modos e ofícios de fazer estabelecidos na localidade ao longo de seu povoamento, bem como da trajetória histórica de sua consolidação como um povoado. Esse valor, em certa medida, deveu-se ao fato desse lugar estar localizado nas proximidades de importantes núcleos que narram os primórdios da história do Brasil, pósinvasão europeia, como Igarassu e Vila de Nossa Senhora da Conceição, atual Vila Velha, na Ilha de Itamaracá, além da ocorrência, em sua vizinhança e entorno, de propriedades produtivas coloniais rurais das mais antigas de Pernambuco, bem como da circunstância de estar a comunidade imersa em uma região que abrigou grupos compostos de africanos e afro-brasileiros integrantes de um dos mais resistentes movimentos libertários ocorridos no período escravista brasileiro, traduzido nos Quilombos do Catucá. Destarte, Cuieiras, lugarejo escondido e aparentemente pacato, guarda um passado com uma rica história que foi construída à margem da história até então narrada. Onde floresceu e definhou uma resistente cultura afrodescendente e onde foram registradas várias páginas da história escravista brasileira, bem como um importante capítulo da trajetória das relações de trabalho com base na mão de obra semiescrava, ocorrida no universo do extrativismo e da indústria de transformação praticados em Pernambuco, traduzido na produção de cal que ocorreu entre a última década do século XIX e meados do XX. A documentação até então acessada faz crer que a origem e a consolidação dessa Povoação estão associadas ao longo período, cerca de duzentos anos, em que as terras dessa localidade e entorno foram exploradas pelos vários sítios e unidades produtivas rurais coloniais que ali passaram a se estabelecer, provavelmente, no século XVII, sendo que de forma mais ampla no XVIII, figurando até o final do sistema escravista, fazendo uso de mão de obra cativa. Ainda assim, apesar de não haver documentação comprobatória, 9

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a localização e as características desse lugar, associadas ao contexto histórico com o qual essa localidade dialoga, tornam razoável aceitar a possibilidade de esse povoado ter surgido a partir do deslocamento, para essas áreas, de pessoas, sobretudo, derivadas de povos africanos, livres, libertos ou fugitivos do sistema escravista, em período que precede à chegada dos proprietários dessas terras, como forma de salvaguardarem suas dignidades e marcas identitárias. Sendo assim, teria ocorrido nessa localidade, ao longo de cerca de duzentos anos, um convívio entre um grupo de pessoas “autônomas”, constituído por livres, libertos e fugitivos do sistema escravista, e uma população de africanos e afro-brasileiros em situação de cativeiro. Essa composição fez de Cuieiras um povoado singular, onde, durante dois séculos de escravidão de povos africanos, existiu um grupo de afro-brasileiros, e mesmo de africanos, libertos e fugitivos, que afirmavam as suas autonomias e marcas identitárias no interior de propriedades mantidas pelo uso de mão de obra cativa. Trajetória que se configura em evidência de que parte significativa dessa comunidade compõe um grupo remanescente de um “Quilombo Desarmado”, que deve ter se constituído livre da necessidade de maiores confrontos, onde a “arma” foi o fortalecimento, ao longo do tempo, tanto através do convívio entre os pares, como através do agrupamento de novos integrantes, libertos da própria localidade e entorno, como o Engenho Gongaçary, o Sítio Olaria e os demais sítios coloniais; e das vizinhanças, como do Engenho Inhamã, das fazendas São Bento de Jaguaribe e Zumby; e, ainda, por livres e fugitivos, alguns destes, provavelmente, provenientes das matas do Catucá. Dessa forma, afirmou-se como um povoado livre, essencialmente afrobrasileiro, que viria a atingir seu auge no período que se projeta a partir da abolição do sistema escravista. 10

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Este livro teve como base a Monografia “Povoado de Cuieiras: história e paisagem”, apresentada, em 9 de dezembro de 2015, ao Departamento de História da Fundação de Ensino Superior de Olinda (Funeso), como requisito parcial para a conclusão do grau em Licenciatura Plena em História. Além de pesquisa bibliográfica e em fontes impressas (jornais e periódicos), a metodologia adotada fez uso de pesquisa documental, contemplando, sobretudo, documentação primária, levantada, majoritariamente, dos acervos do Museu Histórico de Igarassu, da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu e do Cartório do Registro Civil de Igarassu, além de acervos particulares localizados em casas de moradores e ex-moradores dessa povoação. Parte dessa documentação primária foi acessada através do portal www.familysearch.org da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Já os dados levantados em jornais foram acessados, entre outras fontes, através da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, disponibilizada em www.memoria.bn.br/hdb/periódico.aspx. Também foi realizada pesquisa de campo, contemplando observação direta, descritiva e não participante, tendo como fontes de dados elementos materiais do universo paisagístico de Cuieiras, as pessoas que ali habitam e os seus modos de vida. Através da observação direta e não participante, essa construção buscou levantar dados, ora focando elementos físicos, como as edificações, traçado urbano-rural, estradas e caminhos rurais, ruínas, materiais construtivos, lugares de convívio sociocultural, a paisagem natural, dentre outros, ora presenciando o dia a dia das práticas e dos fazeres vivenciados na construção da vida daquelas pessoas que compunham o povo desse lugarejo. Através de idas sistemáticas ao povoado, ao longo de dezoito meses, abril de 2015 a outubro de 2016, foram registrados, além dos relevantes elementos físicos identificados, práticas e momentos associados à vida econômica, social, cultural 11

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e religiosa que integram o cotidiano desse povo. Ainda como parte da metodologia, foram realizadas conversas informais e entrevistas semiestruturadas com moradores e ex-moradores de Cuieiras, dentre estes os cinco mais idosos, quais sejam: Pedro Esperidião do Ó, quando contava com 92 anos de idade; Severino Bezerra de Paula, aos 87 anos; Judite Maria da Paixão, aos 85 anos; José Silvério de Caldas Brandão e Antônia Maria da Conceição, ambos aos 83 anos.

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Sandro Barros, maio de 2015. 13

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1.

MARCOS HISTÓRICOS

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Origem e processo de formação do povoado

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A Comunidade de Cuieiras está localizada em uma região onde ocorreram alguns dos primeiros contatos e instalações dos europeus em terras “brasileiras”. O povoado encontra-se em território do atual Município de Igarassu, terras onde acredita-se que, em 1516, Cristóvão Jaques tenha fundado, às margens do Rio de Santa Cruz, canal que separa a Ilha de Itamaracá do continente, a primeira feitoria permanente na costa brasileira1. E onde, em 1535, foi fundada a Vila de Igarassu2. Nas proximidades, ao norte, encontra-se a Ilha de Itamaracá, onde teve sede a Capitania de Itamaracá, na Vila de Nossa Senhora da Conceição, atual Vila Velha, cujo ano de fundação pode ter sido 1516, embora 1534 seja o mais adotado3. Quanto à antiguidade do Povoado de Cuieiras, apesar da documentação escrita que trata sobre a localidade cobrir um período que tem início na segunda metade do século XVIII, e a notícia mais remota escrita evidenciada neste estudo se tratar de um registro de batizado4 datado de 18 de abril de 1774, que cita moradores, inclusive cativos, residentes no Sítio Muximbata, o início do seu povoamento pode ter ocorrido não mais tarde que a segunda metade do século XVII. Essa possível antiguidade decorre de características dessa região, como o fato desse vilarejo ser rodeado de aglomerados que remetem aos primeiros povoamentos do processo de colonização em terras brasileiras; a existência, no entorno e na vizinhança do povoado, de remanescentes de propriedades coloniais rurais das mais antigas de Pernambuco; a ocorrência na localidade de um rico estuário que oferece amplas possibilidades de sobrevivência autônoma, através da pesca artesanal e da catação de crustáceos e moluscos; além da existência de água potável e terras férteis. Já quanto aos fatores que motivaram o início do processo de povoamento de Cuieiras, a referida documentação escrita e material leva a crer que o mesmo se deu a partir do fato de as terras da localidade e as do entorno terem sido exploradas por cerca de duzentos anos, sendo que de forma mais ampla a partir do século XVIII, havendo a possibilidade de o início dessa 16

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exploração ter ocorrido em tempos mais recuados, permanecendo até o final do sistema escravista, através de diversos sítios e unidades produtivas rurais coloniais que fizeram uso da mão de obra cativa. Esse cenário viria a gerar um efetivo de libertos que ia permanecendo, constituindo famílias e procriando na localidade. No entanto, não é de todo descartada a hipótese de a origem dessa comunidade estar associada à migração, antes mesmo da chegada dos proprietários das terras, de um grupo de pessoas, em sua maioria libertos ou fugitivos do sistema escravista e pobres livres, que tinha naquele lugar uma possibilidade de afirmação da autonomia e da identidade, onde passou a viver em isoladas casas de pau a pique, tendo como principais atividades a pesca e a agricultura de subsistência. Desde os primórdios da humanidade, os vales dos rios se caracterizam como locais de convergência e habitação de grupos humanos. Assim foi o Rio Nilo para povos egípcios, os rios Tigre e Eufrates para povos da Mesopotâmia, e o Rio São Francisco, cuja bacia foi atrativo e caminho natural para vários grupos pré-históricos caçadores-coletores e ceramistas que se instalaram nessa região há mais de nove mil anos, onde também praticaram agricultura de subsistência em férteis solos5, local onde ainda hoje ocorrem trinta e dois grupos pré-coloniais6. Cem anos de regime escravocrata parecem ser um tempo bastante razoável para o início da procura por áreas como Cuieiras para o refúgio e a busca de autonomia por parte de libertos e fugitivos desse sistema escravista, sobretudo, em uma região fincada na província onde, em 1560, a pedido do donatário da então Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, ao Rei de Portugal, desembarcou, no Porto do Recife, o primeiro navio negreiro em terras brasileiras7, dando início à escravidão de africanos no Brasil, e que se constituiu como o quinto maior centro organizado de tráfico transatlântico de escravos do mundo. Do total de 4.846.400 africanos cativos desembarcados no Brasil, ao longo da duração do sistema escravista, 853.800 desembarcaram em Pernambuco8, dos quais, cerca de 260.000 no período de 1560 até o final do século XVII9. 17

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Evidências da origem mais remota de Cuieiras ficam ainda mais claras quando se consideram sua proximidade com as nucleações de Vila Nossa Senhora da Conceição, distante nove quilômetros, e da Vila de Igarassu, distante sete quilômetros10, e o fato de se avizinhar de algumas das mais importantes propriedades rurais de Igarassu, cuja exploração deu-se já nos séculos XVI e XVII, dentre elas os engenhos Inhamã e Jaguaribe, em terras da então Sesmaria Jaguaribe11, que foram doadas por Duarte Coelho, em 1540, à família de Vasco Fernandes12. As localidades desses engenhos já figuravam como povoações em 166513. Em Jaguaribe, também foi estabelecida uma fazenda, dos Beneditinos de Olinda, que já é mencionada em 164714. O Engenho Jaguaribe, cujo porto de escoamento de produção ficava a cerca de quatro quilômetros do Porto de Cuieiras pelo Rio Maria Farinha15, teria sido fundado já no final da primeira metade do século XVI, possivelmente financiado por uma ajuda régia solicitada a D. João III por Duarte Coelho, em 22 de março de 1548. O referido engenho, que motivara o surgimento de um povoado já consolidado em 1665, encontrava-se desativado e em ruínas em 1674, sendo posteriormente restaurado16. Em 1812, estava arrendado pelo inglês Henry Koster, apresentando uma grande quantidade de cativos, animais, maquinário e acessórios necessários para funcionamento17. O Engenho Inhamã, que data do final do século XVI, veio a ser, em 1600, desmembrado, sendo uma das partes doada aos jesuítas do Colégio de Olinda e utilizada pelos religiosos para a construção do Engenho Monjope18, cujas estruturas ainda existem e distam, em média, pouco mais de seis quilômetros de Cuieiras19. No início da década de 1860, o Engenho Inhamã encontrava-se em produção com todos os equipamentos e estruturas necessárias20, e em 1875 ainda permanecia em funcionamento21. Vale ressaltar que as terras desse engenho fazem limite com as terras do Engenho Gongaçary22, que viria a ser instalado na área rural de Cuieiras, a apenas mil e oitocentos metros da localidade da sede do povoado, cuja localização leva a crer que o início de suas atividades 18

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tenha ocorrido em época não tão menos recuada quanto à do Engenho Inhamã, possivelmente, no século XVII. Interligando esses dois engenhos e a nucleação de Cuieiras, existe uma primitiva estrada carroçável, através da qual a distância entre a localização geográfica do Engenho Inhamã e o Núcleo de Cuieiras é bastante reduzida – corresponde a quatro quilômetros e quinhentos metros23. A Fazenda de São Bento de Jaguaribe, em terras da então Sesmaria Jaguaribe, onde ainda se encontram ruínas da Igreja de São Bento e de fornos de cal24, localizada na margem do Rio Timbó, distando da Comunidade de Cuieiras, pelo referido rio, apenas dois quilômetros e oitocentos metros25, esteve em atividade do século XVII até final do XIX. As terras que compunham essa fazenda passaram ao patrimônio do Mosteiro de São Bento de Olinda por doação ou venda, no período entre o final do século XVI à segunda metade do XVII26. Essa propriedade, movimentada com base em mão de obra cativa, visava gerar recursos para o sustento dos membros e das atividades dessa ordem através de práticas agrícolas, como os cultivos de arroz, feijão, mandioca, milho, café e legumes, mas também por meio da produção de cal, engenho de farinha e olaria27. A partir da Fazenda de São Bento de Jaguaribe, os monges beneditinos mantinham uma cadeia de comércio com a metrópole, com a qual comercializavam sal, cerâmica e cal, produzidos na referida propriedade28. O conjunto de edificações dessa fazenda chegou a ser composto por capela; casa dos monges; senzalas; olaria, com fabricação de tijolos, telhas e louças cerâmicas; salina; engenho de farinha de mandioca; armazéns e fornos de cal29, sendo este conhecido no mercado como Cal de São Bento30. Em 1871, toda a mão de obra cativa da fazenda foi alforriada e, nas últimas décadas do século XIX, os direitos sobre essa propriedade foram transmitidos para terceiros, vindo a ser desativada no final do referido século, quando entra em processo de abandono e arruinamento31. Durante as últimas décadas do século XIX, ainda continuava havendo a produção e a comercialização da Cal de São Bento32. 19

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Na área rural de Cuieiras, no entorno do vilarejo, ocorrem edificações remanescentes de propriedades produtivas ainda do período colonial brasileiro. Essas edificações apresentam composições arquiteturais que revelam a relação social e o compromisso com a fé cristã católica desse período, e encontram-se localizadas estrategicamente às margens do rio e nas proximidades de matas. Conforme Geraldo Gomes (1998, p. 23), entre os critérios de localização dos engenhos, figuravam a proximidade de água corrente, sobretudo, próximo da costa, para facilitar e baratear o transporte dos produtos para o Porto do Recife, e a ocorrência de matas, para a extração de madeira para o abastecimento das fornalhas. Uma dessas propriedades é o Engenho Gongaçary, que se situa, como já revelado, a menos de dois quilômetros do povoado, às margens do Rio Timbó, e trata-se de um engenho de produção de açúcar. Em documentação paroquial da segunda metade do século XVIII do acervo da Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu, há diversos registros de eventos religiosos, vários deles envolvendo moradores de Cuieiras, realizados na Capela de Nossa Senhora do Rosário (Figura 1), do dito engenho, templo de feições barrocas que se apresenta como única edificação do remanescente conjunto arquitetônico colonial de Gongaçary e que ainda se encontrava de pé durante a realização da pesquisa que deu base a este livro. Esse conjunto, até o final do século XIX, dispunha de casa de vivenda, casa de engenho e de caldeira, capela, senzalas, porto no Rio Maria Farinha, fornos de cal, destilaria, dentre outros bens33. A área de plantio de cana dessa propriedade chegava a se entremear com casas da nucleação de Cuieiras. Essa propriedade foi palco de episódios da Revolução Praieira, quando foi atacada pelas forças revolucionárias em 184834 e em janeiro de 184935. O episódio de 1848 é evidenciado no discurso de acusação por crime de rebelião aos envolvidos na Revolução Praieira, proferido pelo Promotor Público do termo do Recife, quando cita a ocorrência de um ataque ao Engenho Gongaçary, seguido de saque e assassinatos36. 20

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Figura 1 – Engenho Gongaçary, em Cuieiras. No destaque, a Capela de Nossa Senhora do Rosário. Maio de 2015.

A segunda propriedade trata-se do Sítio Olaria, ou Jardim da Olaria. Em sua sede, que dista mil e trezentos metros do povoado37, ainda se encontra a sua casa de vivenda, em cujas estruturas, situadas a poucos metros da margem do rio e com a sua fachada principal voltada para ele, apresenta capela no seu interior e uma senzala contígua (Figura 2), edificações que caracterizavam as construções rurais do período colonial, adequadas às relações sociais do 21

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modo de vida da época38. Também podem ser observadas, no entorno da edificação, ruínas de fornos de cal e de um porto. A ocorrência dessas unidades na localidade Cuieiras, fazendo uso da mão de obra cativa, contribuiu para o fortalecimento do povoado, ora através do intercâmbio de necessidades, sobretudo, entre os livres, libertos e os cativos, ora a partir da possibilidade da permanência na localidade daqueles que viessem a ser libertos de uma dessas unidades, bem como pela visibilidade que o local passava a ter com a prática comercial desempenhada a partir de suas propriedades. A Floresta do Catucá, as matas de uma vasta área próxima à costa, ao norte do Recife, que englobava, dentre outras, terras do Município de Igarassu, serviu, nas primeiras décadas do século XIX, como abrigo para os aquilombados do Quilombo do Catucá. O centro desse quilombo estaria situado entre as matas dos engenhos Timbó e Monjope. Embora registros que revelam a existência do Quilombo do Catucá ocorram no período entre a Revolução Pernambucana de 1817 e a Independência do Brasil, em 1822, e a sua ampliação quando da ocorrência da Confederação do Equador, em 1824, isso porque a divisão e o conflito entre as elites teria fragilizado o sistema repressivo, facilitando a fuga dos cativos e a formação de quilombos, a referida floresta possivelmente já vinha servindo de esconderijo de fugitivos do cativeiro há muito mais tempo39. O quilombo viria a ser desfeito em fins de março e início de abril de 183740. As terras onde se localiza o Povoado de Cuieiras estão relativamente próximas à referida região de mata onde se refugiavam os aquilombados do Catucá. Na verdade, essas localidades, durante muito tempo, estavam inseridas em uma única mata que abraçava as áreas de cultivo dos engenhos e fazendas, entremeada por estradas carroçáveis que permitiam a ligação entre vilas e povoados, com amplas possibilidades de refúgio de fugitivos do escravismo, bem como de comunicação secreta entre as diversas localidades distribuídas em sua vasta área. 22

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Figura 2 – Imagem acima: casa de vivenda do Sítio Olaria; Imagens abaixo: na parte central, pia batismal da capela localizada no interior dessa casa; e nos extramos, nichos da referida capela e detalhes da senzala contígua à casa de vivenda em Cuieiras. Maio de 2015.

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Período da exploração das pedreiras calcárias e da produção de cal

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Em Cuieiras e em outras localidades, no Estuário do Rio Timbó, ocorrem ruínas de fornos de cal, as quais revelam que a maioria dessas unidades produtivas apresentavam semelhantes características construtivas: edificadas em tijolos manuais e pedras calcárias, com duas aberturas, uma em forma de arco, localizada em sua parte inferior, com o fim de alimentar o interior do forno, e outra circular, localizada na parte superior, destinada à sua ventilação. Essas edificações se caracterizam como mais um forte registro de comprovação da longevidade e de um importante momento histórico no processo de consolidação desse lugar. A produção de cal no litoral norte pernambucano é uma prática de que se tem notícia desde o período de ocupação holandesa. Antônio Gonsalves de Mello (1987, p. 48-49) quando se refere às dificuldades de alojamento vivenciadas pelos holandeses após terem incendiado, em 1631, a Cidade de Olinda, no que diz respeito aos materiais de construção disponíveis, cita que a cal utilizada era de procedência da Holanda ou da Ilha de Itamaracá. Nessa ilha, durante a segunda metade do século XVII e ao longo do XVIII, houve uma grande produção de cal, em diversos pontos de sua área geográfica, sobretudo nas proximidades da Vila de Nossa Senhora da Conceição, local de maior contingente populacional e de facilidade de escoamento do produto. Grande parte da cal foi transportada através do Canal de Santa Cruz, onde, próximo a sua margem, havia vários fornos de cal41. A citada Fazenda de São Bento de Jaguaribe produzia a cal desde o século XVII. O produto, conhecido como Cal de São Bento, além de ser comercializado, era utilizado nas construções dos templos da Ordem Beneditina. Conforme anúncio veiculado no jornal O Diario Novo (PE), em 5 de março de 184342, a Fazenda de São Bento de Jaguaribe, na primeira metade do século XIX, comercializava a sua cal tanto para a produção de açúcar como para a construção civil. Ruínas desses fornos (Figuras 3 e 4), bem como da capela e casa de vivenda, ainda se encontram no local. 25

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Figura 3 – Revestimento interno das paredes dos fornos de cal localizados nas terras da antiga Fazenda de São Bento de Jaguaribe, em Abreu e Lima. Maio de 2015.

Figura 4 – Revestimento interno das paredes e abertura circular de ventilação localizada no topo dos fornos de cal situados nas terras da antiga Fazenda de São Bento de Jaguaribe, em Abreu e Lima. Maio de 2015. 26

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Durante o século XIX até meados do XX, houve uma volumosa exploração das pedreiras calcárias e produção de cal em terras do Povoado de Cuieiras. Essa produção ocupava grande parte da mão de obra masculina e feminina da localidade. Ainda ocorre nas margens do Rio Timbó, ao longo dos sítios Olaria, Cuieiras e terras de Gongaçary, uma grande quantidade de ruínas desses fornos, algumas apresentando as suas estruturas resguardadas em suas formas e integridades primitivas ou em condições de serem restauradas. Em 1860, o Senhor Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão, um dos proprietários do Sítio Cueira, solicita a arrematação da renda trienal da referida propriedade, alegando que a mesma vinha sendo usufruída de forma desigual entre os proprietários43. Conforme dados constantes em petição de 26 de setembro de 1887, o Senhor João Chrisostomo Leitão Rangel buscava, através de arrematação em hasta pública, promover o arrendamento por seis anos do Sítio Cuieira, intenção que se justificava pelo fato de a referida propriedade possuir “uma rica pedreira calcarea” que vinha sofrendo escavações desordenadas44. O documento ainda ressaltava que o arrendatário obrigava-se a desentulhar as pedreiras e aprofundar as escavações para facilitar a extração das últimas camadas de pedras. O edital de arrendamento por seis anos da propriedade Cuieira, publicado na edição de 16 de outubro de 1891, do Diario de Pernambuco45, ressalta que o valor dessa propriedade residia no fato de a mesma possuir uma rica pedreira calcária e um solo fertilíssimo. Como concorrente da Cal de São Bento, a Cal de Jaguaribe, produzida no Engenho Jaguaribe, já figurava no mercado na década de 186046. Em abril de 1866, a Cal de Jaguaribe era comercialmente disponibilizada, depositada em barricas, tendo o seu ponto de venda localizado na Praça do Corpo Santo (hoje inexistente), número 11, no Trapiche do Barbosa, Bairro do Recife47. Em fevereiro de 1869, encontrava-se à venda na Praça da Concórdia (atual Praça Joaquim Nabuco), no Recife48. Em outubro de 1884, a mesma era vendida na Rua da Cruz 27

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(atual Rua do Bom Jesus), número 33, Bairro do Recife49. No entanto, em julho de 1886, ambas as marcas encontravam-se sendo produzidas pelo proprietário do Engenho Jaguaribe, o Senhor José da Costa Pereira50. Tanto a Cal de Jaguaribe quanto a de São Bento encontravam-se à venda no mesmo endereço, na Praça da Concórdia, em Recife. A Companhia Exploradora de Productos Calcareos, com sede no Cais do Apolo, número 73, Recife, viria a ser a empresa que passaria a explorar e comercializar a Cal de Jaguaribe, produto extraído no Estuário do Rio Maria Farinha. Essa empresa, fundada em 13 de junho de 189151, tinha como fins a fabricação e a exploração de produtos calcários, dentre os quais a Cal de Jaguaribe destinada à produção do açúcar52. Na segunda metade do século XIX, e mais intensamente a partir de 1890, já no período republicano, o Brasil se prepara para receber o impacto do processo do desenvolvimento tecnológico e industrial, com um grande projeto de modernização, de reaparelhamento da infraestrutura nacional, com a implementação de redes ferroviárias, ampliação e modernização dos portos e grandes intervenções de infraestruturas urbanas53. Nesse período, ainda no final do século XIX, várias indústrias começam a ser instaladas em Pernambuco, como foi o caso da Companhia de Tecidos Paulista, instalada em Paulista em 1891 pela família Lundgren, e a Companhia Industrial Fiação e Tecidos Goyanna, fábrica de fiação e tecelagem inaugurada em Goiana em 189354. É nesse cenário que surge a Companhia Exploradora de Productos Calcareos, que, para a sua atuação, havia adquirido as pedreiras de Jaguaribe com as matas, fornos, armazéns e mais dependências, bem como o registro da marca na Junta Comercial de Pernambuco para a produção de cal branca55. Conforme consta em seu relatório de movimentação anual referente ao seu primeiro ano social, assinado em 2 de agosto de 189256, já no seu primeiro ano de existência, além dessas propriedades, também fez uso de boa parte da propriedade Cuieira, “onde 28

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explora as suas magnificas pedreiras para cal preta”. As referidas áreas de Cuieiras foram, em parte, adquiridas por compra de vários proprietários desse sítio, e outra parte utilizada através de arrendamento firmado inicialmente por seis anos. Quanto às aquisições de terras do Sítio Cuieiras, a companhia adquiriu dos senhores Hygino Leitão da Costa Machado e José Cornélio Leitão Rangel, duas partes, com Escritura Pública de Compra e Venda datada de 27 de maio de 189157; uma parte do Senhor Francisco Ignácio de Farias, com Escritura Pública de Compra e Venda datada de 19 de agosto de 189158; uma parte, com uma casa de vivenda, dos senhores Antonio Joaquim da Fonseca Galvão e Francisco Lacerda Galvão e as suas respectivas esposas, com Escritura Pública de Compra e Venda datada de 7 de outubro de 189259; dos senhores José Lopes Alheiro e Vicente Ferreira de Albuquerque Nascimento, adquiriu, em 23 de dezembro de 1892, quatro partes60. Essa companhia também veio a fazer uso da propriedade São Bento de Jaguaribe, através de arrendamento firmado em 24 de maio de 1898 com o Mosteiro de São Bento de Olinda61. Neste mesmo ano, também através do sistema de arrendamento, firmado em julho, havia passado a fazer uso de novas áreas do Sítio Cuieiras. Essa empresa ressaltava, ainda, dispor de inesgotável matéria-prima para a sua produção62. A antiguidade da exploração conjunta das pedreiras desse lugar fica ratificada quando a Companhia Exploradora de Productos Calcareos, para firmar o primeiro arrendamento dessa propriedade, conforme consta no referido relatório anual, teve que realizar “previamente um contrato com a maioria dos consenhores pelo qual se obrigava a consentir que os mesmos tirassem pedras, como até então se praticava”. Já em nota de defesa pelo não pagamento de prestações referentes ao arrendamento do Sítio Cuieiras, publicada em 1º de março de 189363, a representação da companhia cita que esse sítio pertencia a um considerável número de proprietários e que se encontrava indiviso há um século. 29

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É bem provável que a exploração dessas pedreiras por parte dos proprietários de áreas de sítios dessa localidade tenha tido início a partir do momento em que esses passaram a habitar essas propriedades, a usufruírem desses sítios coloniais, com a prática agrícola e extrativista, fazendo uso de mão de obra cativa, com registros escritos de ocorrência de residências datados da segunda metade do século XVIII, mas com evidências históricas e registros materiais que podem remeter essa exploração a meados do século XVII, talvez motivada pela produção da cal de São Bento. Não só a exploração das pedreiras, mas certamente a produção de cal na localidade também deve ser bastante recuada. Na década de 1860, a propriedade do Senhor Jeronimo Barreiro Rangel e esposa, Maria de Sant’Anna Rangel, localizada no Sítio Cuieira, contava, além de outras benfeitorias, com um forno de queimar cal. Essa propriedade, inclusive o forno, já havia sido herdada do pai do referido proprietário, Padre Jeronimo Emiliano Rangel64. A localidade de Cuieiras apresentava recursos e características extremamente favoráveis a essa produção: volumosa e qualificada jazida calcária; grande ocorrência de Mata Atlântica, que garantia uma farta disponibilidade de madeiras; facilidade de escoamento da produção, as jazidas localizavam-se na margem do Rio Maria Farinha; proximidade com o Porto do Recife; e a ocorrência de um povoado. Em anúncio veiculado no jornal A Província (PE), em 10 de novembro de 189165, a Companhia Exploradora de Productos Calcareos divulgava a venda de cal para uso na produção de açúcar, ressaltando que a qualidade dessa cal se igualava à de melhor procedência de Lisboa. Já na edição de 23 de julho de 1891, do mesmo veículo de imprensa66, a referida companhia divulga o fornecimento de cal branca e preta, ressaltando dispor de pessoal habilitado e de uma quantidade de fornos capaz de atender a qualquer contrato de fornecimento, por maior que fosse a quantidade do pedido. O grande volume de publicações comerciais veicu30

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ladas por essa companhia em periódicos como A Provincia (PE), Jornal de Recife e Diario de Pernambuco, e os alertas, como o veiculado no Diario de Pernambuco de 31 de outubro de 189567, de que ela seria a única empresa que explorava a Cal de Jaguaribe e que os verdadeiros produtos se encontravam em seu armazém, revelam o elevado volume de produção de cal por parte dessa empresa, na última década do século XIX. Essa grande produção possibilitou inclusive a abertura de representações em outros estados, como no Pará, onde havia uma vasta oferta desses produtos em Belém, conforme anúncio publicitário veiculado no jornal Folha do Norte, em 10 de maio de 189768. Após liquidação forçada, conforme Carta de Arrematação, assinada em 1º de agosto de 189969, todos os bens móveis e imóveis e direitos, inclusive aqueles sobre os arrendamentos da propriedade Cuieiras, realizados em julho de 1898, que pertenciam à Companhia Exploradora de Productos Calcareos, foram repassados em favor da arrematante Cunha & Cia.. Em nota publicada no jornal A Província (PE), em 11 de abril de 190170, a Companhia Exploradora de Productos Calcareos convida os seus credores para acerto de contas, motivada pela liquidação da empresa. O registro na Junta Comercial do Recife, da referida liquidação e do acesso da Cunha & Cia. aos remanescentes direitos tornando-se dona das fábricas de Jaguaribe e de Cuieiras, foi noticiado no jornal A Provincia (PE), em 19 de outubro de 190271. A empresa Cunha & Cia., já em janeiro de 1900, encontrava-se vendendo, no armazém de Cunha & Cia., no mesmo endereço da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, Cais do Apolo, número 73, no Bairro do Recife, em grande quantidade, a cal branca de Jaguaribe e a cal preta de Cuieira, conforme pode ser constatado em diversas publicações, como as edições dos dias 14 e 21 de janeiro e 8 de fevereiro de 1900, todas do jornal A Provincia (PE)72. No dia 15 de novembro de 1904, Cunha & Cia. inaugura uma fábrica de cimento portland, às margens do Rio Maria Farinha, no lado oposto ao Povoado de Cuieiras, em São José, que 31

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pertencia ao Município de Olinda, montada pela extinta Companhia Exploradora de Productos Calcareos, cuja autorização para a construção e exploração havia sido concedida pelo Governo da Província de Pernambuco, em 18 de outubro de 1889, ao Senhor Caetano da Costa Moreira73, que veria a ser o primeiro gerente da Companhia Exploradora de Productos Calcareos74. Para o funcionamento dessa fábrica, cuja produção inicial correspondia a 120 barricas diárias de cimento, com 100 kg cada, Cunha & Cia. fazia uso de pedreiras localizadas em São José e absorvia a mão de obra de 125 operários75. Como parte do empreendimento, foi construída uma capela em devoção a São José76. Essa talvez tenha sido a primeira fábrica brasileira desse gênero. Nesse processo de exploração, a Cunha & Cia., além das propriedades adquiridas da extinta Companhia Exploradora de Productos Calcareos, fazia uso das terras das margens do Rio Maria Farinha, no Povoado de Cuieiras, situadas entre as propriedades, ao norte, Sítio Muximbata, ao sul, Engenho Gongaçary e, a oeste, Sítio Cuieiras. Trata-se de terras da Marinha cujo título de aforamento perpétuo foi requerido pela referida empresa, conforme Edital da Delegacia Fiscal Estadual, assinado em 5 de outubro de 1905, com primeira publicação no dia seguinte ao da assinatura, no jornal A Provincia (PE) 77. Na área, ainda existem várias ruínas dos fornos utilizados. O uso dessas terras de Marinha pela Cunha & Cia. era tido como ilegal, conforme consta no Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco, publicado no Diário Oficial da União, de 27 de novembro de 194578. Em outubro de 1920, atendendo no Cais do Ramos (atual Avenida Martins de Barros), número 162, Bairro de Santo Antônio, no Recife, a Cunha & Cia. comercializava a cal virgem para a produção de açúcar; a cal branca para caiação; e a cal preta caldeada, para construção, em qualquer quantidade, conforme anúncio comercial veiculado no jornal A Provincia (PE), de 32

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11 de outubro do referido ano79. Na segunda metade da década de 1940, essa produção e venda ainda se mantinham. Em 23 de novembro de 1947, o produto se encontrava à venda no Cais de Santa Rita, número 162, no Bairro de São José, no Recife80. Como registro material remanescente desse longo período de produção da cal nessa localidade, ocorrem várias ruínas desses fornos ao longo da margem do Rio Timbó, no Sítio Cuieiras (Figuras 5, 6 e 7). Figura 5 – Detalhe do revestimento do interior de um dos fornos de cal que foram utilizados pela Companhia Exploradora de Productos Calcareos e pela Cunha & Cia, localizados no Povoado de Cuieiras. Fonte: Sandro Barros, maio de 2015.

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Figura 6 – Detalhes das aberturas, em arco, de acesso (para alimentar) ao interior de fornos de cal que foram utilizados pela Companhia Exploradora de Productos Calcareos e pela Cunha & Cia, localizados no Povoado de Cuieiras. Fonte: Sandro Barros, maio de 2015. 34

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Figura 7 – Vista superior, observando-se o interior e as duas aberturas, alimentação e ventilação, de um forno de cal que foi utilizado pela Companhia Exploradora de Productos Calcareos e pela Cunha & Cia, localizado no Povoado de Cuieiras. Fonte: Sandro Barros, abril de 2016.

Ademais dessas produções, o Engenho Gongaçary, localizado na área rural de Cuieiras, que dispunha de porto próprio, no Rio Maria Farinha, além da produção de açúcar e cachaça, dentre outras atividades, na segunda metade do século XIX, atuava no fabrico e na comercialização de cal81, atividade que já deveria ser praticada em tempos bem mais recuados. Com várias pedreiras de calcário e cinco fornos de cal (Figuras 8 e 9), em 186082, esse engenho mantinha no mercado a sua própria marca, a Cal de Gongaçary, comercializada na Praça da Concórdia, no Bairro de Santo Antônio, em Recife83. A Cal 35

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de Gongaçary disputava espaço de mercado com a Cal de Jaguaribe, inclusive com anúncios publicitários concorrentes, lado a lado, nos jornais locais, como na edição de 23 de março de 1897, do Diario de Pernambuco84. Essa produção perdurou, com grande divulgação nos jornais, até as primeiras décadas do século XX, quando era vendida na Praça Sérgio Loreto, no Recife85. Essa cal ainda encontrava-se no mercado no início da década de 194086. Produção que só deve ter sido finalizada quando da aquisição do Engenho pelas Indústrias Votorantim, que ocorreu em 28 de fevereiro de 1940, conforme consta no já citado Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco. Figura 8 – Interior e as duas aberturas de um forno de cal localizado nas terras do Engenho Gongaçary, em Cuieiras. Abril de 2016.

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Figura 9 – Imagem superior: interior de um dos três fornos, sequenciados, pertencentes a uma estrutura integrada; imagem inferior: paredes de contenção dos referidos fornos, localizados nas terras do Engenho Gongaçary, em Cuieiras. Abril de 2016.

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Além das produções já citadas, outras propriedades locais e das vizinhanças do vilarejo, localizadas nas margens do Rio Maria Farinha, aparentemente sem marcas publicitárias, também praticaram a produção de cal. Nas vizinhanças, destaca-se a Fazenda Zumby, localizada a dois quilômetros do povoado87. No Inventário dos Bens do Senhor Frederico Marques da Costa Soares, iniciado em 13 de julho de 1900, consta uma propriedade de terras, denominada Jardim de Zumby, em Nova Cruz, casa de vivenda de pedra e cal e árvores frutíferas88. Já no Inventário dos Bens da Senhora Josepha Martinha da Costa Soares, iniciado em 23 de março de 1904, constam duas partes da propriedade Jardim de Zumby, com casa de vivenda e estribaria, ambas de pedra e cal, fornos para queimar cal, coqueiral e diversas árvores de frutos89. Nesses inventários, ainda consta uma parte da propriedade Cuieira, com uma casa de vivenda, fornos de queimar cal e uma “rica pedreira calcarea”. Com base nessa relação de bens, deduz-se que a Fazenda Zumby, para a produção da sua cal, certamente também fazia uso das pedreiras e fornos desse lugarejo. Nas terras dessa propriedade, ainda ocorrem ruínas de sua sede colonial, com casa de vivenda, senzalas e fornos de cal. Já em Cuieiras, encontra-se, em sua área rural, o citado Sítio Olaria, que, além de outras frentes, como o fabrico de telhas e tijolos cerâmicos, produção ratificada pelas atividades desempenhadas por cativos dessa propriedade90 e cuja denominação do sítio já denuncia, também produzia cal. Em terras dessa propriedade, ainda se encontram ruínas de fornos destinados à queima de calcário e do porto por onde essa produção era escoada. No povoado, em partes do Sítio Cuieiras, certamente que a produção artesanal de cal foi uma prática bastante recuada para boa parte dos proprietários de terra dessa área. Como visto, o Senhor Jeronimo Barreiro Rangel, na década de 1860, havia herdado do seu pai, o Padre Jeronimo Emiliano Rangel, uma propriedade, localizada no Sítio Cuieira, que contava, além de outras benfeitorias, com um forno de queimar cal. 38

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No referido sítio, ainda se encontra uma casa de vivenda, onde, a partir da década de 1910, havia uma mercearia de propriedade do Senhor João Baptista de Caldas Brandão91, de onde, além de negociar com produtos diversos, esse cidadão gerenciava a produção e comercialização de sal, de cal e de pequenas embarcações. No local, ainda encontram-se ruínas de três fornos destinados a essa produção (Figura 10). Quando do falecimento do referido proprietário, em 1935, figurava entre seus bens, um forno de queimar cal com capacidade de cem alqueires92. Figura 10 – Ruínas de um dos fornos de cal da produção do Senhor João Baptista de Caldas Brandão, em Cuieiras. Fonte: Sandro Barros, abril de 2016.

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A grande disponibilidade desses produtos calcários, conforme anunciado pelas empresas (Figura 11), revela a quantidade de fornos e de pessoas que atuavam nessa produção nas margens do Rio Maria Farinha, sobretudo, em Cuieiras. Certamente as produções isoladas, como a da Fazenda Zumby e do Sítio Olaria, deveriam, dentre outras formas de comercialização, ser fornecidas para essas empresas, após o início da atuação das mesmas, como já deveria ser feito na época da produção da Cal de São Bento.

Figura 11 – Recortes de anúncios de venda da cal produzida no Estuário do Rio Maria Farinha no século XIX e início do XX. Na esquerda: produtos da Empresa Cunha & Cia, publicados no Jornal A Provincia (PE), de 14 de janeiro de 1900; na direita: produção do Engenho Jaguaribe e da Fazenda de São Bento de Jaguaribe, publicação do Diario de Pernambuco, de 16 de julho de 1866; e produto do Engenho Gongaçary, publicado no Diario de Pernambuco, em 13 de maio de 1892. Fontes: A Provincia (PE) e Diario de Pernambuco. 40

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Conforme consta no Annuario Commercial, Industrial, Agricola, Profissional e Administrativo da República dos Estados Unidos do Brasil para 1919 -1929, a cal constava entre os principais produtos de exportação de Igarassu93. Durante o século XIX, diante das limitações e precariedades do transporte terrestre, que se dava, essencialmente, através do uso de cavalos e carros de boi, as principais alternativas eram as vias fluvial e marítima. Os jornais da época estampavam nas suas páginas anúncios de viagens marítimas e publicavam as diversas saídas e entradas, no Porto do Recife, de embarcações locais, regionais e internacionais. Visualiza-se nessas publicações o intenso trânsito de pequenas e médias embarcações, como canoas e barcaças, que percorriam os rios da região. O fluxo de transporte fluvial nos canais e rios em trechos urbanos e suburbanos do Recife era tão intenso que impulsionava a especulação desse sistema através de uma verdadeira avalanche de construções irregulares de cais e ancoradouros, a partir dos quais abriam-se as estradas, os becos e os largos que vieram a marcar a composição urbana da Cidade no século XIX94. A quantidade de canoeiros no Recife, na primeira metade do século XIX, era de tal ordem que eles chegaram a possuir uma capela, onde celebravam a festa de Nossa Senhora da Conceição95. Destarte, a produção da cal de Cuieiras e entorno era escoada fazendo-se uso do transporte fluvial e marítimo, a partir dos portos localizados ao longo das margens do Rio Maria Farinha. O produto era escoado, através de pequenas embarcações, para o Porto do Recife. O já citado relatório de movimentação anual da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, referente ao seu primeiro ano social, assinado em 2 de agosto de 1892, revela que essa companhia possuía três barcaças, denominadas de Jaguaribe, S. José e Cuieira, responsáveis pelos transportes dos seus produtos para o Recife, e três canoas destinadas ao transporte de pedras, lenhas e outros objetos entre as propriedades da empresa. Nesse relatório, ocorre a defesa de que a realização dos transportes dos produtos da companhia por meio de embarcações de sua propriedade tra41

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duzia-se em grande vantagem. Dessa forma, o transporte era, prioritariamente, realizado fazendo-se uso de embarcações próprias, reduzindo os custos desse serviço. Do século XIX ao início do XX, nos inventários dos moradores e proprietários de terras de Cuieiras e vizinhanças, era bastante comum a citação de embarcações entre os seus bens, desde barcaças, em geral para aqueles que necessitavam escoar as suas produções, até simples canoas para uso cotidiano, como os casos da já citada Senhora Josepha Martinha da Costa Soares, que foi proprietária da Fazenda Zumby, em cujo inventário constam duas barcaças, denominadas Pery e Jardim de Zumby, e três canoas, uma grande e duas pequenas96; e o do Senhor José Gonçalves Rangel, que em seu inventário, iniciado em 15 de maio de 1893, consta uma canoa dentre os bens de sua propriedade97. Tais registros revelam o quanto o povo desse lugarejo fazia uso do transporte embarcado nas águas do Rio Maria Farinha. As publicações nos jornais de circulação local das movimentações diárias do Porto do Recife demonstram que a utilização do transporte de cabotagem através de pequenas embarcações ainda permaneceu em grande volume durante as primeiras décadas do século XX. Esse fluxo de embarcações ainda revela a quantidade e a procedência da cal que chegava ao Porto do Recife para a comercialização. As entradas de pequena cabotagem no dia 20 de novembro de 1914, por exemplo, registram sete embarcações carregadas de cal de procedência das margens do Rio Maria Farinha, ou seja, Nova Cruz, Cuieiras e Jaguaribe98. Na quinta-feira, 11 de abril de 1929, ocorreu um fato que, ao mesmo tempo em que registra essa prática de transporte no referido período, dialoga com a história da produção de cal na Povoação de Cuieiras. Nesse dia, a barcaça Cuieira, de propriedade da empresa Cunha e Cia., que transportava a cal produzida em Cuieiras para o Porto do Recife, encontrava-se atracada no Cais da Ponte Giratória, no Bairro do Recife. O motivo teria sido a ocorrência de um ato de violência praticado por Fernando José Rodrigues, tripulante dessa barcaça. Tudo se iniciara com uma dis42

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cussão entre Fernando Rodrigues e José do Carmo, este tripulante do vapor Jaguaribe, que teria ido ali visitar alguns amigos. Essa discussão findaria em uma violenta luta em que Fernando Rodrigues, fazendo uso de uma faca, provocaria cinco ferimentos em José do Carmo. Após o feito, o agressor buscou refugiar-se nas instalações da companhia de calcário, sendo ali preso e entregue à polícia marítima e destinado ao 1º Distrito Policial, onde teria sido processado. Já a vítima viria a ser socorrida e conduzida ao Hospital Pedro II, no Recife99. Nos anos oitocentos, havia uma consolidada vida de povoado em Cuieiras, com a ocorrência de moradores mais abastados, populares livres e libertos, e pessoas em situação de cativeiro, naturalmente, enquanto durou o sistema escravista. A última década dos oitocentos, certamente, se caracterizou nos anos inaugurais da época de maior concentração de pessoas e de maior movimentação nesse lugar. Trata-se do período subsequente ao fim do escravismo e, como visto, em que ocorreu um grande aumento na produção de cal, quando a exploração comercial das pedreiras calcárias passa a ser em larga escala, impulsionando o processo de produção, através da queima dessa matéria-prima em diversos fornos instalados na localidade. Proprietários de terras, moradores ou não; donos de engenho e fazendas; e empresas (Companhia Exploradora de Productos Calcareos e a Cunha & Cia.) exploravam largamente e simultaneamente essa produção. Essa atividade, que pode remeter ao século XVII, durante a produção da cal da Fazenda de São Bento de Jaguaribe, fazia uso da mão de obra cativa, e, a partir da abolição do sistema escravista, passou a utilizar mão de obra local, configurando-se como a principal atividade econômica dos moradores mais pobres dessa povoação. Durante o sistema escravista, havia nas pedreiras do povoado um encontro de cativos dos diversos proprietários do Sítio Cuieiras que detinham direito sobre a exploração dessas pedreiras. Uma vez que, dentre esses proprietários, havia aqueles que produziam 43

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cal em outras propriedades, localizadas nas vizinhanças do vilarejo, além de haver o uso das pedras calcárias para a produção de cal na própria localidade dessas pedreiras, também havia o transporte dessas pedras para os fornos de propriedades vizinhas ao povoado, como a Fazenda Zumby, distante dois quilômetros por terra e mil e oitocentos metros pelo rio. Cenário que ampliava a rede de “convívio” entre os cativos da região. Esse transporte, realizado pelos cativos, sem dúvida, era viabilizado através de embarcações, uma vez que esses fornos se localizavam às margens do Rio Maria Farinha. Dessa forma, os trabalhos nessas pedreiras, mesmo com a dureza das atividades, traduziam-se em momentos de possível encontro entre essas pessoas e, talvez, em oportunidades de início de relacionamentos duradouros. Após 1891, com o início das atividades da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, essa mão de obra, composta, em sua maioria, por pessoas que acabaram de se libertar do sistema escravista, ou por descendentes desses, ocupava, por questões óbvias, as atividades mais braçais, ora nas pedreiras, quebrando e transportando pedras, utilizando a cabeça como suporte, ora transportando lenha para abastecer os fornos, dentre outras. Tudo isso informalmente, sem nenhum vínculo empregatício, certamente. Esses operários trabalhavam desprovidos de qualquer direito. Suas remunerações eram definidas com base nas produções individuais, por viagem de carregamento de pedras, por exemplo. Com base na rotina de produção tradicional ainda praticada no Rio Grande do Norte, no processo artesanal de produção de cal, as rochas calcárias são extraídas manualmente, fazendo-se uso de ferramentas como marretas e picaretas, ou com o uso de explosivos, e em seguida são removidas para o local de fragmentação, onde, também de forma manual, são fragmentadas até assumir as dimensões adequadas, sendo empilhadas e em seguida 44

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removidas aos fornos, quando passam pelo processo de calcinação, que se dá de forma descontínua, por fornada, utilizando-se, em geral, a madeira como combustível100. Para a calcinação, as rochas são manualmente arrumadas no interior dos fornos, visando a garantir que todas as pedras entrem em contato com o fogo e sejam queimadas, e, ainda, que aquelas que ficam na parte superior desses fornos não apresentem vazios, garantindo, assim, a temperatura necessária. Cada fornada se processa de maneira ininterrupta, por uma quantidade de dias que vai depender da capacidade e da qualidade do forno. Na produção artesanal que ocorre no Distrito de Soledade, no Município de Apodi, no Rio Grande do Norte, esse período corresponde a três dias e duas noites. Dessa forma, os operários devem manter a elevada temperatura do forno através do permanente abastecimento de lenhas na boca do mesmo101. Até o início da década de 1930, praticamente inexistiam leis trabalhistas no Brasil, a mais valiosa e comprometida com o bem-estar do trabalhador havia sido a Lei n. 3.353, de 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, que aboliu o sistema escravista no Brasil. Assim como a maioria dos países capitalistas ocidentais, o Brasil vivenciava o modelo do Estado liberal, do liberalismo econômico, com a mínima ou nenhuma intervenção do Estado na economia. Uma legislação de alcance nacional, de proteção ao trabalhador, só viria a ser consolidada a partir da Constituição de 1934, tratando de questões como salário mínimo, jornada de trabalho e proteção ao trabalho aos menores de catorze anos. Nas atividades da produção artesanal de cal em Governador Dix-Sept Rosado, no Rio Grande do Norte, para a manutenção dos fornos, durante os três dias ininterruptos da fornada, ocorrem jornadas de trabalho de doze horas por dia, das seis às dezoito horas e das dezoito às seis horas da manhã do dia seguinte, e para cada quatro trabalhadores que atuam nessa produção um tem menos de dezoito anos de idade102. 45

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Sendo assim, famílias inteiras se integravam à equipe de trabalhadores para atuarem nas pedreiras de Cuieiras, inclusive crianças, povoando esse ambiente de trabalho semiescravo, que esses trabalhadores tinham como uma alternativa de sobrevivência. Durante as primeiras décadas do século XX, quanto às atividades econômicas, o cenário do lugarejo permaneceu de forma muito semelhante ao da última década do século anterior, com uma larga produção de cal absorvendo grande parte da mão de obra local, que ainda se alternava na pesca artesanal e em atividades agrícolas. Quanto às práticas agrícolas, enquanto os proprietários de terras tiravam parte de suas rendas através do cultivo do coco e da cana-de-açúcar, os mais pobres ora vendiam os seus serviços trabalhando nas colheitas de coco e nos canaviais, ora praticavam a agricultura de subsistência.

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Fundação da Capela de São João Batista

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A Capela de São João Batista (Figura 12), fundada, provavelmente no final do século XIX, caracteriza-se como um dos marcos históricos e uma das edificações de maior relevância sociocultural existentes na localidade. Ainda de pé e afetada de uso religioso, nela ocorria, e ainda ocorre, além dos atos religiosos como missas, batizados, casamentos, dentre outros, a festa, de periodicidade anual, em homenagem a São João Batista, que movimenta grande parte da população do povoado. Em 29 de janeiro de 1887, na casa da residência de Dona Lusia do Espirito Santo Rangel, no Sitio Cueira, foi formalmente doada à Diocese de Olinda, na pessoa do Reverendo Vigário Floriano de Queiroz Coutinho, uma área com cem palmos de frente por cem palmos de fundo, correspondente a cerca de quatrocentos e oitenta metros quadrados, localizada na citada propriedade. Foram doadoras a referida Dona Lusia, Dona Francisca Joaquina e Dona Isabel Emiliana Rangel. A área doada localizava-se na propriedade em que moravam103. Figura 12 – Vistas da Capela de São João Batista, no Povoado de Cuieiras. Fontes: o autor (esq.) e Sandro Barros (dir.), junho de 2015.

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A doação teve por fim a construção de uma capela, sob a invocação de São João Batista, para a prática dos atos inerentes ao universo do culto católico apostólico romano, ficando a obra de construção do templo a cargo do citado vigário com a contribuição das doadoras e dos demais habitantes da localidade. O vigário, ao aceitar a doação, comprometeu-se a fazer tudo quanto fosse possível para que se efetuasse a construção da capela, ressaltando a confiança das doadoras e a expectativa dos habitantes de uma importante parte de sua paróquia. Colocação que revela a situação de Cuieiras, em 1887, como um consolidado povoado. Com data de construção incerta, as primeiras notícias de atos religiosos realizados nesse templo datam de 1º de abril de 1909, referentes à celebração de cinco batizados, realizados pelo Vigário Padre Sizenando Parente de Sá Barreto, um deles de uma criança nascida em 15 de abril de 1905, por nome José, filho de Marcionila Maria da Silva, tendo como padrinho Hygino Leitão da Costa Machado104. Em 26 de julho de 1913, ocorreu o primeiro registro de casamento realizado nessa capela, que se deu entre João Firmino Sobrinho e Josepha Maria da Soledade105. A prática da fé católica certamente esteve presente desde os primórdios desse lugarejo, sobretudo, após ao estabelecimento das primeiras propriedades coloniais em terras de Cuieiras. Antes da existência do templo na comunidade, os moradores do lugar adeptos dessa fé exerciam as suas práticas religiosas fazendo uso de opções diversas, dependendo de suas relações de convívio, como os vários oratórios particulares existentes na povoação, as capelas de outras localidades, mas, sobretudo, a Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary e a Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião, localizada na Vila de Igarassu. A presença dessa prática religiosa já era denunciada pela ambientação dos interiores das casas, onde quase sempre estava presente um local destinado à realização das preces e orações. A residência de Maria Joaquina Rangel, falecida em 20 de janeiro de 1851, contava com um oratório, contendo quatro imagens, uma do Senhor Crucificado; outra da Senhora da 49

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Conceição, com uma coroa de prata; e as demais, de São Pedro e de Santo Antônio106. O interior da casa de Dona Maria da Conceição Rangel, falecida em 9 de abril de 1871, também contava com um oratório em seu ambiente de oração, contendo duas imagens, uma do Senhor Crucificado e a outra da Senhora da Conceição107. Nesses oratórios, chegavam a ocorrer cerimônias religiosas referentes à realização de sacramentos, como batizados e até mesmo casamentos, como foi o de “Felis” Miguel de Souza e Benvinda Theotonia da Conceição, realizado em 13 de fevereiro de 1866, em oratório particular em uma residência na localidade Barca108. A partir da fundação da Capela de São João Batista, a prática religiosa da fé católica se torna mais presente através da realização periódica de missas e da maior receptividade para a realização de batizados e casamentos, bem como com a realização de inúmeras procissões em retribuição às graças recebidas pelos fiéis, além dos festejos em homenagem ao santo padroeiro do povoado. Essa dinâmica da fé católica será detalhada no capítulo que trata da paisagem sociocultural desse lugar.

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Período da Fábrica de Cimento Poty

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No início da década de 1940, decorrente da instalação da Companhia de Cimento Portland Poty, como parte do avanço do processo de industrialização do Brasil109, começa a haver uma transformação no secular cenário cotidiano da Comunidade de Cuieiras. De propriedade da S.A. Indústrias Votorantim, essa fábrica veio a ser inaugurada em 23 de março de 1942 (Figura 13), no lugarejo de São José, em Paulista110, no local onde funcionou a Fábrica de Cimento da Cunha & Cia., na margem oposta do Rio Maria Farinha em relação ao Povoado de Cuieiras. Tratava-se da segunda fábrica de cimento da S.A. Indústrias Votorantim e visava a atender ao mercado do Nordeste111.

Figura 13 – Recortes da matéria de inauguração da Companhia de Cimento Portland Poty, publicada no Diario de Pernambuco, de 24 de março de 1942. Fonte: Diario de Pernambuco. 52

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A existência dessa fábrica iria provocar algumas significativas mudanças em Cuieiras. Foram alterações relacionadas ao ambiente natural, que, além da intensa poluição do ar, provocou uma forte interferência na bela paisagem do Rio Maria Farinha, exatamente na altura do povoado. Houve também alterações relacionadas à paisagem socioeconômica dessa população, vindo, por um lado, a ofertar a uma considerável parcela dos moradores da povoação relativa estabilidade financeira. Várias famílias que viviam na incerteza da sobrevivência do dia a dia passaram a contar a cada mês com um valor certo, muitos mantendo essa estabilidade até a aposentadoria. Por outro lado, dá-se início a um paulatino processo de esvaziamento da comunidade. Vários vão ser os motivos desse esvaziamento, dentre eles destaca-se a aquisição do Engenho Gongaçary pela S. A. Indústrias Votorantim, quando nessa propriedade deixam de ocorrer atividades relacionadas ao cultivo da cana-de-açúcar e à produção de cal, com a consequente desativação das várias caieiras desse engenho. Figuram ainda motivos como a migração para a Fábrica de Cimento Poty, em busca de melhores condições de trabalho, de significativa parte da mão de obra que atuava na produção de cal em Cuieiras; e o avanço do uso do cimento, que provoca uma inevitável redução do espaço de consumo de cal no universo da construção civil, sobretudo, na confecção de argamassa. Dessa forma, a produção de cal em Cuieiras definharia até deixar de ser praticada, modificando o cenário cotidiano do lugar. Esse processo viria a provocar o êxodo de várias famílias, o consequente fechamento de pontos comerciais e a redução nas diversas práticas socioculturais dessa comunidade. Naturalmente que, embora significativa quantidade de moradores da povoação viesse a trabalhar na referida fábrica, e que as mesmas aplicassem parte de seus recursos financeiros, advindos dessa nova atuação, na própria comunidade, isso não viria a ser suficiente para substituir o valor de uma prática econômica instalada há mais de século na localidade, com um grande volume de postos de trabalho remunerados, que permitia a atuação de mulheres, crianças, homens e famílias inteiras. 53

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Esse empreendimento, popularmente conhecido como Fábrica da Poty (Figura 14), aos poucos vai atraindo a mão de obra do povoado, sobretudo, dos homens. Alguns exerceram cargos administrativos, mas a maioria foi exercer serviços braçais. Para chegarem até o local de trabalho, saindo de suas casas, os trabalhadores iam pelos caminhos dos sítios até o porto, na maré, onde, fazendo uso de canoa, atravessavam o Rio Maria Farinha e já estavam na fábrica. Essas pessoas vão trocando o trabalho informal das pedreiras de Cuieiras por postos de trabalho formalizados, respaldados pelos direitos trabalhistas em vigor, como salário mínimo, jornada máxima de trabalho, repouso semanal remunerado, férias anuais, dentre outros, conforme termos da Constituição Brasileira de 1946. Sendo assim, vai ficando para trás o longevo e dinâmico período da exploração das pedreiras e da produção de cal em terras de Cuieiras, o histórico cenário de inúmeras pessoas, de diversas gerações, sobretudo, africanos e afrodescendentes, trabalhando, como em um campo de concentração, até 1888, na condição de cativos, em seguida de forma semiescrava, com a participação de famílias inteiras. E o lugarejo passa a assumir um novo ritmo e um novo cenário cotidiano, na direção da afirmação das autonomias e da dignidade de seu povo. Foram contratados, para postos de trabalho diversos, tanto integrantes da população mais pobre como da mais abastada. Além de trabalharem no ambiente da fábrica, esses operários, uma vez contratados, também atuavam em atividades agrícolas, como na coleta de coco, na plantação de mandioca e em casa de farinha, no Engenho Gongaçary, que possuía 616 hectares112, e, como já comentado, antes mesmo da instalação da fábrica, já havia sido adquirido, em 1940, pela referida empresa. Para atuarem nas atividades agrícolas, eram contratados homens e mulheres. Ser funcionário da fábrica da Poty passou a ser a principal atividade econômica e a base de sustento de grande parte das famílias do povoado. Durante a realização deste estudo, vários moradores e ex-moradores da povoação encontravam-se aposentados do tempo de trabalho dedicado à Votorantim. 54

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O grupo de trabalhadores dessa fábrica, composto por moradores, bem como por pessoas que passaram a morar em Cuieiras, era de tal ordem que, em terras de Gongaçary, na chamada Vila de Gongaçary, existiam 128 casas de taipa, de diversos tipos, destinadas a servirem de moradias para esses trabalhadores113. É bem certo que aqueles operários que não residiam nas proximidades dessa fábrica e que não foram contemplados para fazer uso das casas de propriedade da Poty, tenham construído ou, mais provavelmente, alugado casas de pau a pique, desocupadas pelas famílias que, com o início da redução da produção de cal, emigraram de Cuieiras. O processo de redução e encerramento das atividades de produção de cal, iniciado na década de 1940, após a inauguração dessa fábrica e aquisição do Engenho Gongaçary pela S.A. Indústrias Votorantim, muito embora significativa parte da mão de obra utilizada na produção de cal tenha sido absorvida por esse grande empreendimento, certamente, com o esvaziamento dessa secular produção, e o fim dessa “oportunidade” de trabalho no lugar, deu início ao primeiro período de paulatino processo de redução da população local, primeira diáspora de Cuieiras. Nos primeiros anos da década de 1970, a população da sede da comunidade estaria em torno de 1200 habitantes114, fazendo uso de cerca de trezentas casas. O período da Poty perdurou por quarenta e sete anos, até 1989, quando essa fábrica deixou de produzir cimento e passou a operar apenas como uma unidade de moagem de clínquer, matéria-prima básica no processo de fabrico do cimento, já que o Grupo Votorantim havia inaugurado uma nova fábrica de cimento, mais moderna e com mais capacidade de produção, no Município de Caaporã, na Paraíba115. Dessa forma, boa parte da mão de obra foi transferida para a unidade do referido estado. Essa mudança viria a reforçar o processo de esvaziamento do povoado, deflagrando a segunda diáspora de vários moradores da comunidade. 55

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Figura 14 – Vista da Fábrica de Cimento Poty, a partir do Porto de Cuieiras. Maio de 2015.

Vai ser durante esse período que haverá uma significativa melhoria no ambiente educacional e no nível de escolaridade dessa comunidade, cuja quase totalidade dos moradores, até os primeiros anos da década de 1970, era constituída por analfabetos. O lugar não dispunha de escola, a não ser uma escolinha básica municipal, Cadeira Número 5, instituída no final da década de 1930, que oferecia apenas o ensino primário e disponibilizava uma única professora. As atividades em geral ocorriam em instalações improvisadas, quase sempre na própria casa da professora. Dentre as mestras a que mais se destacou e mais permaneceu nessa atividade em Cuieiras foi a Senhora Maria Dias Vidal, a popular Dona Maroquinha. Esta assumiu o posto de professora nessa povoação em 1938116, onde, inicialmente, lecionou em locais improvisados situados na Rua de Cima. Sua per56

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manência foi interrompida por um tempo, quando foi destacada para lecionar no Distrito de Nova Cruz, retornando para Cuieiras no início da década de 1940, dessa feita, para morar e lecionar em uma casa na Rua de Baixo, onde atualmente encontra-se edificado o Templo da Assembleia de Deus do povoado. Nesse período, a escola recebeu a denominação de Pedro de Albuquerque117. Essa escola viria a ser contemplada com uma sede, localizada na mesma Rua de Baixo, que foi construída pela Prefeitura de Igarassu ainda na década de 1940. Esse prédio veio a ser demolido em 2015. Durante o longo período em que Dona Maroquinha permaneceu como professora, só vinha a ser substituída em suas atividades pedagógicas quando de suas necessidades de licença, como as demandadas em decorrência de maternidade, a exemplo do caso registrado no Ato n. 27, de 21 de abril de 1949, assinado pelo então Prefeito Humberto Ângelo dos Reis Novelino118, quando a Senhora Joana Bezerra do Nascimento, também moradora do vilarejo, passou a exercer de forma interina o referido cargo. Os mais abastados mandavam seus filhos para estudar em escolas de Olinda ou Recife. Assim foi o caso dos irmãos José Odilo e José Silvério. O primeiro concluiu o curso primário no Externato Maria Terezinha do Menino Jesus em Olinda em 1940, uma vez que ainda não existia nenhum tipo de escola em Cuieiras quando do início dos seus estudos; e o segundo cursou o primário na povoação, na Escola Pedro de Albuquerque, tendo como Professora a Senhora Maroquinha, e concluiu o curso ginasial no Ginásio da Madalena, em Recife, em 1950119. Ambos são filhos do Senhor João Baptista de Caldas Brandão, que foi comerciante e proprietário de terras na localidade. Essa realidade só viria a sofrer uma significativa mudança a partir da inauguração, em 12 de outubro de 1974, da Escola Municipal Ana Caldas Brandão (Figura 15)120. Desde então, o povoado passou a contar com uma estrutura escolar, voltada para o ensino primário, composta por quatro salas de aula, funcionando em dois turnos, com capacidade para atender cerca de 200 crianças, além de turmas noturnas destinadas ao ensino de jovens e 57

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Figura 15 – Vista da Escola Pública Municipal Ana Caldas Brandão, em Cuieiras. Abril de 2016.

adultos, através de programas governamentais educativos, como o que foi conduzido pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, criado pela Lei Federal n. 5.379, de 15 de dezembro de 1967.

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Inauguração da energia elétrica

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Um acontecimento que marcou profundamente a trajetória do povoado, apresentando-se como um divisor de sua história, foi o momento da chegada da energia elétrica em Cuieiras. No Brasil, a primeira experiência com a energia elétrica vai ocorrer em 1879, quando D. Pedro II autorizou que Thomas Edison introduzisse suas invenções no país. Nesse mesmo ano, foi inaugurada a iluminação elétrica da Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, no Centro do Rio de Janeiro121. Em 1883, viria a ser inaugurado o primeiro serviço municipal de iluminação pública, com energia elétrica, na Cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, que contava com 39 lâmpadas122. Mas só a partir dos primeiros anos da década de 1900, tem início a exploração da energia elétrica no Brasil, quando são fundadas as primeiras companhias geradoras e distribuidoras de energia elétrica, em sua maioria estrangeiras123. No Nordeste, a primeira cidade a contar com um sistema de iluminação pública de energia elétrica foi Olinda, inaugurado em 14 de junho de 1913124. A inauguração da energia elétrica em Cuieiras viria a ocorrer no domingo, dia 30 de abril de 1972, às dez horas da manhã. Essa realização foi viabilizada através de convênio firmado entre a Prefeitura de Igarassu e a Superintendência de Eletrificação Rural (SERu), vinculada à então Secretaria de Obras e Serviços Públicos do Estado de Pernambuco125. Tal acontecimento foi solenemente comemorado, na Rua de Baixo, e mesmo com a ocorrência de chuvas, contou com a presença de grande número de moradores dessa localidade (Figura 16). Obviamente que, após a chegada da energia elétrica, inicia-se uma nova era no povoado, com o estabelecimento de um cenário com novos hábitos, novas práticas. A paisagem noturna se transforma. Agora o arruado encontra-se com mais iluminação e em algumas casas já não mais se vê o balanço das sombrias luzes de lampiões e candeeiros, pois apresentam-se mais iluminadas, com fortes e serenas luzes. Essa mudança, nos primeiros momentos, afetou muito mais as vidas daqueles mais abastados, que detinham condições para custear a 60

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instalação e a oferta de energia em suas casas, e, sobretudo, para adquirir os equipamentos disponíveis no mercado, como aparelho de som, geladeira e televisão. Em 2015, ainda existiam moradores na comunidade que não dispunham de alguns desses equipamentos.

Figura 16 – Inauguração da energia elétrica em Cuieiras. Fonte: Facebook do Museu Histórico de Igarassu.

Dessa forma, até o dia 30 de abril de 1972, em Cuieiras, não havia a disponibilidade de energia elétrica, ou seja, não se fazia uso de nenhum equipamento que necessitasse desse tipo de energia, e, durante as noites, apenas as luzes da lua e de lampiões, estes iluminavam janelas e portas ou eram conduzidos rua afora pelos moradores. No Brasil, os primór61

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dios dos sistemas de iluminação pública à base de lampião remontam à última década do século XVIII, quando, em 1794, foram instalados cerca de 100 lampiões abastecidos a óleo de azeite, distribuídos, em postes, na Cidade do Rio de Janeiro126. No Recife, o primeiro sistema de iluminação pública foi inaugurado em 1822, com lampiões alimentados com óleo de mamona, e em 1857 esses lampiões passaram a ser alimentados com óleo de peixe127. O que leva a crer que o povoado teve suas noites, durante grande parte do século XIX e até 1972, iluminadas, apenas nos interiores das casas, por lampiões alimentados ora a óleo vegetal, ora a óleo animal, e mais para o final desse período, a querosene, carbureto ou mesmo gasóleo. Durante o período subsequente ao encerramento das atividades da Poty, que se deu em 1989, o cenário do cotidiano dessa comunidade encontrava-se, essencialmente, determinado pela consolidação do uso da energia elétrica, pela popularização da TV, e, mais recentemente, pela chegada da internet e das consequentes ditas redes sociais. Dessa forma, esse período vai ser fortemente marcado por uma rápida mudança no comportamento das pessoas dessa localidade, sobretudo, dos mais jovens, que vão deixando para trás tradicionais práticas socioculturais vivenciadas na povoação, alinhadas com a identidade do povo desse lugar, e passam a assumir um comportamento muito parecido com o das pessoas dos grandes centros urbanos, além desse povoado vir a ser vitimado pelos diversos tipos de violências características desses centros. Esse cenário de violência provocaria, no início da década de 2000, o surgimento da terceira diáspora, quando significativo número de antigos moradores vai deixar esse lugar em busca de mais segurança em outras localidades, dando continuidade ao processo de esvaziamento de Cuieiras, que teve início com o enfraquecimento e encerramento das atividades de exploração das pedreiras calcárias e da produção de cal no início da década de 1940. 62

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2.

O POVO

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Ao longo do tempo, a composição da população desse lugar, que parece não ter sofrido alterações consideráveis, apresentou-se formada, em sua maioria, por pessoas das classes mais pobres, que sobreviviam da pesca artesanal e da agricultura de subsistência, além de servirem de mão de obra, sendo a maioria, durante o período escravista, como cativa ou semiescrava, para as poucas famílias mais abastadas, proprietárias de terras. Como será visto no decorrer deste livro, as terras que compõem a área geográfica denominada de Cuieiras, fragmentadas em sítios, vieram, ao longo do tempo, como fruto do processo histórico subsequente ao regime de sesmarias implantado pelos portugueses, tendo as suas propriedades alternadas entre representantes das classes mais favorecidas. Os proprietários identificados eram, em sua maioria, representantes de influentes famílias da Província e do Estado de Pernambuco, e adquiriram, sobretudo, as áreas localizadas às margens do Rio Maria Farinha, no Sítio Cuieiras, devido à facilidade de acesso pelo rio e à grande ocorrência de pedreiras calcárias. Vários deles as adquiriram apenas por investimento, outros para explorar economicamente, seja através de práticas agrícolas, como o cultivo de coco, seja através de práticas extrativistas, como a produção de cal e sal. Com exceção das terras pertencentes às propriedades já citadas no capítulo anterior, o Engenho Gongaçary e a Sede do Sítio Olaria, com localização contígua ao povoado e às margens do Rio Maria Farinha, que serviram aos seus proprietários como local de residência e de produção, nem todas as famílias que adquiriram as demais áreas de terras o fizeram com o fim de se estabelecerem na localidade. As que se estabeleceram e vieram a compor a população de moradores mais abastados migraram para esse lugar, como já dito, em busca das práticas extrativistas e agrícolas. Os proprietários de terras em Cuieiras, em geral, eram negociantes e pessoas influentes social e politicamente, exerciam diversos cargos na administração pública, e, em sua maioria, integraram a Guarda Nacional. Essa guarda, criada pelo Governo Regencial, através da Lei 65

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Imperial de 18 de agosto de 1831, visava a garantir a manutenção do novo regime político, a partir da manutenção do poder local. Ela viria a fazer frente à conturbada conjuntura política desse período, quando, em algumas regiões, configurava-se a ocorrência de protestos armados, colocando em risco a integridade territorial do Império, além de haver a possibilidade de deflagração de reações oposicionistas de restauração, sobretudo, por parte do Exército, cujo corpo de oficiais era composto, em sua maioria, por portugueses1. Organizada por município, dentre as atribuições dessa guarda, conforme artigo 2º da referida lei, constava prestar serviço ordinário dentro do município, serviço de destacamentos fora do município e compor companhias destacadas para auxiliar o Exército. Seus oficiais eram nomeados através de eleição, conforme previsto nos artigos 51 a 64 da dita norma, mas a partir da Lei 602, de 19 de setembro de 1850, passaram a ser nomeados pelo Governo. Apesar de ter sido reduzida de suas funções policiais pela Lei 2.395, de 10 de setembro de 1873, a Guarda Nacional ainda permaneceria ativa até as duas primeiras décadas do século XX2. Hygino Leitão da Costa Machado, genro de Manoel Cavalcante de Albuquerque Lins, então proprietário do Engenho Mussupinho, dentre outras funções públicas, foi Capitão da Guarda Nacional e assumiu os postos de primeiro suplente de Juiz Municipal de Igarassu e de Agente do Tesouro na Coletoria desse mesmo município3. Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão foi Juiz de Paz do 1º Distrito de Igarassu, Delegado de Polícia do termo de Igarassu e Tenente-Coronel da Guarda Nacional4. João Chrisostomo Leitão Rangel foi Subdelegado de Maricota, Coronel da Guarda Nacional, Subprefeito e Prefeito em exercício de Igarassu5. João Vieira de Fraga, proprietário do Engenho Santa Rita, foi Capitão da Guarda Nacional6. Francisco Cockles Teixeira de Araujo e Silva, dentre outras funções públicas, foi TenenteCoronel da Guarda Nacional, Subdelegado de Nova Cruz e Prefeito do Município de Igarassu7. José Cornélio Leitão Rangel assumiu o cargo de Adjunto de Promotor Público da Comarca de 66

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Igarassu e de Juiz Municipal de Glória do Goitá8. Antonio Joaquim da Fonseca Galvão, irmão de Manoel Joaquim da Fonseca Galvão, então proprietário do Engenho Pirajuy9, foi Tenente da Guarda Nacional, Suplente de Subdelegado de Nova Cruz e Inspetor de Quarteirão no termo de Igarassu10. Todos eles se apresentavam como proprietários de terras em Cuieiras na segunda metade do século XIX. Decorrente do processo de transmissão das propriedades que compõem o espaço territorial de Cuieiras, foram várias as famílias, dentre as mais abastadas, que estiveram presentes na vida do lugarejo. Essa presença se deu em diversas formas e alcances, seja apenas como proprietários de terras, como agricultores e produtores, ou mesmo como tudo isso e ainda como moradores. A título de exemplo, dentre as famílias que estabeleceram residência na localidade, figura a Fonseca Galvão, proprietária e moradora do Sítio Cuieira, lugar onde, em sua residência, Manoel Augusto da Fonseca Galvão, filho do então Tenente Antonio Joaquim da Fonseca Galvão e Caetana Proença Galvão, veio a casar-se, em 16 de janeiro de 1892, com Francisca Augusta Cavalcante Galvão, filha de Manoel Francisco da Fonseca Galvão e Isabel Francisca Cavalcante Galvão11. A família Rangel se apresenta como um dos destaques entre aquelas que permaneceram por mais tempo e foram mais presentes e participativas na vida do povoado. Ela teve uma forte presença no cotidiano de Cuieiras, sobretudo, durante o século XIX, mas com registro de presença desde o século XVIII, como foi o caso de Maria de Barros Rangel, que, em abril de 1774, encontrava-se como moradora do Sítio Muximbata12. Diversos representantes dessa família, moradores da povoação, tiveram papel de destaque, não só nesse lugar, mas em toda Igarassu. Foram pessoas como Joaquim José Rangel, que, no final do século XVIII, figurava como Padre na Paróquia de Igarassu, assumindo o comando de vários atos litúrgicos, inclusive na Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary, e que, no final 67

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da década de 1800, encontrava-se como morador em Cueira, onde detinha propriedade de pessoas cativas13; e o Capitão Antonio do Espirito Santo Rangel, que, durante a década de 1800, foi morador dos sítios Cueira, Barca e Muximbata, onde vivia na companhia de sua mulher Rita Maria, forra, e que mantinha, na localidade, como parte de suas propriedades, significativa quantidade de cativos. A forte relação afetiva dessa família para com o povoado fica evidenciada quando veio a doar, em 1887, um lote de terra do Sítio Cueira para a construção da Capela de São João Batista, conforme já comentado. Durante o século XX, significativa quantidade de representantes dessa família ainda permanece como moradora dessa povoação, como foi o caso da viúva Maria Joaquina Rangel que, em agosto de 1901, era moradora e proprietária de uma parte do Sítio Cuieira14. A família Leitão da Costa Machado, que viria a se compor com a família Rangel, é mais uma que apresenta integrantes que transitaram durante muito tempo por esse lugar. Jeronimo Leitão da Costa Machado, casado com Romana Emiliana Leitão Rangel15, em 1860, figurava como um dos proprietários do Sítio Cuieira. Os filhos desse casal também constam como proprietários do referido sítio, dentre eles, João Chrisostomo Leitão Rangel e Hygino Leitão da Costa Machado16, este casado com Maria Cavalcante de Albuquerque Lins17, teve uma longa e atuante participação na vida da comunidade. Como comerciante, Hygino Leitão, que era proprietário, em 1893, da firma de ferragem Leitão & Costa, situada na Rua Duque de Caxias, n. 90, em Recife18, veio a possuir um estabelecimento comercial em Cuieira, cuja inauguração ocorreu em fevereiro de 190719. Como cidadão, apadrinhou moradores, como foi o caso do filho de Marcionila Maria da Silva, participando, na quinta-feira, dia 1º de abril de 1909, como padrinho da cerimônia de batizado realizada na Capela de São João Batista, em Cuieira20; foi testemunha de casamentos entre moradores da localidade, papel que assumiu na cerimônia de matrimô68

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nio entre João Baptista de Caldas Brandão e Anna Bezerra de Paula, realizada na quarta-feira, dia 21 de julho de 1915, também na capela local21. No período entre o final dos anos oitocentos e durante grande parte do século XX, dentre essas famílias que migraram para Cuieiras e passaram a compor a população local, talvez a de maior vivência e de integração ao povoado tenha sido a dos Caldas Brandão, que ainda conta com vários descendentes que habitam e vivem no lugarejo. Integrantes da família Caldas Brandão figuram com ativa participação no ambiente cotidiano da Vila de Igarassu do final do século XVIII. Dentre eles, o Padre José Pedro de Caldas Brandão22, que, além das práticas do sacerdócio, veio a assumir, no ano de 1799, a Cadeira de Professor de Gramática em Igarassu23; e Manoel Bernardo de Caldas Brandão, que também trilhou o caminho do sacerdócio, como padre24 foi capelão das freiras da referida vila25. Os integrantes dessa família que migraram da Vila de Igarassu para Cuieiras eram pessoas de classe intermediária que ocupavam medianos cargos públicos nessa vila. José Maria de Caldas Brandão, que veio a falecer aos oitenta e seis anos, em 10 de dezembro de 1896, e sua mulher, a Senhora Francisca Bezerra de Moura Borges, cujo falecimento deu-se a 13 de dezembro de 1889, aos setenta e três anos26, foram moradores da Rua dos Ferreiros, na Vila de Igarassu, em 1856, época em que o Senhor José Maria encontrava-se assumindo, na dita vila, a função de escrivão27. O filho desse casal, José Domingues de Caldas Brandão, também viria a assumir o cargo de escrivão, função que já se encontrava desempenhando, junto ao juiz de paz do 1º Distrito do termo de Igarassu, em fevereiro de 187128. Este também assumiu a função de carcereiro da Cadeia de Igarassu, durante o período de janeiro a agosto de 189329. José Domingues de Caldas Brandão foi casado com Maria Menezes do Espirito Santo Brandão, filha de Joanna Maria da Conceição, e foram moradores da Rua da Misericórdia, na 69

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Vila de Igarassu30. Ele faleceu aos sessenta e cinco anos, em 15 de fevereiro de 190531, e ela, aos quarenta e quatro anos, em 23 de dezembro de 190032. Desse matrimônio foram gerados cinco filhos: Julio Deodoro de Caldas Brandão, João Baptista de Caldas Brandão, Maria do Carmo de Caldas Brandão, Cosma Amélia de Caldas Brandão33 e Izabel Maria das Virgens, nascida em 9 de novembro de 188934, e falecida em 24 de agosto de 1892, com apenas dois anos e nove meses de vida35. Julio Deodoro de Caldas Brandão (Figura 17), nascido em Igarassu em 10 de julho de 187036, faleceu aos cinquenta e cinco anos, no dia 10 de dezembro de 1925, em sua residência, no Sítio Muximbata, no Povoado de Cuieiras, quando se encontrava viúvo de Anna Dias de Albuquerque37. Na sua juventude, foi pescador e, conforme consta no Livro de Detalhes da Guarda Municipal de Igarassu, referente ao período de 1893 a 1899, foi o segundo guarda municipal alistado nessa instituição, cuja criação data de 22 de janeiro de 1893. Nessa guarda, aos vinte e dois anos de idade, ainda solteiro, foi promovido, em 20 de março de 1894, ao posto de Cabo de Esquadra Graduado e, em 13 de abril do mesmo ano, ao posto de Cabo Efetivo, dando baixa, a pedido, em 8 de outubro de 189438. A partir de então, provavelmente, deve ter ido residir em Cuieiras e atuar na produção de cal. Em 1898, encontrava-se atuando no universo da prestação de serviços de transportes, chegando a participar, no referido ano, de uma concorrência para transportar o material metálico da Ponte de Barreiros, município do interior de Pernambuco39. Foi nomeado, em 26 de junho de 1914, Tenente da Guarda Nacional no Município de Igarassu, e em 2 de dezembro de 1924, Subdelegado do Distrito de Nova Cruz, no mesmo município40, função que desempenhou até a sua morte41. Como morador dessa povoação, Julio Caldas mantinha uma relação de cordialidade e respeito com os populares desse lugar, de forma que gozava de grande simpatia. Destarte, ao mor70

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rer, viúvo e sem filhos, em sua residência e propriedade, no Sítio Muximbata, em Cuieiras, o cortejo do seu enterro, que ocorreu no Cemitério Público de Igarassu, na tarde da quinta-feira, dia 10 de dezembro de 192542, teria sido bastante concorrido, contando com a participação de uma grande quantidade de pessoas43. A notícia do seu falecimento foi veiculada na coluna “Chronica Social”, do Jornal de Recife, na edição do dia 11 do mês de sua morte44. Seus restos mortais encontram-se na Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. Com o seu falecimento, todos os seus bens, móveis e imóveis, foram transmitidos por herança aos seus irmãos.

Figura 17 – Julio Deodoro de Caldas Brandão. Fonte: acervo da família Caldas Brandão.

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Maria do Carmo de Caldas Brandão veio a se casar com Manoel Martiniano de Barros Dias, passando a denominar-se Maria do Carmo de Barros Dias. Dessa relação foram gerados quatro filhos, um homem e três mulheres. E Cosma Amélia de Caldas Brandão veio a se casar com José Bernardo de Araújo Montenegro, passando a assinar como Cosma Amélia de Araújo Montenegro. Esse casal não teve filhos. José Bernardo assumiu cargos públicos, vindo a morar em diferentes localidades, como, por exemplo, no Distrito de Carapatós, no Município de Caruaru, para onde foi, em junho de 1911, nomeado Subdelegado45.Todos passaram a ser moradores de Cuieiras, fazendo uso, após a morte do irmão Julio Caldas, das terras por ele deixadas em herança. A casa de Maria do Carmo e Manoel Martiniano era o refúgio dos sobrinhos, que os tratavam como Tia Mocinha e Tio Neco. Cosma Amélia, quando ficou viúva, passou a morar até o final de sua vida na casa de sua cunhada, Anna Caldas. João Baptista de Caldas Brandão, negociante e morador de Cuieiras, casou-se, no regime religioso, com Anna Bezerra de Paula, na quarta-feira, dia 21 de julho de 1915, na Capela da localidade46. Essa união veio a ser firmada em regime civil às treze horas da quarta-feira, dia 23 de maio de 1917, em Igarassu, na Casa de Audiência do Juiz de Casamentos, quando a sua esposa passou a assinar como Anna Bezerra de Caldas Brandão47. Embora em seu Registro Civil de Casamento conste como sua data de nascimento o dia 1º de janeiro de 189148, Anna Bezerra de Paula, segundo informações orais, teria nascido no ano citado, só que no dia 26 de julho, data em que a Igreja Católica comemora o Dia de Santa Ana, o que teria levado os seus pais a batizá-la com o nome de Anna. Essa moça, moradora da povoação, onde desenvolvia atividades domésticas, era filha do Senhor Henrique Bezerra de Paula e de Dona Zepherina Maria da Conceição49, integrantes de antigas e pobres famílias de moradores do lugarejo. Seu pai trabalhava nos fornos de cal da localidade e em agricultura de subsistência e a sua mãe fazia serviços domésticos e praticava a catação de moluscos e crustáceos na 72

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maré. Como fruto da relação do casal Henrique Bezerra de Paula e Zepherina da Conceição, moradores da Rua de Cima, foram gerados e criados sete filhos, quais sejam: Anna, Cosma, Damião, Francisco, Joaquim, José e Manoel, todos apenas com os sobrenomes do pai, Bezerra de Paula. Tudo o que se sabe sobre a vida de Cosma Bezerra de Paula, conhecida como Cocó, é que a moça teria morrido queimada ainda jovem. Francisco Bezerra de Paula, que teria sido consumido pela cachaça, veio a morrer alcoólatra e tuberculoso. Joaquim Bezerra de Paula passou toda a sua vida no povoado. Na fase adulta, viveu até a sua morte na casa da irmã Anna e do cunhado Joca Caldas. Chegou a ter uma companheira por nome Josepha, conhecida como Zefinha, mas não veio a ter filhos. Além de outras atividades braçais, Joaquim atuava na produção de cal, em terras do Sítio Cuieiras, Engenho Gongaçary e Sítio Olaria. José Bezerra de Paula, que viria a ficar deficiente visual ainda jovem, também viveu na mesma casa de sua irmã Anna. Ele passou um tempo mantendo uma relação amorosa com uma moradora do lugar, por nome Anna, de cuja relação viriam a serem geradas duas filhas, Noêmia Bezerra de Paula e Cosma Bezerra de Paula. Esta, conhecida na comunidade como Cotinha, desposaria Manoel Bento do Nascimento, jovem nascido em 28 de maio de 1902, em Goiana, filho de Antônio Francisco do Nascimento e Josefa Maria da Conceição50. Ele, ainda criança, aos sete anos, havia migrado para Cuieiras na companhia dos seus padrinhos. Cotinha, no convívio com Mané Bento, teve como principal local de moradia a Rua de Cima, onde tiveram como última residência uma simples casa vizinha à casa de vivenda de sua tia Anna. Mané Bento, além de outras atividades, atuou na produção de cal na localidade, sendo por ele gerenciado o último forno a ser desativado nessa povoação. Esse cidadão também atuou no comércio. Em uma edificação vizinha à sua casa, funcionava a sua mercearia, conhecida como Venda de Mané Bento, que, com a redução da população local, passou a funcionar em sua própria residência, onde, durante décadas, com atendimento na janela frontal da 73

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casa, ocorria uma concentração de admiradores da cachaça. Como frutos desse matrimônio, foram gerados e criados doze filhos, sendo cinco homens e sete mulheres. Damião Bezerra de Paula, também passaria toda a sua vida no vilarejo. Quando adulto e casado, morava na Rua de Cima, onde sobrevivia, dentre outras atividades braçais, das ofertas de trabalho nas pedreiras, nas coletas de coco e de pesca na maré. Casou-se com Maria Gomes da Silva, popularmente conhecida na localidade como Maria de Damião, com quem teve nove filhos, sendo dois homens e sete mulheres. O filho mais velho, Antônio Bezerra de Paula, veio a casar-se com a Senhora Maria Dias Vidal, professora do povoado e irmã da Senhorita Maria José, que veria a casar-se com o jovem José Odilo, filho de Anna Bezerra de Paula. Antônio de Damião, como era conhecido, com a instalação da Fábrica de Cimento Poty, iria adquirir e colocar algumas canoas no Porto de Cuieiras para fazer a travessia do Rio Maria Farinha, entre Cuieiras e a Poty, atividade que também foi compartilhada pelo seu pai. Dona Maria de Damião, além de criar os filhos, pescava e praticava agricultura de subsistência, onde, dentre outros cultivos, plantava mandioca e produzia farinha na casa de farinha que pertenceu ao Senhor Julio Caldas, no Sítio Muximbata. As referidas canoas durante muito tempo serviram de complemento da renda da família de Antônio de Damião e de seu pai Damião Bezerra de Paula. Manoel Bezerra de Paula viria a ser o único dos irmãos que deixaria o povoado. Casado com Angelina Oliveira de Paula, morava na companhia de sua esposa em Recife, onde ele trabalhava na “Padaria Suissa”, como vendedor externo, fazendo praça e distribuindo os produtos negociados, em diversas localidades, inclusive em Cuieiras. Tiveram cinco filhos, três homens e duas mulheres, sendo um deles o Senhor Amaury Oliveira de Paula, que veio a ser ordenado padre, atuando como vigário da Paróquia da Torre, no Recife, e, por mais de quarenta anos, como pároco da Igreja de Nossa Senhora de Belém, no Bairro da Encruzilhada, também no Recife, vindo a falecer no ano de 2000, aos oitenta e cinco anos de idade, deixando várias canções de cunho religioso51. 74

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Anna Bezerra, ao longo de sua convivência ao lado de João Baptista, teve uma vida doméstica e seis filhos. Aos quarenta e cinco anos de idade, quando da morte do seu marido, com exceção de sua filha mais velha, Maria Rosa, que iria completar vinte anos e já se encontrava casada com o Senhor Manoel Rodrigues Pinheiro, passa a assumir, sem a presença do seu esposo, os cuidados para com cinco filhos, sendo o mais novo, José Silvério, com três anos de vida, e o mais velho José João, com dezessete anos52. Permaneceu o restante da vida na condição de viúva, sem jamais ter tido qualquer outro tipo de relacionamento, vindo a falecer aos setenta e sete anos, em sua residência, em Cuieiras, na terça-feira, dia 21 de maio de 1968, vitimada por um AVC, sendo sepultada no Cemitério Público de Igarassu53. João Baptista de Caldas Brandão, que nasceu, em Igarassu, na quarta-feira, 12 de outubro de 188754, era agricultor, tendo o cultivo de coco como a sua principal atividade agrícola, e comerciante, que além da produção de cal, detinha um importante estabelecimento em Cuieiras, que funcionava na sua própria residência. Em Igarassu, viveu na companhia dos seus pais. Lugar que deve ter deixado em 1900, aos treze anos de idade, quando da morte de sua mãe, Dona Maria do Espirito Santo, ou aos dezoito anos, quando da morte do seu pai, Senhor José Domingues, em 1905, seguindo para Cuieiras para viver na companhia dos seus irmãos, onde, dentre as suas primeiras atividades econômicas, exerceu a função de barbeiro, em seguida, comerciante e agricultor. Em 26 de junho de 1914, veio a ser nomeado Tenente da Guarda Nacional de Pernambuco55. Com a morte do seu irmão Julio Caldas, em 1925, passou a assumir o controle e a propriedade das terras correspondentes aos Sítios Governador e Muximbata por ele deixados em herança. A exemplo do seu irmão Julio Caldas, o convívio de João Baptista com a população local era de cordialidade, estabelecendo-se, assim, uma relação de respeito que ainda hoje ecoa entre os moradores mais antigos. Apadrinhava moradores, como o batismo realizado em 24 de junho de 1914, na capela do povoado, realizado pelo Vigário Padre Severino Lima, de uma 75

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criança de dois meses, por nome José, filho de Manuel Eugenio de Farias e de Fhilomena Bezerra de Menezes56, e oferecia condições de sobrevivência a várias famílias. Ofertava postos de trabalho em seu universo produtivo, na fabricação de cal e de embarcações, nas atividades agrícolas, comerciais, domésticas, dentre outras, sempre respeitando a dignidade dessas pessoas, além de permitir que muitas delas morassem como posseiras em suas propriedades, realidade de moradia ainda hoje vivenciada pelos descendentes dessas famílias. A simplicidade do Senhor João Baptista já se apresenta, como visto, no momento em que buscou como esposa uma mestiça, integrante de uma pobre família da comunidade local. Figura 18 – Casal João Baptista de Caldas Brandão e Anna Bezerra de Caldas Brandão. Em épocas distintas: ele aos 25 anos, e ela em torno dos 70. Fonte: acervo da família Caldas Brandão.

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A devoção à Igreja e à fé católica por parte do casal Joca e Anna Caldas (Figura 18), como eram conhecidos em Cuieiras, fica evidenciada nas vezes em que Anna Caldas foi eleita “Juiza Proctetora” nas eleições dos devotos para as festividades de santos padroeiros da região, como foi o caso dos festejos em glória de São João Batista, que ocorreram no Povoado de Três Ladeiras, em Igarassu, na segunda-feira, dia 12 de fevereiro de 191757; e na concorrida festividade dos Santos Cosme e Damião, padroeiros de Igarassu, realizada no domingo, dia 1º de outubro de 193358. João Baptista veio a falecer, ainda bastante jovem, aos quarenta e oito anos, na Cidade do Recife, na terça-feira, 29 de outubro de 1935. Seus restos mortais encontram-se na Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. Desse matrimônio foram gerados os seguintes filhos (Figura 19): Maria Rosa de Caldas Brandão, que nasceu em 11 de novembro de 1915 e faleceu em 8 de maio de 1956; José João de Caldas Brandão, que nasceu em 28 de dezembro de 1917 e faleceu em 23 de março de 1991; Maria José de Caldas Brandão, que nasceu em 14 de novembro de 1921 e faleceu em 16 de março de 2001; José Odilo de Caldas Brandão, que nasceu em 3 de outubro de 1924 e faleceu em 24 de janeiro de 1994; Maria do Carmo de Caldas Brandão, que nasceu em 22 de maio de 1926 e faleceu em 30 de março de 1997; e José Silvério de Caldas Brandão, nascido em 20 de junho de 193259.

Maria Rosa de Caldas Brandão, mais velha dentre os irmãos, casou-se ainda bastante jovem, em 14 de maio de 1932, aos dezesseis anos de vida, com Manoel Rodrigues Pinheiro, nascido em Portugal em 22 de fevereiro de 1908, passando a assinar como Maria Rosa de Caldas Pinheiro. O então jovem Manoel Pinheiro era um português que, assim como muitos outros, no período entre guerras, no final da década de 1920, marcado pela grande depressão de 1929 que viria a provocar uma avassaladora onda de desemprego na Europa, veio ao Brasil em busca de melhores condições. O comércio nas maiores cidades brasileiras, assim como ocorria nos anos oitocentos e no início do período republicano, ainda se encontrava com uma grande participação de portugueses. Nesse contexto, Manoel Pinheiro teria vindo para Pernambuco para trabalhar na “Padaria Suissa”, estabelecimento que, desde setembro de 1921, havia sido 77

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transferido da Rua das Florentinas para a Rua Visconde de Goianna, antiga Rua do Cotovelo, no Bairro da Boa Vista, no Recife60. Figura 19 – Anna Caldas e seus filhos, início da década de 1940. Da esquerda para a direita: Maria do Carmo, José Odilo, Maria José, Ana Rosa, José João, Dona Anna e o caçula José Silvério. Fonte: acervo de Elizabete Brandão de Santana. 78 josé odilo de caldas brandão filho • Povoado de Cuieiras: história e paisagem


Maria Rosa, no auge de sua juventude, estudava em uma escola localizada na dita Rua Visconde de Goianna, nas proximidades da tal “Padaria Suissa”. Para tanto, ela havia ido morar no Recife, na casa do seu tio Manoel Bezerra de Paula, que também era funcionário do referido estabelecimento. Diante dessas coincidências, o ritmo do dia a dia desses jovens levou ao cruzamento dos seus caminhos e dos seus olhares, de tal forma que resultaria em uma comunhão que viria a deixar uma numerosa descendência. Logo após casarem-se, nos primeiros anos da década de 1930, moraram no Recife, em diferentes localidades, em seguida em Olinda, mas independentemente do endereço, Pinheiro sempre priorizava a bicicleta como o seu meio de transporte. Após muitos anos como empregado e já pai de quatro filhos, Seu Pinheiro passa a ser comerciante61, a ter o seu próprio negócio, veio a inaugurar uma padaria no Sítio Muximbata, na casa que pertenceu e onde residia o Falecido Julio Caldas, tio de Maria Rosa, de onde veio a fornecer pão para a Povoação de Cuieiras, Engenho Gongaçary, Fábrica Poty, Nova Cruz e adjacências. Sendo assim, para facilitar a sua vida, mudaram-se para Cuieiras, onde se integrou à comunidade local, inclusive usando as suas habilidades de pedreiro ajudou a construir o frontispício da capela local. Em 1956, quando o casal já contava com onze filhos, Maria Rosa veio a falecer de parto, no dia 8 de maio62. O episódio da morte de Maria Rosa revela as dificuldades de atendimento médico e de locomoção que vivenciava o lugar naquela época. Dona Nina, como era conhecida, havia dado à luz todos os seus filhos que nasceram em Cuieiras através das mãos de parteiras da localidade e do entorno. Os últimos partos haviam sido realizados por uma parteira profissional que trabalhava para a Fábrica Poty. Dessa última vez, essa parteira permaneceu com a gestante durante vinte e quatro horas e o nascimento da criança não ocorria, foi quando ela pediu para o marido da gestante tomar outras providências. Seu Pinheiro primeiro recorreu ao também morador da povoação Senhor Silva Rufino, que possuía um carro, no entanto este alegou que o veículo es79

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taria quebrado. A segunda opção foi tentar fazer uso da ambulância da Fábrica Poty. A gerência disponibilizou e pediu que ao invés de esperarem que o socorro chegasse até Cuieiras, coisa que levaria muito tempo, tanto pela distância como, sobretudo, pelo fato de as estradas serem de terra, atravessassem a gestante pelo rio, fazendo uso de canoa, que a ambulância estaria esperando do outro lado. Dona Nina foi colocada em uma cadeira e carregada em direção ao porto, mas, ao chegar à Rua de Baixo, não resistiu e veio a falecer, sendo seu corpo removido de volta para casa. Abalado com a morte da esposa, Seu Pinheiro, que assumiu a criação de seus filhos, depois de algum tempo, morando na casa da sogra, Dona Anna Caldas, e com o fracasso do seu empreendimento em Cuieiras, deixou o povoado e seguiu para morar e trabalhar no Município de Abreu e Lima, onde viveria até o último dia de sua vida, vindo a falecer em 18 de abril de 198863. Como frutos desse matrimônio, foram gerados onze filhos, duas mulheres e nove homens (Figura 20): José Gilberto, José Geraldo, José Fernando, Maria de Lurdes, José Mário, Maria do Carmo, José Orlando, José João, José Arlindo, José e José Genival, todos os nomes complementados com a extensão de Caldas Pinheiro. José João de Caldas Brandão levou uma juventude de boêmio. Como exímio tocador autodidata de violão, formando parceria com o irmão José Odilo, no cavaquinho, juntos impressionavam com suas habilidades artísticas e eram demandados para inúmeras festividades, encontros ou simplesmente para o deleite pessoal, nas noites iluminadas à luz da lua. Zé, como era conhecido, sempre impecavelmente bem vestido, com o seu inseparável chapéu, fazia-se presente em inúmeras festas e brincadeiras em Cuieiras e nas circunvizinhanças. Vai ser durante essas andanças, durante a dinâmica vida de jovem, solteiro, boêmio e namorador, que o galanteador Zé, dentre as várias namoradas, viria a se apaixonar pela jovem Maria Lobo, Maria de Lourdes Lobo de Albertim, filha de José Lobo de Albertim e de Felirmina Maria da Conceição, integrantes de uma tradicional família do Distrito de Nova Cruz. 80

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Figura 20 – Imagens acima: casal Maria Rosa e Manoel Pinheiro. Imagens abaixo: seus filhos, de cima para baixo e da esquerda para a direita: Maria do Carmo, José Arlindo, José Fernando, José Geraldo, José Gilberto, José Orlando, José João, José, José Genival, José Mário e Maria de Lurdes.


Esse namoro, mantido por idas de Zé, montado em seu cavalo, enfrentando a escuridão das noites por mata adentro, para se encontrar com a sua amada em Nova Cruz, iria mudar de status na segunda-feira, dia 13 de outubro de 1941, quando, em Igarassu, os dois unem-se em matrimônio no regime civil64. Ele estava prestes a completar vinte e quatro anos e ela encontrava-se aos vinte e dois. A partir de então, ela passa a ser identificada pelo nome de Maria de Lourdes Lobo Brandão, e a contragosto de alguns de seus familiares, que queriam que a mesma só viesse a morar com Zé após casarem-se na Igreja, foram viver uma vida conjugal em Cuieiras, morando inicialmente na casa da mãe dele, na Rua de Cima. Esse casal viveria nesse vilarejo até o final de seus tempos. Ela levou toda a sua bucólica vida como dona de casa e cuidou da criação de seis filhos. Ele, como agricultor, tendo também algum tempo de experiência como comerciante, quando foi proprietário de uma pequena venda, no próprio povoado. Depois de morarem na casa da mãe dele, residiram um tempo no Sítio Maniquara de Cuieiras, que a ele pertencia, recebido como presente de sua tia, a Senhora Cosma Amélia, que não teve filhos. Em seguida, voltaram a morar na Rua de Cima, dessa feita em casa própria. Permaneceram como moradores dessa rua até o fim de suas vidas. Desse relacionamento, que viria a finalizar no sábado, 23 de março de 1991, com o falecimento de Zé, foram trazidos ao mundo quatro homens e duas mulheres (Figura 21): João Batista, Hélio José, José Silvério, José Maria, Sônia Maria e Ana Maria. Todos os nomes complementados com a extensão de Caldas Brandão. Maria José de Caldas Brandão veio a casar-se, civilmente, na sexta-feira, dia 7 de fevereiro de 1941, aos vinte anos de idade, com o jovem Edwirges Alves de Santana, nascido em 1º de janeiro de 191365. Edwirges, popularmente conhecido como Devi, filho de João Alves de Santana e de Antônia Alves de Santana, que residiam no Estado de São Paulo, trabalhou na sua juventude como auxiliar de comércio na empresa Cunha & Cia, quando foi atuar no canteiro de produção de cal dessa empresa, em Igarassu, no Povoado de Cuieiras. Emprego que foi viabilizado pelo 82

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seu tio, Pedro Jorge de Santana, que também integrava a dita empresa e atuava como encarregado na produção da cal desse lugar. Vai ser durante o desempenho dessas atividades que o jovem Devi viria a se deparar com a então Senhorita Maria José, conhecida, por sua beleza, como Belinha. Atributo que teria levado esse jovem a se apaixonar. Maior ainda foi a paixão que aflorou em Belinha, iniciando um namoro que desaguaria em uma relação que só chegaria ao fim com o término da vida de um deles.

Figura 21 – Imagens acima: casal José João e Maria Lobo. Imagens abaixo: da esquerda para direita: José João e seus filhos, João Batista, José Maria, Sônia Maria, Hélio José e José Silvério.

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Além de trabalhar na produção de cal, assumindo atribuições como a de ficheiro, Devi, já casado com Belinha, também exerceu a função de barbeiro, cujo local de realização dessas atividades alternou entre a casa de Dona Anna Caldas e uma edificação localizada ao lado da capela. Depois de casados, o Senhor Devi passou a morar na mesma residência de sua esposa Belinha, na casa de vivenda de seus pais, na companhia da mãe desta, Dona Anna Caldas, onde o Senhor Devi viveu ao lado de sua amada até os seus últimos dias de vida. Ele viria a falecer em 26 de maio de 198966. A Senhora Belinha, que após o casamento passou a assinar como Maria José Brandão de Santana, levou uma vida de dona de casa e permaneceu viúva até a sua morte, em 16 de março de 2001. Seis foi o número de filhos que resultou dessa relação matrimonial, sendo três de cada sexo (Figura 22): José Fernando, José Célio, João Batista, Elizabete, Maria José e Tereza; todos herdaram como sobrenomes Brandão de Santana. Quando da chegada da já citada Professora Maroquinha em Cuieiras, José Odilo de Caldas Brandão, um jovem de catorze anos, viria a ser um dos atores que encenavam as peças dirigidas pela professora, visando a levantar fundos para a reforma da Capela de São João Batista. No mesmo elenco, encontrava-se Maria José Dias Vidal, irmã da professora, nascida em Igarassu, em 6 de setembro de 192867, e que contava com dez anos de idade. Essa convivência provocara uma aproximação entre esses dois jovens, de forma que, estando ela com treze anos e ele com dezessete, inicia-se um namoro que precederá a um sólido matrimônio. Antes, porém, no auge do calor da paixão, em 11 de novembro de 1943, o jovem entusiasta, aos dezenove anos, é incorporado, como voluntário, ao Exército brasileiro. Passa a fazer parte das tropas do 3° Grupo Móvel de Artilharia de Costa (3º GMAC), instalado em Olinda, com o fim de defender a costa do litoral nordestino, durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse momento, o Brasil se preparava para enviar tropas para a frente de batalha, uma vez que, desde agosto de 1942, havia declarado guerra contra a Alemanha. 84

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Figura 22 – Imagens acima: casal Maria José e Edwirges Santana, quando casaram-se; com os filhos Elizabete, Célio, Fernando e Batista; um passeio pelo Recife. Imagens abaixo: os filhos Fernando; Maria José e Tereza; Célio; Elizabete; e Batista. Fonte: acervo de Elizabete Brandão de Santana.

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O jovem Odilo, que deixara Cuieiras contra a vontade de sua mãe e de sua amada, viria a ser transferido de Olinda, em 27 de novembro de 1944, durante o período de envio de tropas brasileiras para o palco da guerra, que ocorreu a partir de julho do referido ano, passando a fazer parte da recém-criada, em maio de 1944, 2ª Bateria Móvel de Artilharia de Costa (2ª BMAC), instalada na base militar da Ilha de Fernando de Noronha, onde desembarcou, do Vapor Tuniára, no dia 19 de dezembro de 1944. Nessa ilha, permaneceu em regime de guerra, aguardando uma oportunidade para embarcar para o fronte. Em 8 de fevereiro de 1946, após o fim do conflito mundial, que se deu em agosto de 1945, Odilo embarcou de volta para Olinda, indo servir no 7º Grupo de Artilharia de Dorso (7º GADo). Em 25 de outubro de 1947, foi condecorado com a Medalha de Guerra, por sua cooperação no esforço de guerra do Brasil68. Após a longa espera, o retorno e a tão aguardada realização do matrimônio religioso que viria a ocorrer no dia seguinte ao aniversário de vinte e três anos de Odilo, no sábado, dia 4 de outubro de 1947, na Capela de São João Batista, em Cuieiras, aos olhos da comunidade e dos familiares de ambos, quando Maria José contava com dezenove anos de vida. Foram testemunhas os senhores José Alves da Mota, cunhado da noiva, e Edwirges Alves de Santana, cunhado do noivo69. Na terça-feira, dia 3 de junho de 1958, na Cidade de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, essa comunhão viria a ser confirmada no regime civil70. O jovem Odilo, antes de se voluntariar para a guerra, como já revelado, levava uma poética vida ao lado do seu irmão José João, Zé, com quem compartilhava uma boêmia parceria musical, com o seu vibrante cavaquinho, cujos mágicos acordes eram por todos desejados. Como uma das fortes heranças de seus pais, Odilo sempre carregou uma grande fé e prática religiosa. Essa postura fica evidenciada quando, apesar de fiel e praticante da fé católica até a sua morte, revela, aos cinquenta e três anos de idade, que, quando ia ao Centro do Recife, costumava passar pela Praça Joaquim Nabuco apenas para ouvir a mensagem do evangelho apresentada por um grupo de jovens protestantes71. 86

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Maria José Dias Vidal, filha natural de Igarassu, viria a morar em Cuieiras em 1938, aos dez anos de idade, na companhia de sua mãe e de sua irmã, Maria Dias Vidal, que havia sido selecionada para lecionar na escola pública, Cadeira Número 5, desse povoado. Maria José e sua mãe teriam acompanhado a professora, uma vez que, após a morte de seu pai, teriam ficado em grandes dificuldades financeiras. Dessa forma, Maria José, desde criança, além de tarefas do lar, praticava as atividades comuns do povo mais pobre dessa comunidade, como a catação de caranguejos e moluscos. Maria José, assim como a sua irmã Maroquinha, sempre revelou uma forte devoção e fervoroso catolicismo. Essa prática deveu-se, em grande medida, à tradição familiar. Seu pai, Simplício Dias Vidal, filho de José Dias Vidal e de Alexandrina Queiroz Vidal72, foi por muito tempo morador da Rua de São Sebastião, em Igarassu, endereço onde Maria José nasceu, vizinho à Igreja de São Sebastião, templo onde ele e sua família mantinham uma assídua frequência, inclusive de zelo. Sua mãe, Joana Rodrigues Vidal, nascida em 31 de março de 1892 e falecida em 6 de maio de 197473, filha de João Rodrigues Fernandes e de Maria Rosa Fialho da Silva74, até os últimos anos de sua vida, frequentava missas diariamente em diferentes templos da Igreja Católica. Esse casal, além de Maria José, penúltima filha, e da Professora Maroquinha, filha mais velha, teve outras duas filhas, Dulce Dias Vidal e Giselda Dias Vidal, sendo esta a caçula, que viria a falecer ainda na infância. O convívio matrimonial entre José Odilo e Maria José durou, conforme dito pelo padre, até a morte separá-los, fato que ocorreu na segunda-feira, dia 24 de janeiro de 1994, com a morte dele, quando a família residia no Sítio Histórico da Cidade de Olinda. Desse relacionamento brotaram dez filhos (Figura 23), sete homens e três mulheres: Ana Maria, José Odilon, José Ody, Fátima Maria, José Odivan, José Odivaldo, José Odinaldo, Maria Auxiliadora, José Odimar e José Odilo Filho; todos os nomes complementados com a extensão de Caldas Brandão. No 87

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entanto, antes dos dez, as primeiras filhas do casal foram as gêmeas Maria da Conceição e Maria da Penha, que, ainda bebês, antes mesmo da terceira filha, Ana Maria, nascer, tiveram as vidas finalizadas, sendo causa a coqueluche. Além desses, foram criados como filhos, os netos Ana Luiza Resende Brandão e José Odilon de Caldas Brandão Filho. Maria José, que permaneceu viúva até o final da sua vida, faleceu na segunda-feira, dia 14 de dezembro de 2014.

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João José Dias, filho de Sérgio José Dias e Felicidade Francisca Xavier Dias, nasceu em Itapissuma, em 10 de outubro de 192575, lugar onde passou a sua infância e parte de sua juventude. Como forma de buscar a sua autonomia, veio, ainda bastante jovem, a trabalhar com o seu padrinho, Severino Rufino de Oliveira, morador de Cuieiras. Dessa feita, trabalhava, como auxiliar de comércio76, em uma venda localizada na Rua de Baixo, conhecida como Mercearia de Seu Silva Rufino. Vai ser durante essa sua permanência no vilarejo que viria a conhecer e a namorar a jovem e formosa Maria do Carmo de Caldas Brandão, moradora da Rua de Cima. Esse namoro migraria para uma formalizada relação matrimonial, cuja cerimônia de casamento, no regime civil, ocorreria em Igarassu, na quarta-feira, 24 de julho de 1946, estando ambos com vinte anos de idade, quando ela passa a assinar como Maria do Carmo de Caldas Dias77. A cerimônia equivalente, no âmbito religioso, ocorreu no domingo, dia 22 de dezembro de 1946, em oratório particular, no povoado78. Visando a ampliar a renda familiar, uma vez que a remuneração recebida por João para tomar conta da Mercearia de Seu Silva já não era mais satisfatória, o casal, que acabara de vender o Sítio Caminho do Meio, que pertencia a Maria do Carmo, veio a adquirir a referida mercearia. Em 19 de junho de 1951, conforme ato do Governo do Estado, publicado no Diario de Pernambuco de 20 de junho do referido ano, João foi nomeado Comissário de Polícia de Cuieiras79. Depois de vários anos como moradores desse lugar, quando já se encontravam criando duas filhas, resolveram ir residir em Recife, no Bairro de Areias, localidade em que João permaneceu com a sua atividade comercial e onde viveram até a morte. Ela, que levou toda a sua vida de casada dedicada aos afazeres do lar, veio a falecer no domingo, 30 de março de 1997, e ele, na segunda-feira, dia 25 de fevereiro de 200280. Os restos mortais de ambos se encontram sepultados no Cemitério Público de Igarassu. São três as filhas desse matrimônio (Figura 24): Maria Auxiliadora, Maria Izabel e Maria do Carmo, todas com os sobrenomes Caldas Dias. 89

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Figura 23, página 87 – Imagens acima: Casal José Odilo e Maria José, quando casaram-se no civil; seus filhos, na ordem de cima para baixo e da esquerda para a direita: Ody, Odivaldo, Odilon, Odilo, Odimar, Odivan, Odinaldo, Dôra, Fátima e Ana. Imagens abaixo: José Odilo na Ilha de Fernando de Noronha; José Odilo e Maria José, casamento religioso; José Odilo na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro, em 1948; Maria José e os netos, filhos de criação, Júnior e Ana Luiza. Fonte: acervo da família.

Figura 24 – Imagens acima: Maria do Carmo e João Dias, quando do casamento religioso, e Maria do Carmo. Imagens abaixo: suas filhas, da esqueda para direita: Maria Auxiliadora, Maria Izabel e Maria do Carmo.

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Em sua adolescência, José Silvério de Caldas Brandão, conhecido popularmente como Santinho, filho caçula do casal Joca e Anna Caldas, dos catorze aos dezessete anos, esteve na companhia do seu tio, Manoel Bezerra de Paula, em Recife, para realizar os seus estudos ginasiais. Nesse período, permanecia em Cuieiras apenas nos finais de semana, quando se juntava com a sua turma para se divertir nos sambas e brincadeiras do povoado e das localidades circunvizinhanças, como Guereré, Nova Cruz, Igarassu, Maricota e Cruz de Rebouças. Nessa época, Severina Ramos de Araújo, nascida em 22 de fevereiro de 1936, morava na companhia de seus pais, o Senhor José Ferreira de Araújo e Dona Idalina Heloiza Ferreira, em Guereré81, vilarejo localizado nas proximidades de Cuieiras. Severina, ainda criança, costumava ir, acompanhada de sua família, às festas de rua em Igarassu, bem como passar finais de semana em Cuieiras, na casa de seus tios, onde se divertia na companhia de suas primas. Vai ser durante esses passeios, tanto de um como do outro, que os olhares desses jovens iriam se cruzar e se atrair. Ele a conheceria ainda menina, mas, desde então, não mais a perdeu de vista. Embora o jovem viesse a namorar outras, nenhuma delas conseguiu ofuscar o seu olhar por Severina. Iria então ser iniciado entre esses jovens sonhadores um inevitável romance, um namoro, de idas e vindas entre Cuieiras e Guereré, que viria a se transformar em um consolidado e duradouro matrimônio. Essa união, no universo da fé cristã, ocorreu na sexta-feira, dia 4 de fevereiro de 1955, às quatro horas da tarde, na Capela de São João Batista, em Cuieiras, ele aos vinte e dois anos, ela prestes a completar dezenove, quando passa a assinar como Severina Ramos de Caldas Brandão82, conhecida na comunidade como Dona Bibiu. Relação matrimonial que viria a ser confirmada, civilmente, logo em seguida, na segunda-feira, dia 7 de fevereiro de 195583. 91

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Dona Severina, além de assumir as tarefas do lar, cuidando da criação de oito filhos, ficou, desde a segunda metade da década de 1950, responsável pela organização das atividades da Capela de Cuieiras, função que desempenhou, com afinco e dedicação, durante todo o tempo em que residiu nesse lugar, relação que envolvia fortemente o casal e os filhos no universo da prática da fé católica. Após 1974, ela passou a lecionar na Escola Ana Caldas Brandão, instituição que chegou a dirigir. Já José Silvério, como proprietário de terras, atuou como agricultor até 1963, quando ingressou no quadro de funcionários da Fábrica Poty, onde exerceu atividades administrativas, inicialmente como auxiliar de escrita e depois como escriturário. Depois de casados, sempre moraram em Cuieiras, na Rua de Cima. Inicialmente, durante quatro anos, residiram na casa da mãe dele, Dona Anna Caldas, em seguida em casas próprias, permanecendo na referida rua até quando todos os filhos já se encontravam casados e morando em outras localidades. Deixaram o povoado no início da década de 2000, na última diáspora, provocada pela onda de violência. Como frutos desse matrimônio, germinaram quatro homens e quatro mulheres (Figura 25): Emanuel José, Ana Lúcia, Jorge José, Joana D´Arc, Wilma Maria, Maria de Jesus, Eduardo José e Evaldo José; todos os nomes complementados com a extensão de Caldas Brandão. Dentre os integrantes das famílias mais abastadas também ocorreram as presenças daqueles que viviam ou passaram a viver com bastante dificuldades econômicas, chegando a se igualar à situação da população mais pobre da povoação. O casal Joaquim de Matos Rangel e Maria Porphiria de Oliveira é um desses exemplos. Eles, em 1901, moravam em uma simples casa de pau a pique coberta com telha em uma terra que não lhes pertencia, no Sítio Cuieira. Nesse terreiro, usufruíam de onze pés de coqueiros e algumas árvores frutíferas, como uma mangueira e uma jaqueira, além de possuírem um cavalo, provavelmente, destinado ao transporte de cargas84. 92

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Figura 25 – Imagens acima: Casal José Silvério e Severina, José Silvério aos dez anos de idade. Imagem abaixo: os respectivos filhos desse casal, sendo da esquerda para a direita: Emanuel, Ana Lúcia, Maria de Jesus, Wilma Maria, Evaldo, Eduardo, Joana D´Arc e Jorge. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

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Figura 26 – Cenas de representantes de famílias mais abastadas de Cuieiras, em diferentes momentos da história. Fontes: acervos de Elizabete Brandão de Santana, José Silvério de Caldas Brandão e Sônia Maria Brandão; o autor, abril de 2016.

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Figura 27 – Primos José Silvério de Caldas Brandão (lado esquerdo), aos 83 anos, e Severino Bezerra de Paula, aos 87 anos. O primeiro pertencente a uma tradicional família de Igarassu, da qual integrantes migraram para Cuieiras no final do século XIX; e o outro, integrante de uma das mais tradicionais famílias de antigos moradores de Cuieiras. Essas famílias se integraram a partir do casamento entre João Baptista de Caldas Brandão e Anna Bezerra de Paula, ocorrido na capela do povoado em 21 de julho de 1915.

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Evidências e fatos históricos revelam que parte significativa da população do povoado é descendente de pessoas que, durante o sistema escravista, viveram na condição de cativos, na própria localidade, no entorno e nas vizinhanças. O fenótipo da maioria dos descendentes dos antigos moradores que ainda vivem no lugarejo está alinhado com essa trajetória histórica. Como já foi comentado, ocorrem nesse lugar, e em suas proximidades, propriedades que guardam remanescentes de edificações que remontam ao período colonial escravista, como o Sítio Olaria, a Fazenda Zumby, a Fazenda de São Bento de Jaguaribe e os engenhos Gongaçary, Jaguaribe e Inhamã. Na Fazenda de São Bento de Jaguaribe, as concessões firmadas pelos beneditinos com os cativos cristianizados garantiam a estes direito a um dia livre por semana e a pequenas áreas de roçados para o sustento familiar e tornaram raros os casos de fuga. Por outro lado, essas concessões possibilitavam a esses cativos usar o tempo livre para vender o seu trabalho e mesmo comercializar os produtos de seus roçados, garantindo a economia dos recursos necessários para a compra de suas liberdades85. Esses cativos trabalhavam sob o regime de tarefas, o que lhes gerava mais tempo para se dedicarem aos seus roçados, sob os quais guardavam autonomia, inclusive podendo repassá-los para outros cativos após a conquista da liberdade. Além dessa autonomia no trabalho, havia um equilíbrio entre os sexos, e, em certa medida, espaço de autonomia e de organização familiar, ocorrendo um alto número de casamentos e de legitimação de nascimentos de filhos, existindo um considerável número de crianças86. Apesar dessa possibilidade de compra da liberdade, na maioria das vezes, as alforrias foram promovidas de forma gratuita, sendo a compra de liberdade praticada em quantidade reduzida87. Em janeiro de 1831, os beneditinos de Olinda e da Paraíba decidiram, em conselho, alforriar todos os seus cativos, ato que só viria a ocorrer de fato em setembro de 1871. No entanto, 96

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ao longo desse período, uma grande quantidade de cativos veio a alcançar a liberdade. Entre 1866 e 1869, foram libertas setenta pessoas, de forma que, em 1871, com o fim da escravatura beneditina, restavam trinta e sete cativos88. Além do mais, os monges beneditinos, quanto à relação social com os habitantes das redondezas, mantinham estreito contato com os moradores das vizinhanças, através da prática apostólica, evangelizadora, além dos contatos através da realização de festividades. Dentre estas, ocorria a Festa de São Bento, santo padroeiro dos beneditinos, evento de destaque na região; e a Festa de Nossa Senhora do Rosário, que contava com a participação de três frades e era organizada e custeada pelos próprios cativos, sendo todos os artefatos necessários, como foguetes e fogos de vista, e todos os produtos vendidos na festa, como bolos e doces que eram disponibilizados em grande quantidade, por eles providenciados. Evento que ocorria durante várias noites com uma grande quantidade de participantes de São Bento e das vizinhanças89. Sem dúvida, essa festividade atraía um grande número de africanos e afrodescendentes que viviam nas localidades do entorno, na condição de cativos, libertos e mesmo livres. Essa convivência também deve ter ocorrido nas relações econômicas, no campo da produção, como, por exemplo, de cal, incorporando a capacidade produtiva já instalada em outras localidades circunvizinhas, como Cuieiras, onde ainda ocorre significativa quantidade de ruínas de fornos de cal, intensamente utilizados no século XIX, mas alguns com evidências de serem construções mais remotas, ou simplesmente fazendo uso das pedreiras daquele lugar. Dessa forma, considerando o tempo de permanência das atividades dessa fazenda, do final da primeira metade do século XVII ao final do XIX, cerca de 250 anos, o regime escravista nela praticado, que possibilitava a liberdade e a constituição de famílias de agricultores e trabalhadores em atividades como a produção da cal, e a rica possibilidade da prática da pesca artesanal nas redondezas, sobretudo porque essa prática já se apresentava como uma das 97

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atividades desses cativos90, sem dúvida, considerável parcela desses libertos e descendentes permaneceu nas vizinhanças. E uma vez que a sede dessa fazenda ficava a apenas dois quilômetros e oitocentos metros, pelo Rio Maria Farinha, do Porto de Cuieiras, é bem certo que parcela dessas pessoas tenha migrado para essa localidade. Fundado no final da primeira metade do século XVI, o Engenho Jaguaribe se traduziu no primeiro núcleo populacional do que viria a ser a Vila de Maricota, do termo de Igarassu, cuja relação fica evidenciada em anúncios sobre o referido engenho, como o de um furto veiculado no Diario de Pernambuco, de 21 de maio de 1830, quando ressalta que o fato havia ocorrido no Engenho Jaguaribe, “junto ao lugar da Maricota”91. Essa vila viria a ser desmembrada de Igarassu e transformada, através do Decreto-Lei Estadual n. 235, de 9 de dezembro de 1938, em Distrito do Município de Paulista e, em 1982, já com denominação alterada para Abreu e Lima, fato que ocorreu em 1948, foi elevada, com base em plebiscito, à condição de município, através da Lei Estadual n. 8.950, de 14 de maio de 198292. A proximidade e estreita relação entre Maricota e Cuieiras se configura quando este povoado fica sob a jurisdição do Distrito Policial de Maricota, criado em 22 de julho de 186393, inclusive com ocorrência de ato de abuso de poder e excesso de violência para com o povo de Cuieiras, como será visto mais adiante. O Engenho Inhamã teve um longo período de atividades, tendo sido fundado no final do século XVI, e no último quartel do XIX ainda encontrava-se funcionando. No Inventário dos Bens de Antonio Tristão de Serpa Brandão, que morreu quando residia e explorava economicamente esse engenho, consta uma relação de 40 cativos, de ambos os sexos e de diversas idades94. O Senhor Manoel Pereira de Morais, que faleceu como dono desse engenho, em 20 de abril de 1858, libertou, através de testamento, cinco cativos: Laurentino, pardo, de trinta anos; Marcelino, cabra, quarenta e quatro anos; Clemente, crioulo, trinta anos; e Herculana, parda, vinte e dois anos, juntamente com uma filha de nome Gertrudes95. 98

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Naturalmente que, assim como ocorriam nas diversas propriedades que faziam uso de mão de obra cativa, as fugas também eram comuns nesses engenhos, como a de um homem denominado Izidorio, de Nação Angola, com idade entre dezoito e vinte anos, que fugiu do Engenho Jaguaribe, no dia 26 de fevereiro de 182996; ou a de uma mulher, por nome Luiza, de Nação Congo, de trinta e cinco anos, que fugiu do Engenho Inhamã, em 3 de maio de 184397. Essas fugas também eram comuns na própria localidade, como, por exemplo, a de Mathias, mulato de vinte e cinco anos, que fugiu em março de 1834 do Sítio Olaria98, ou as inúmeras que ocorreram do Engenho Gongaçary (Figura 28), dentre as quais se pode destacar a referente a de um mulato de trinta e dois anos, ocorrida no dia 11 de março; e a de outro homem, por nome Gonçalo, de vinte anos, ocorrida em 12 de abril, ambas no ano de 183599. As ocorridas em 29 de novembro de 1839, de três homens, um por nome José, de Nação Angola, com trinta e cinco anos; Paulo, de Nação Cabinda, com trinta anos; e Antonio, de Nação Angola, com cinquenta anos100. A de um homem por nome Antonio, de Nação Angico, de vinte e cinco anos, em 28 de novembro de 1846101. As ocorridas no dia 17 de janeiro, também do ano de 1846, de dois homens, um por nome Severino, crioulo, de trinta anos; e Antonio, com idade semelhante, trinta anos102. Ainda em 1846, em 28 de setembro, a de um homem denominado João, com trinta anos, de Nação Camunda103. A fuga, no dia 18 de fevereiro de 1847, de um homem por nome Antonio, crioulo, de trinta anos104. Ou ainda, a de um homem, denominado João, com idade em torno dos quarenta anos, de Nação Angola, conhecido como Botó, no dia 1º de março de 1870105. Como visto, diante da longevidade e da dinâmica dessas propriedades coloniais produtivas, localizadas nas vizinhanças e até no entorno de Cuieiras, é bem provável que ainda antes da ocupação das terras onde se localiza essa povoação, por parte dos seus “proprietários”, que serão tratados a seguir, tivesse havido uma migração de parcela das pessoas libertas dessas que estão entre as mais antigas propriedades rurais de Pernambuco, os engenhos Jaguaribe, 99

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do final da primeira metade do século XVI, e Inhamã, do final do referido século, e ainda da Fazenda de São Bento, da primeira metade do século XVII, ou mesmo do Engenho Gongaçary, que pode ter entrado em atividade em época não tão menos recuada do que a das referidas propriedades. Migraram para esse lugar por já se encontrarem adaptados com o modo de vida dessa região, e, sobretudo, em busca de dignidade e autonomia através da prática da pesca e da agricultura de subsistência, já que em Cuieiras havia uma farta ocorrência de pontos de pesca e de catação de crustáceos e moluscos, bem como de terras férteis e água potável.

Figura 28 – Anúncio de fuga de cativos do Engenho Gongaçary, em Igarassu, publicado no Diario de Pernambuco, de 25 de janeiro de 1840. Fonte: Diario de Pernambuco.

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O convívio entre integrantes do povo dessas localidades e a possível migração para Cuieiras devem ter permanecido ao longo do tempo, isso, em certa medida, porque havia uma histórica e estreita relação entre as comunidades pesqueiras localizadas nas proximidades das margens e afluentes do Rio Maria Farinha, como é o caso de Cuieiras, Inhamã, São Bento e Jaguaribe. Durante o sistema escravista, esse grupo de pescadores, composto em sua maioria por libertos, fugitivos, ou mesmo cativos, fazia uso dos mesmos pontos de pesca. Esse convívio, entre as referidas comunidades pesqueiras, continua ocorrendo até os dias atuais106. Na localidade em que se instalaria o Povoado de Cuieiras, para onde essas pessoas devem ter migrado não mais tarde que a segunda metade do século XVII, passaram a habitar em “mocambos” de pau a pique edificados em terras, a princípio, de propriedade desconhecida. Esse efetivo deve ter sido reforçado com a participação de pessoas livres, bem como de libertos e fugitivos de outras regiões, com a possibilidade de haver fugitivos do próprio entorno e vizinhança, uma vez que se tratava de uma região montanhosa, revestida de densa Mata Atlântica e com um vasto manguezal, oferecendo plenas condições para se ter o paradeiro incerto. Seguramente que após o estabelecimento, nas terras onde se consolidaria a Povoação de Cuieiras, dos sítios e das propriedades rurais coloniais produtivas, mantidas com a utilização de mão de obra cativa, que figuram no século XVIII, com possibilidades de algumas já existirem em épocas mais recuadas, a situação daqueles que já se encontravam fazendo uso da localidade e nela permaneceram não ficou fácil. O preço dessa permanência deve ter sido bastante alto, pois passaram a dispor de menor autonomia, fato decorrente da presença dos proprietários das terras, até então desconhecidos, para os quais certamente passaram a prestar serviços em condições semiescravas, visando à manutenção de suas moradias, agora “oficialmente” como posseiros. 101

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Anúncios publicados na imprensa – como o do Diario de Pernambuco de 6 de fevereiro de 1868 (Figura 29), que divulga a fuga, ocorrida em 9 de janeiro de 1868, de um homem com idade entre vinte e oito e trinta anos, denominado Cosme, do lugar Cueira, do termo de Igarassu107, bem como, os dados referentes à causa judicial, divulgada no Diario de Pernambuco, de 17 de setembro de 1873, que envolve pagamento por compra de um cativo, denominado Januário, de dezesseis anos, adquirido por Antonio Tristão de Serpa Brandão a Manoel José de Albuquerque, tendo Cueira como local da negociação, realizada em 15 de julho de 1859108 – revelam que, além das propriedades produtivas coloniais da localidade, o Sítio Olaria e o Engenho Gongaçary, outros proprietários de terras e moradores de Cuieiras também faziam uso de mão de obra cativa.

Figura 29 – Anúncio de fuga de um cativo do lugar Cueira, em Igarassu, publicado no Diario de Pernambuco, de 6 de fevereiro de 1868. Fonte: Diario de Pernambuco.

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O uso desse tipo de mão de obra por parte das famílias mais abastadas, geralmente proprietárias de terras, que residiam em Cuieiras, em sítios coloniais, foi comum desde a chegada das mesmas para habitarem essa localidade. Luiz, nascido em 5 de abril de 1774, e seu pai Lourenço, eram cativos de Maria de Barros Rangel; Felicianna, nascida em 15 de abril de 1775, juntamente com a sua mãe “Fabiana”, natural de Angola, eram cativas de Bernardo Neves, todos moradores na Muximbata109. Além desses, são inúmeros os registros desse tipo de ocorrência. Em 20 de janeiro de 1798, na Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary, foi realizado o batizado de Germano, filho de Catharina, cativa de Pedro Rodrigues Pereira, moradores na Muximbata; em 11 de julho de 1800, na Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião, ocorreu o batizado de José, forro, filho de Maria, cativa de Rosa Maria da Conceição, moradores em Cueira; em 8 de fevereiro de 1807, na Igreja Matriz, viria a ser celebrado o batizado de Cosme, filho de Antonio e sua mulher Rita, cativos de Antonio Gomes, moradores na Muximbata; em 27 de junho de 1808, na Igreja Matriz, foi realizado o batizado de Manoel, filho de Rafael e sua mulher Rita, cativos de Eugenia Maria Francisca Rangel, moradores em Cueira; em 9 de agosto de 1806, na Igreja Matriz, ocorreu o batizado de Custodio, filho de Lucrecia, cativa de Maria da Conceição “Xacon”, moradora em Cueira; em 11 de fevereiro de 1809, na Igreja Matriz, veio a ser realizada a celebração do batizado de Cosma, filha de Luisa, cativa de Estevão José de Albuquerque, moradores na Muximbata110. Como visto, eram vários os moradores mais abastados que viviam em sítios coloniais, proprietários de pessoas em situação de cativeiro. Dentre esses, durante a década de 1800, figurou o Capitão Antonio do Espirito Santo Rangel e sua mulher Rita Maria, forra, que moraram nos sítios Cuieiras, Barca e Muximbata, e dentre os seus vários cativos constavam Garcia e sua filha Tereza, Catarina e seu filho Teodosio, “Goveia” e seu filho Antonio, e o casal Manoel e Catarina e a filha Manuelina111. 103

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A ocorrência desses cativos também pode ser observada nos inventários dos bens dos moradores mais abastados, como Maria Joaquina Rangel, moradora do Sítio Cuieiras, que faleceu em 20 de janeiro de 1851, deixando quatro cativos, sendo um homem, por nome Pedro, mulato, vinte e cinco anos de idade; uma mulher, por nome Quiteria, com quarente e cinco anos de idade; e duas crianças, Luzia, crioula, com dois anos de idade, e Carlota, crioula, com sete anos de idade. Esta havia sido doada por Maria Joaquina Rangel a sua filha Maria Joaquina de Santa Cruz, em 1840, em face do casamento desta com Francisco Xavier Coelho112. Maria Joaquina Rangel também era proprietária do Sítio Muximbata, com coqueiros e outros vários pés de fruta113. Já Maria da Conceição Rangel, moradora e proprietária de parte do Sítio Cuieiras, falecida em 9 de abril de 1871, mantinha em seu poder três cativos: Vicente, crioulo, com vinte e um anos; Francisco, Nação Angola, com cinquenta e cinco anos; e José, mulato, este havia sido alforriado pela mesma114. Esses são só alguns registros da grande população africana e afrodescendente que vivia em situação de cativeiro no povoado sob o domínio das famílias mais abastadas, em seus sítios coloniais, durante o período escravista. Certamente que uma grande parcela da população afrodescendente, talvez a mais significativa, que formaria o povo desse lugarejo, advém desses sítios coloniais. Povo que se agrupava, vivendo ora individualmente, ora em arranjos familiares, com uma grande ocorrência de mães solteiras, mas também de convívios conjugais, como, por exemplo, o casal Rafael e Rita, moradores em Cueira, que, durante a década de 1800, como cativos de Eugenia Maria Francisca Rangel, tiveram quatro filhos: Maria, batizada em 19 de abril de 1801; Eulália, batizada em 22 de dezembro de 1802; João, batizado em 30 de junho de 1805; e Manoel , batizado em 27 de junho de 1808; todas essas celebrações de batismos ocorreram na Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary115. Essa mão de obra certa104

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mente era utilizada tanto em trabalhos domésticos quanto em atividades econômicas, como na agricultura, sobretudo cultivo de coco, e na produção de cal e sal, atividades de comum ocorrência na região, nessa época. A princípio, a partir de uma observação espacial da área do povoado e dos sítios de Cuieiras, bem como da realização de conversas com antigos moradores, foi constatado que, apesar das inúmeras ocorrências de famílias moradoras da localidade que faziam uso de mão de obra cativa e da longevidade dessa prática, as únicas edificações remanescentes do período escravista, que apresentam, em seu conjunto de estruturas, ambientes possivelmente destinados à habitação dos cativos, senzalas, são as do Engenho Gongaçary e a casa de vivenda do Sítio Olaria, que ficam situadas em áreas rurais localizadas no entorno da povoação, não ocorrendo outras edificações ou ruínas que apresentem essas características. Quanto à forma arquitetural das senzalas, segundo Geraldo Gomes (1998), as encontradas nas edificações coloniais rurais que funcionaram como engenhos apresentam uma única tipologia, cuja composição traz “uma série de cubículos contíguos em linha com um alpendre comum ao longo de todo o edifício e cobertos com um mesmo telhado de duas águas.” (GOMES, 1998, p. 43). Mesmo considerando a baixa resistência dos materiais geralmente aplicados e a precariedade das construções destinadas à habitação dos cativos116, essa realidade leva a crer que as pessoas cativas dos moradores abastados dos sítios coloniais de Cuieiras ora residiam em simples acomodações no interior das casas de seus proprietários, ora residiam em “mocambos” em pau a pique, construídos pelos próprios cativos, em pequenos lotes no interior das terras dessas propriedades. Tipo de moradia que, provavelmente, já vinha sendo utilizada pelos primeiros habitantes dessa localidade. Sem dúvida, a distribuição desses “mocambos” no interior desses sítios coloniais, bem como as suas localizações em relação 105

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às casas de vivendas, iria depender do tipo de relação social entre as partes e da quantidade de cativos que estava diretamente relacionada ao tipo e ao volume de atividades a serem desempenhadas na propriedade. Certamente que vários desses cativos que viessem a conseguir a liberdade, como a ocorrida com o homem chamado José, que foi alforriado por Maria da Conceição Rangel, devem ter permanecido nesse tipo de moradia, dessa feita, prestando serviços como semiescravos para garantirem essas permanências. Em alguns casos, esses cativos devem ter tido a concessão para explorarem pequenos roçados contíguos a esses “mocambos”, atividades que eram alternadas com a prática da pesca. Ainda há no povoado moradores idosos com fenótipo afrodescendente, posseiros, habitantes de “mocambos”, que recordam dos avós, ou mesmo bisavós, moradores dessas condições de habitação, por eles herdadas.

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Figura 30 – Alguns posseiros, herdeiros de habitações em pau a pique localizadas no interior de sítios de Cuieiras. Fontes: acervos de José Silvério Brandão e de Antônia Maria da Conceição; o autor, abril e maio de 2015 e abril de 2016.

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Figura 31 – Residência de Severino Calixto de Oliveira, no Sítio Governador, integrante de tradicional família de posseiros da localidade. Abril de 2016.

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Como visto anteriormente, tanto nos relatos de fuga, quanto na relação de cativos de moradores, o grupo de pessoas que viviam na condição de cativos nessa localidade era composto, em sua maioria, tanto por afro-brasileiros (crioulos e mulatos) quanto por africanos. Muito embora, por questões de proibição legal, a maioria daqueles que foram adquiridos nas últimas décadas que precederam à abolição do sistema escravista trate-se de afro-brasileiros, adquiridos nas redondezas, ainda ocorriam aquisições de africanos. Dentre essas, figura o caso de Antonio Joaquim da Fonseca Galvão, que, conforme denúncia publicada no Diario de Pernambuco, de 8 de março de 1877, teria adquirido três cativos africanos em 1848, um homem conhecido como Felix, uma mulher denominada Ana Rita e seu filho Benedicto117. Essa aquisição teria ocorrido de forma ilegal, uma vez que a negociação havia sido realizada após a promulgação da Lei de 7 de novembro de 1831, que declarava livres todas as pessoas escravizadas vindas de fora do Império para o Brasil após aquela data. Ainda conforme a denúncia, o referido Senhor possuía residência em Nova Cruz, vilarejo vizinho a Cuieiras, localizado às margens do Rio Maria Farinha. Em Cuieiras, ele era proprietário de terras, com casa de vivenda118, lugar que também serviu de residência da família, e onde, em 16 de janeiro de 1892, seu filho, Manoel Augusto da Fonseca Galvão, como morador, veio a casar-se com Francisca Augusta Cavalcante Galvão119. Ainda com relação à referida aquisição ilegal, vale ressaltar que, conforme os termos da denúncia, o cativo Felix, que se encontrava sob a propriedade de Antonio Joaquim, teria sido inicialmente comprado pelo seu irmão, Manoel Joaquim da Fonseca Galvão, que em seguida teria repassado para ele. Manoel era o então proprietário do Engenho Pirajuy, que se localizava nas proximidades de Cuieiras. Mesmo após a assinatura da referida lei, existem diversas notícias sobre comércio ilegal de africanos, desembarcados no litoral brasileiro, em geral em praias mais desertas. Entre 109

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1831 e 1850, permaneceu um forte esquema de tráfico ilegal de africanos cativos trazidos para a Província de Pernambuco, através do uso de diversos portos alternativos ao longo da costa pernambucana, com procedência de Angola120. Antes de seguirem para o Porto do Recife, os cativos eram desembarcados em portos clandestinos, dentre eles, Barra de Catuama e Itamaracá121. Esses portos situavam-se relativamente próximos à Nova Cruz e Cuieiras, cerca de dezenove e de vinte e dois quilômetros, respectivamente, em relação ao porto mais afastado, o de Barra de Catuama, com acesso fazendo uso apenas de embarcações, podendo, inclusive, navegar pelo Canal de Santa Cruz e Rio Maria Farinha122. Essas atividades ilegais, que contavam com a participação dos fazendeiros do entorno e mesmo da população local, e para as quais alguns engenhos das proximidades vieram a ser utilizados como mercado de escravos, chegavam a atrair interessados de outros estados, como o Rio Grande do Norte e Alagoas123. Anúncios de fugas veiculados nos jornais do século XIX, durante o sistema escravista, evidenciam que várias pessoas fugitivas do cativeiro migraram para a região do entorno do Rio Maria Farinha124, certamente por conta de se tratar de uma região que ofertava simultaneamente as condições para se esconder e sobreviver, sobretudo, através da atividade pesqueira. Conforme anúncio veiculado no Diario de Pernambuco, de 5 de outubro de 1863, uma fugitiva, por nome Jacintha, estaria escondida em Maria Farinha, sob os auspícios dos cativos de Antonio Tristão de Serpa Brandão125. Esse cidadão, que faleceu em 1875 como morador e explorador do Engenho Inhamã, como visto anteriormente, fazia transação com cativos em Cuieiras – vale ressaltar que nesse período denominavam-se de Maria Farinha tanto as áreas que ficavam do lado leste do Rio Maria Farinha quanto as que ficavam ao oeste desse rio, ou seja, as terras pertencentes a Igarassu, como Nova Cruz e Cuieiras126. Em outro anúncio, publicado na edição do dia 17 de março de 1832, do mesmo veículo de imprensa, mais de trinta anos antes do episódio anteriormente citado, encontrava-se fugida, desde o dia 30 de janeiro 110

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de 1832, uma mulher, por nome Victoria, de vinte anos, cuja opção mais provável de seu paradeiro seria ter fugido para viver na companhia de sua mãe, em terras de Prejuí ou Gongá, na Freguesia de Igarassu127. As terras do Engenho Gongá, ou Gongaçary, integram a área do lugar Cuieiras e margeiam a sua povoação. Conforme Carvalho (1991)128, a Floresta do Catucá, que, dentre outras, englobava terras do Município de Igarassu, serviu, nas primeiras décadas do século XIX, como abrigo para os aquilombados do Quilombo do Catucá. O Centro do Quilombo estaria situado entre as matas dos engenhos Timbó e Monjope, região relativamente próxima ao Povoado de Cuieiras. Carvalho ressalta que o Quilombo do Catucá, além de contar com a conivência e o apoio da população livre e liberta da região, tratava-se de um quilombo dividido em vários grupos e com mobilidade dentro da floresta. Destarte, certamente, durante décadas, a área de penetração e a rede de relações, de início de forma menos organizada por ação dos fugitivos e posteriormente de forma mais estruturada e orientada, com a atividade dos agora aquilombados, devem ter atingido um grande raio de alcance, deixando remanescentes desses fugitivos enraizados em vários pontos da região e circunvizinhança. E ainda porque, como já ressaltado, durante muito tempo, as diversas localidades da área tratada encontravam-se no interior de uma única mata, entremeada por estradas carroçáveis que permitiam a ligação entre vilas, engenhos e povoados, com amplas possibilidades de servir, em diversos pontos de sua vasta área, como refúgio de fugitivos do escravismo. A ampla atuação desses aquilombados nas terras pertencentes a Igarassu e a relação desses com moradores dessas áreas ficam bem evidenciadas na correspondência, datada de 6 de março de 1829, do Presidente da Província de Pernambuco dirigida ao Desembargador Ouvidor Geral do Crime, publicada no Diario de Pernambuco, edição de 11 de março do mesmo ano129. Nessa comunicação, o Presidente ressalta os diversos atos praticados pelos aqui111

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lombados do Catucá, constantes nos ofícios do Juiz de Paz da Vila de Igarassu, e solicita, do Desembargador Ouvidor Geral do Crime, providências para exterminar o referido quilombo e para a realização de uma devassa no sentido de identificar as pessoas que habitavam em lugares confinantes do mesmo quilombo e que contribuíam com os aquilombados lhes fornecendo “sustento, munição e mais socorros”. Além do grupo composto de fugitivos do escravismo, os libertos, moradores de Cuieiras e vizinhanças, que não necessitavam de se esconder, também devem ter permanecido nessa localidade durante o regime escravista, até porque a perseguição e a criminalização desse povo era muito grande nas cidades, além do fato de a região do Estuário do Rio Maria Farinha oferecer possibilidade de sobrevivência através da pesca artesanal e da catação de moluscos e crustáceos. Embora o mais provável tenha sido a migração para esse povoado de fugitivos de localidades mais distantes, aceitar a permanência em terras de Cuieiras de fugitivos do entorno e das circunvizinhanças não é de todo descartável, uma vez que as características da região ofereciam amplas possibilidades e recursos de tornar incerto o paradeiro dessas pessoas. Com o fim do escravismo, boa parte daqueles que ainda viviam no cativeiro, na própria povoação, no entorno e nas circunvizinhanças certamente que viu em Cuieiras um local ideal para se estabelecer, ora para buscar a sobrevivência autônoma, ora para desempenhar, agora de forma remunerada, atividades que já realizavam na condição de cativos, como aquelas relacionadas à produção de cal. Além do mais, como já foi visto no capítulo anterior, durante o século XIX, com mais intensidade na sua última década, logo após ao fim da escravatura, nas terras de Cuieiras e entorno, houve um grande aumento na produção de cal, atraindo a mão de obra masculina e feminina da localidade e de outras regiões. Essas atividades do universo da produção de cal, que vai perdurar ao longo da primeira metade do século XX, conjuntamente com as atividades pesqueiras e de agricultura de subsistência, vão se caracterizar como o 112

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principal conjunto de atividades econômicas da população mais pobre da comunidade nesse período. A participação desse grupo na composição do povo do lugar é perceptível no fenótipo de boa parte da população descendente de antigos moradores do povoado. O cenário de criminalização e perseguição das classes populares, compostas pelos pobres, livres e libertos, em sua maioria afrodescendentes, que levou à migração de algumas pessoas para outras localidades, distantes dessa perseguição, também pode, em menor escala, ter contribuído com a formação desse lugarejo. A política de Estado, ainda no período Imperial, assimilava e implementava ações alinhadas conceitualmente com as teorias europeias de marginalização das classes populares, taxadas como “classes perigosas”. Esse sentimento estava expresso no primeiro Código Criminal Brasileiro, de 1830. Nele a vadiagem e a mendigagem eram tratadas como crimes. O conceito de “classes perigosas” atribuído às classes populares, construído ao longo da segunda metade do século XIX, ganha mais força a partir da abolição do sistema escravista. Com o aumento significativo de afrodescendentes livres e libertos, cresce consideravelmente a discriminação e a preocupação das elites em afastar de seus convívios pessoas que viviam na ociosidade, caracterizando-se como uma ameaça. Dessa forma, no final do século XIX, o controle sobre essas pessoas passou a ser uma temática de debates na Câmara dos Deputados. Nessas discussões, com o fim do controle do proprietário sobre a pessoa a ele escravizada, cabendo ao Estado a ordem social e trabalhista, o estereótipo de “classes perigosas” e a sua criminalização estaria preferencialmente relacionada às pessoas que estiveram na condição de cativas, como forma de assumir o controle antes realizado pela própria estrutura escravista130. O Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, que promulga o Código Penal, ratifica a existência das ditas “classes perigosas”, consolidando e ampliando a criminalização de suas condutas sociais e culturais. 113

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A população do Recife nos oitocentos sofreu um considerável incremento, decorrente, em grande medida, do fluxo de imigrantes do interior mais próximo em busca de melhores oportunidades econômicas, sobretudo, na construção civil, nas atividades comerciais, sejam varejistas ou ambulantes, ou mesmo em serviços domésticos. Entre os Censos de 1822 e 1856, a população livre do Recife cresceu próximo de sessenta por cento, com a população não escrava sendo ampliada em mais de oitenta e cinco por cento131. Nas últimas décadas dos oitocentos, o número de afrodescendentes, seja na condição de cativos, de subempregados ou desocupados, chegou a representar cinquenta e três por cento da população do Recife. Nesse cenário, a figura do vadio transforma-se no mote da perseguição do sistema de segurança aos integrantes das classes populares, para tanto invocando o citado Código Criminal de 1830, relacionando condição social à condição de delinquente, tendo a Casa de Detenção do Recife, fundada na década de 1850, como o local de destino desses vadios132. Nesse cenário de opressão, perseguição e segregação, certamente que muitos dos livres e libertos, afrodescendentes, diante da ocorrência de viáveis oportunidades, vieram a se retirar do ambiente urbano do Recife e de outros centros menores, como Olinda, Igarassu ou mesmo Goiana, em busca de mais autonomia e dignidade. Até porque a busca pelo Recife não foi determinada, exclusivamente, pela vontade de querer viver nessa cidade, dentre os motivos que levaram muitos à imigração do interior para o Recife, figuravam as secas e a expulsão pelos produtores de açúcar das terras que ocupavam como posseiros133. Da mesma forma que ocorreram as fugas da opressão do sistema escravista, sem dúvida, esse cenário levou à migração de muitos dos integrantes das ditas “classes perigosas” em busca de maior autonomia e dignidade em locais mais afastados dos efeitos dessa política segregacionista e opressora. Conforme dados levantados de documentação de antigos moradores de Cuieiras, como identidades, certidões de nascimento e casamento, dentre outras, bem 114

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como de conversas com moradores e ex-moradores mais velhos, ficou evidenciado que alguns desses, que no momento da realização deste trabalho contavam com idade acima de setenta anos, tinham pais ou avôs que eram naturais de cidades como Olinda, Goiana e Recife. Manoel Henrique Gonçalves e Maria José do Nascimento, que se casaram na Capela do povoado em 30 de outubro de 1913, ambos eram naturais da freguesia de “Goyanna”134. Fato que leva a crer que esse casal havia migrado para Cuieiras já na condição de adultos, ou eram membros de famílias que haviam migrado para essa comunidade após os seus nascimentos. Esse cenário revela que, no período entre a última década do século XIX e as primeiras do século XX, ocorreu uma migração de pessoas, sobretudo, de homens, para Cuieiras. Trata-se do período que sucede à abolição do sistema escravista e no qual ocorre uma grande produção de cal nessa povoação. Registros de nascimentos, batizados, casamentos e óbitos realizados nos séculos XVIII e XIX, referentes a moradores desse lugar, apontam para a possibilidade de o povoado vir a ser consolidado no século XIX e ajudam a compreender a composição do povo e o processo de adoção do nome de um dos sítios da localidade como denominação dessa comunidade. Conforme consta no registro de casamento realizado no dia 7 de setembro de 1775, ocorrido na Capela de Nossa Senhora de Nazareth, no Engenho Pirajuy, entre Manoel do Prado Leal e Ygnes da Encarnação Rangel, esta e seus pais “Hyvorino” Barreiros Rangel e Rosa Maria Passos, eram moradores da Muximbata135. Os dados constantes no registro de batizado de Januaria, nascida em 11 de julho de 1774, revelam que ela e a sua mãe, Maria, natural de Angola, cativas de Domingos Baptista, eram, inclusive este, moradores da Muximbata136. De acordo com as informações contidas no registro de batizado de Manuel, que nasceu cativo, realizado em 30 de julho de 1798, ele, a sua mãe, Maria, e a proprietária desses, Rosa Maria, eram todos moradores de Cuieira137. Registros de batismos, referentes à primeira década dos anos oitocentos, trazem os seguintes dados: em 21 de dezembro de 1800, na Capela de Nossa Senhora do Rosário do 115

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Engenho Gongaçary, ocorreu o batizado de Ambrosio, filho de Catharina, cativa de Pedro Rodrigues Pereira, moradores em Cueira; em 19 de maio de 1803, na Capela do Engenho Gongaçary, veio a ser realizada a cerimônia de batizado de “Euparia”, filha de Maria, cativa de José Gonçalves de Matos Rangel, moradores em Cueira; em 26 de agosto de 1803, na Capela do Engenho Gongaçary, houve a celebração do batizado de Maria, filha de Miguel Camelo e sua mulher, Maria Francisca, moradores na Barca; em 29 de dezembro de 1804, na Igreja Matriz dos Santos Cosme e Damião, foi realizado o batizado de “Tomasia”, filha de José da Mata e sua mulher, Maria do Espirito Santo, moradores na Muximbata; em 2 de janeiro de 1808, na Igreja Matriz, ocorreu o batizado de Cosma, filha de José da Silva e sua mulher Maria José, moradores na Muximbata; em 21 de agosto de 1808, na Igreja Matriz, foi celebrado o batismo de Joaquina, filha de Ana, cativa de Eugenia Maria Francisca Rangel, moradores em Cueira; em 30 de abril de 1809, na Igreja Matriz, viria a acontecer a celebração do batizado de “Santeria”, filha de Rosa, cativa do Padre Joaquim José Rangel, moradores em Cueira; em 25 de junho de 1809, na Capela do Engenho Gongaçary, foi realizado o batizado de Manuelina, filha de Manoel e Catarina, cativos do Capitão Antonio do Espirito Santo Rangel, moradores na Muximbata; em 22 de agosto de 1809, na Igreja Matriz, ocorreu o batizado de Severino, filho de Lucrecia, cativa da viúva Maria da Conceição “Xacon”, moradores na Muximbata138. Registros civis de nascimentos, referentes à última década do século XIX, trazem os seguintes dados: Francisco dos Prazeres, de cor parda, filho de João Elesbão e Francisca Barbosa de Proença, nasceu na residência de seus pais, em Cuieira, em 25 de dezembro de 1890; Josepha, de cor parda, filha de Maria da Conceição, nasceu na residência de Simões Pinto de Resende, em Cuieira, em 15 de janeiro de 1891; Maria Sebastiana Borges, de cor parda, filha de um relacionamento entre Joana Maria da Conceição e Feliciano Francisco Borges, nasceu na casa deste, na Muximbata, em 20 de janeiro de 1891; Sebastião, de cor parda, filho de José Aquino de 116

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Farias e Maria Margarida do Espirito Santo, nasceu na residência dos seus pais, na Muximbata, em 2 de junho de 1891; Manoel, de cor branca, filho de Antonio Vicente da Silva e Rosa Candida de Moraes, nasceu na residência dos seus pais, em Cuieira, em 23 de agosto de 1891; Josepha, de cor branca, filha de Manoel Augusto de Sant’Anna e Dersulina Maria da Conceição, nasceu na casa dos seus pais, em Cuieira, em 8 de outubro de 1891; Arcelina, de cor parda, filha de Francisco Miguel de Souza e Josepha Rosa de Lima, nasceu na casa dos seus pais, na Barca, em 3 de junho de 1892; Manoel, de cor parda, filho de Manoel Jeronimo de Souza e Maria Joaquina de Souza, nasceu na residência dos seus pais, em Cuieira, em 18 de junho de 1892139. Registros civis de óbitos, referentes à última década do século XIX, informam os seguintes dados: um bebê com dois meses de vida, por nome José, de cor parda, filho de Maria da Conceição, veio a falecer em 6 de dezembro de 1889, em Cuieira; Maria, aos dois anos de idade, de cor preta, filha de Felirmina, faleceu em 16 de agosto de 1890, em Cuieira; o Senhor “Cyrillo”, de cor preta, solteiro, filho de Maria Caetana, teve a sua vida finalizada em 19 de janeiro de 1890, aos oitenta anos de idade, em Cuieira; Josepha Maria das Mercês, de cor parda, filha de Manoel da Fonseca e Joana Maria das Mercês, veio a falecer em 14 de novembro de 1891, aos três anos de idade, na Olaria; José, um bebê com oito meses de vida, de cor branca, filho de Antonio Vicente de Souza e Rosa Candida de Moraes, faleceu em 10 de maio de 1892, no Sítio Muximbata; Sebastião Aquino de Farias, uma criança de cor parda, com um ano e meio de vida, filho de José Aquino de Farias e de sua mulher, Maria Margarida do Espirito Santo, faleceu em 1º de junho de 1892, na Muximbata; Josepha, um bebê com oito meses de nascida, de cor branca, filha de Manoel Augusto de Sant’Anna e Dersulina Maria da Conceição, teve a sua vida interrompida em 4 de junho de 1892, em Cuieira; Manoel, um recém-nascido, com apenas um dia de vida, de cor parda, filho de Manoel Jeronimo de Souza e Maria Joaquina de Souza, faleceu em 19 de junho de 1892, em Cuieira; Josepha, com um ano e meio de vida, de cor 117

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parda, filha de Maria da Conceição, veio a falecer em 28 de julho de 1892, em Cuieira; Narciso, de cor preta, filho de Antonio de Barros e de sua mulher, Maria Chistina da Conceição, faleceu aos onze anos de idade, em 4 de maio de 1895, na Muximbata; Damião José de Oliveira, de cor parda, viúvo, filho de Manoel Severino e Joaquina de Oliveira, viria a falecer em 5 de novembro de 1897, aos sessenta e cinco anos, em Cuieira; Manoel, uma criança com dois anos de idade, de cor branca, filho de Manoel Lobo Albertim e de sua mulher, Josepha Rodrigues da Costa, veio a falecer em 27 de junho de 1898, em Cuieira140. Como visto, durante os séculos XVIII e XIX, as documentações referentes a registros de nascimentos, batizados, casamentos e óbitos não trazem Cuieiras como um povoado, como referência de lugar dos moradores dessa localidade, mas, assim como também ocorre com os sítios Barca, Muximbata e Olaria, é tratado como unidade menor de lugar, ou seja, sítio. Durante o século XVIII, conforme a ocorrência de registros, além do Sítio Cueira, a localidade Muximbata também apresentava considerável número de moradores, talvez equivalente à população de Cueira. Já no século XIX, embora Muximbata tenha permanecido com grande ocorrência de moradores, o Sítio Cuieira passa a ser o mais cobiçado, decorrente do aumento da exploração das pedreiras calcárias e da produção de cal, passando a apresentar uma população bem maior que a dos demais sítios, composta tanto por pessoas mais abastadas, quanto por indivíduos mais pobres, a maioria, após o sistema escravista, descendente de pessoas que viveram em situação de cativo. Com o passar do tempo, o lugar Cuieira vai ganhando mais visibilidade. O nome Cuieira viria a ser fortalecido, significativamente, a partir de 1891, com a ampliação da exploração das pedreiras calcárias e produção de cal nesse sítio, inicialmente pela Companhia Exploradora de Productos Calcareos e em seguida pela Cunha & Cia., inclusive, colocando no mercado, com ampla divulgação nos jornais de grande circulação, a Cal de Cuieira. O uso da expressão 118

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Cuieira como a denominação do povoado viria a ser definitivamente consagrado com a fundação da Capela de São João Batista, entre o final do século XIX e o início do XX, conhecida como a Capela de Cuieira. Diante desse cenário, no início do século XX, a documentação referente aos integrantes desse povoado passa a trazer Cuieira como referência de localidade. Mesmo sendo moradores de sítios, como Muximbata ou Barca, a documentação referente a essas pessoas passou a tratá-las como moradores do lugar Cuieira, foi assim, por exemplo, o caso de Julio Deodoro de Caldas Brandão, que, embora tenha falecido como antigo morador do Sítio Muximbata141, em seu registro de falecimento consta como morador de Cuieira142. Quanto à motivação de esse sítio ter a denominação de Cueira ou Cuieira, não se tem conhecimento de nenhuma documentação que respalde o seu nascedouro, sequer houve transmissão oral. A comunidade, inclusive os mais velhos, desconhece qualquer justificativa para a sua origem. Esse desconhecimento pode se dever ao fato do distanciamento temporal em relação aos primórdios da origem dessa denominação. Uma possibilidade razoável, muito embora ainda não se tenha conhecimento de nenhuma documentação comprobatória de tal ocorrência, seria a denominação do lugar estar relacionada ao fato de nessa localidade ter havido um grande número de árvores denominadas Cuieiras (Crescentia cujete), também conhecida como árvore-de-cuia ou cuité, cujo fruto pode ser utilizado como vasilhas ou cuias143. Nos séculos XVIII e XIX até o final do sistema escravista, a grande maioria da população do povoado era composta por afrodescendentes, com um grande número dessas pessoas em situação de cativeiro. Dos registros de batizados identificados no período entre o ano final do século XVIII até o final da primeira década dos oitocentos, referentes a pessoas nascidas nesse lugar, cerca de noventa por cento dizem respeito a crianças filhas de pessoas em situação de cativeiro, e próximo de sessenta por cento dessas crianças são filhas de mães solteiras. Catharina é apenas um desses casos, cativa de Pedro Rodrigues Pereira, que, entre o final da 119

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década de 1790 e início da década de 1800, chegou a morar em Cueira e na Muximbata. Nesse período, foram identificados registros de três filhos de Catharina, sem a presença do pai. Foram eles: Germano, batizado em 20 de janeiro de 1798; Ambrosio, batizado em 21 de dezembro de 1800; e Rosa, batizada em 20 de setembro de 1803, todos os eventos religiosos realizados na Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary. Certamente havia uma grande quantidade de afrodescendentes livres ou libertos, mas poucos eram aqueles que oficializavam suas relações conjugais e os filhos gerados das mesmas. Diferentemente dos cativos que estavam sob a guarda de famílias de ascendência europeia, fortemente comprometidas com a fé católica, que, em geral, traziam os seus cativos para esse ambiente religioso e os envolviam em práticas e atos dessa fé, como o batismo. Os arranjos “conjugais” ocorriam tanto entre livres e entre cativos, como entre forros e cativos, entre forros, entre livres e forros, ou ainda entre livres e cativos. Esses dois últimos tipos de relação, sobretudo, quando o livre se referia a homem integrante das famílias mais abastadas, na maioria das vezes, davam-se apenas na intenção da exploração do corpo das mulheres. Relação que, quase sempre, resultava em procriação, cuja prole era assumida apenas pelas mulheres. É a partir dessas relações, que vão sendo praticadas no decorrer desse longínquo convívio, que vai sendo ampliada e consolidada a população dessa povoação, promovendo certa miscigenação étnica e social, sendo esta em menor escala, e compondo uma população marcada por um forte fenótipo afrodescendente. Dentre as principais causas de morte, de comum ocorrência nos oitocentos e que perdurou até as primeiras décadas da segunda metade do século XX, figuravam a febre, problemas dentários, verminoses e complicações decorrentes de partos. A febre aparecia como a mais comum, vitimando uma grande quantidade de pessoas, como foi o caso de Maria Leonidas do Espirito Santo, de cor parda, casada com Manoel Jeronymo de Souza, filha do Capitão Rosalino 120

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do Espirito Santo e de Maria Rosalina de Farias, que veio a falecer, na Muximbata, em 23 de dezembro de 1890, aos vinte anos de idade. As enfermidades derivadas da formação e nascimento dos dentes (dentição) apareciam como uma das causas de morte de bebês, como ocorreu com Josepha, de cor preta, filha de Josepha da Conceição, que, em 17 de outubro de 1896, veio a falecer aos sete meses de nascida, em Cuieira. Verminose também figurava como uma das causas da mortalidade infantil; dentre as vítimas, consta Francisca Paula, de cor preta, filha de Josepha Maria de Paula, que faleceu aos três anos de idade, em Cuieira. Já o momento do parto traduzia-se em grande apreensão, não apenas pela espera da chegada da criança, mas, sobretudo, devido à tênue garantia da sobrevivência da mãe, momento que levava muitas mulheres à morte, como ocorreu com Rosa Candida Pereira de Moraes, de cor branca, casada com Antonio Vicente da Silva, filha de Manoel Pereira de Moraes e de Romana Maria da Conceição, que veio a falecer em trabalho de parto, em 6 de setembro de 1892, na Muximbata, aos vinte e cinco anos de idade144. Esses registros também apontam para um alto índice de mortalidade infantil, caracterizado em casos como o de Sebastião, de cor parda, filho de José Aquino de Farias e Maria Margarida do Espirito Santo, que nasceu na Muximbata, em 2 de junho de 1891, e veio a falecer, no mesmo endereço de nascimento, em 1º de junho de 1892, com um ano e meio de vida; Josepha, de cor branca, filha de Manoel Augusto de Sant’Anna e Dersulina Maria da Conceição, que nasceu em Cuieira, em 8 de outubro de 1891, vindo a falecer aos oito meses de nascida, em 4 de junho de 1892, no mesmo local de nascimento; Josepha, de cor parda, filha de Maria da Conceição, nascida em 15 de janeiro de 1891, em Cuieira, faleceria quando contava com um ano e meio de vida, em 28 de julho de 1892, na mesma localidade de seu nascimento; Manoel, de cor parda, filho de Manoel Jeronimo de Souza e Maria Joaquina de Souza, que nasceu em Cuieira, em 18 de junho de 1892, e cujo óbito deu-se no dia seguinte. 121

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A quantidade de registros civis de nascimentos e de óbitos, na última década do século XIX, considerando-se a grande quantidade de pessoas, sobretudo, das classes mais pobres, que não faziam uso desses procedimentos, além daqueles moradores de Cuieiras que faleceram ou nasceram em outros lugares, evidencia o quanto habitado se encontrava esse povoado. Esse fortalecimento veio a ocorrer com o fim do sistema escravista e com a ampliação da exploração da produção de cal nessa área, havendo um significativo aumento da população, tanto por parte dos libertos da localidade, entorno e vizinhanças, como por migrantes de outras regiões em busca de trabalho. Observa-se, ainda, a ocorrência de uma maioria absoluta de pessoas mestiças ou negras, setenta e cinco por cento dos citados registros civis referem-se a essa parcela da comunidade, embora a maior parte desses registros não tenha sido realizado por integrantes das famílias mais pobres, ex-cativos e descendentes desses. Esse cenário vai perdurar até início da década de 1940, período de fortes reflexos da longeva escravatura e o de maior concentração de pessoas, atraídas pela possibilidade de uma vida autônoma. A população se distribuía nos sítios e no arruado, sendo este composto por densos enfileiramentos de casas de pau a pique cobertas com palha, gerando uma volumosa e movimentada vida sociocultural, recheada de influências africanas e com uma forte prática da fé cristã católica.

Figura 32 – Na próxima página, diversos integrantes do povoado, em diferentes épocas. Fontes: acervos de diversas famílias de moradores de Cuieiras; o autor, abril de 2015 e abril/maio de 2016.

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Naturalmente, esse aglomerado, ao mesmo tempo em que possibilitava a ocorrência de uma rica prática sociocultural, também gerava um ambiente propício para disputas e conflitos, evidenciados em fatos como o que ocorreu na segunda-feira, dia 25 de dezembro de 1905, quando, a tiros de pistola, sem motivos aparentes, um morador, denominado Lacerda da Silva, teria ferido três trabalhadores, dentre eles, Pedro José e José Luiz, pessoas bastante populares e antigos moradores da povoação. Lacerda teria conseguido se evadir de forma a ter o seu paradeiro ignorado pela polícia de Igarassu145. Ou no fato ocorrido no domingo, 21 de agosto de 1910. Nesse dia, por volta das oito horas da manhã, Rosendo Ferreira Dutra, morador de Cuieiras, dirigiu-se à Delegacia de Igarassu, onde prestou queixa alegando que o seu vizinho, de nome Francisco, havia decepado um dos seus dedos polegares e ferido um dos seus braços. Por serem antigos desafetos, a convivência entre os dois homens tornou-se violenta. No dia anterior ao ocorrido, um cavalo de propriedade de Rosendo teria adentrado em uma capoeira de propriedade de Francisco, que, de forma furiosa, seguiu até a casa de Rosendo, e na ausência deste, teria desonrado a sua mulher. Uma vez que Rosendo desaprovara o feito, Francisco, fazendo uso de uma foice, provocara os referidos ferimentos. A vítima foi atendida no Hospital Pedro II, no Recife, e o infrator teria sido preso e recolhido para a Cadeia de Igarassu146. Outro fato que caracteriza esse ambiente de disputas traduz-se em um verdadeiro duelo de gladiadores. José Gabriel dos Reis e Cosme Francisco Soares, moradores e agricultores do povoado, há muito desafetos por questões relacionadas a terra, viviam trocando juras de vinganças. Na quarta-feira, dia 18 de outubro de 1933, os juramentos se traduziriam em um doloroso fato real. Na madrugada desse dia, armados de faca peixeira e facão, entraram no palco do duelo e enfrentaram-se em uma cena de inúmeros golpes. Não levaria muito tempo para ambos caírem banhados de sangue. José Gabriel teve a mão esquerda totalmente decepada, quase chegando à morte devido à grande perda de sangue. Cosme Francisco, com vários ferimentos, 124

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também ficou em estado grave. Ao chegar ao local da batalha, a Polícia de Igarassu de imediato providenciou a remoção dos gladiadores para receberem atendimentos médicos, sendo encaminhados para internamento na enfermaria da Casa de Detenção, no Recife147. Nesse período, nos primeiros anos do século XX, várias mulheres, integrantes do grupo social derivado da população que viveu no cativeiro, se apresentavam como mães solteiras. Essa realidade fica evidenciada nas cinco sessões de batismos ocorridas no dia 1º de abril de 1909, na Capela de Cuieira, realizadas pelo Vigário Padre Sizenando Parente de Sá Barreto, às quais as crianças compareceram na companhia apenas das mães148. Em 1909, figuravam mulheres como Marcionila Maria da Silva, mãe de um casal de crianças, José, nascido em 15 de abril de 1905, e Anna, nascida em 3 de fevereiro de 1907; Felirmina Maria da Conceição, mãe de José, nascido em 24 de novembro de 1904; Joanna Vieira das Neves, mãe de Etelvina, nascida em 24 de janeiro de 1909149. Em 1914, figuravam mulheres como Helena Maria da Conceição, mãe de Severino, nascido em setembro de 1913; Severina Vieira da Silva, mãe de Antonio, nascido em 10 de junho de 1914; Agostinha Maria da Conceição, mãe de Severino, nascido em janeiro de 1913150. Esses são alguns dos exemplos dessas diversas mulheres, mães solteiras, que possivelmente foram encontrar a sua sobrevivência e de seus filhos nas atividades de produção de cal, sobretudo, carregando pedras e lenhas, e na catação de ostras, mariscos e sururus no mangue do Rio Maria Farinha. Essa realidade, da grande frequência de mães solteiras, no universo das mulheres mais pobres, onde as relações conjugais, em sua maioria, eram efêmeras e informais, que decorreu, sobretudo, do processo de exclusão, abuso e marginalização promovido pelo sistema escravista e pós-escravista, ainda pode ser comprovada na situação familiar de descendentes desses antigos moradores. A título de exemplo, constata-se na documentação da família de Dona Judite (Figura 33), integrante de uma das famílias mais antigas do lugar, que a sua mãe, 125

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Virginia Maria da Conceição, nascida em 10 de fevereiro de 1906, é filha de José Alcantara da Paixão e de Rosalina Maria da Conceição. Esta por sua vez é filha de José Culompim da Silva e Lúcia Maria da Conceição151. Como visto, são repassados às descendentes apenas os “sobrenomes” das mães. Dona Virginia Maria da Conceição veio a ter e criar seis filhos, quatro mulheres e dois homens, dos quais apenas duas das mulheres são filhas de um mesmo pai. Assim como se deu com a sua mãe e a sua vó, sendo mãe solteira, ao registrar os seus filhos, ela fez constar o sobrenome do seu pai na denominação dos filhos, substituindo o Conceição, de herança materna, pelo Paixão, de herança paterna. Dentre esses filhos, consta a citada Dona Judite Maria da Paixão, que, considerando o grupo de pessoas nascidas e ainda moradoras de Cuieiras, quando da realização deste trabalho, em 2016, era a integrante mais idosa do povoado, contava com oitenta e seis anos, nascida em 8 de maio de 1930. A vó materna de Dona Judite, a Senhora Rosalina Maria da Conceição, ainda se traduz em uma figura bastante presente no imaginário dos moradores mais velhos do lugar, onde é ressaltada a sua fortaleza e autonomia, tendo buscado a sua sobrevivência nas mais variadas atividades, como na pedreira calcária, serviços domésticos, catação de ostra e marisco e abrindo palha de coqueiro para servir de coberta de casas da comunidade. O nome Rosalina, conforme constatado no cotidiano da localidade, se transformou em uma forte marca familiar, passando a ser o referencial matriarcal de seus descendentes, homens e mulheres, todos referendados pelo nome Rosalina. Outro cenário bastante comum são os relacionamentos informais. Embora houvesse uma prolongada relação conjugal, vivia-se na informalidade, fato que levava os filhos dessas relações, em geral, a também carregarem apenas os sobrenomes das mães. Como foi o caso do convívio entre José Marcelino de Souza, popularmente conhecido como “Zé Marçal”, que, dentre as suas atividades no povoado, foi operário nas pedreiras administradas pela Cunha 126

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& Cia., e Severina Maria da Conceição. Esta é filha de Sebastião Lopes da Silva e de Ana Maria da Conceição, portanto assumindo apenas o sobrenome da mãe. Do seu relacionamento com “Zé Marçal”, foram gerados quatro filhos, todos nascidos no lugarejo, dos quais três ainda se encontravam vivos, Dona Antônia Maria da Conceição, nascida em 10 de setembro de 1932; Dona Maria José da Conceição, nascida em 5 de agosto de 1937 e Dona Joana Maria da Conceição, nascida em 8 de agosto de 1940; como visto, todas com o sobrenome apenas da mãe, a Senhora Severina, que por sua vez já havia herdado de sua mãe, Dona Maria. Mais um elemento que caracteriza o cenário afrodescendente da comunidade é a composição dos nomes de boa parte dos Cuieirenses. As pessoas trazidas de nações africanas para serem submetidas à condição de cativas na sociedade brasileira eram retiradas dos seus meios socioculturais, sendo interrompidos os processos históricos que elas até então vivenciavam. Ocorria uma abrupta ruptura com o passado, com as raízes, com as identidades dessas pessoas, oferecendo-lhes uma nova ordem social. Como parte desse processo, muitas vezes, deixavam para trás até os seus nomes, que eram substituídos. Como foi visto anteriormente, tanto em anúncios dando publicidade às fugas de cativos, como em documentação paroquial envolvendo cativos em posse de moradores de Cuieiras, esses eram identificados, em geral, por apenas um nome, que, quando se tratava de africano, era seguido de denominação de uma nação africana. Grande parte dos cativos recém-chegados da África recebia novos nomes, que eram, possivelmente, definidos por quem os adquiriam ou por representantes do tráfico. E mesmo no momento de definição do nome dos filhos desses, dos crioulos, embora nomeados pelos próprios pais cativos, ainda havia ingerência dos proprietários desses cativos. Uma vez cabendo à religiosidade da Igreja Católica a questão da ordenação sobre a nominação das pessoas no Brasil, a grande maioria dos nomes de batismo estavam relacionados a figuras do universo dessa Igreja, 127

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como é o caso dos nomes de santos. Todos, livres ou cativos, homens ou mulheres, ao se batizarem, recebiam, em geral, apenas um nome, esse era sagrado e definitivo, e posteriormente, já com mais maturidade, passavam a receber mais um ou mais nomes e/ou sobrenomes, mas os cativos, quase sempre, permaneciam como crianças, apenas com o único nome de batismo, dificilmente recebiam um sobrenome acompanhando seu nome152. Observa-se nesse sistema nominativo que a sociedade escravista e a Igreja, a partir dessa prática, promoviam uma demarcação social entre livres e cativos e mantinham estes socialmente equivalentes a crianças. No começo do século XX, conforme constam em registros de casamentos e batizados realizados na capela local, levantados dos Livros de Batismos, referentes aos períodos de 1909 a 1914, e de 1914 a 1917, bem como do Livro de Casamentos referente ao período de 1908 a 1928, documentos da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião, em Igarassu, dentre os moradores de Cuieiras, era comum haver pessoas cujas denominações eram compostas apenas de nomes próprios, quase sempre vinculados à Igreja Católica, como Antônia, Conceição, Maria, Ana, José, que se agrupavam como nomes e sobrenomes, como, por exemplo, Agostinha Maria da Conceição, Helena Maria da Conceição, Maria Francisca Assunção. Algumas famílias ainda guardam essa herança, como é o caso da citada Dona Ana Maria da Conceição, que foi mãe de Severina Maria da Conceição, cujas filhas chamam-se Joana Maria da Conceição, setenta e cinco anos; Maria José da Conceição, setenta e oito anos; e Antônia Maria da Conceição, oitenta e três anos, essas duas últimas (Figura 34), durante a realização deste trabalho, ainda moravam juntas na mesma casa em que nasceram. Certamente que, findado o sistema escravista, com o início do período republicano e o estabelecimento do casamento civil, os libertos e as suas descendências, como forma de se afirmarem socialmente, passaram a construir, com mais intensidade, uma referência de família, nesse caso, a partir da adoção de novos nomes, sobretudo, do universo da Igreja Católica. 128

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Figura 33 – Dona Judite Maria da Paixão, integrante de uma das mais antigas famílias de moradores do povoado, que sempre habitaram, como posseiros, “mocambos” localizados nos interiores dos sítios da localidade, é a moradora, nativa do povoado, com mais idade. Durante a realização deste trabalho, ela veio a completar, em maio de 2016, oitenta e seis anos de vida.

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Figura 34 – Irmãs Dona Maria José da Conceição (lado esquerdo), aos 78 anos, e Dona Antônia Maria da Conceição, aos 83 anos, naturais e integrantes de uma tradicional família de moradoras de Cuieiras. Elas encontravam-se vivendo juntas, como posseiras, na mesma casa, “mocambo” de pau a pique, onde nasceram, no Sítio Governador. Maio de 2015. 130

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As evidências e os fatos configurados nesse processo histórico, bem como os elementos que ainda compõem a atual imagem sociocultural dessa localidade, apontam para a ocorrência de um povoado que foi originalmente composto por um pequeno grupo de pessoas de famílias mais abastadas, com ascendência europeia, na condição de proprietárias e exploradoras das terras, e por um grande número de africanos e afrodescendentes, que povoaram esse lugar ora na condição de cativos, ora na condição de libertos ou mesmo como fugitivos do sistema escravista, estes passando a compor a população mais pobre da comunidade. Este contingente foi ao longo do tempo sendo ampliado com a participação de ex-cativos, tanto da própria localidade, que permaneciam como a alternativa mais viável de autonomia, como imigrantes, que convergiam na esperança de recompor a dignidade, havendo a possibilidade de alguns desses terem migrado para essa região antes mesmo da chegada dos proprietários e exploradores das terras desse lugar. Destarte, o maior agrupamento de pessoas nessa localidade se configurou tanto pela busca da afirmação da autonomia como pela busca da salvaguarda dos traços identitários. Para tanto, fazendo uso dos recursos disponíveis no cenário configurado, sobretudo, por meio da manutenção de práticas alinhadas às suas origens socioculturais, elementos furtados pelo sistema escravista.

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Naturalmente que a grande maioria do universo de pessoas que viveram no cativeiro nessa localidade sofreu as privações e as violências praticadas em larga escala, em todos os recantos, durante o sistema escravista. Mas em Cuieiras, talvez pelo anonimato do lugar, certamente que ocorreram atrocidades das mais variadas. A intensidade dessas práticas genocidas foi de tal ordem que, apesar do distanciamento temporal, ainda ecoam no imaginário dos mais idosos, moradores e ex-moradores do povoado, notícias trazidas de suas infâncias que narram tristes fatos ocorridos na época escravista. Bárbaras violências, maldades configuradas em violentos atos contra a vida humana. Sem dúvida, essas memórias não nasceram do nada, certamente advêm de fatos históricos, e como tal necessitam de mais estudos para virem a ser elucidados.

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3.

PAISAGEM URBANO-RURAL

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Cuieiras é uma localidade que, embora esteja encrustada na Região Metropolitana do Recife e apresente uma longa trajetória histórica, ainda é detentora de uma bucólica paisagem, composta de um simples arruado mergulhado em um vasto ambiente natural com montanhas, mata, rio, mangues, córregos e inúmeras árvores frutíferas. Essa manutenção deveu-se em grande medida à forma de transmissão da propriedade do seu território. Na trajetória histórica desse povoado, a natureza local sempre foi a principal fonte de recursos para a construção da paisagem transformada que ocorre nesse lugar, composta pelo arruado, pelas estradas e pelas edificações ali distribuídas. Boa parte dessas edificações, ao longo de toda a história dessa localidade, foram construídas fazendo-se uso de elementos da natureza local. Sendo assim, apesar das transformações promovidas pela ação do homem, ainda existe uma harmoniosa relação entre o ambiente natural e o transformado. Ocorrem edificações com tipologias arquiteturais que, além de narrarem passagens da história desse lugarejo, dialogam, silenciosamente, com a beleza rural ali presente.

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Território

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A composição da atual distribuição das terras rurais no Brasil ainda se assemelha, consideravelmente, à composição que havia no período colonial brasileiro, ou seja, formada de grandes áreas de terras de propriedades individuais ou de pequenos grupos. De uma forma geral, a legislação fundiária registrada ao longo do período colonial brasileiro se apresentou como um aglomerado de dispositivos legais, traduzidos em cartas de doação, forais, resoluções administrativas, dentre outros, que compunham um ambiente legal descontínuo e fragmentado, mas tendo a política de sesmarias como o regime jurídico básico. Regime que se traduzia na prática de doação de terras, configuradas em lotes de grandes dimensões, que chegou a assumir um caráter vitalício e hereditário, e, ainda, a privilegiar as pessoas que detivessem poder econômico visando a garantir a exploração e a fundação de engenhos nessas terras1. Esse sistema de doação de terras só viria a ser extinto após a proclamação da Independência do Brasil, com a Resolução n. 76, de 17 de julho de 1822, e só, e ainda de forma bastante precária, em 1850, com a Lei n. 601, de 18 de setembro, conhecida como Lei da Terra, viria a ser definida uma estrutura fundiária brasileira. Estrutura que estabeleceu uma política pública que, embora determinasse que a aquisição de terras devolutas só se daria através da compra, configurou-se bastante conivente com a manutenção dos latifúndios. O Povoado de Cuieiras está fincado em terras de sítios particulares, cuja grande parte dos seus moradores é constituída por posseiros. Os sítios Cuieiras, Muximbata, Barca, Olaria e Governador, além das terras do Engenho Gongaçary, são as propriedades que mais se destacam na composição e no processo histórico desse lugar. As propriedades dessas terras vêm sendo transmitidas, ora por herança, ora através de venda, desde o período colonial. Ao longo desse tempo, essas transmissões se deram mantendo-se a conformação de suas áreas. Quando muito, eram divididas em grandes partes, evitando-se suas fragmentações em pequenos lotes. Realidade que de certa forma garantiu a permanência da ambiência bucólica e rural dessa localidade até os dias atuais. 137

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Dentre os sítios que compõem a área territorial de Cuieiras, o mais cobiçado deles, sobretudo, na segunda metade do século XIX, foi o que apresenta o mesmo nome desse lugarejo, Sítio Cuieiras. Essa cobiça deveu-se, no primeiro momento, por sua localização às margens do Rio Maria Farinha, pela facilidade de transporte e depois pela grande ocorrência de jazidas de pedras calcárias. Dados constantes no requerimento de Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão, um dos proprietários do Sítio Cuieira, que solicita a arrematação da renda trienal da referida propriedade, conforme termos do Autoamento de Arrematação, datado de 20 de julho de 1860, no qual alega que a mesma vinha sendo usufruída de forma desigual entre os proprietários; bem como os dados constantes na Petição de 26 de setembro de 1887, promovida por um grupo de proprietários do dito sítio, encabeçada por João Chrisostomo Leitão Rangel, para arrematação, em hasta pública, visando ao arrendamento por seis anos da referida propriedade, justificada pelo fato de a mesma possuir “uma rica pedreira calcarea” que vinha sofrendo escavações desordenadas, revelam o interesse econômico por esse sítio, bem como a significativa quantidade de proprietários dessas terras2. Conforme dados levantados da documentação citada, em 1860, figuravam como proprietários de Cuieira as seguintes pessoas: João Vieira de Fraga, Jeronimo Leitão da Costa Machado, Jeronimo Barreiro Rangel, João Ayres, Manoel Carmello Rangel, Manoel José Pereira de Moraes, Rosa Maria Ignacia Rangel, Maria da Conceição Rangel, Luisa Ignacia Rangel, Brites Emiliana Rangel, Anna Luisa de Jesus, além de quatro proprietários não identificados nessa documentação. Já em 1887, eram os seguintes os seus proprietários: João Chrisostomo Leitão Rangel, Jeronimo Leitão da Costa Machado, Jeronimo Leitão da Costa Machado Junior, José Cornelio Leitão Rangel, Erasmo Leitão da Costa Machado, Hygino Leitão da Costa Machado, Maria Emiliana Leitão, João Vieira de Fraga, Lusia do Espirito Santo Rangel, Isabel Emiliana Rangel, Francisca Emiliana Rangel, Maria Joaquina Rangel, Thereza Francisca de Jesus, Manoel Henrique de Miranda Accioli, Joaquim de Mattos Rangel, Ritta de Cassia Rangel, Francisca 138

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Ignacia de Faria, João Francisco Regis, Manoel José Pereira de Moraes, Pedro José de Albuquerque, José Clementino de Sousa Rangel, Austriclimiano de Almeida Villarim, Damião José Martins de Oliveira, Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão, Francisco Cockles Teixeira de Araujo e Silva, Antonio Joaquim da Fonseca Galvão, Luis Francisco da Costa e Silva, Frederico Marques da Costa Soares. Desses, apenas três constavam na relação de proprietários em 1860. Essa fragmentação da propriedade Cuieiras em sítios menores e os tipos de processo de transmissão podem ser observados, por exemplo, nas seguintes transações: a Companhia Exploradora de Productos Calcareos adquiriu dos senhores Antonio Joaquim da Fonseca Galvão e Francisco Lacerda Galvão e de suas respectivas esposas, Caetana Proença Galvão e Emilia Cavalcanti Galvão, uma parte do Sítio Cuieira com uma casa de vivenda, aquisição escriturada em 7 de outubro de 18923; José Lopes Alheiro comprou, em 4 de maio de 1892, uma parte do Sítio Cuieira a João Chrisostomo Leitão Rangel e sua esposa, Adelina Bandeira Fraga Leitão4; a Companhia Exploradora de Productos Calcareos adquiriu dos senhores Hygino Leitão da Costa Machado e José Cornelio Leitão Rangel, duas partes da propriedade Cuieira, aquisição escriturada em 27 de maio de 18915; Vicente Ferreira de Albuquerque Nascimento adquiriu dos senhores Jeronimo Leitão da Costa Nascimento Junior, Erasmo Leitão Machado e da Senhora Maria Emiliana Leitão, três partes do Sítio Cuieira, vendidas após a morte de Luiza Ignacia Rangel, aquisição que veio a ser escriturada em 16 de maio de 18916; Jeronimo Leitão da Costa Machado adquiriu uma parte da propriedade Cuieira de Thereza Francisca de Jesus, parte que a mesma havia herdado por morte do seu marido, João Rangel, transação escriturada em 19 de julho de 19017. De uma forma geral, além do Sítio Cuieiras, as demais propriedades que compõem a área territorial da localidade, foram transmitidas ora por herança, ora por transação de compra e venda, mantendo, em certa medida, a composição da paisagem local. Essa dinâmica pode ser visualizada através de exemplos como o constante no Inventário dos Bens de Maria Joaquina Rangel, de 1851, quando a propriedade Sítio Muximbata foi herdada por sua filha Maria Joaquina 139

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de Santa Cruz8; ou no caso das irmãs Joaquina de Mattos Rangel e Ritta de Cassia Rangel, que adquiriram, através da transmissão consagrada no Inventário de Partilha Amigável, iniciado em 15 de maio de 1893, por morte do pai, Senhor José Gonçalves Rangel, uma parte da propriedade Cuieira e uma parte do Sítio Barca9. A ampliação do olhar acerca da dinâmica de transmissão dessas propriedades, bem como, das famílias que as possuíram, fica contemplada nos seguintes exemplos: Manoel Bezerra de Paula e a sua esposa, Rosa Maria de Moraes, venderam partes dos sítios Cuieira e Muximbata a João Baptista Cavalcanti de Albuquerque e a sua esposa, Maria Felicia de Sá Leitão, que, por sua vez, as venderam, em 3 de março de 1857, a Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão10; Venceslau de Mattos Rangel, Joaquim de Mattos Rangel, José Bernardo Rangel e Francisco Honorato das Chagas venderam, em 8 de novembro de 1862, a Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão parte do Sítio Cuieira11; com a morte do Padre Jeronimo Emiliano Rangel, seu filho, Jeronimo Barreiro Rangel e esposa, Maria de Sant’Anna Rangel, herdaram uma parte do Sítio Cuieira, com uma casa de taipa coberta de telha e uma posse de forno de queimar cal; esta propriedade foi vendida, em 1º de maio de 1865, a Manoel Cavalcanti de Albuquerque Gadelha12; com a morte de Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão, seu filho, Joaquim Francisco Araújo Galvão, conforme requerimento de reconhecimento de seus direitos, datado de 1º de agosto de 1911, em vista dos autos de inventariamento dos bens do seu pai, herdou quatro partes do Sítio Cuieira13; um pequeno sítio, com casa coberta com telha, coqueiros e outras árvores de frutos, além de um forno de fabricar cal, em ruínas, no lugar Muximbata, foi comprado, em 11 de junho de 1904, por Manoel Marcelino de Souza, residente em Recife, a José Cupertino Cavalcante Galvão, residente em Igarassu14; Manoel Marcelino de Souza e sua mulher, Ignez Alves de Souza, venderam o referido sítio a Manoel de Arruda Fraga, em 27 de maio de 191015; a mesma propriedade veio a ser adquirida por Julio Deodoro de Caldas Brandão, através de compra, em 27 de julho de 1920, a Manoel de Arruda Fraga16. 140

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Julio Deodoro de Caldas Brandão também adquiriu da Senhora Filomena Maria Rangel, viúva, filha de João Barreiros Rangel, uma pequena parte de terreno no Sítio Muximbata, e o espólio de Joaquim Lopes, correspondente ao Sítio denominado Governador17. Após a sua morte, ocorrida em 10 de dezembro de 1925, Julio Caldas deixou de herança para os seus irmãos João Baptista de Caldas Brandão, casado com Anna Bezerra de Caldas Brandão; Maria do Carmo de Barros Dias, casada com Manoel Martiniano de Barros Dias; e Cosma Amélia de Araújo Montenegro, casada com José Bernardo de Araújo Montenegro, todos moradores de Cuieiras, os sítios Governador, Muximbata, Maniquara de Cuieira e Julio Caldas, sendo a este anexo um antigo direito de exploração de pedras calcárias na pedreira comum de Cuieira18. Além do Sítio Governador e terras do Muximbata, herdados do seu irmão19, João Baptista de Caldas Brandão adquiriu através de compra as seguintes propriedades: oito partes do Sítio Cuieira, sendo seis a Joaquim Francisco Araújo Galvão, uma a Silvino Cavalcanti Teixeira do Amaral, e outra a Frederico Marques Soares; e duas partes do Sítio Muximbata, sendo uma aos herdeiros de Francisco Honorato Rangel e Mariana Emiliana de Albuquerque, e outra ao já citado Joaquim Francisco20. Esses sítios representam grande parte das terras e entorno do Povoado. O Senhor João Baptista de Caldas Brandão, falecido em 29 de outubro de 1935, deixou de herança para os seus filhos, Maria Rosa de Caldas Pinheiro, José João de Caldas Brandão, Maria José de Caldas Brandão, José Odilo de Caldas Brandão, Maria do Carmo de Caldas Brandão e José Silvério de Caldas Brandão, o Sítio Muximbata, com coqueiros e casa de morada de pedra e cal; Sítio Governador, com coqueiros e outras árvores de frutos; Sítio no lugar Cuieira, com coqueiros e outras árvores de frutos, uma casa de pedra e cal e um forno de queimar cal de capacidade de cem alqueires21. Essas terras formam uma composição natural, montanhosa, com presença de Mata Atlântica e manguezais. Nelas há moradores posseiros que habitam simples casas, isoladas e distantes uma das outras, construídas na técnica de pau a pique, algumas dessas centenárias. 141

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Arquitetura e morfologia urbano-rural

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As formas “naturais” do lugar, com relevo montanhoso, recoberto por Mata Atlântica, coqueirais e um grande número de árvores frutíferas, como a mangueira e a jaqueira, além de áreas de um frondoso e rico manguezal, que se banha com as águas do Rio Timbó, constituem um belo cenário que muito pouco mudou desde a implantação das propriedades coloniais produtivas, que se encontravam instaladas no século XVIII, algumas com possibilidade de data de chegada em época bem mais recuada. As poucas exceções decorrem da alteração da paisagem natural, configurada na redução da densidade da Mata Atlântica e ausência de algumas áreas de canavial que perdurou até o início da década de 1940. É no interior dessa bucólica ambiência que se encontra o pequeno povoado, composto pelo arruado e por simples casas dispersas pelos sítios. O arruado, que é a sede da comunidade, ainda guarda o traçado primitivo, composto por duas ruas, que, embora sejam registradas como Rua São João Batista e Rua Jatobá, são tradicionalmente conhecidas por Rua de Cima (Figura 40) e Rua de Baixo, respectivamente. Nelas se encontravam simples moradias, em sua maioria edificadas a partir do uso de matérias-primas de procedência da própria localidade, como barro, madeira e palha, resultando nas tradicionais casas de pau a pique. Essas ruas sempre tiverem os seus leitos em terra, a Rua de Cima veio a receber calçamento em pedra granítica no início da década de 1990 e a Rua de Baixo em meados do ano de 2007. Da Rua de Cima, assim denominada por subir e coroar o topo da colina do Sítio Cuieiras, tinha-se, até o início da década de 1940, uma bela visão do Rio Maria Farinha, que ainda hoje se mantém, só que alterada, com as edificações da Fábrica de Cimento Poty, inaugurada em 1942, figurando no cenário. Nessa rua, além de outras casas de construção mais recente, merecem destaque, como testemunhos da história do lugar, localizadas no ponto mais alto da colina, duas das principais edificações do povoado, a casa de vivenda do Sítio Cuieiras (Figuras 35, 36 e 37), e a Capela de São João Batista, construção de cunho religioso (Figura 39). 143

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Embora ainda não se tenha confirmação da data de sua construção, a referida casa de vivenda, que durante este estudo se encontrava em processo de arruinamento, apresenta grandes possibilidades de se tratar de uma construção do século XIX. Relato oral aponta para a possibilidade de no momento em que o Senhor João Baptista de Caldas Brandão adquiriu a propriedade onde consta essa edificação, a mesma encontrava-se apenas com as bases edificadas, situação que aponta para duas possibilidades: ou tratava-se de uma obra inacabada, ou de remanescentes de uma edificação que veio a se arruinar, ou mesmo a ser demolida. Essa casa viria a ser concluída ou reconstruída na década de 1910, obra realizada pelo referido proprietário, para nela residir com a sua esposa, Anna Caldas, além de servir como sede de seu estabelecimento comercial, que ficaria conhecido como a Mercearia de Joca Caldas. Construída em terreno com declive, sua estrutura apresenta espessas alvenarias em tijolos cerâmicos manuais, repousadas em base de pedra calcária; coberta em estruturas de madeira e telhas cerâmicas tipo canal, sem forro; piso da sala revestido em ladrilho decorado (mosaico); porão em sua parte posterior, devido à declividade do terreno, com estrutura de madeira e espessas alvenarias em tijolos cerâmicos manuais, com acesso pelo interior da casa através de escadaria, também em tijolos cerâmicos, e uma abertura com verga em arco pleno; fachada posterior com duas portas e um alpendre com coberta em madeira e telhas cerâmicas tipo canal; fachada frontal, composta originalmente por três portas e duas janelas (Figura 40), sendo as duas primeiras portas, a partir do lado esquerdo da fachada, servindo como acesso à mercearia, e a terceira porta, entre duas janelas, dando acesso à sala da casa, todas essas aberturas distorcendo com a calçada da rua. Com o falecimento do Senhor Joca Caldas, em 1935, e após o encerramento das atividades da mercearia, fato que se deu na segunda metade da década de 1930, parte do espaço do ambiente, que havia sido destinado ao referido ponto comercial, passou a ser ocupado, na primeira metade da década 144

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de 1940, pela oficina do sapateiro Pedro do Ó. Após o fim dessas atividades, que ocorreu em 1946, as portas de acesso à loja foram transformadas em janelas, de forma que a fachada principal passou a apresentar em sua composição quatro janelas e uma porta.

Figura 35 – Fachada frontal da casa de vivenda do Sítio Cuieiras na década de 1970. Fonte: Elizabete Brandão de Santana.

Essa casa de vivenda apresenta uma arquitetura que guarda feições coloniais. Nas grossas paredes de sua fachada posterior, olhando para o Rio Timbó, há elementos construtivos, como uma pequena abertura, seteira com verga em arco pleno, possi145

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bilitando a comunicação e a passagem de pequenos objetos do interior da casa para um alpendre externo, que evidencia a prática de atividades comerciais. Local onde, além de outros produtos, comercializava-se cal, produzida em fornos de propriedade do Senhor Joca Caldas, que era escoada através do transporte de cabotagem pelo Rio Maria Farinha. A existência dessa casa guarda grande valor para a história da localidade, no sentido arquitetural e, sobretudo, para a compreensão do processo de construção do ambiente sociocultural do lugarejo. No povoado, ocorrem ruínas de edificações que serviram de residências para antigos moradores e que apresentam as mesmas características construtivas da anteriormente citada. Uma delas trata-se das bases da casa localizada no Sítio Muximbata, que serviu, no final do século XIX, de residência de Julio Deodoro de Caldas Brandão.

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Figura 36 – Fachada frontal da casa de vivenda do Sítio Cuieiras, imagem registrada quando a edificação encontrava-se abandonada e em processo de arruinamento. Abril de 2015. 147

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Figura 37 – Fachada posterior da casa de vivenda do Sítio Cuieiras, imagem registrada quando a edificação encontrava-se abandonada e em processo de arruinamento. Abril de 2015. 148

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A capela, como já visto, foi construída em um lote de terreno localizado quase em frente à casa de vivenda, doado, em 1887, por integrantes da família Rangel, antigos proprietários e moradores do Sítio Cuieiras. O registro mais antigo de atividades realizadas nessa capela, até então conhecido, data de 1º de abril de 1909, referente a celebrações de batizados, embora, segundo relato oral, no período entre o final do século XIX e os primeiros anos do XX, já existissem as bases do templo e a capela-mor, onde eram celebradas missas. Dados que levam a crer que esse templo já se encontrava em construção, ou mesmo já em atividade, nos últimos anos do século XIX. A primeira composição dessa edificação se apresentou de forma precária, com paredes sem revestimentos, sem portas e com coberta improvisada. O estado era tão precário que, quando chovia forte, as missas eram realizadas na casa de vivenda do casal Joca e Anna Caldas. Esta, desde ainda jovem, assumiu os cuidados para com a manutenção e as atividades religiosas da capela. Nas primeiras décadas de funcionamento desse templo, chegaram a ser realizados sepultamentos na sua área externa posterior, onde eram enterradas apenas crianças. Localizada no alto da colina do Sitio Cuieiras, de frente para o Rio Timbó, com orago a São João Batista, apresenta uma serena composição com traços simples e um frontispício com as seguintes características: parte superior central coroada com uma cruz sobre uma estrutura em forma de oratório; uma única porta centralizada, com um óculo acima da mesma; ausência de torre sineira e janelas; dois pináculos, um em cada extremidade; e um sino instalado em um nicho vazado. Apresenta coberta em duas águas, com caimento para as laterais, em telha cerâmica tipo canal sobre madeira, sem forro; paredes em alvenaria de tijolos cerâmicos manuais edificadas sobre base de pedras calcárias; uma porta na fachada lateral direita. Internamente esse templo é composto pelos ambientes da nave, capela-mor e sacristia. No final da década de 1930 e durante a década de 1940, a já mencionada Senhora Maria Dias Vidal, popularmente conhecida como Dona Maroquinha, com o permanente apoio e em149

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penho de Dona Anna Caldas, realizou grandes esforços para a melhoria dessa capela. Através de campanha de arrecadação de recursos e com a ajuda da mão de obra da comunidade local, inclusive com a sua própria participação, viabilizou significativas melhorias na edificação, possibilitando que o templo viesse a se apresentar de forma estruturada, tirando o mesmo do estado precário para o funcional. Até a capela se encontrar nas dimensões e formas atuais, foram realizadas várias intervenções. Dona Maroquinha, professora do lugarejo e católica fervorosa, que concluiu seus estudos primários no Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Igarassu, onde veio a receber uma sólida formação religiosa22, e que, como já comentado, era integrante de uma tradicional família de católicos, na busca da arrecadação de recursos para a melhoria da capela, atuava em diferentes frentes, como circular nas diversas comunidades circunvizinhas acompanhada de uma verdadeira procissão formada por crianças, jovens e adultos da comunidade, e realizar no povoado apresentações de poéticas peças de teatro. Essas peças, por ela dirigidas, que tratavam de temáticas de cunho religioso, eram encenadas por um elenco formado por crianças e jovens moradores de Cuieiras. Na época natalina, organizava a encenação do presépio. Essa incansável senhora, já na década de 1950, ainda mantinha no vilarejo um pastoril infantil, cujos trabalhos de produção, ensaios, e mesmo apresentações, em geral, ocorriam na Rua de Baixo, onde morava. De início, como parte da estruturação da capela, foram levantadas as paredes do perímetro da nave, aguardando recursos para a colocação da coberta e das esquadrias, o que viria a ocorrer no momento seguinte. Durante o período em que o templo se encontrava sem coberta e portas, animais, como porcos, entravam em sua nave, bem como crianças jogavam pião no seu interior. Nos primeiros anos da década de 1940, ocorreu a construção da escadaria da capela, as pedras calcárias utilizadas nessa obra foram disponibilizadas através de um grande mutirão. Vários moradores, mulheres, homens e crianças carregaram pedras das 150

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pedreiras calcárias durante várias noites. Era uma verdadeira procissão, iluminada à luz de candeeiro, de pessoas carregando pedras na cabeça. Ainda na década de 1940, foi construído, por Luiz Marcelino da Silva, que será apresentado no decorrer deste livro, e pelo já apresentado Manoel Rodrigues Pinheiro, o coroamento do frontispício, quando passa a assumir as formas atuais. O primeiro e único sino da capela foi adquirido no final da referida década, quando veio a ser instalado na parte superior central do frontispício, no interior de uma estrutura em forma de oratório, em cima da qual repousa a cruz. Devido à dificuldade de manutenção, o sino veio a ser removido e colocado em um nicho vazado, localizado na parede do frontispício, onde permaneceu até os dias atuais. Esse sino teria custado três mil réis, sendo mil e quinhentos custeados por Severino Rufino de Oliveira e a outra metade por Antonio Bezerra de Paula, conhecido como Antonio “Eleoterio”, este, primo da Senhora Anna Caldas e comerciante do povoado, onde era proprietário de uma mercearia na Rua de Baixo. Já Severino Rufino de Oliveira, conhecido como Silva, tratava-se de um comerciante23 e forte banqueiro da região, que possuía banca de jogo do bicho no vilarejo e em diversas localidades das vizinhanças e chegou a ser eleito Subprefeito do 1º Distrito de Igarassu24, para o mandato iniciado em 16 de novembro de 1951, tendo como Prefeito João Felipe de Barros Dias. Nascido em Cuieiras em 17 de dezembro de 1917, filho de José Rufino de Oliveira e Francisca Rodrigues de Oliveira. Como morador, adquiriu grande notoriedade no lugar, foi comissário de polícia do povoado no final da década de 194025 e participou, como presidente, da banca examinadora da Escola Municipal Pedro de Albuquerque, Cadeira Número 5, em Cuieiras, na primeira metade da referida década26. Chegou a ser proprietário de terras e diversas casas no centro histórico de Igarassu27. No final da década de 1950, viria a ser construída a sacristia desse templo. Obra realizada como fruto de mais uma ação do Senhor Antonio “Eleoterio”, que custeou todo o valor 151

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necessário. A intervenção já se deu quando a capela estava sob o comando da citada Senhora Severina Ramos de Araújo, esposa de José Silvério, conhecida como Dona Bibiu. Ela, desde a segunda metade da década de 1950, havia assumido a responsabilidade pela administração da capela a pedido da Senhora Anna Caldas, sua sogra, que já se encontrava doente e cansada, função que desempenharia até o início da década de 2000. Assim como Dona Anna e Dona Maroquinha, a Senhora Severina também prestou uma fiel dedicação à vida desse templo. Entre o final da década de 1980 e o início da de 1990, houve um restauro da coberta e execução de um novo piso, quando deixou de ser de cimentado e passou a receber um revestimento cerâmico. O restauro da coberta foi realizado através de um grande mutirão, com várias pessoas do povoado trabalhando como voluntárias. Algumas destelhavam, outras carregavam material, outras lavavam telhas, cada uma dava a sua cota de contribuição, inclusive Dona Bibiu. Nesse restauro, houve substituição de algumas telhas e peças de madeira. Já a aquisição do material se deu através de doações dos fiéis e da Diocese, esta custeou o material do piso. Figura 38 – As mulheres guardiãs da capela. Da esquerda para a direta: senhoras Maria Vidal (Maroquinha), Anna Caldas e Severina Brandão (Bibiu). Fontes: acervos de José Silvério de Caldas Brandão e da família Dias Vidal.

Em 2015, a capela passou por mais uma intervenção. Com as obras iniciadas em 30 de junho e concluída no final de agosto do mesmo ano, foram realizados serviços de restauração da coberta da nave e da capela-mor, com substituição de todo o madeiramento e 152

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das telhas. Também foram realizados reparos nas alvenarias da nave, com recomposição de pequenas áreas de revestimentos; e, ainda, reparo das calçadas do entorno da capela. Nessa intervenção, o templo recebeu uma nova pintura, deixando de apresentar o seu tradicional amarelo para receber as cores azul e branca, e foi adaptado às condições de acessibilidade, com a construção de uma rampa, inicialmente na escadaria frontal, sendo em seguida demolida, visando à manutenção das formas originais dessa escadaria, e construída na lateral do templo. Também foram construídos dois banheiros na parte posterior do terreno da capela, de forma descontínua da estrutura da mesma. As obras foram realizadas pela Paróquia de Cruz de Rebouças, fazendo uso de recursos levantados, durante anos, pelo povoado através de atividades como as quermesses. A calçada e escadaria frontal, além de oferecer ao templo ideia de elevação, o torna mais belo e poético.

Figura 39 – Capela de São João Batista, em Cuieiras. Fontes: Sandro Barros, abril de 2015 e o autor, julho de 2015.

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Após Dona Bibiu mudar-se da povoação, os cuidados para com esse templo passaram a ser assumidos por um grupo de quatro mulheres, composto pelas irmãs Verônica Alves Damascena e Marly Alves Damascena, além de Jaciane Gomes da Silva e Janeide Gomes da Silva, também irmãs. Ao lado da capela, em lote de terreno doado pela família Caldas Brandão, foi construída e inaugurada em 12 de outubro de 1974 a Escola Pública Municipal Ana Caldas Brandão, que homenageia a popular e caridosa Senhora Anna Bezerra de Caldas Brandão, natural e filha de antigos moradores de Cuieiras, onde sempre viveu e acolheu de forma carinhosa o povo do lugar. Falecida em 21 de maio de 1968, mas imortalizada no imaginário da comunidade.

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Figura 40 – Vista da Rua de Cima, no Vilarejo de Cuieiras. Imagem superior: ano de 2016; inferior: década de 1940. Fontes: imagem superior: o autor, abril de 2016; inferior: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

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Já na Rua de Baixo (Figura 41), contornando o pé da colina do Sítio Cuieiras, é onde se concentra o maior número de edificações. Pode-se dizer que é o núcleo da povoação. São várias casas de ambos os lados da rua, a maioria sempre foi bastante simples, de porta e janela, construídas em pau a pique ou alvenaria, emassadas e pintadas, e com cobertas em duas águas, em telha cerâmica tipo canal. Algumas delas contam com tempo de construída perto dos cem anos, como é o caso da última do lado direito, no sentido da Rua de Cima, edificada em alvenaria de tijolo cerâmico manual. Nela por muito tempo funcionou uma das mais tradicionais mercearias do lugar, Mercearia de Silva Rufino, que pertenceu ao Senhor Severino Rufino de Oliveira. São casas que já existiam na infância dos moradores mais velhos da localidade, como Dona Judite da Paixão, de oitenta e seis anos. No prolongamento dessa rua, fica a sede do Time de Futebol Continental, fundado em 195228. Trata-se de um galpão onde, além de servir como sede administrativa e social do time, também funcionava como espaço de eventos, onde eram realizadas, aos finais de semana, festas dançantes para a comunidade. É também nessa rua que se encontra o prédio onde funciona um pequeno Posto de Saúde com uma ambulância, inaugurado em 1969. O arruado ainda continua na saída em direção ao Sítio Governador. Nesse trecho, encontra-se a casa do Senhor Moaci, onde, desde 2007, funciona um simples, mas bastante frequentado, restaurante, o Bar de Birra. Ao longo de toda a sua história, esse povoado não disponibilizava de qualquer tipo de assistência médica. Todas as vezes que alguém necessitasse desse tipo de atendimento teria que se deslocar para outras localidades, coisa que era bastante difícil, sobretudo para a população mais pobre. Diante dessa limitação, como forma alternativa, adotavam a prática da medicina popular, herdada oralmente, fazendo uso medicinal de insumos como a urina humana, cuspe de fumo, cuspe em jejum, farinha de mandioca, chá de ervas, chá de aratu preto, pó de casca de ostra, dentre outros. Essa situação levou muita gente à morte por motivos banais, 156

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sobretudo crianças e mulheres grávidas. Só a partir do ano de 1969, os moradores desse lugar passariam a contar com o Posto de Saúde Nossa Senhora de Fátima para atendimentos básicos. Essa unidade, localizada na Rua de Baixo, foi inaugurada como parte das comemorações dos 434 anos de fundação de Igarassu, solenidade realizada no domingo, 28 de setembro de 1969, às nove horas da manhã, e que contou com a presença do Prefeito de Igarassu, Clóvis Lacerda Leite29. No entanto, na placa inaugural fixada no referido posto, consta a data de 27 de setembro do mesmo ano.

Figura 41 – Vista da Rua de Baixo, Vilarejo de Cuieiras. Junho de 2015.

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Essas duas ruas, de leito em terra, por muito tempo serviram de cenário onde durante o dia as crianças brincavam, corriam, brigavam; circulavam entregadores de leite, carregadores de água e aguardenteiros com suas ancoretas cheias de aguardente caseira; homens, mulheres e crianças passavam indo e voltando das pescarias, carregando os apetrechos e os pescados, ou indo e voltando do duro trabalho nas pedreiras; burros, jumentos e cavalos carregados, com os caçuás cheios de coco seco, davam o ar de suas graças nos períodos das colheitas; animais deixavam os seus dejetos; mulheres entrançavam os cabelos, umas das outras. Durante a noite, os jovens paqueravam, namoravam, jogavam conversas fora; os adultos proseavam, ou tomavam uma pinga em uma das vendas, ou ainda ficavam reunidos para contarem e ouvirem anedotas e histórias de assombração. As cenas noturnas, até 1972, quando da inauguração da energia elétrica em Cuieiras, ocorriam na penumbra, com o povoado sob a luz da lua acompanhada de uma multidão de estrelas e pontuado pelo balanço das luzes de candeeiros ou lampiões, molduradas pelas janelas e portas das casas, perfumando o ambiente e impregnando as palhas das cobertas, ora com o aroma de óleo vegetal, ora com o de óleo animal, como o de peixe, ou ainda com o de gás, carbureto ou querosene. Até o fim do sistema escravista, em 1888, nessas ruas se cruzavam e mantinham contatos pessoas livres e cativas, estas indo e voltando de suas tarefas cotidianas, como carregar água das fontes e cacimbas, ou do duro trabalho nas pedreiras. Com exceção das ruas pavimentadas em pedra granítica, ausência de cobertas em palha e uma considerável redução na quantidade de casas, sobretudo, na Rua de Cima, o primitivo traçado urbano-rural e a tipologia das edificações do vilarejo continuaram praticamente inalterados desde a sua consolidação, ocorrida, possivelmente, na segunda metade do século XIX. No entanto, a partir do final da década de 2000, com o loteamento de um dos sítios contíguos ao arruado, vem ocorrendo a construção de significativo número de novas edificações 158

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residenciais, levando a uma ampliação da sede dessa comunidade e impulsionando um processo de alteração tipológica de suas unidades residenciais (Figura 42).

Figura 42 – Vista das novas edificações contíguas ao Arruado de Cuieiras. Abril de 2016.

Essas novas edificações apresentam alvenaria em tijolos cerâmicos industriais, lajes e estruturas em concreto e, em sua maioria, foram executadas em lotes de terras adquiridos por antigos e novos moradores da povoação, atraídos pelo citado loteamento, que se caracteriza como um recente grupo social do povoado. Esse tipo de edificação é de rara ocorrência no interior dos sítios, onde a maioria dos moradores é composta por posseiros que ainda permanecem habitando em casas de pau a pique.

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Além dos moradores da sua pequena sede, ocorre um considerável número de descendentes de antigas famílias posseiras, em sua maioria afrodescendentes, que fazem histórico uso de terras dos sítios de famílias tradicionais de Igarassu. Esses moradores, em grande medida, por conta das limitações impostas pelos proprietários dos sítios, além de suas limitadas condições econômicas, dentre outras questões relacionadas à herança de valores de ordem cultural, social e ambiental30, habitavam, e muitos ainda permanecem habitando, em casas construídas em pau a pique. A primitiva ocorrência de solo argiloso e de Mata Atlântica, e, posteriormente, a presença da prática do cultivo do coco serviram de recursos naturais para o fornecimento da matéria-prima necessária para a construção das habitações da grande maioria dos moradores da localidade, ao longo de toda a sua existência, através da referida técnica. Essa realidade, sem deixar de olhar para o aspecto social, tem permitido a preservação desses saberes construtivos e da primitiva paisagem do lugar (Figura 43), embora comece a sofrer modificações, sobretudo, a partir de meados da década de 2000.

Figura 43 – Vista parcial de um sítio, com casa de posseiro, em Cuieiras. Maio de 2015. 160

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A construção em pau a pique, traduzida na simples e tradicional técnica que faz uso da madeira e da terra como matéria-prima, representa uma expressão da arquitetura popular de forte influência africana, incorporada ao universo cultural brasileiro no período colonial. Essa técnica era de execução corrente no continente africano e passou a ser utilizada em larga escala no Brasil31, pelos africanos e afro-brasileiros livres ou libertos que passaram a disfrutar de autonomia para fazerem uso da terra como lugar de moradia, compondo uma paisagem cultural de forte participação de elementos africanos, que se traduzem em saberes e fazeres que, materializados, entram em equilíbrio com elementos e recursos naturais. A forma como integrantes de diversos povos africanos foram trazidos para o Brasil, compondo grupos culturalmente heterogêneos, além de passarem a conviver com a cultura europeia, bem diferente das suas, levou ao surgimento de elementos sociais afro-brasileiros com características que diferem daqueles tradicionalmente vinculados a cada um dos grupos étnicos africanos, configurando-se, dessa forma, um ambiente multicultural. Nesse novo ambiente, a manutenção de elementos culturais africanos foi possível através de adaptações, que se traduziram em sobreposições de elementos de culturas diferentes (africanas, europeias e ameríndias). A grande variedade de técnicas construtivas e a diversidade de tipologias existentes no universo da arquitetura africana viriam a sofrer um forte processo de simplificação. Quanto à tipologia, as diversas formas deram lugar a apenas uma delas, ao “mocambo” (construção de duas águas), de origem banta. A monofuncionalidade das construções africanas foi substituída pela plurifuncionalidade de influência europeia. Também se observam alterações na relação entre cheios e vazios que figuram nessas habitações, de forma que, atualmente, nas construções afro-brasileiras, aparecem uma porta e uma janela, 161

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mesmo que pequena, enquanto que, na África, na maioria das vezes, a única abertura existente era uma porta32. A maioria das habitações populares de Cuieiras, distribuídas pelos sítios da localidade, assumem essa forma de “mocambo”. São simples e pequenas casas com cobertas em duas águas e, na maioria das vezes, com porta e uma janela em suas fachadas frontais. Ainda há exemplar que apresenta como abertura, em sua fachada principal, apenas uma porta, que é o caso da casa de Dona Judite da Paixão, moradora do Sítio Governador, localizada ao lado do campo de futebol da comunidade (Figura 44). Dentre essas casas, merece destaque a das irmãs Dona Antônia Maria da Conceição e Dona Maria José da Conceição, também moradoras do Sítio Governador. Trata-se de uma construção extremamente simples e quase centenária, com porta e uma minúscula janela, onde essas senhoras nasceram. Com exceção de alguns reparos de manutenção, essa casa ainda mantém a mesma morfologia de quando construída, provavelmente em meados da década de 1920 (Figura 45). Como já visto, esse tipo de habitação serviu de moradia aos cativos das famílias de moradores mais abastados, proprietários de terras. Nos casos em que viesse a ocorrer a libertação desses, deveria ser comum que os mesmos permanecessem fazendo uso dessas moradias, e, certamente, também fazendo uso de pequenos roçados, para tanto, prestando serviços, de forma semiescrava, para as ditas famílias. Destarte, é certo que esses “mocambos” que ainda ocorrem em terras de sítios de Cuieiras são remanescentes dessa trajetória histórica. Em alguns deles, ainda habitam descendentes desse grupo de pessoas que sofreram o processo de privação da liberdade.

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Figura 44 – Casa de pau a pique de Dona Judite da Paixão, aos 85 anos, tipo “mocambo”, com apenas uma abertura em sua fachada principal, no Sítio Governador, em Cuieiras. Maio de 2015. 163

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Figura 45 – Casa de pau a pique centenária das irmãs Dona Antônia, aos 83 anos, e Dona Maria, aos 79 anos, tipo “mocambo”, com porta e janela, no Sítio Governador, em Cuieiras. Abril de 2016. 164

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Quanto ao processo construtivo, foi verificado que o material e os procedimentos adotados na tradicional técnica de construção em pau a pique ainda são praticamente os mesmos e vêm sendo transmitidos, de forma oral, há várias gerações. Trata-se de uma forma construtiva pela qual as paredes são confeccionadas fazendo-se uso de um gradeado de madeira, com peças armadas na horizontal e vertical, amarradas com o uso de cipó, ou outro material vegetal, arame ou ainda prego, sendo este atualmente o de maior uso na localidade. As madeiras utilizadas na horizontal, denominadas de varas, são menos espessas que as verticais e fixadas com um menor espaçamento entre elas. Essa malha é fixada em uma estrutura composta de madeiras mais grossas, previamente armada, com as suas peças verticais fixadas no solo, que assumem a função estrutural de estabilidade, e em seguida são preenchidas com uma massa confeccionada com o uso do solo natural (Figura 46). O preparo dessa massa, em geral, se dava através da mistura entre barro (argila), areia e fibra vegetal, como capim ou palha, e água, usada para o amassamento, e se processava com a utilização dos pés, com a participação dos integrantes das famílias, até atingir a homogeneização da mistura. Ultimamente, nessa povoação, a técnica de amassamento continua sendo a mesma, só que na composição da massa tem-se utilizado apenas o barro e a água. A aplicação dessa massa se processa através de arremesso manual. Com a secagem, a parede fica tomada de rachaduras que seguem o desenho da estrutura de madeira, quando passa a receber novas aplicações da massa. No passado, eram cobertas com palha, como a de coqueiro, sobre uma estrutura de madeira. Atualmente vêm sendo utilizadas telhas de fibrocimento e similares ou cerâmica tipo canal. Do ponto de vista arquitetural, características como simplicidade, plasticidade e intrínseca relação com o meio ambiente oferecem a essa tipologia construtiva um grande valor, sobretudo, no universo da sustentabilidade e da poesia plástica, além de se configurar na manutenção do registro da participação e da influência da arquitetura africana na paisagem cultural de Cuieiras e nos saberes e fazeres construtivos arquiteturais praticados no Brasil, que ainda são timidamente reconhecidos e estudados. 165

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Figura 46 – Detalhe de casa de pau a pique, no Povoado de Cuieiras. Maio de 2015.

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4.

PAISAGEM SOCIOCULTURAL

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O universo sociocultural presente no bojo da história dessa povoação representa um valioso conjunto de manifestações, expressões, saberes, fazeres, crenças, artefatos, lugares, expressos em diversos bens culturais e sociais, alguns ainda existentes, que sobreviveram ao caminhar da história, e ainda estão presentes na atual paisagem sociocultural desse lugar, outros já não mais existem, estão apenas no imaginário dos moradores mais antigos de Cuieiras. São bens que ora povoaram o universo das manifestações artísticas presentes nas tradições populares da localidade, sobretudo na música e na dança, ora são bens inerentes ao universo das práticas da fé religiosa, como os festejos e atos de devoção. Ou são bens alinhados com a dimensão social, como práticas esportivas e de lazer, ou ainda, bens associados ao mundo do imaginário infanto-juvenil, como as brincadeiras.

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Práticas socioculturais

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Em Pernambuco, diante da longevidade do processo histórico de consolidação de suas estruturas socioculturais, da grande participação da população composta por povos de diversas nações africanas na condição de cativos, do forte processo de aculturação sofrido por estes e imposto pelos europeus, veio a surgir, como forma de resistência a essa condição, através de sincretismos, expressões socioculturais afro-brasileiras, compostas de elementos dos grupos étnicos africanos, das nações ameríndias e da cultura europeia, que se traduzem em um cenário cultural próprio dessa região, tendo a religiosidade como principal dimensão da afirmação da marca africana nessa composição. Esse universo engloba diversos elementos culturais, com destaque para a música e a dança, na maioria das vezes afetas à fé religiosa, construídos, sobretudo, a partir do histórico processo de transmissão oral das crenças, expressões e modos e ofícios de fazer. No entanto, a trajetória de construção desse ambiente cultural não se deu de forma fácil. Como dito antes, já no século XIX, ainda no período imperial, a política adotada pelo Estado brasileiro marginalizava as classes populares, tratando-as como “classes perigosas”. Essa perseguição iria ganhar força a partir do fim do sistema escravista, quando foi ampliada e consolidada a criminalização das condutas sociais e culturais desse seguimento da sociedade. Durante as primeiras décadas do século XX, foram várias as ações, por parte do poder público, que se traduziram em perseguições às manifestações culturais afro-brasileiras, sobretudo, por conta de sua estreita relação com as práticas religiosas. Foram ações como as perseguições do Governo de Agamenon Magalhães, em Pernambuco, de 1937 a 1945, no período da República Varguista. Nessa época, a máquina estatal, fazendo uso da imprensa, com o papel de doutrinar a sociedade quanto à prática marginal dos cultos afro-brasileiros, e da força policial, fazendo valer a proibição dessa prática, promoveu a perseguição e a prisão dos integrantes dessas religiões1, inclusive classificando-os como desequilibrados, his171

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téricos, sendo recolhidos e internados em centros psiquiátricos, como o Hospital Ulysses Pernambucano, conhecido como Hospital da Tamarineira, no Recife2. Dessa forma, o povoado, inserido em um contexto histórico dos mais recuados do Brasil pós-invasão europeia, tratando-se de uma comunidade que desde a sua origem é composta por um grupo de pessoas que, em sua maioria, carrega uma forte ancestralidade de diversas nacionalidades africanas, inevitavelmente, vivenciou de forma intensa esse cenário. Sendo assim, apesar de sua localização ser um aparente refúgio, também viria a sofrer a dita discriminação e um desmedido abuso de poder e de violência promovidos pelo poder público. Dentre os vários episódios que certamente ocorreram, confirmando essa prática discriminatória no povoado, um dos mais marcantes, pela forma e violência de execução, foi o de iniciativa do Senhor “Alberto Bandeira”, então Subdelegado de Maricota (atual Município de Abreu e Lima), Distrito Policial ao qual Cuieiras estava jurisdicionado. Esse agente público, no mês de abril de 1890, conforme nota publicada no Diario de Pernambuco, na sexta-feira, dia 18 do mês do referido episódio, acompanhado de seus capangas, viria a provocar um grande pandemônio no povoado. Teria, à força de cassetetes e pontapés, arrombado as portas das casas dos cidadãos e espancado os moradores de forma bárbara. Como parte dessa balbúrdia, pobres mulheres da localidade, sem qualquer motivo que deflagrasse o ato, teriam sido vitimadas por espancamento através do uso de palmatórias e tabicas, sendo em seguida amarradas com cordas, como se fossem caranguejos catados na maré, e levadas para a cadeia.3 Esse fato ocorreu pouco menos de dois anos após o fim do sistema escravista, no auge da institucionalização da segregação e da criminalização das classes mais pobres, das “classes perigosas”. Esse cenário leva a crer que a motivação real dessa atrocidade tenha sido o fato de esse grupo de pessoas, certamente, composto por libertos e filhos de ex-cativos, confraternizar-se em suas festas afro-brasileiras, ou pelo simples ato de se divertir. Apesar do sofri172

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mento do dia a dia, essas pessoas não abriam mão do direto de serem felizes, de vivenciarem momentos de alegria, de busca de energia para suportar as agruras da vida. Cuieiras trata-se de uma comunidade detentora de uma rica trajetória de manifestações artísticas, sobretudo, relacionadas à dança e à música, como é o caso do Maracatu, cujo cortejo, nos primeiros anos do século XX, se fazia presente no arruado da comunidade4. Além do Maracatu, outras manifestações como o Samba de Coco e a Ciranda faziam parte do cenário artístico-cultural desse lugar. As sambadas de Coco e as rodas de Ciranda animavam os dias e povoavam as noites dos finais de semana, indo até o clarear do dia, com o povo contagiado e embebecido pelo som da zabumba e pela poesia das loas, fazendo a poeira subir nos sítios e no arruado. Embora essas manifestações se tratassem de expressões artísticas derivadas, em parte, das práticas das religiões de matrizes africanas, essas por sua vez, diante da forte repressão, possivelmente não eram visíveis na comunidade, mas certamente que não deixaram de ser vivenciadas, coisa que deveria ocorrer no anonimato, nos interiores das casas ou em outros lugares distantes dos olhos dos não iniciados. Embora durante este estudo não se tenha identificado nenhum documento acerca da existência desse tipo de prática na localidade, ficou constatado, em conversas com antigos moradores, que no povoado sempre ocorria o ouvir dizer que Cuieiras era pequena, mas que, se contassem, descobririam que lá existiam mais de vinte “bruxos”. Esses “bruxos”, sem dúvida, tratava-se dos iniciados nessas religiões que buscavam afirmar as suas identidades através das práticas e rituais das mesmas, realizados nas encobertas, no silêncio. As épocas festivas, como o São João e o Carnaval, eram os períodos de maior ocorrência dessas manifestações. Essas brincadeiras associadas a outras iniciativas, como blocos carnavalescos, a exemplo do Bloco Canarinho (Figura 47), que saiu no Carnaval de 1976, garantiam ao povoado uma vida cultural autônoma e bastante movimentada. 173

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Figura 47 – Concentração do Bloco Canarinho, Carnaval de 1976, em Cuieiras. Fonte: acervo de Elizabete Brandão de Santana.

Moradores e ex-moradores mais antigos, como o Senhor Severino de Paula, oitenta e sete anos; Dona Judite da Paixão, oitenta e cinco anos; Senhor José Silvério Brandão, oitenta e três anos, Dona Antônia da Conceição, oitenta e três anos, Senhor Severino Calixto, setenta e quatro anos; dentre outros, recordavam-se das sambadas e de nomes, ou alcunhas, de figuras tradicionais que comandavam e brincavam nessas atividades, como a dupla Seu Calixto e Maria Anginha, ele na zabumba e ela entoando as loas nas rodas de Samba de Coco; Zé Neguinho, que ficava à frente de uma brincadeira de Cavalo-Marinho e de uma Ciranda; o popular Mané José, que interpretava o brincante Mateus do Cavalo-Marinho; a animada “Balbina”, que, ao mesmo tempo que entoava loas de sambadas de Coco, tocava charmosamente a zabumba; e as festeiras e coquistas Nina e Maria Pequena. Certamente que esses são só alguns exemplos dentre tantos que foram formados nas brincadeiras tradicionais praticadas nesse povoado ao longo de sua existência. 174

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Haviam famílias tradicionalmente envolvidas e comprometidas com essas manifestações, cujas atuações eram repassadas de pais para filhos, como foi o caso dos Leocadios e dos Calixtos, antigas famílias de moradores da povoação que possuíam vários de seus integrantes, de gerações distintas, envolvidos com o Samba de Coco. Cosmo Leocadio e os irmãos Arlindo e Severino Calixto foram representantes da última safra. Durante boa parte da vida deles, bem como de alguns irmãos e primos, movimentaram muitas sambadas nesse lugar, sobretudo, “batendo zabumba”. Arlindo Calixto, eventualmente, quando ocorre uma brincadeira em Cuieiras, ainda segura de jeito a zabumba e faz o Coco ecoar na localidade.

Figura 48 – Arlindo Calixto, na zabumba, e Severio Leocadio, no tarol, embalando uma sambada de Coco, em Cuieiras. Abril de 2016.

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Havia muitos festejos. Os finais de semana das décadas da primeira metade do século XX eram animados com sambadas de Coco e de Cavalo-Marinho, rodas de Ciranda, espetáculos de Mamulengo, Pastoril, dentre outras manifestações. Ocorriam sábados cujas noites chegavam a ser animadas por até quatro sambadas, nas quais os terreiros eram iluminados com lampiões, candeeiros, ou ainda de forma improvisada, com garrafas cheias de querosene ou gasóleo, onde se mergulhava uma mecha e acendia-se a sua extremidade, externa à boca da garrafa. Essas luminárias ficavam penduradas em varas espalhadas pelos terreiros, em quantidade que dependia do tamanho da área da brincadeira. Nessa época, havia uma grande população de afrodescendentes, as sambadas eram tomadas por eles. Muitos entravam pela madrugada, ou mesmo até o raiar do dia, embalados pelos contagiantes ritmos desses toques, depois iam tomar banho em cacimbas, córregos e riachos, como ocorria no “Rio Governador”, riacho localizado em terras do Sítio Governador. Um dos pontos de realização de sambadas de Cavalo-Marinho ficava em frente à Venda de João, que pertenceu a Severino Rufino, na Rua de Baixo, onde a brincadeira animava a noite do arruado. Essa efervescência atraía pessoas de outras localidades, como Nova Cruz. Durante períodos festivos como o junino, por várias vezes, grupos de Samba de Coco de Cuieiras, fazendo uso de canoa a remo, seguiam, durante a noite, pelo Rio Maria Farinha, para puxar sambadas de São João em outros lugares, como em Jaguaribe, por exemplo, de onde só retornavam na manhã do dia seguinte. A pescadora aposentada, Damiana Maria da Conceição (Figura 49), que será apresentada mais adiante, quando jovem, chegou a participar dessas rodas de Coco fazendo voz de resposta às loas entoadas por coquistas como Dona “Balbina”. Apesar de na povoação já não haver mais as sambadas, ela ainda não perdeu a sua animação e disposição, e mantém guardado em sua memória um valioso acervo das loas cantadas nesses festejos. Já o seu filho, Severino Leocadio da Silva, herdou da família o gosto pelas sambadas e a habilidade de ritmista. 176

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Figura 49 – Damiana Maria da Conceição, entoando loas de Coco, e seu filho, Severino Leocadio, tirando som no triângulo para ouvir o pescador Goya, em Cuieiras. Maio de 2015 e abril de 2016.

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Naturalmente que nessas brincadeiras também ocorriam incidentes desagradáveis, atos de violência, praticados por motivações diversas. Na quinta-feira, dia 2 de fevereiro de 1913, por volta das cinco horas da tarde, Cezario Innocencio Machado, integrante da percussão de um grupo de Maracatu, quando se encontrava tocando tambor durante cortejo no vilarejo, concentrado e envolvido pela magia do ritmo da batucada, de repente teve que suspender a sua participação, talvez até o próprio cortejo tenha sido suspenso, uma vez que, quando menos se esperava, Cezario foi atingido na cabeça por uma cacetada desfechada por José Leocadio. Essa pancada viria a ferir levemente o crânio de Cezario5. O já comentado processo de esvaziamento da comunidade associado à chegada de representação da Igreja Protestante, conduzida pela Assembleia de Deus, que dispõe de um templo no arruado, cujo círculo de oração ocorre desde 15 de abril de 19496, interferiram, decisivamente, no universo de atividades que ocorriam na localidade e nos fazeres de grande parte da população remanescente, levando a uma consequente quebra na manutenção dessas práticas culturais. Dessa forma, poucas são as ocorrências desse tipo de ação desde as últimas décadas do século XX. Dentre elas, figura a criação, em 1992, do grupo de Maracatu de Baque Solto, denominado Maracatu Glorioso do Timbó, tendo como presidente a Senhora Luiza Gomes da Cruz (Figura 50). Esse Maracatu vinha atuando tanto na comunidade quanto em outras localidades, e, todos os anos, a partir de setembro, mantinha uma frequência de ensaios em sua sede, no Sítio São Luiz, no “terreiro” de Dona Luiza. Além de sua intensa atividade nos carnavais, esse Maracatu saía em cortejo pelo povoado em todos os domingos de Páscoa. No entanto, esse grupo veio a ser desativado em 2008, fato que decorreu do falecimento de seu mestre, o Senhor “João Candinho”. Figurinos, bandeira e instrumentos desse Maracatu, em 2015, ainda encontravam-se em sua sede. 178

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Figura 50 – Evolução dos “Cabocos de Lança” do Maracatu de Baque Solto Glorioso do Timbó, em Cuieiras, e a Senhora Luiza Gomes da Cruz. Fontes: acervo de Luiza Gomes da Cruz e o autor, abril de 2016.

A festeira e dinâmica Dona Luiza, além de ter organizado e ficado à frente do Maracatu Glorioso, vinha mantendo em sua residência um barzinho, onde, vez por outra, realizava rodas de Cirandas ou mesmo sambadas de Coco, que ocorriam em seu “terreiro”. Apesar do esvaziamento dessas práticas culturais, o Carnaval de Cuieiras ainda guarda uma das mais tradicionais expressões culturais dessa época, que é a figura dos mascarados, na verdade dos encobertos, uma vez que não é só o rosto que fica por trás de uma máscara, mas a intenção é que todo o corpo venha a ficar revestido, de forma a garantir que a face, a cor da pele e o sexo desses brincantes não sejam evidenciados. Essas figuras, que circulam durante todo o Carnaval pelo arruado e pelos sítios, além de se divertirem, buscam levantar um apurado, através da solicitação de dinheiro a todas as pessoas com as quais eles cruzem pelo caminho. Esse personagem, de ocorrência mais do que secular no povoado, é conhecido como Catirina (Figuras 51 e 52), denominação de um dos brincantes do Bumba Meu Boi, manifestação de origem afro-brasileira. 179

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Na indumentária utilizada, vale tudo. Para encobrir o corpo, utilizam calças, camisas, vestidos, casacos, mantos, saias, toalhas, lençóis, meias, luvas, dentre outras peças; já para confeccionar as máscaras, fazem uso de papelão, jornal, banda de bola de futebol, tecido, borracha, além de outros materiais improvisados. Não importam os recursos utilizados na composição do figurino, o que vale é ter a identidade oculta. A limitação de recursos financeiros, por parte da maioria dos que se figuram de Catirina, aguça a capacidade criativa e leva ao consequente surgimento de figurinos bastante originais, simples, rústicos e poéticos. Como parte da indumentária, trazem uma pequena vara de madeira. Nas primeiras décadas do século XX, boa parte das Catirinas que figuravam no Carnaval de Cuieiras apresentava-se com os rostos pintados de preto, tipo de recurso utilizado pela Catirina, brincante do Bumba Meu Boi. Em Cuieiras também veio a ocorrer a prática da prostituição organizada. O mais conhecido estabelecimento destinado a esse fim foi a Coreia, ou simplesmente Zona. Espaço que teve as suas atividades iniciadas por volta do final da década de 1940 e início da década de 1950 e permaneceu funcionando até os primeiros anos da década de 1980, em terras do Senhor Luiz Marcelino, sendo de propriedade dele e por ele concebido. Passou a ser denominado de Coreia durante o período da Guerra da Coreia, conflito armado, que ocorreu entre os anos de 1950 e 1953, entre as Coreias do Sul e do Norte, impulsionado pela divisão sofrida pela Coreia como consequência da Segunda Guerra Mundial. A Zona, ou Coreia, era um espaço de vida noturna, onde existia serviço de bar, um salão para jogos e danças, e quartos. A maioria das mulheres disponíveis não eram moradoras do povoado, eram trazidas de outras localidades, como Tejucupapo, no Município de Goiana, e Maria Farinha, no Município de Paulista, para passarem o final de semana e retornarem na segunda-feira. 180

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Figura 51 – Catirinas, mascarados que figuram no Carnaval de Cuieiras, imagens registradas no povoado durante o Carnaval de 2016.

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Figura 52 – Catirinas, mascarados que figuram no Carnaval de Cuieiras, imagens registradas no povoado durante o Carnaval de 2016.

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Houve época em que esse retorno provocava transtorno para os moradores de Cuieiras chegarem aos seus postos de trabalho na Fábrica Poty, uma vez que a grande quantidade de mulheres e a pequena disponibilidade de canoas dificultavam a travessia do rio. Algumas dessas mulheres passavam a residir nos quartos da Zona. As mulheres casadas do povoado não se atreviam sequer a passarem pela porta desse Cabaré, sobretudo as de família mais abastadas. Inúmeros rapazes do lugar tiveram com mulheres da Coreia as suas primeiras experiências, inclusive amorosas. Muitos iam para jogar, apenas admirar, outros dançar, ou mesmo vivenciar apenas uma noite do seu universo de fantasias. Já dentre as mulheres, em um misto de trabalho e diversão, circularam por aquele salão inúmeras histórias de vida, algumas delas, inclusive, mudaram ali os seus destinos. Iniciaram romances e se casaram com homens da localidade, ou se encheram de filhos de pais diversos. Os dias mais festivos eram os finais de semana que coincidiam com o pagamento dos salários da Fábrica Poty, quando a Zona era invadida por vários homens, jovens e maduros, trabalhadores dessa fábrica, moradores da povoação. Essa casa veio a ser desativada em 1982, após a morte de seu proprietário, Senhor Luiz Marcelino. A vida do dono da Coreia é mais uma expressão da cultura local. Figura lendária que se imortalizou no imaginário coletivo do lugar. Luiz Marcelino da Silva (Figura 53), nascido em Sirinhaém, em 2 de fevereiro de 19207, com os seus quase dois metros de altura, teria chegado ainda jovem para Cuieiras. Nos primeiros anos, dentre outras atividades, teria trabalhado de pedreiro e prestado serviços à Fábrica Poty. Nessa época, veio a ser preso tendo como motivo uma briga de rua. Esse fato, agravado por vários antecedentes, como, por exemplo, reagir à prisão com violência contra policiais, resultaria no recolhimento do jovem Luiz à Prisão de Igarassu, de onde, depois de um tempo, seria transferido para a Prisão da Ilha de Fernando de Noronha. Passado esse episódio, como morador de Cuieiras e prestador 183

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de serviços, como empreiteiro, à Fábrica Poty, adquiriu terras e em pouco tempo revelou a sua postura de destemido, assumindo o papel de justiceiro, construindo uma forte imagem de liderança e de valentia. Ações como a doação dos terrenos onde foram edificadas a sede do posto médico da comunidade e a sede do time local, o Continental Futebol Clube, de cuja primeira diretoria participou8, ampliaram o respeito por esse cidadão.

Figura 53 – Luiz Marcelino da Silva. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

Essa sua visibilidade e liderança iriam lhe possibilitar assumir o cargo de Comissário de Polícia de Cuieiras e de Diretor de Obras Públicas de Igarassu. Funções que chegou a desempenhar simultaneamente, sendo Diretor de Obras na gestão do Prefeito Agostinho Nunes Machado9, que governou de 31 de janeiro de 1973 a 30 de janeiro de 1977. São vários os episódios nos quais Seu 184

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Luiz figurou que terminaram na tapa, envolvendo ora moradores da localidade, ora desordeiros e até policiais, coisa que praticava com maestria, fazendo uso de seu volume e de sua habilidade em caratê. A sua fama atingiu um estágio de respeito que extrapolava as fronteiras do povoado e atingia todo o Município de Igarassu. Certa vez, ao retornar de Itapissuma, em sua Rural, na companhia de sua mulher, Dona Luiza, após ter discutido e batido em um policial naquele lugar, teria sido parado por duas viaturas da polícia. Ele pediu para Luiza deitar no carro, desceu, desarmado, e saiu na tapa contra um grupo de uns cinco ou seis policiais. No final, teriam ido todos para a delegacia e nada ocorreria com Luiz. Teria sido invocada a máxima: apanhou de Luiz Marcelino, tá apanhado. Durante o período de funcionamento da Coreia, foram inúmeros os episódios dessa natureza. Veio a falecer em 13 de agosto de 1982, aos sessenta e dois anos, deixando uma história que o transformou em uma lenda imortalizada no imaginário da povoação. Sua última companheira, a já citada festeira Dona Luiza Gomes da Cruz, com quem viveu durante seis anos, recebeu, através de testamento, metade dos seus bens e continuou morando na casa que pertenceu a ele10, localizada no sítio que havia recebido como herança, que ela, em homenagem a ele, registrou como Granja São Luiz. Outro ponto de encontro que marcou a trajetória histórica do lugar foi o Bar de Baé. Espaço que se localizava na Rua de Cima, ao lado da capela, e que esteve ativo da década de 1970 até a de 1990. Nesse local, funcionava serviço de bar e havia um salão, onde nos finais de semana ocorriam verdadeiros bailes. Havia uma grande frequência de jovens e adultos da localidade, que iam para quebrar a rotina da semana, seja mergulhando na bebida as dores da vida, alguns já se encontravam com as próprias vidas naufragadas na cachaça, seja se aventurando em uma dança apenas por descontração, ou ainda, na busca de outra alma para compartilhar a poesia da vida. Também havia aqueles que simplesmente observavam o movimento. Muitos ficavam apenas pelas calçadas, floriam a escadaria da capela. 185

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Sob o balanço de luzes coloridas, ao som de roedeiras, bregas e outros estilos gafieira, as pessoas, em pares, formados entre homens e mulheres ou entre mulheres, ou ainda separadas, arrastavam os pés, balançavam a espinhela e transpiravam o cansaço da labuta da semana. A música se espraiava pelo povoado, quanto mais tarde da noite, mais nítida e presente, chegava a visitar as casas mais isoladas e afastadas que pontuavam os sítios. O proprietário do estabelecimento era Fernando Santana, popularmente conhecido como Baé, neto de Anna e Joca Caldas, que, juntamente com a sua esposa Judite, tocava o bar e morava na companhia de sua mãe, Dona Belinha, na casa de vivenda que havia sido dos seus avós, cujo bar localizava-se defronte. A origem desse bar está associada à existência, no mesmo local, de uma espécie de palhoção que havia sido construído, no início dos anos 1970, por Baé e seu pai, Devi, para servir de local de festejos juninos. Nesse espaço, todos os anos, durante as festas juninas, sobretudo, o São João, o Forró comia até amanhecer o dia. Com o passar do tempo, esse espaço vai recebendo uma maior frequência de realização de festejos, findando no surgimento do tradicional Bar de Baé. Além do lendário Luiz Marcelino, são inúmeras as pessoas que, por motivos diversos, transformaram-se em personagens marcantes que povoaram o imaginário de várias gerações desse povoado. Assim foi com o elegante pescador Bernardo Maurício de Souza, morador de Santo Amaro, no Recife, que migrou para Cuieiras na década de 1930, onde passou a desempenhar com esmero a prática da pesca. Seu Bernardo, exímio pescador, quando não se encontrava em suas atividades pesqueiras, só circulava em público impecavelmente bem vestido. Sempre trajando conjunto de calças e camisas de mesma cor, possuindo jogos de todas as cores, confeccionados com um tipo de tecido, à semelhança do linho, que nunca se apresentava amassado, esse pescador impunha a sua elegância que era ainda mais eviden186

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ciada durante as missas na capela do lugarejo, onde figurava de terno e gravata. Durante várias décadas, como morador das Ruas de Baixo e de Cima, essa figura se fez presente no povoado, marcando o arruado com a sua singularidade e poética harmonia, que equilibrava aparentes opostos, a simplicidade de um pescador tradicional e o permanente traje de um lorde. Outra dessas emblemáticas figuras foi o popular Alfredo Jia. Tradicional personagem, bastante presente nas décadas de 1940 e 1950, foi assimilado pelo imaginário da população de sua época devido a um incomum hábito alimentar, preparava e comia todo tipo de animal comestível, que viesse a aparecer morto, inclusive, os encontrados em locais públicos. Galinha, peru, bode, jia, dentre outros animais que aparecessem sem vida, em qualquer lugar, iam para o fogo e se transformavam em refeição, e, às vezes, ainda geravam dinheiro. Certo dia, Alfredo havia ido para a maré catar marisco, chegando lá se deparou com uma cabra que pertencia a um tal de Zé Meneses. O animal se encontrava morto, havia falecido em trabalho de parto. Assim que presenciou o achado, não teve dúvida, esqueceu os mariscos e colocou o cadáver no pescoço e saiu pelo arruado berrando e dando lapadas na cabra, mandando o animal se calar. Ao chegar à sua casa, tirou o coro e esquartejou o cadáver. Em seguida, foi até onde se encontrava Seu Vitalino, outro morador da povoação, que trabalhava nos fornos de cal do Engenho Gongaçary, e ofereceu-lhe um quarto da dita cabra, dizendo que havia matado um bode capado, isso devido ao fato de o animal se apresentar bastante gordo uma vez que quando morreu encontrava-se prenha. Seu Vitalino caiu na conversa, comprou e mandou a mulher preparar do jeito que ele gostava. Depois de ter se empanturrado, saiu arrotando e comentando que havia saboreado e comido demasiadamente o bode vendido por Alfredo Jia. Quando chegou ao conhecimento de Vitalino que o prato que ele se deliciara tratava-se da cabra de Zé Meneses, que estava morta na maré aguardando o ataque dos urubus que já se aglomeravam, pegou a pistola e saiu danado mundo afora para atirar no vigarista. 187

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Não podem ficar de fora do universo sociocultural de Cuieiras as diversas brincadeiras e astúcias das criançadas e jovens das várias gerações que vivenciaram aquele cenário. Eram as tradicionais peladas de futebol, fazendo uso dos mais variados tipos de bola; os banhos nas croas da maré, nos córregos e riachos; as escaladas nas diversas árvores dos sítios, tanto para retirar frutos, como para demonstrar força e coragem, dentre tantas outras modalidades que desde sempre se caracterizaram como práticas corriqueiras das crianças e jovens do povoado. É certo que essas práticas às vezes terminavam em tragédia, sobretudo, quando se exagerava naquelas de maior risco. Assim foi com o morador Pedro José dos Santos, conhecido como “Pedro Medonho”, que, na sexta-feira, dia 24 de maio de 1907, não teve a mesma sorte das vezes anteriores, ao subir no alto de uma mangueira, caiu de forma trágica, morrendo instantaneamente. Seu corpo veio a ser sepultado no mesmo dia no Cemitério Público de Igarassu11. Essas brincadeiras extrapolavam o mundo real, povoando um valioso e criativo universo imaginário. Assim eram, por exemplo, as de apostas, sobretudo, para medir a valentia de cada um, como as que ocorriam na frente da capela durante as escuridões das noites. Uma dessas, no final da década de 1930, foi um teste à valentia de Biu de Damião, que era tido como o mais valente daquela turma. A aposta era para ele ir até o altar da capela e se ajoelhar. Além da escuridão do seu interior, esse templo era tido como assombrado, devido ao fato de terem ocorrido sepultamentos de crianças em seu terreno posterior. Comentava-se que, quando alguém transitava tarde da noite a sós em suas proximidades, ouviam-se vozes chamando por uma das crianças ali sepultadas, ou mesmo viam-se objetos estranhos no interior da capela, como rede de se deitar, por exemplo. Enquanto Biu entrava no escuro e sinistro interior da capela, os demais ficavam tremendo de medo do lado de fora. Biu, destemidamente, entrou, foi até o altar e ainda teria dito a seguinte frase: “eu vim aqui por uma aposta, cabeça vermelha que me der resposta”. 188

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Astúcias como atocaiar bêbedos, nas proximidades das vendas, durante as noites, sempre estiveram presentes nas artimanhas das crianças do lugar. A meninada ficava à espera com uma corda de um lado a outro da estrada, sendo esticada no momento em que os embriagados passavam. Ao caírem, na escuridão, ainda levavam uma camada de pau desfechada pelos danados. Às vezes, essas brincadeiras eram orquestradas por adultos, e até mesmo com a conivência do comissário de polícia do povoado. Outra brincadeira que se traduzia em um risco para as pessoas alvos delas eram as armadilhas construídas nos caminhos dos sítios. Neles, exatamente por onde circulava diariamente a pessoa alvo, era escavado um buraco, com profundidade e abertura o suficiente para receber essa pessoa até a altura de suas coxas, em seguida era tampado fazendo-se uso de gravetos e palhas que eram recobertos com uma fina camada de terra do próprio lugar, camuflando a existência do mesmo. Quando se aproximava do horário de a vítima passar pelo local, os danados se escondiam nas proximidades para aguardar o resultado. Caso desse certo, festejavam, acabavam-se de rir e não se cansavam de narrar a cena do baque sofrido pela vítima. Mas, dentre as brincadeiras, uma das mais animadas, e que ainda continua sendo praticada em Cuieiras, é a burrica (Figura 54), um misto de gangorra e carrossel de dois lugares, cuja construção demanda o uso da madeira de embaúba, espécie de árvore que possui o caule oco. A diversão já se inicia com a busca e o corte da madeira na mata. Para a sua construção, fixa-se no chão um tronco ou vara de madeira resistente com um diâmetro que encaixe no interior do bojo da embaúba e com uma altura razoável para o tamanho da meninada. A embaúba é perfurada, com um corte circular, e encaixada no tronco que se encontra fixado no chão. Em cada uma das extremidades da peça da embaúba, coloca-se uma pequena madeira para que os aventureiros ao subirem na burrica possam se segurar quando o brinquedo encontra-se em movimento. Está pronto, a madeira de embaúba fixa e ao mesmo tempo sol189

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ta para realizar os movimentos na vertical, como gangorra, e na horizontal, como carrossel. Brincadeira extremamente divertida, da qual resulta os mais variados baques voadores e as intermináveis gargalhadas e posteriores resenhas.

Figura 54 – Crianças brincando de burrica, no Sítio Governador, em Cuieiras. Outubro de 2016.

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Futebol e religiosidade

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Talvez os momentos de maior interação entre os integrantes da população local tenham sido as práticas religiosas e o futebol. O time da localidade, denominado Continental Futebol Clube, com padrão nas cores verde e branca, tem sido durante várias décadas uma das principais atrações e divertimentos da população desse lugarejo. O encontro entre os mais abastados e os mais pobres já se manifestava na composição do elenco do time, que, desde a sua primeira formação, traz integrantes dos donos das terras locais e dos posseiros. O Continental Futebol Clube (Figura 55), fundado em 29 de junho de 195212, trazia na composição da sua primeira diretoria, ocupando o cargo de Presidente, José Gomes; de VicePresidente, José João de Caldas Brandão; de Diretor, Luiz Marcelino da Silva; de Tesoureira, Maria do Carmo Dias; e de Secretário, Eronides de Lima. Composição que veio a ser alterada em 12 de dezembro de 1953, assumindo a seguinte configuração: Presidente, João José Dias; Vice-Presidente, Ademar Ayres Pessoa; 1º Secretário, José Silvério de Caldas Brandão; 2º Secretário, Luiz Marcelino da Silva; e Diretor Esportivo, Manoel Rodrigues Pinheiro. A sua primeira formação (Figura 56), que atuou na partida inaugural do time e do campo, contou em seu quadro principal com os seguintes jogadores: Malunga, Orlando, Neco, Miranda, Eronides, Gilberto, Santinho, Zezinho, Marreco, João Porróia e Agape. Durante as décadas de 1950 e 1960, além dos já citados, atuaram no quadro principal jogadores como Fernando (Baé), Toinho, Geraldo, Manuel, Luizinho, Zé do Ó, Julião, Abílio, Redondo, Baiano, Caçula, Reginaldo, Amaro, Euclides, Pimenta, Cosminho, Pedrinho, Célio, Boneca, Mário, Batista, Erasmo, Edinho, Ivo, dentre outros. Alguns desses ainda permaneceram jogando até o final da década de 1980, na companhia de novos integrantes. Dentre esses novos, nas décadas de 1970 a de 1990, figuraram nomes como Ody, Emanuel (Malá), Evaldo, Eduardo, Val, Ademar, Pedro de Topada, Maurício, Chico, Moaci e o grande goleiro Valdo, que fez história e levou muitos torcedores ao delírio com as suas espetaculares defesas. 192

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Figura 55 –Diferentes momentos do Time Continental Futebol Clube, no Campo de Cuieiras. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

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Figura 56 – Primeira formação do Continental Futebol Clube, Cuieiras 1952. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

Para as atividades futebolísticas do Continental, foi construído e festivamente inaugurado (Figura 57), também em 1952, o Campo de Futebol, “Estádio do Continental Futebol Clube”, localizado em terras do Sítio Governador, da família Caldas Brandão. Esse local, geralmente aos domingos, se transformava em uma grande festa. Já desde a sua fundação, o Continental traduzia-se em um dos mais fortes times amadores da região. Conforme dados constantes no Livro de Registros do Continental Futebol Clube, nas 50 primeiras partidas, contou com 28 vitórias, 15 empates e apenas 7 derrotas. Ao longo de sua trajetória, foram vários os jogos marcantes, como o 4x1 sobre o Cruz de Rebouças Futebol Clube, na casa do adversário, no domingo, 21 de agosto de 1955; o 4x0 sobre o Rio Doce Futebol Clube, no Campo do Continental, no domingo, 16 de dezembro de 1956; a vibrante vitória, em Cuieiras, por 4x1 sobre o Casa Amarela Futebol Clube, no domingo, 25 de setembro de 1960; a maiúscula buchada de 6x0 para cima do Porto Artur Futebol Clube, no Campo do Continental, no domingo, 6 de novembro de 1960; e o massacre de 10x2 contra o Ipiranga, do Engenho Diamante, jogo realizado no Município de Tracunhaém, no domingo, 6 de fevereiro 194

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de 1966, tendo terminado o primeiro tempo com vitória de 2x1 para o Ipiranga. Nessa partida, jogaram pelo Continental: Cegonha; Batista e Santinho; Carlinhos, Pedrinho e Bernardino; Mário, Célio, Fernando, Erasmo e Edinho, sendo este substituído por Ivo. Mário marcou 4 gols, Fernando 3, e os demais tiveram como autores Erasmo, Célio e Ivo. O time só viria a jogar calçado dez anos após a sua fundação, em seu septuagésimo primeiro jogo oficial, que ocorreu em Cuieiras contra o Comercial Futebol Clube, saindo o Continental vitorioso pelo placar de 1x0, com gol marcado, ainda no primeiro tempo, por Fernando. Dentre os históricos artilheiros do Continental, foram destaques Gilberto Pinheiro, no quadro principal, que marcou 36 gols em 62 jogos, e Toinho, no quadro aspirante, que marcou 34 gols em 54 jogos.

Figura 57 – Jovens participantes dos festejos de inauguração do Campo do Continental Futebol Clube, em 1952. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

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Essa sua condição de time vitorioso empolgava ainda mais a população local, que lotava o entorno do campo aos domingos, dias em que era praxe ocorrer os jogos treinos do Continental, que se davam entre o quadro principal e o aspirante. Durante esses jogos, a população se divertia com cada jogada, com cada gol que ocorria. Os chegados a uma cachaça, a saboreavam aglomerados na Venda de “Mané Fumero” ou no Bar de Arlindo, localizados em frente ao campo. Mas as maiores festas ocorriam quando o time da casa recebia adversários de outras localidades. Tanto em jogos amistosos como em jogos de campeonatos, a frequência era grande. Homens, mulheres, crianças, famílias inteiras, pobres e abastados se aglomeravam em torno do campo para torcer pelo time da casa. Mas também havia a presença das torcidas dos times adversários, que chegavam, utilizando-se de todo tipo de transporte, sobretudo, nas carrocerias de caminhões. Findado o jogo, com o Continental ganhando ou perdendo, a festa prosseguia. Era o momento da resenha, momento em que todos assumiam a condição de técnicos de futebol para emitir a sua análise acerca do jogo. Já os atletas entravam pela noite bebendo em comemoração à vitória ou lamentando a derrota. Conforme observado, durante a realização deste estudo, ainda vinha ocorrendo, de forma reduzida e menos acalorada, a participação de integrantes da população local para prestigiarem os jogos realizados aos domingos no campo do povoado (Figura 58).

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Figura 58 – Domingo de futebol, Campo do Continental Futebol Clube, em Cuieiras. Maio de 2015.

O Continental faz uso de uma sede própria (Figura 59), localizada na Rua de Baixo, onde eram realizadas as suas atividades administrativas e sociais. Em suas instalações, guardavam-se os apetrechos do time, como redes, bolas e chuteiras. Nesse prédio tanto ocorriam as reuniões formais dos integrantes do time, diretoria, equipe técnica e atletas, como os seus encontros 197

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festivos. Nessa sede, também ocorriam, em geral nos finais de semana e feriados, concorridos bailes noturnos. Em seu salão os jovens e adultos do lugar se encontravam para conversar, dançar, paquerar e namorar. Esse salão certamente foi palco do início de vários encontros que resultaram em casamentos. Durante a realização deste estudo, tal sede encontrava-se desativada. Com a diáspora do final da década de 1980, promovida pelo encerramento das atividades da Fábrica Poty, e de 2000, pela onda de violência em Cuieiras, acompanhando o processo de esvaziamento do povoado, o time também veio a sofrer significativa perda de jogadores, tanto dos que se encontravam em atuação como de possíveis novos. Mas, apesar das dificuldades, sempre se manteve atuando com a participação de integrantes das novas gerações da comunidade. Figura 59 – Sede do Continental Futebol Clube, em Cuieiras. Agosto de 2015.

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Outra manifestação que levava a uma grande participação da população local eram os eventos de prática da fé católica. Além das missas, das rezas do terço, dos eventuais batizados e casamentos, destacam-se os festejos juninos, sobretudo, do São João, já que a capela local apresenta orago ao Santo São João Batista. Esse festejo conta tanto com a parte religiosa quanto com a profana. Eram grandes e fervorosas a fé e a prática religiosa da população local. Antes da existência da capela do lugarejo, como já evidenciado, a população recorria aos seus oratórios particulares, localizados nos interiores das residências, e faziam grande uso da Capela de Nossa Senhora do Rosário do Engenho Gongaçary. Nela, significativa parte dos moradores de Cuieiras participava de missas, batizados, casamentos e outros atos litúrgicos. No período compreendido entre a data de sua fundação e meados do século XX, a Capela de São João Batista contava com uma intensa programação de atos da fé católica. Além das missas, batizados e casamentos, havia uma frequência, quase semanal, de realizações de procissões, que ocorriam geralmente aos domingos. Essas procissões eram realizadas como forma de retribuição às promessas, mediante às graças recebidas. Dessa forma, elas ocorriam em gratidão a diversos santos, como São Sebastião e Nossa Senhora da Conceição. Eram organizadas pelos próprios fiéis, com o empenho das pessoas que estavam à frente da capela, como a engajada Dona Maroquinha, que se dedicou ao templo entre o final da década de 1930 e meados da década de 1950. As procissões de São João ocorriam todos os anos, no dia 24 de junho, sem a presença de andor, apenas com a Bandeira de São João. Significativa quantidade de fiéis saía acompanhando a bandeira, que seguia com cânticos e louvores até a casa de um morador do povoado, previamente estabelecida, local onde a bandeira iria permanecer por um ano. No dia 23 de junho, véspera do Dia de São João, do ano seguinte, um grupo de moradores seguia em procissão para pegar a bandeira na casa do morador, que a havia recebido no ano anterior, e levá-la para a capela, onde era hasteada em um mastro, e em seguida ocorria a reza do terço. Durante o hasteamento da bandeira, todo o povo presente, de forma vibrante, em um forte coro, através do cântico que 199

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trazia frases como “Que bandeira e essa que vamos levar? É de Senhor São João para se hastear”, anunciava esse célebre momento. No dia seguinte, 24 de junho, dia de São João, era realizada a procissão, levando a bandeira para a casa de outro morador, e assim esse ritual ocorria, e ainda vem ocorrendo, todos os anos. Deixou de ocorrer em 2015, devido a fortes chuvas. Desde meados da década de 2000 que a data 15 de junho passou a ser o dia no qual a bandeira é conduzida da casa do morador onde ela se encontrava para a capela, permanecendo o dia 24 de junho, dia de São João, a data de realização da procissão de condução da mesma para a casa de outro morador. Dessa forma, a partir de meados da década de 2000, passaram a ocorrer, no período dos festejos de São João, procissões da bandeira e com o andor do santo padroeiro do povoado. Durante os dias 23 e 24 de junho de 2015, foi constatado que as festividades em homenagem a São João ainda guardam uma grande tradição em torno da fé religiosa. No anoitecer do dia 23, às dezoito horas, várias fogueiras foram acesas, tanto no arruado como espelhadas ao longo dos sítios. Foi um dia e noite de muita chuva, e percebia-se a preocupação das pessoas em conseguirem acender as suas fogueiras no horário previsto. Havia todo tipo de recurso e de improviso, inclusive fogueiras concebidas com cobertas. Esse desespero decorre das superstições que povoam o imaginário da fé religiosa. Mas, apesar da ininterrupta chuva, que apenas variava de intensidade, na referida noite, as fogueiras iluminavam frentes de casas e pontuavam clarões esparsos na escuridão dos sítios. As noites de 23 de junho sempre foram reservadas para as manifestações profanas, rodas de Ciranda, sambadas de Coco e forrós tradicionais, a maioria formada por integrantes da própria localidade. No entanto, as diásporas da década de 1940 e do final da década de 1980 e a prática da fé protestante, que ocorre no lugarejo desde o final da década de 1940, conjugadas com o avanço da indústria da cultura de massificação, levaram ao desaparecimento da maioria dos grupos e artistas populares do povoado. Antigos artistas e integrantes desses grupos faleceram e não houve renovação, de forma que as atrações que se apresentam na atualidade são de outras localidades. 200

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No dia 24 de junho, ocorre a Procissão de São João, santo padroeiro de Cuieiras. No ano de 2015, ela ocorreu no início da noite. Durante a tarde, houve a preparação do andor, que se encontrava na parte exterior de uma casa localizada no Sítio Governador, distante cerca de mil metros da Capela de São João Batista, ponto de chegada da procissão. No final da tarde, ocorreu a concentração dos fiéis, momento em que homens, mulheres, crianças e idosos entoaram cânticos religiosos e orações da Igreja Católica (Figura 61). Por volta das dezoito horas, com rajadas de fogos, que se repetiram durante o trajeto, deu-se o início do cortejo, dando continuidade aos cânticos e orações, com alguns fiéis carregando velas acesas para ajudar na iluminação do trajeto. Ao longo do percurso, o principal cântico era o Hino de São João. Um dia na Galileia Um homem chamado João Falava com ternura De amor aos seus irmãos Seu rosto esplandecia Na paz que ele trazia Fazei penitência Sempre, sempre, João dizia Viva João Batista Viva o precursor Porque João Batista anunciava o salvador. (Trecho do Hino de São João Batista, entoado durante a procissão, em Cuieiras, em 24 de junho de 2015). josé odilo de caldas brandão filho

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Com esse hino entoado por todos os presentes, com as vozes ecoando pelo povoado e sendo espraiadas pelos sítios adentro, a procissão seguia afirmando o compromisso da comunidade com as suas tradições e com as suas crenças (Figura 60). Quando chegou ao ponto final, interior da capela (Figura 61), houve a reza do terço e em seguida foi celebrada uma missa. Outra prática secular da fé católica em Cuieiras trata-se da reza do terço, que ocorre nas noites de sábados. Durante os trabalhos de observação, em conversas realizadas com antigos moradores, ficou evidenciado que essas rezas ocorriam todas as quartas, sábados e domingos, durante todo o ano, com exceção dos meses de maio e junho, nestes a reza ocorria todos os dias. O terço era rezado no mês de maio em devoção a Maria e no mês de junho, de 1º a 13, a Santo Antônio; de 14 a 24, a São João; e de 25 a 30, a São Pedro. Já as missas, que, por limitação da disponibilidade de padres, historicamente ocorriam apenas uma vez ao mês, aos domingos, a partir da década de 2000, passaram a ter frequência semanal, ainda sempre aos domingos. Como já visto, além da fiel dedicação das senhoras Anna Caldas e Maroquinha aos cuidados à frente da capela, também figurou, desde a segunda metade da década de 1950, a pedido de Dona Anna Caldas, a Senhora Severina Brandão, a popular Dona Bibiu, que permaneceu responsável pelos cuidados e atividades da capela até o início da década de 2000, quando, motivada pela onda de violência que assolava o vilarejo, terceira diáspora do povoado, mudou-se com a sua família para Cruz de Rebouças, distrito de Igarassu. A Senhora Anna Caldas ensinou a Dona Bibiu todas as práticas da Igreja, inclusive cânticos e hinos. O mesmo processo de esvaziamento sofrido pelas demais manifestações socioculturais, também afetaria a prática da fé católica. Além da volumosa redução da comunidade, provocada pelas citadas diásporas, a presença da Igreja Protestante, a partir do final da década de 1940, representada pela Assembleia de Deus, que passa a dispor de um templo nesse vilarejo, de início no Sítio Muximbata, em seguida na Rua de Baixo, onde permanece até os dias atuais, viria a pro202

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vocar uma sensível redução na quantidade de fiéis comprometidos com essas práticas do universo da fé católica. Por outro lado, vai sendo fortalecida a ocorrência, nessa comunidade, dos eventos inerentes à prática da fé protestante, como os cultos, inclusive, alguns sendo realizados nos espaços públicos da localidade, com grande participação dos moradores desse lugar. Essas mudanças, ao mesmo tempo em que levam ao surgimento de um novo ambiente de práticas religiosas, conduzem Cuieiras para uma nova composição de práticas socioculturais.

Figura 60 – Chegada da Procissão de São João Batista em seu ponto final, a Capela de Cuieiras, que tem como orago o referido santo. Imagens registradas na noite de São João, dia 24 de junho de 2015. 203 josé odilo de caldas brandão filho • Povoado de Cuieiras: história e paisagem


Figura 61 – Oração antes da saída da procissão de São João Batista, no Sítio Governador, e interior da Capela de Cuieiras após a chegada da procissão. Imagens registradas na noite de São João, dia 24 de junho de 2015. 204

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5.

PAISAGEM ECONÔMICA

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Mais uma vez, a paisagem natural se apresenta como fator determinante. Ela foi ao longo de toda a história desse lugar o principal suporte para a construção da paisagem econômica da localidade. Assim têm sido os recursos disponíveis para as práticas da pesca artesanal e da catação de moluscos, propiciadas pelo Rio Maria Farinha, atual Rio Timbó, que margeia as terras de Cuieiras, bem como pela vasta área de manguezal localizado ao longo da margem desse rio. Essa relação com os recursos naturais também se deu com outra atividade local, tão remota quanto a pesca, a agricultura de subsistência, largamente praticada nessa região devido à ocorrência de terras férteis e de água potável aflorando em córregos e nascentes. Esses recursos naturais também foram utilizados para a prática da monocultura, como o cultivo do coco, uma das principais culturas agrícolas dessa região, ofertando significativa demanda de trabalho para a população mais pobre. Os recursos naturais presentes na paisagem do lugar também foram responsáveis por uma das mais duradouras e importantes atividades produtivas presentes no cenário econômico dessa localidade, que perdurou ao longo de séculos, a produção de cal, através da exploração de pedreiras calcárias integrantes de jazidas localizadas em áreas do Sítio Cuieiras. Produção que por muito tempo, além de servir de renda para as famílias mais abastadas, traduzia-se em oportunidade de trabalho para grande parte da população mais pobre desse povoado. A prática comercial, que se deu tanto através de pequenas vendas, quanto pelas tradicionais mercearias, também figura dentre as principais atividades econômicas ocorridas nesse lugar.

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Pesca artesanal

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Alternando com outras atividades, como, sobretudo, a agricultura de subsistência e funções braçais na produção de cal e no cultivo de coco, encontrava-se, para a população mais pobre, a prática pesqueira. Os homens praticando, com mais intensidade, a pesca embarcada, em canoas, e as mulheres, nas lamas do manguezal, a catação de moluscos, como ostra e marisco, e do caranguejo. A longevidade e a exploração da prática pesqueira nas terras brasileiras, primitiva e tradicional atividade de povos nativos, são reveladas nos primórdios da colonização, conforme os termos da Carta de Doação da Capitania de Pernambuco a Duarte Coelho, pelo Rei Dom João III, em 5 de setembro de 1534, e o seu respectivo Foral, no que diz respeito aos tributos, que concedia ao donatário a metade da dízima do pescado da capitania, ou seja, metade da décima parte do valor correspondente ao volume do pescado obtido no território da Capitania de Pernambuco seria destinada ao donatário e a outra metade ao rei1. De grande ocorrência em comunidades estuarinas, ribeirinhas, a pesca artesanal, que figura em diversas localidades e épocas da história, decorrente da necessidade de sobrevivência, geralmente exercida por grupos nativos, está associada, no contexto do dito mundo moderno, “civilizado”, aos seguimentos mais pobres, excluídos e discriminados. No litoral pernambucano, a pesca artesanal chegou a corresponder a mais de noventa por cento da produção total de pescado, sendo a maioria das comunidades pesqueiras praticantes da pesca em rios e estuários2. O Povoado de Cuieiras juntamente com os de outras localidades, como Jaguaribe e Porto Jatobá, do Estuário do Rio Timbó3, estão incluídos nesse grupo. Há muito que fazem da pesca artesanal um dos seus principais meios de sobrevivência. Certamente a ocorrência dessa possibilidade, ou seja, da prática da pesca em um local com abundante ocorrência de diversas espécies de peixes, crustáceos e moluscos, foi o motor para o surgimento desses pequenos núcleos de moradores. 209

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A pesca artesanal quase sempre se caracterizou como a principal atividade de sobrevivência da população mais pobre desse lugar, desde os primeiros habitantes, sendo alternada com a agricultura de subsistência, até a implantação das propriedades coloniais produtivas, quando, por certo, para elas também passaram a desempenhar atividades, de forma semiescrava, sobretudo, em troca de suas permanências como moradores nas terras a elas pertencentes. A partir do fim do sistema escravista, com a consagração da “liberdade” e a ampliação da possibilidade da venda da mão de obra, inclusive por parte daqueles que viviam no cativeiro, sem dúvida, no momento em que não havia atividades nas unidades produtivas da localidade, como nas pedreiras e nas colheitas de coco, iam para a maré famílias inteiras, homens, mulheres e crianças, garantir as suas sobrevivências, como ainda hoje ocorre. Alternando entre pedras na cabeça e lama no corpo, esse povo recém-liberto de um sistema escravista, ia sobrevivendo, agrupando-se e reproduzindo, consolidando o cotidiano do povoado. A riqueza natural do estuário, com uma grande área de manguezal e uma vasta ocorrência de espécies, dentre as quais peixes, como tainha, carapicu, saúna, carapeba e curimã; crustáceos e moluscos, como caranguejo, siri, ostra, camarão, marisco e sururu4, sempre serviu como uma rica fonte de sobrevivência para a maioria dos moradores mais pobres dessa área. Realidade que garantiu a manutenção, através da transmissão oral, de saberes e fazeres como o ofício do canoeiro, o ofício do manejo da ostra, as técnicas da catação do caranguejo, da ostra, do marisco e da pesca artesanal, que ainda estão, em sua maioria, presentes no universo econômico-sociocultural dessa povoação. Várias mulheres, já idosas, filhas e moradoras de Cuieiras, que se encontravam, no momento da realização deste trabalho, vivendo do instituto da aposentadoria, encontravam-se nessa condição por terem exercido a prática pesqueira como a principal atividade dos seus tempos de vida ativa. Por conta disso, foram aposentadas como pescadoras. Esse é o caso 210

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da já citada Dona Antônia Maria da Conceição, que se encontrava com oitenta e três anos de idade, integrante de uma das mais antigas famílias de moradores do lugar, que, apesar de ter desempenhado outras atividades, encontrava-se aposentada como pescadora. Ela e sua irmã, Maria José da Conceição, setenta e nove anos, ao longo de suas vidas, praticaram intensamente a catação de caranguejo, ostra e sururu, alternando com atividades domésticas. Como já revelado, essas senhoras encontravam-se vivendo a sós, fazendo companhia uma à outra, em uma pequenina, simples e poética casa, construída pelo pai delas, o Senhor José Marcelino de Souza, conhecido em Cuieiras como “Zé Marçal”, ainda enquanto solteiro, para viver na companhia de Severina Maria da Conceição, mãe das pescadoras Antônia e Maria5. A pesca artesanal e a catação de moluscos e crustáceos ainda são atividades largamente praticadas por integrantes das famílias mais pobres da localidade, com a utilização das mesmas ou equivalentes técnicas tradicionais. Essas atividades são realizadas nas diversas áreas de pesca e catação que foram definidas naturalmente pelos próprios pescadores, recebendo destes denominações populares e sendo repassadas oralmente de geração para geração. No Estuário do Rio Timbó, ocorrem dezenove áreas específicas para a pesca e a catação, sendo que duas das cinco áreas propícias à catação de moluscos e crustáceos encontram-se localizadas nas áreas de vegetação de mangue em Cuieiras6. A família da Senhora Damiana é um dos mais característicos exemplos de herdeiros da tradicional prática da pesca e da catação de moluscos e crustáceos. Damiana Maria da Conceição, nasceu nesse lugarejo, em 2 de julho de 1946, é filha caçula, dentre os quatro filhos, dois homens e duas mulheres, do casal José Joaquim Cosmo, conhecido como “Zé Caboco”, e Maria das Neves da Conceição, ou “Maria de Zé Caboco”. Dona Damiana, ou Miana, como é conhecida no povoado, é integrante, tanto por parte de pai como de mãe, de antigas e pobres famílias de moradores de Cuieiras, que viviam como posseiros no Sítio Muximbata e sobreviviam da pesca e da agricultura de subsistência, além de serviços 211

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domésticos. Seu pai, por várias noites, ao longo de sua vida, com chapéu na cabeça, fumando cachimbo, abastecido com fumo de rolo, dirigia-se à maré, onde, fazendo uso de sua jangada de bambu e dos apetrechos de pesca, permanecia em suas águas até a manhã do dia seguinte, para garantir parte significativa do sustento da família. Damiana, assim como deve ter ocorrido com os seus pais, avós, bisavós e parentes mais recuados que residiam nessa localidade, ainda muito criança, iniciou-se na principal atividade da família, no trabalho na maré, na catação de moluscos e crustáceos. Desde os dois anos de idade que ela acompanhava a sua mãe em seu duro trabalho de catadora na maré de Cuieiras. Ainda bastante jovem, Miana deixou a casa dos pais e foi morar, conjugalmente, com Cosmo Leocadio da Silva, nascido nesse lugarejo em 20 de abril de 1943, filho de Pedro Leocadio da Silva e Severina Domingos de Santana, integrantes de antigas e tradicionais famílias moradoras dessa povoação. Cosmo, ao longo de sua vida ativa, como companheiro de Dona Damiana, trabalhou nas colheitas de cocos da localidade, como carregador de cocos, e nas pedreiras da Fábrica Poty. O seu avô paterno, José Leocadio da Silva, veio a ser o responsável pelo plantio de cana-de-açúcar pertencente ao Engenho Gongaçary, que ocupava terras entremeadas ao Povoado de Cuieiras. A relação entre Miana e Cosmo seria civilmente formalizada em 16 de julho de 19727, quando ela passou a assinar Damiana Maria da Silva. Como frutos desse relacionamento, foram gerados onze filhos, todos nascidos na povoação, dos quais sete chegaram à fase adulta, cinco homens e duas mulheres, que, após a separação do casal, permaneceram na companhia de Dona Damiana. Todos os filhos seguiram a profissão da mãe e também passaram a viver e alimentar as suas famílias através da catação de moluscos e crustáceos. Desses sete filhos, em 2016, dois ainda moravam com Dona Damiana, a Senhora Maria José Leocadio da Silva, nascida em 16 de agosto de 1974, e o Senhor Adeildo Leocadio da Silva, nascido em 30 de agosto de 1972. 212

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Dona Damiana, que se encontrava aposentada e fisicamente vitimada pela longa trajetória de pescadora, no convívio cotidiano com a lama da maré, foi, desde 17 de dezembro de 1979, sócia, como pescadora, da Colônia de Pescadores Z-10, de Itapissuma, e, desde 16 de setembro de 1992, registrada como pescadora profissional no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)8. Apesar de todo o sofrimento e dureza para tirar da pescaria o seu sustento e dos seus sete filhos, Dona Damiana se emocionava quando se encontrava diante da maré, por esta ter-lhes oferecido a possibilidade de lutar pela sobrevivência e pela manutenção de suas dignidades. Os dois filhos que ainda residiam com Dona Damiana, que a acompanhavam na catação até a sua impossibilidade física, vinham substituindo-a nessa atividade pesqueira. O falecido Senhor Otávio Severino de Souza, que foi casado com Dona Filomena de Souza, integrava outra tradicional família de pescadores. O popular Seiscentos, que gerou 21 filhos ao lado da Senhora Filomena, todos nascidos no povoado, teve na catação e na pesca as principais formas de sua sobrevivência e da sua família. O nome Seiscentos decorreu da numeração da chapa de identificação utilizada pelo Senhor Otávio no período em que trabalhou na pedreira da Poty. Desses 21 filhos, todos inicialmente envolvidos com as atividades pesqueiras, vários já se encontravam mortos, outros haviam migrado para tentar a vida em outras localidades, e três dos que permaneciam em Cuieiras continuavam fazendo uso da pesca como a principal atividade econômica. Um desses filhos é o Senhor Amaro Otaviano de Souza, nascido em 30 de julho de 1948, que, embora já se encontrasse aposentado como pescador, ainda se encontrava praticando atividades pesqueiras, além de atuar como artesão. Seus trabalhos artesanais vinham sendo criados a partir do uso de matéria-prima local. Casca e quenga, ou cuia, de coco, conchas de mariscos e ostras, dentre outros elementos naturais locais, transformavam-se em produtos artesanais que ora as213

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sumiam formas de animais, como aves, cobras, peixes e caranguejos; ora configuravam-se como objetos utilitários, como cortinas. O Senhor Moaci Otávio de Souza, nascido em 31 de dezembro de 1958, casado com Dona Severina Maria da Silva, conhecida como Dona Birra, é mais um desses filhos. Esse casal encontrava-se como proprietário, já há doze anos, do Bar de Birra, localizado em sua própria residência, na Rua de Baixo. Bastante frequentado, sobretudo, aos finais de semana, por pessoas em busca de saborear os pratos feitos com os pescados do lugar, boa parte fruto das pescarias do Senhor Moaci, como tainha, baiacu, ostra, siri e sururu. Mas o grande destaque gastronômico e o prato mais procurado desse restaurante popular era a fritada de aratu. Moaci, além de permanecer na pesca desde criança, a partir do surgimento do bar restaurante, também passou a adquirir parte do pescado do povoado. O terceiro filho, que permanece na atividade pesqueira desde criança, quando atuava ao lado do seu pai, é o Senhor Josué Severino de Souza, conhecido na comunidade como “Goya”, nascido em 11 de julho de 1964. A principal forma de pesca praticada pelos três citados pescadores é a de camboa, que será comentada a diante. Conforme observação não participativa das atividades do processo de catação e de pesca artesanal, na companhia do Senhor Adeildo Leocadio da Silva, foi constatado que as técnicas utilizadas, bem como as embarcações e os apetrechos, com pequenas variações ou denominações diferentes, são basicamente os mesmos que vêm sendo utilizados há centenas de anos e em diferentes localidades. A catação de moluscos, em geral, é e sempre foi realizada a pé, ou com a utilização de pequenas embarcações, e fazendo-se uso de técnicas manuais, com o auxílio de simples instrumentos, como espeto de madeira, colher e faca, mas, sobretudo, com o uso das próprias mãos. A captura do marisco ocorre tanto dentro do rio quanto na lama localizada em suas margens. O processo tradicional é de fato uma catação com o uso das mãos, tanto dentro d’água quanto fora dela. Pode ocorrer também o uso de apetrechos auxiliares como uma colher (Figura 62), geralmente quando a catação é feita na lama da maré. O beneficiamento do marisco ainda vem sendo realizado da forma tradicio214

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nal, com o seu cozimento em tacho, latão ou caldeirão em fogão a lenha e em seguida descascado, manualmente, um por um. O sururu é capturado através de mergulho (Figura 63), fazendo-se uso de uma jangada, uma foice e, mais recentemente, de um visor (óculos de mergulho). Os pescadores dirigem-se para os locais de pesca e através de mergulho, que pode chegar até cinco metros de profundidade, retiram os “tapetes” onde constam os sururus. Quando esses moluscos encontram-se em lajes, os “tapetes” são removidos com o uso de foice; já quando encontram-se na lama, fazem-se uso das próprias mãos. A embarcação mais usual é a jangada, isso deve-se ao fato de ela ser mais baixa que as demais, facilitando o arremesso do material pescado para cima da mesma. Quando a embarcação já se encontra carregada, ela é removida manualmente e a nado pelo pescador até à margem do rio, onde a carga de “tapetes” de sururu passa por uma lavagem, quando são retirados os excessos de lama ou outros dejetos, ficando apenas os sururus. O beneficiamento ainda permanece da forma tradicional, realizando-se o mesmo processo usado para o marisco.

Figura 63 – Catação do sururu, através de mergulho, com o auxílio de um visor, no Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

Figura 62 – Catação do marisco, realizada manualmente com o auxílio de uma colher, na lama da margem do Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

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A catação da ostra continua ocorrendo como sempre ocorreu, os catadores, em geral catadoras, dirigem-se aos lugares onde as mesmas se encontram incrustadas, nas raízes dos manguezais, e as removem com o uso das mãos ou com simples ferramentas, como faca, sendo depositadas em latões ou baldes (Figura 64). Às vezes, faz-se necessário o uso de embarcações para chegar até os locais mais abundantes. No decorrer do processo de manejo da ostra, ela passa por um primeiro beneficiamento, que consiste em assá-las ou cozinhá-las para em seguida promover o descasque. Para assar as ostras, fazia-se uso de palhas secas, como as de coqueiro, que encobriam as ostras depois de arrumadas no chão a céu aberto, no entorno das casas dos pescadores. O fogo era controlado de forma a se evitar a perda, e, após a queima, era promovido o descasque manual e a retirada das ostras, uma por uma, com a participação de toda a família. Em seguida, eram lavadas e destinadas ao consumo ou à comercialização. Atualmente esse processo encontra-se praticamente em desuso, esse beneficiamento vem sendo processado, assim como já se processava para os demais moluscos, como marisco e sururu, através do cozimento, em caldeirões, ou tachos, no fogo de fogões a lenha (Figura 65). Embora nesse processo haja a necessidade de se promover várias remessas de cozimento para atender a mesma quantidade de pescado de ostras que se assava em uma única queima, ainda assim, é o preferido da atual comunidade pesqueira de Cuieiras.

Figura 64 – Catação da ostra nas raízes da vegetação do manguezal, nas margens do Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

Figura 65 – Tipo tradicional de fogão a lenha utilizado para o beneficiamento da ostra, do sururu e do marisco. Casa de Dona Miana, Povoado de Cuieiras. Maio de 2015.

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A pesca do siri se dá através do uso de linha de mão. A isca, envolvida por uma rede, é amarrada no extremo da linha e mergulhada. Quando o pescador sente o peso do siri, coloca o jereré de rede por baixo da isca. Essa pescaria pode ocorrer com o uso de jangada, que além de levar o pescador até o local de pesca, permitindo que se pesque em lugares mais profundos e afastados, serve de suporte para o pescado, que é depositado em um balde ou latão. No entanto, a maioria dos pescadores de siri entra no rio sem a ajuda da embarcação, fica em lugares mais rasos, mantendo o balde fixo sobre as águas com o auxílio de uma vara fincada no fundo do rio (Figura 66). O jereré trata-se de uma rede em forma de saco com a boca voltada para cima e fixada em uma armação, em madeira ou metal, em forma de círculo ou semicírculo. São vários os tipos de pescas, praticadas em Cuieiras, cujo apetrecho principal é a rede. Dentre elas ocorre a “sauneira” (Figura 67), rede de espera utilizada para a captura de peixes que ficam mais próximos da superfície da água, como é ocaso da tainha e da saúna. Essa rede não atinge o solo do leito do rio, sua parte inferior, com o auxílio de chumbadas, fica em parte intermediária da profundidade das águas, e a superior é fixada em pequenas boias de isopor. Outra bastante comum na localidade é a “caçoeira”, rede de espera de fundo, também chamada de rede afundada. Sua parte inferior fica rente ao solo do leito do rio. É utilizada na captura de peixes que, em geral, vivem nas águas mais profundas, como é o caso do carapeba e do robalo. Essas duas formas de pescar consistem em colocar as redes no rio, fazendo uso de uma embarcação, em geral uma baiteira, e em seguida, quando necessário, passa-se com o barco ao longo da rede batendo nas águas com uma vara para espantar os peixes em direção à rede, depois de um determinado tempo, elas são removidas, despescadas e recolocadas nas águas. Ainda são usados o “mangote” e o “mangotinho”, tipos de redes de arrasto que são conduzidas, geralmente, por dois ou mais homens e cobrem da superfície das águas até o solo do leito do rio e de certa profundidade até a parte seca de suas margens, quando são retirados os pescados. Peixes de várias espécies e tamanhos são capturados por estes métodos, mas o principal alvo é o camarão. 217

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Figura 66 – Pesca do siri com o uso de linha de mão e com o auxílio de um jereré, nas águas do Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

Figura 67 – Pescadores preparando a colocação da rede “sauneira”, fazendo uso de uma baiteira com um pequeno motor. Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

Ainda com a utilização de rede, ocorre a principal pesca, a tradicional “pesca de camboa” (Figura 68), que se trata de uma grande rede de espera, também conhecida como rede preta, por ficar tingida com a lama da maré e com a tinta do popularmente conhecido, entre os pescadores do lugar, como “mangue de casco”, espécie de árvore que ocorre dentre a vegetação do manguezal. O chá da casca do caule dessa árvore é utilizado como uma espécie de tinta que, visando uma maior durabilidade dessas redes, é aplicada periodicamente nesse apetrecho de pesca. A casca retirada do caule do “mangue de casco” adulto é apiloada e em seguida cozinhada em latões, expelindo uma espécie de chá-tinta, que, após ser coado e esfriado, é utilizado para banhar as redes. Em geral, esse banho ocorre fazendo-se uso do bojo das canoas. Após esse banho, as redes passam a apresentar uma cor próxima do preto. Esse tingimento é uma antiga prática, repassada oralmente ao longo de várias gerações, que visa ampliar, em até mais de duas vezes, a vida útil dessas redes. Para atingir o melhor resultado desse processo, são realizadas, em média, oito aplicações dessa tinta, por ano, em cada rede. 218

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Para a realização da pesca, a referida rede é fixada, quando a maré está alta, em canais ou lugares confinados, e só é retirada na maré baixa. Durante a enchente da maré, os peixes penetram nesses canais. Quando a maré começa a baixar, esses peixes ficam sem saída e são aprisionados nas redes. A parte inferior dessas redes é fixada rente ao solo do leito da maré, presa com o auxílio de “cambitos”, pequenas hastes de madeira que funcionam como grampos, e sua parte superior, em estacas, ou varas, fincadas no solo do rio. As estacas e os “cambitos” são confeccionados fazendo-se uso da madeira do manguezal. Em geral, essas redes são levantadas tarde da noite ou de madrugada.

Figura 68 – Na próxima página: Imagem lado esquerdo superior: rede da “pesca de camboa” montada em um ponto de pesca do Rio Timbó; esquerdo inferior: pescador realizando a remoção da rede de “camboa”; lado direito: rede de “camboa” sendo recolhida (despescada) e embarcação carregada com o pescado. Maio de 2015.

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Dentre as pescas com a utilização de anzol e linha de mão, destaca-se a do peixe baiacu. Antes de iniciá-la, pesca-se, na lama da maré, o tamaru, cujo formato lembra o camarão, para servir de isca. Para o consumo do baiacu, por ser uma espécie de peixe venenoso, requerem-se habilidade e conhecimento para tratá-lo, caso contrário, sua ingestão pode levar à morte. Certamente a prática da pesca e do consumo do peixe baiacu deve ter levado a várias ocorrências de envenenamento de moradores de Cuieiras ao longo da história desse povoado. Assim foi o caso ocorrido com a família do citado pescador Seiscentos. Em meados da década de 1950, uma de suas filhas, Maria das Dores de Souza, que se encontrava com oito anos de idade, tinha o costume de cozinhar fora dos horários das refeições. Nesse dia, Seiscentos havia tratado alguns baiacus de suas pescarias, e a filha, já tarde da noite, preparou alguns desses peixes para comer junto com seu pai. Eles dois e mais uma filha, que acordou durante os preparativos, teriam comido enquanto os demais dormiam. Pela manhã, Seiscentos montou uma burra e foi trabalhar e a sua esposa saiu para lavar roupas. Quando Dona Filomena menos espera, a filha, que havia cozinhado o baiacu, chegou chorando e cambaleando, sem saber explicar o que estava ocorrendo. Foi levada para casa e medicada com chá de aratu preto, que os filhos correram para pegar na maré. Embora ela tenha vomitado bastante, não foi o suficiente e veio a falecer. Mais tarde, encosta na porta de casa a burra com o Senhor Seiscentos arriado sobre ela. Quando o pescador despertou, contou sobre o baiacu. Foi imediatamente levado para o posto médico da Fábrica Poty, onde ficou internado por quinze dias e conseguiu sobreviver. Esse peixe ocorre ao longo de todo o Rio Timbó e tem sido um dos principais pratos dos populares restaurantes do lugar. As embarcações desses pescadores, após os seus usos, são atracadas, por meio de correntes ou cordas amarradas em troncos da vegetação do manguezal, em pontos estratégicos distribuídos nas margens do rio (Figura 69). 221

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Figura 69 – Na página anterior: Imagem superior: Adeildo, um dos tradicionais pescadores do povoado; imagem inferior: ponto de atracagem e guarda das embarcações de pesca, Rio Timbó, em Cuieiras. Maio de 2015.

Ao longo do rio, os pontos de pesca frequentados pelos pescadores de Cuieiras, como os denominados de Camboa Partido, Camboão, Camboa das Croas, Camboa das Mulheres e Camboa Sauneiro, tornaram-se, ao longo de toda a existência do povoado, locais de convívio cotidiano da maioria da população desse lugar. São várias pessoas, homens, mulheres e crianças, realizando esses tipos de pesca e de catação e ocupando os diversos pontos de pesca. Se cruzam nas águas em suas embarcações, baiteiras e jangadas, ficam lado a lado nos pontos de pesca, ajudam-se e botam conversas em dia. Durante o final do século XIX e início do XX, a quantidade de pessoas que transitavam nesses pontos de pesca, fazendo uso de canoas, certamente traduzia-se em uma grande “festa” diária. Nessa época, também participavam desse convívio os trabalhadores das pedreiras, navegando em canoas, batelões e barcaças carregadas de cal ou de pedras calcárias. Apesar da dureza do trabalho, o cansaço ficava aliviado por esse convívio e, sobretudo, pela beleza do lugar. As águas, a vegetação, as montanhas, as embarcações, as aves e os pescadores compõem uma equilibrada composição da natureza. Durante a trajetória histórica do povoado, a prática comum de beneficiamento da ostra, utilizada de forma generalizada na comunidade, era a tradicional queima a céu aberto. Considerando-se que a maioria das famílias vivia da pesca, sobretudo da catação de moluscos, o cenário de então, com diversos pontos de fumaça se espraiando pelos coqueirais e pelas matas e o marcante aroma conduzido pelos ventos, denunciava uma das principais características identitárias do lugar, intimamente relacionada com a sua origem e a sua consolidação. 223

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Os pescadores e catadores de Cuieiras sempre praticaram a pesca e a catação a pé ou fazendo uso de embarcações, como canoas e jangadas, e, mais recentemente, de baiteiras em substituição às canoas, todas confeccionadas em madeira e conduzidas a remo. Mas, desde meados da década de 2000, alguns pescadores vêm fazendo uso de pequenos motores. As redes e embarcações que no passado eram confeccionados no povoado já não são mais. Apenas reparos de manutenção em redes e embarcações é que ainda são realizados por pescadores da localidade. As redes, quando ainda confeccionadas em Cuieiras, eram produzidas com a utilização de fios de algodão. As atuais são todas em fio de náilon. Os frutos da pesca e, sobretudo, da catação, além de satisfazerem o consumo doméstico, também são comercializados. Essa comercialização se dava tanto através das mãos dos próprios pescadores quanto por meio da participação de terceiros, que compravam dos pescadores e repassavam para as peixarias, feirantes e outros pontos comercais da região. Como até o momento da chegada da energia, que se deu em 1972, não havia a possibilidade da manutenção desses pescados com a utilização de gelo, os mesmos eram conservados fazendo-se uso de sal. Havia na região várias salinas, inclusive no próprio Sítio Cuieiras. Além das formas de comercialização citadas, passaram a ocorrer no povoado simples restaurantes, com mais intensidade a partir da década de 2000, que oferecem pratos típicos com a utilização desses pescados, atraindo pessoas de diversas localidades, como Olinda e Recife, que se dirigem ao vilarejo para provar essa gastronomia e sentir a agradável ambiência desse lugar. Um desses restaurantes é o já citado Bar de Birra. Dentre os pratos tradicionais, encontra-se a fritada de aratu, o mais característico da gastronomia igarassuense. Essas práticas pesqueiras, que ainda permanecem quase que inalteradas na Comunidade, configuram uma série de bens culturais traduzidos em fazeres, saberes e crenças, que vêm sendo transmitidos de forma oral e que, além de remeterem essa povoação aos primórdios de suas origens, têm permitido, ao longo de todo esse processo histórico, a sobrevivência autônoma de grande parte da população que viveu e vive nessa localidade. 224

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Produção de cal9

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Foi evidenciado que, durante o século XIX até o fim da segunda metade do século XX, havia em Cuieiras uma grande produção de cal, sobretudo, durante os cerca de 50 anos compreendidos entre as décadas de 1890 e 1930, quando houve a exploração das empresas Companhia Exploradora de Productos Calcareos e Cunha & Cia. Essa produção pode ter tido seu nascedouro no século XVII, associado à produção de cal da Fazenda de São Bento de Jaguaribe. Nesse cenário, enquanto os proprietários exploradores das pedreiras e da produção de cal em Cuieiras duelavam em busca de mercado visando à manutenção dos seus empreendimentos e possível ampliação de seus lucros e, consequentemente, de seus patrimônios, a força de trabalho utilizada nesse ambiente, em sua maioria, correspondia à mão de obra cativa, e com o fim do escravismo, passou a corresponder ao efetivo de trabalhadores disponíveis na própria localidade e vizinhanças, para os quais essa oportunidade de trabalho se apresentava como a principal atividade econômica. Como já visto, durante o sistema escravista, havia nas pedreiras do lugarejo um grande encontro de cativos dos diversos proprietários do Sítio Cuieiras, inclusive dos cativos daqueles proprietários que produziam cal em outras propriedades, localizadas nas vizinhanças do povoado, já que havia o transporte da matéria-prima extraída das referidas pedreiras para esses fornos, como os da Fazenda Zumby, localizada a mil e oitocentos metros pelo rio. Uma vez que esses fornos localizavam-se às margens do Rio Maria Farinha, esse transporte era realizado naturalmente com a participação dos cativos fazendo uso de embarcações. Mesmo ainda após a abolição do escravismo, essas pedras continuaram sendo removidas por aqueles proprietários que produziam cal em outras propriedades, até mesmo após o arrendamento do Sítio Cuieiras pela Companhia Exploradora de Productos Calcareos, já que, como visto anteriormente, havia como condição um contrato prévio permitindo que a maioria dos proprietários permanecesse retirando pedras, da mesmo forma que até então se praticava. Esse deve 226

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ter sido o caso do Senhor Francisco Cockles Teixeira de Araujo e Silva. Este cidadão, em setembro de 1887, figurava entre os proprietários de Cuieiras, com direito a explorar as ditas pedreiras, propriedade que ainda constava do inventário dos seus bens, iniciado em abril de 189710. Em março de 1889, o dito cidadão anunciava, em jornal de grande circulação, para engenheiros e edificadores, a cal preta caldeada com água doce, fabricada em seu forno localizado “ao entrar no Rio de Nova Cruz”, onde havia construído uma cacimba na qual conservava água boa para beber, utilizada na referida produção11. Esse Senhor viria a falecer em 12 de novembro de 189612, enquanto exercia o cargo de Prefeito do Município de Igarassu13. Ao longo do sistema escravista, durante os anos oitocentos, ou mesmo antes, era bastante comum cruzarem, no Rio Maria Farinha, canoas, batelões e barcaças com cativos em suas tripulações, ora carregadas de cal, ora carregadas de pedras calcárias, a maioria extraída das pedreiras de Cuieiras. Após 1891, com o início das atividades da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, a mão de obra utilizada nas atividades mais braçais dessa produção tratava-se, em sua maioria, de pessoas integrantes daquele povo que havia acabado de tornar-se “livre” do escravismo, ou dos descendentes daqueles que viveram em situação de cativo. Conforme ficou constatado em conversas com os moradores mais idosos, inclusive, alguns deles chegaram a trabalhar nessas atividades, como foi o caso de Dona Judite da Paixão, a rotina dessa produção em Cuieiras, em muito se assemelha àquela ainda praticada em regiões do Rio Grande do Norte, visto anteriormente, ou seja, dava-se de forma extremamente artesanal. As rochas calcárias eram extraídas manualmente, com o auxílio de simples ferramentas, como marretas e picaretas, ou com o uso de explosivos artesanais, sendo em seguida transportadas para serem, também manualmente, fragmentadas até atingirem as dimensões aceitáveis para a queima. O processo de calcinação se dava de forma descontínua, por fornada, tendo como combustível a madeira. Para a calcinação, as rochas eram arrumadas manualmente no forno, 227

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de forma a garantir tanto a queima de todas as pedras como a temperatura necessária. Cada fornada ocorria de forma ininterrupta, por uma quantidade de dias que dependia da capacidade e da qualidade do forno, sendo a de duração de três dias a de maior ocorrência. Durante esses dias e noites, os operários deviam garantir a permanência dos fornos na temperatura ideal, através do contínuo abastecimento de lenhas na boca dos mesmos. Dentre o universo de atividades da fabricação da cal, desempenhadas no próprio local de produção, existiam aquelas, como as administrativas, destinadas a pessoas que detinham certo nível de escolaridade, geralmente pessoas de confiança dos donos da empresa contratante, cujos ocupantes desempenhavam as suas atribuições nos barracões construídos nas proximidades da área de produção, pedreiras e fornos, e aquelas de apoio administrativo, como a dos ficheiros, que ficavam no controle da produção, essas ocupadas por moradores de Cuieiras que detivessem as condições para tal. Nas atividades mais braçais, encontravam-se funções como a de quebrador de pedra, cortador de lenha, carregador, forneiro, dentre outras. Os forneiros tomavam conta da operação dos fornos, da arrumação das pedras no seu interior, da manutenção da temperatura durante o processo de queima, garantindo o constante abastecimento de madeira, além de outras atividades. Mas a função de maior participação, que envolvia um grande número de pessoas, era a de transportador ou carregador. Os ocupantes dessas funções, durante o sistema escravista, eram os cativos e, nas primeiras décadas da República, eram integrantes da população pobre do lugar, em sua grande maioria afrodescendentes. Como carregadores chegavam a trabalhar famílias inteiras, mulheres e homens, inclusive crianças, meninos e meninas, já desde os dez anos de idade. Ora transportavam pedras, inclusive de grandes dimensões, ora transportavam lenha, ou ainda balaio, feito de cipó, cheio de pequenas pedras, barro ou areia, sempre com o uso da cabeça. Havia ajudantes que colocavam pedras ou balaios na cabeça de crianças e mulheres. No inverno, era comum se pre228

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senciar uma fila de crianças, mulheres, e até pessoas já com certa idade, carregando balaio cheio de areia na cabeça para jogar ao longo do caminho por onde iam passar carregando as pedras, já que no período chuvoso esses caminhos ficavam bastante escorregadios. Quando carregavam barro, que era retirado de sobre as pedras, no final do dia de trabalho, dirigiam-se até a maré para lavarem os seus respectivos balaios e devolverem para serem utilizados no dia seguinte. Diversas vezes faziam serão carregando lenha para a manutenção do fogo dos fornos que permaneciam acesos por várias noites. Esses carregadores recebiam por produção, que era medida por viagens realizadas, cada viagem dava direito a uma ficha de flandres que era distribuída por um ficheiro quando era finalizada a viagem. Eram necessárias vinte fichas de flandres para ter direito a uma tara de cromo, que correspondia a um dia de trabalho. Quando havia a necessidade de percorrer caminhos mais longos ou o material a ser transportado era mais pesado, passava-se o dia inteiro carregando peso, mas dificilmente se conseguia realizar as viagens necessárias para ter direito ao dia de trabalho. Essa limitação era muito comum entre as crianças, que em qualquer grau de dificuldade, dificilmente completavam as vinte viagens. Nesses casos, era necessário que as outras pessoas da família ou amigos ultrapassassem o limite de vinte viagens para repassarem fichas para essas crianças poderem completar os seus dias de trabalho. No final da semana, esses operários trocavam as taras acumuladas pelo valor correspondente em dinheiro. Na verdade, essa troca não deveria ocorrer com tanta frequência, já que na maioria das vezes o duro trabalho da semana não era o suficiente para cobrir o valor das pequenas compras que eram por eles realizadas ao longo da semana para adquirir, sobretudo, produtos alimentícios que eles não conseguiam obter através da prática da pesca ou da lavoura, como, por exemplo, um pedaço de salsicha e pequenas quantidades de café e açúcar, vendidos a granel na mercearia instalada no barracão de propriedade da própria empresa cal229

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cária, localizado nas proximidades das pedreiras. Essa mercearia de propriedade da empresa calcária, como a Cunha & Cia., atendia exclusivamente os trabalhadores da produção de cal, que ali comprovam para pagar com o apurado do final de cada semana. Dessa forma, essas pessoas estavam sempre trabalhando em troca de alimentos, e, como se não bastasse, ainda se encontravam quase sempre em débito, ou seja, sempre devendo trabalho para a empresa que explorava a produção de cal em Cuieiras. Para essas pessoas virem a adquirir algo além dos produtos que eram trocados por trabalho na dita mercearia, fazendo uso do dinheiro referente ao trabalho nessas pedreiras, por mais simples que fosse a aquisição pretendida, como, por exemplo, uma peça de roupa, teriam que passar um bom tempo trabalhando sem fazer uso dos produtos disponibilizados na mercearia de propriedade da empresa calcária. Coisa difícil de ocorrer, uma vez que essas pessoas se encontravam reféns desse sistema de trocas. Esse cenário ficava ainda mais difícil para esses operários, uma vez que os mesmos, em sua quase totalidade, eram analfabetos, situação que os deixavam vulneráveis nessa relação. Não havia qualquer tipo de segurança trabalhista, eles sequer sabiam o nome da empresa, no máximo a conheciam como Companhia Balaio, devido à imensa quantidade de balaios confeccionados com cipó, que circulava sobre a cabeça dos trabalhadores como um formigueiro nas pedreiras. Foram muitas famílias de antigos moradores de Cuieiras que atuaram nessas atividades, como a da já citada Dona Judite da Paixão, da qual trabalharam ela, a mãe, os avós e, provavelmente, parentes mais recuados, dessa feita na condição de cativos. Como já comentado, até o início da década de 1930, leis trabalhistas eram praticamente inexistentes neste país, a mais valiosa delas havia sido a Lei n. 3.353, de 13 de maio de 1888, a tal Lei Áurea, que deu fim ao sistema escravocrata brasileiro. Só a partir da Constituição de 1934, viria a ocorrer uma legislação nacional tratando de questões trabalhistas como jornada de trabalho, salário mínimo e proteção aos menores de catorze anos. 230

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Atualmente, com toda a legislação e sistema de fiscalização existentes, ocorre todo tipo de abuso no trato com a mão de obra, o que não devia ocorrer em um momento da história onde o grande avanço no campo trabalhista havia sido a desautorização, após três séculos de permissividade, de se fazer uso da mão de obra escrava, e ainda mais em um local como Cuieiras, que em pleno século XXI ainda é visto como pouco visitado. Nesse cenário, para ajudar na renda familiar, havia a participação da mão de obra de todos, homens, mulheres e crianças. Famílias inteiras se integravam à equipe de trabalhadores. Durante essas décadas de grande produção de cal, o Sítio Cuieiras se transformou em um verdadeiro campo de concentração de mão de obra semiescrava, que para a população mais pobre era uma valiosa alternativa de sobrevivência. Esses mesmos trabalhadores também se revezavam na produção de cal da Fazenda Zumby, do Sítio Olaria e do Engenho Gongaçary. Este último manteve a sua produção de cal até o início da década de 1940. Outra atividade praticada na povoação, impulsionada pela produção de cal, foi o fabrico artesanal de pólvora. Havia várias pessoas que atuavam produzindo, de forma caseira e artesanal, pólvora que era adquirida para a confecção dos explosivos utilizados nos desmontes das rochas calcárias. Um desses fabricantes foi o Senhor Manoel Bento. No processo de fabricação, o carvão vegetal, que entrava na composição juntamente com salitre e enxofre, era produzido a partir da madeira do pé de embaúba, que era bastante abundante na mata do lugar e que ainda ocorre na localidade. Essa produção se processava ao ar livre, fora das casas. Alguns também chegavam a fabricar fogos.

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Cultivo de coco

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A cultura do coco é uma prática agrícola tropical que no Brasil tem maior concentração na Região Nordeste, sobretudo no litoral. O coco chegou ao Brasil através dos portugueses, trazidos das Ilhas de Cabo Verde, na África, para a Bahia em 155314. Essa cultura guarda significativo valor, tanto econômico quanto social. Ela, além de gerar trabalho e renda, possibilita a associação com outras atividades agrícolas, como, por exemplo, a agricultura de subsistência, situação que sempre ocorreu nos sítios de Cuieiras, sendo essa segunda atividade praticada pelos posseiros. A área de Cuieiras, até as primeiras décadas do século XX, era ocupada por Mata Atlântica, que ainda ocorre em uma grande área, plantio de cana-de-açúcar e coqueiral. Sítios como Muximbata, Governador e partes do Cuieiras eram utilizados para o cultivo de coco15. Até as primeiras décadas do século XX, a cana-de-açúcar, produzida pelo Engenho Gongaçary, e o coco produzido em diversas propriedades eram os dois principais produtos agrícolas da localidade. Com o fim do cultivo da cana-de-açúcar no início da década de 1940, o coco passou a ser o principal produto agrícola da região. Nas primeiras décadas do século XX, esse fruto constava entre os principais produtos de exportação de Igarassu16. Embora sabendo que as áreas de coqueirais tomaram espaços antes ocupados pela bela Mata Atlântica, observando-se hoje, mesmo com a grande quantidade de vazios deixados pelos coqueiros que já morreram sem que houvesse um replantio e outros que só possuem os troncos, percebe-se o quanto a participação dos altos coqueiros, muitos deles com mais de meio século de vida, cujos troncos atingem tal altura que se vergam e dançam ao ritmo do vento, bordando e dando movimento ao montanhoso relevo, contribuem para a poesia e a singular beleza da paisagem do lugar. E imagina-se o quanto era agradável a imagem de tempos passados. A colheita era, e, conforme observado em campo, ainda continua sendo, realizada a cada três meses e conduzida por sítio de coco, onde os frutos eram removidos para a proximidade dos galpões de armazenamento, para serem descascados e estocados, aguardando a comercialização. 233

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Esses galpões apresentavam uma estrutura em alvenaria vazada, para garantir a ventilação em seu ambiente interior e assim evitar perdas de frutos por apodrecimento. No momento da colheita, também se promovia a limpeza daqueles coqueiros que se fizessem necessários, removendo-se as folhas, ou palhas, e os cangaços. Parte dessas palhas, depois de trabalhadas por figuras como Dona Rosalina da Conceição, era utilizada pelos moradores mais pobres para promoverem manutenção no telhado de suas casas, construídas em pau a pique com cobertas em palhas de coqueiros. Esse tipo de coberta já não mais ocorre em Cuieiras. Parte dessas palhas também era estocada para ser utilizada, depois de seca, no beneficiamento da ostra, através da queima. As atividades mais braçais próprias do cultivo de coco, empreendido pelas famílias mais abastadas, eram realizadas, durante o sistema escravista, por mão de obra cativa, transformando-se, após a abolição, em uma oportunidade de trabalho remunerado, sobretudo, para os homens da comunidade e vizinhanças. Dentre as funções desempenhadas, encontram-se a de trepador de coqueiro ou tirador de coco, a de descascador de coco e a de transportador de coco. A de trepador de coqueiro, sempre ocupada por homens, caracteriza-se como uma função penosa e de maior risco nessa cultura agrícola, uma vez que assume a tarefa de subir até a copa dos coqueiros para promover a retirada dos frutos. No desempenho dessa atividade, o trepador faz uso de foice, faca e de um instrumento denominado de peia. Esta era, e ainda continua sendo, utilizada para facilitar a subida nos troncos dessas palmeiras, que chegam a ultrapassar trinta metros de altura, e com a ação dos ventos sofrem excessivos balaços. A peia, que pode ser confeccionada da própria palha do coqueiro, de outras fibras ou de couro de boi, e mais recentemente em aço (Fig. 70), representa o instrumento indispensável desse trabalhador. Quando em uso, fica presa na coxa esquerda e no pé direito do tirador e é enlaçada ao tronco do coqueiro, facilitando a subida. Para quem observa, dá a impressão de o trepador estar subindo em degraus. A faca e a foice são utilizadas para cortar os pedúnculos dos cachos de coco, as palhas, e promover a limpeza do coqueiro. 234

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Esse trabalhador rural, em geral, recebe por produção, pela quantidade de coqueiros trepados. Dessa forma, trata-se de profissionais que estão sempre itinerantes, mambembes, em busca de oportunidades de trabalho. São de lugares diferentes e atuam em toda a região. Um dos trepadores das últimas gerações mais tradicionais de Cuieiras, que participava de todas as colheitas da localidade, foi o Senhor Maurício José da Silva, popularmente conhecido como Moura (Figura 71), nascido na povoação, em 1º de janeiro de 1934, filho de Dona Joventina Maria da Silva, neto, por parte de mãe, do Senhor Belarmino da Silva e da Senhora Teodora Maria da Silva. Esse trabalhador desde muito jovem já atuava como tirador de coco, viveu em Cuieiras até os cinquenta e nove anos, quando faleceu em 15 de fevereiro de 1993, vítima de atropelamento. Sua esposa, Dona Maria das Dores da Silva, popularmente conhecida como Dodô, nascida em Goiana, em 5 de fevereiro de 1943, ainda possui residência em Cuieiras, em companhia de dois dos seus cinco filhos, no mesmo local em que moravam desde quando foi viver com Moura17.

Figura 70 – Peia confeccionada com aço, última a ser usada por Moura. Setembro de 2015.

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Figura 71 – Casal Maurício José da Silva (Moura), por volta dos 55 anos, e Maria das Dores da Silva (Dodô), aos 78 anos. Fonte: acervo de Elizabete Brandão de Santana e o autor, junho de 2015.

O descascador, função também majoritariamente desempenhada por homens, assume a tarefa de descascar os frutos, processo feito manualmente, com uso de uma foice, de fruto em fruto. Esse trabalhador se acomoda, geralmente próximo aos galpões de armazenamento, ao lado de uma pilha de cocos secos com cascas, e no final do trabalho surgem duas novas pilhas, uma de cocos descascados e outra de cascas de coco. O Senhor Arlindo Calixto de Oliveira, que se encontrava aposentado e morando como posseiro em um dos sítios de Cuieiras, é um dentre os inúmeros homens, crias do povoado, que durante boa parte de suas vidas atuaram como descascadores de coco nas colheitas da localidade. Nascido em 5 de outubro de 1943, filho de José Calixto de Oliveira e de Maria da Conceição de Oliveira, sendo avós paternos o Senhor José Calixto de Oliveira e a Senhora Cosma Maria, o Senhor Arlindo é integrante de uma das mais antigas e tradicionais famílias de simples posseiros moradores dos sítios desse lugar. O trabalho duro, assim como ocorria com as 236

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demais famílias mais pobres da povoação, foi uma forte marca na trajetória dos Calixtos. O pai de Arlindo, seu avô e certamente parentes mais recuados foram trabalhadores braçais nas pedreiras e fornos de cal de Cuieiras. Arlindo também chegou a trabalhar carregando pedra para o último forno de cal da localidade, que pertenceu ao Senhor Manoel Bento. Nas colheitas de coco, trabalhou tanto para os proprietários de sítios de Cuieiras, como a Senhora Ana Caldas, como nas terras do Engenho Gongaçary, nesta, como funcionário da Fábrica Poty. Durante essa atividade, além de promover o descasque dos cocos, ainda realizava o transporte dos mesmos, fazendo uso de um jumento. Nesse universo, figura o popular “Seu Chagas”, que, apesar de sofrer de hidrocele, foi um dos mais tradicionais e rápidos descascadores de coco que se tem notícia na história da povoação. Ele também trabalhou abrindo palha. A bem da verdade, abrir palha, assim como outras atividades de menor esforço, era uma constante entre os que já se encontravam com idade avançada, já que não mais podiam atuar em serviços pesados como os das pedreiras e fornos de cal e a pesca. Já o carregador de coco é a pessoa responsável pela coleta dos frutos que ficam espalhados pelo chão nos locais em que já haja sido finalizado o trabalho do trepador. Esses cocos eram juntados e colocados nos caçuás que ficavam montados em cavalos, burros, bestas e jumentos. Os animais, depois de carregados, eram conduzidos, por vezes ainda recebendo o peso do trabalhador, até o local de descasque dos cocos. Dentre esses carregadores, figurou o Senhor Cosmo Leocadio da Silva, que foi casado com a pescadora Damiana. Ele, em 2016, encontrava-se morando em Cuieiras, aposentado e vivendo na companhia da Senhora Joana Maria da Conceição, filha de “Zé Marçal”. Outro morador que desempenhou as atividades de carregador foi Severino Bezerra de Paula, o popular Biu de Damião, como é conhecido no povoado, onde nasceu em 4 de outubro de 1928, filho de Damião Bezerra de Paula e de Maria Gomes da Silva. Biu, durante a realização desse trabalho, encontrava-se aos oitenta e sete anos de idade e residindo em um sítio de sua propriedade em Inhamã. Os animais com os caçuás carregados, a relação entre eles e o carregador, o trajeto por eles percorridos, compunham uma imagem marcante dos períodos áureos das coletas de coco nessa localidade. 237

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Figura 72 – Severino Bezerra de Paula, Cosmo Leocadio da Silva e Arlindo Calixto de Oliveira. Fontes: acervo de Elizabete Brandão de Santana e documentação pessoal.

No universo do imaginário dessas funções, assim como ocorre entre os pescadores, existem histórias que ora são lendas, ora de fato ocorreram, algumas de maestria no desempenho das atividades, outras sobrenaturais e que oferecem a esse universo, apesar da dureza e do sacrifício dessas pessoas, um tom rústico e poético, uma simplória beleza. Dentre as histórias reais ocorridas em Cuieiras, consta a do cuscuz que gemia. Durante os trabalhos da colheita de cocos do Senhor Joca Caldas, um certo trepador, não se agradando das ordens do patrão, abandonou os trabalhos e praguejou contra a sua própria vida, dizendo que, caso um dia voltasse a subir naqueles pés de coco, que viesse a cair e morrer. Vários anos após esse episódio, chegou um pedido a Seu Joca para que esse dito cidadão, que passava por momentos de grandes dificuldades financeiras, fosse incorporado à equipe de tiradores de coco de sua colheita. Seu Joca, embora tenha relembrado o fato, aceitou o pedido. Ao subir no primeiro pé de coco, um dos mais baixos daquele sítio, o presságio viria a ser concretizado, o trabalhador faleceria ao cair do referido coqueiro. Depois desse fato, todas as vezes que a viúva desse cidadão preparava cuscuz fazendo uso de coco retirado do coqueiro do acidente, ao derramar o leite de coco sobre o cuscuz, o mesmo emitia um som, como um gemido. Várias pessoas do lugar teriam ido à casa da viúva, que ficava na Rua de Baixo, para presenciar e teriam comprovado esse mistério. 238

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Atividades comerciais

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Essa atividade era praticada tanto através das tradicionais vendas, geralmente minúsculos pontos, ocupando uma janela das pequenas casas espalhadas pelos sítios, visando a atender necessidades momentâneas dos moradores, quanto através das mercearias, localizadas no arruado, que tinham a função de atender às necessidades básicas dos moradores, sem que precisassem se deslocar para outras localidades, como a sede de Igarassu. Algumas dessas vendas e mercearias se transformavam em ponto de encontro dos admiradores da cachaça, que ali paravam para prosear e relaxar para o dia seguinte de labuta. Os principais pontos se concentravam na Rua de Baixo. Certamente essa prática passou a existir desde o momento em que viria a ocorrer uma significativa quantidade de moradores nessa localidade. Em 1889, o Capitão Rosalino do Espirito Santo figurava como morador da Muximbata, onde atuava como negociante18. O comerciante Senhor Hygino Leitão da Costa Machado, que em 1893 era proprietário da firma de ferragem Leitão & Costa, situada no Centro do Recife, inaugurou, em fevereiro de 1907, um estabelecimento comercial em Cuieiras19. Dentre as diversas iniciativas de que se tem conhecimento de terem ocorrido na comunidade, o ponto comercial de maior relevância trata-se do estabelecimento do Senhor João Baptista de Caldas Brandão (Figura 73), o popular Joca Caldas, que funcionou entre o final da década de 1910 e a de 1930, com sede em sua residência, casa de vivenda localizada na Rua de Cima, em frente à Capela de São João Batista20. Além de atender ao mercado do povoado, que era bastante habitado nessa época, Seu Joca fornecia mercadorias das mais diversas, em grosso, para Nova Cruz, Maria Farinha e outras localidades das vizinhanças. Saíam canoas e barcaças cheias de mercadorias para pontos comerciais desses lugares. Ainda ocorria, como parte de suas atividades produtivas e comerciais, cultivo de coco; salina; fornos de cal; viveiro de peixe; e um pequeno estaleiro, onde se fabricava barcaças e batelões. Dentre essas embarcações, teria sido fabricada a barcaça 240

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“Cuieira”, que viria a ser adquirida pela empresa Cunha & Cia, e os batelões São José, São João e São Rodrigues. A produção de sal, assim como ocorreu com a produção de cal, durante longo período se apresentava como uma das principais atividades econômicas da região, sendo o sal um dos principais produtos de exportação de Igarassu21. Atrás dessa casa de vivenda, em um porão, funcionava o depósito da mercearia. Nesse mesmo ambiente, existia um imenso barril de madeira, com torneira, que, para a felicidade dos adeptos, sempre se encontrava cheio de cachaça. Certa vez, depois de muito procurá-lo, Cambraia teria sido encontrado deitado no dito porão, com a torneira do tal barril jorrando cachaça em seu rosto. Já havia consumido tanta cachaça que o cidadão nem mais percebia o que estava ocorrendo. Cambraia era uma das várias pessoas que viviam na casa e na venda de seu Joca Caldas prestando serviços avulsos em troca de uma melhor sobrevivência. Bebia tanta cachaça que os seus olhos permaneciam vermelhos o tempo todo. Ele, sua mulher, Dona Maria de Cambraia, que também fazia grande uso da cachaça como forma de suportar a dureza da vida, e seus filhos, Alzira de Cambraia, José de Cambraia, Severino de Cambraia e Maria de Cambraia, assim como a grande maioria da população mais pobre de Cuieiras, faziam grande uso da maré como forma de sobrevivência e carregavam um forte fenótipo afrodescendente; eram negros. O caixeiro do estabelecimento, conhecido como Zé Caixeiro, cuidava das compras e transporte de mercadorias para a mercearia, tendo o uso de cavalos como uma das formas desse transporte, quando saíam de 20 a 30 desses animais do povoado e se dirigiam ao Recife. Ao comando do Zé Caixeiro, os cavalos ficavam em Santo Amaro, à beira do Rio Capibaribe, nas proximidades do Cemitério dos Ingleses, enquanto ele ia negociar e despachar as cargas, como charque, arroz, milho e feijão, nos armazéns localizados na hoje inexistente Rua das Florentinas, no Centro do Recife. Depois de despachar as mercadorias, voltavam para pegar os cavalos e se dirigirem aos armazéns para carregá-los, retornando para Cuieiras logo em seguida. 241

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Figura 73 – João Baptista de Caldas Brandão e a casa onde residia e funcionava a sua mercearia. Fonte: acervo da família Caldas Brandão.

Na virada da noite da sexta-feira, dia 4, para o sábado, dia 5 de janeiro de 1918, esse estabelecimento comercial veio a ser alvo de roubo, quando ladrões, por meio de arrombamento, entraram nas instalações do referido estabelecimento e promoveram um saque do dinheiro que eles conseguiram ter acesso. Nesse ato, foi roubada uma quantia de 255$000 (duzentos e cinquenta e cinco réis), sendo 115$000 em prata e 140$000 em níquel. Ao tomar conhecimento, a polícia de Igarassu compareceu ao local, onde, com a presença do delegado, foi dado início às necessárias diligências22. Esse acontecimento deve ter provocado um grande susto no Senhor Joca Caldas, já que o seu estabelecimento tinha sede em sua residência e nesse momento ele e sua esposa, Anna Caldas, tinham dois filhos ainda bastante crianças, uma menina com dois anos, Maria Rosa, e um bebê que fazia uma semana que havia completado um ano, José João. Além do fato de nessa época ainda não existir energia elétrica, a iluminação das casas se dava com o uso de candeeiros e lampiões. Na década de 1940, havia no povoado dois barbeiros e um sapateiro. Os barbeiros eram o Senhor Edwirges Alves de Santana, marido de Dona Belinha, cuja barbearia ficava na Rua 242

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de Cima, e que funcionou até a década de 1970; e o Senhor Manoel Alves, na Rua de Baixo. Já o sapateiro trata-se do Senhor Pedro Salomão do Ó (Figura 74), nascido em Cuieiras em 15 de setembro de 1923, filho de João Esperidião do Ó e de Dona Josefa Maria da Conceição do Ó23, integrantes de antigas famílias de moradores do vilarejo. Além de Pedro, tiveram mais sete filhos, quatro homens e três mulheres. Trata-se de representantes de uma das tradicionais famílias que viriam a deixar Cuieiras em busca de novas oportunidades, migração que iria aumentar à medida que a produção de cal fosse definhando. O pai de Pedro, assim como a maioria dos moradores dessa localidade à época, teve como a sua principal forma de sobrevivência a atuação no universo da produção de cal. Moravam na Rua de Cima, onde o Senhor João do Ó possuía duas pequenas propriedades ao lado da casa do casal Joca e Anna Caldas24. Pedro, ainda criança, por volta dos três ou quatro anos, partiria junto com os seus pais e irmãos para viver em Olinda, na casa de uma irmã de seu pai que já havia trocado Cuieiras por essa cidade. Nesse momento João do Ó contava com cerca de quarenta anos, e, provavelmente, como era comum de ocorrer, trabalhava nas pedreiras e nos fornos de cal desde muito novo, talvez ainda criança, sendo assim, decidiu aventurar novos horizontes. No trajeto de mudança, que foi realizado a pé, Pedro e a irmã caçula, Ivanete Maria do Ó, nascida em Cuieiras, em 10 de outubro de 192625, fizeram o percurso sobre um cavalo, como bagagem, dentro de um caçuá, cada um ocupando um dos lados da cangalha. Ao longo dos anos em que João do Ó esteve morando em Olinda, não perdeu o contato com Cuieiras, pelo menos uma vez ao ano, durante as quaresmas, dirigia-se a esse povoado para garantir, junto aos membros de sua família que ali permaneceram, o pescado do período religioso. No início da década de 1940, após a inauguração da Fábrica Poty, Pedro, que enquanto criança já experimentava as exigências do trabalho, quando acompanhava uma de suas tias na tarefa de vender bolos no Engenho Gongaçary, viria a montar duas oficinas da profissão 243

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que havia aprendido, de sapateiro, uma na dita fábrica e outra em Cuieiras, na Rua de Cima, na casa de vivenda do casal Joca e Anna Caldas, onde havia funcionado a citada mercearia. Todos os dias, de segunda a sábado, percorria o trajeto, de ida e volta, de Olinda para a Poty e Cuieiras. A travessia de canoa e vários retornos a pé da Fábrica Poty para Olinda foram uma constante durante esse período. Pedro permaneceria com essa atividade até 1946, quando entra para o Exército Brasileiro. Viria a casar-se, em 31 de dezembro de 1949, com a Senhora Maria da Conceição da Silva do Ó, com quem veio a ter onze filhos. Permaneceram como moradores de Olinda. Durante a realização deste estudo, encontravam-se morando no bairro de Guadalupe, na referida cidade, ele com 93 anos e ela com 89.

Figura 74 - Dona Josefa Maria da Conceição do Ó, mãe de Pedro; casal Pedro Salomão do Ó e Dona Maria da Conceição da Silva do Ó. Fonte: acervo da família do Ó e o autor, março de 2016.

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Na mesma década de 1940, na Rua de Baixo, funcionavam quatro mercearias, a de Seu Abílio; de Seu Silva, tendo como proprietário o já apresentado Severino Rufino de Oliveira; a de Seu Damião, irmão de Severino Rufino, que já havia sido herdada do seu pai, Senhor José Rufino de Oliveira, localizada no mesmo lote onde viria a ser construída a Escola Pública, Cadeira Número 5, denominada de Pedro de Albuquerque; e a do primo de Dona Anna Caldas, Senhor Antonio Bezerra de Paula, conhecida como Mercearia de Antonio “Eleoterio”. Nessas mercearias, negociava-se uma grande variedade de produtos, chegando a vender até tecido, como era o caso de Antonio “Eleoterio”. A população era de um número tal que no final das tardes, por volta das cinco horas, essas mercearias se encontravam lotadas, os clientes levavam um bom tempo para serem atendidos, era a hora da procura por gêneros alimentícios para o café da noite e querosene, ou outro produto equivalente, para alimentar os lampiões e candeeiros das inúmeras casas. Além desses pontos comerciais da Rua de Baixo, também existia, como já revelado, uma mercearia da Cunha & Cia., que vendia, exclusivamente, para os trabalhadores dessa empresa que atuavam na produção de cal, sobretudo a fiado. Na Rua de Cima, a Venda de Manoel Bento, que funcionava em uma edificação vizinha à sua casa, ainda chegou a ser contemporânea das mercearias da Rua de Baixo. Também nesse período, existiu uma padaria, cujo proprietário era o Senhor Manoel Pinheiro, genro do falecido Joca Caldas. A padaria funcionava na casa onde morou o Senhor Julio Caldas, no Sítio Muximbata, onde também se encontrava uma casa de farinha. O aroma dos pães assando no forno enchia de vontade aqueles que passavam pela estrada que seguia para a Micaela e a Barca. Os mais abastados saboreavam o pão novo, do dia, já os mais pobres se contentavam em comer o do dia anterior, que custava bem menos. Ainda na Rua de Baixo, um pouco mais recente, funcionou a venda de Seu Ademar, cujo proprietário, Ademar Ayres Pessoa, nascido em 6 de janeiro de 1918, veio a desposar-se, em 245

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18 de agosto de 1941, com Dona Maria Bezerra de Paula, nascida em outubro de 1923, filha de Dona Cecilia Bezerra de Paula e do comerciante Antonio Bezerra de Paula, o popular Antonio “Eleoterio”, de quem era filha adotiva. Quando do casamento, Ademar, natural de Itapissuma, que já trabalhava como auxiliar do comércio, passou a trabalhar em Cuieiras na mercearia do seu sogro. Com o passar do tempo, Antonio “Eleoterio”, já prestes a encerrar o seu negócio, ajudou a montar a venda que viria a ser de Ademar, seu genro26.

Figura 75 - Imagens da esquerda para a direita: Antonio Bezerra de Paula, Manoel Rodrigues Pinheiro, Ademar Ayres Pessoa e Edwirges Alves de Santana, em frente à sua barbearia. Fontes: acervos de José Silvério de Caldas Brandão, Elizabete Brandão de Santana e de Sônia Maria Brandão.

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Agricultura de subsistência

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Outra atividade que, junto com a pesca artesanal, vem sendo praticada em Cuieiras, sem dúvida, desde a chegada dos primeiros moradores e ao longo do tempo pela maioria da população mais pobre, é a agricultura de subsistência. A longevidade dessa prática, ao longo da existência do homem, está associada à transição da forma de vida de grupos humanos pré-históricos, quando deixam de ser nômades para assumirem o sedentarismo. Este novo modo de vida, possibilitado pelo conhecimento da agricultura associada com o fabrico da cerâmica, utilizada para armazenar alimentos e água, vai caracterizar o período denominado de neolítico. Para ficarmos no Nordeste do Brasil, estudos arqueológicos apontam que no Vale do Rio São Francisco a ocorrência de agrupamento de aldeias de grupos de agricultores-ceramistas, que cultivavam pequenas roças de subsistência, pode ter ocorrido há cerca de três mil anos27. Os moradores do povoado, que em sua maioria viviam em pequenos lotes de terra, no primeiro momento no interior de áreas de propriedade incerta, e posteriormente no interior dos sítios de propriedade privada, aproveitando a disponibilidade de água, usavam os pequenos roçados e os espaços entre os pés de coco para o cultivo de produtos agrícolas, como macaxeira, feijão, milho, inhame, batata e mandioca, inclusive havia a ocorrência de casas de farinha na localidade. Sendo, durante os verões, bastante utilizadas as pequenas áreas de várzeas localizadas às margens de riachos e córregos. Essa produção era essencialmente para o consumo interno das famílias produtoras, havendo alguns casos em que os excessos chegavam a ser comercializados, trocados, ou mesmo compartilhados com outras famílias. Determinados produtos agrícolas, após beneficiamento, ofereciam a esses moradores uma série de possibilidades de consumo, como era o caso da mandioca, por exemplo, cuja farinha servia tanto para preparar deliciosas receitas, a exemplo da tapioca e do bolo, como para ser adicionada em diversos pratos da culinária local, sobretudo no preparo do tradicional pirão, que acompanhava o variado cardápio de pratos elaborados com os pescados advindos da pró248

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pria localidade, como ostra, sururu e peixe. Essa composição da culinária ratifica o quanto eram valorosas as atividades da agricultura e da pesca para a sobrevivência desse povo. O cultivo da mandioca já há algum tempo que praticamente não mais ocorre no universo da agricultura de subsistência de Cuieiras. A redução e o encerramento dessa prática agrícola estão diretamente associados ao gradual processo, ocorrido na segunda metade do século XX, de fechamento das casas de farinha dessa localidade, onde esses pequenos agricultores beneficiavam as suas produções de mandioca. O conjunto de atividades agrícolas, que era praticado, geralmente, por quase todos os integrantes das famílias mais pobres da povoação, e que se traduzia, juntamente com os pescados tirados da maré, na fonte de alimentação e de sobrevivência desse povo, já não vinha sendo mais praticado com tanta intensidade. A significativa redução da prática da agricultura de subsistência entre esses moradores, em grande medida, se deu a partir da instituição do benefício de assistência social, no valor de um salário mínimo, para as pessoas idosas, com idade mínima de sessenta e cinco anos, ou portadoras de deficiências físicas, em situação de pobreza, independentemente de contribuição à seguridade social, previsto na Constituição Brasileira de 1988 e regulamentado pela Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Desde então, as famílias desses idosos vêm substituindo a produção agrícola pela compra dos produtos antes por eles cultivados. Esse universo de atividades econômicas, em geral, não era excludente, uma mesma família sobrevivia da pesca e catação de moluscos, da agricultura de subsistência, bem como da prestação de serviços, seja nas pedreiras, seja nas colheitas de coco, ou ainda em serviços domésticos. A necessidade dessa variação e sobreposição de atividades decorria tanto da necessidade para garantir a sobrevivência, quanto da sazonalidade – a coleta de coco, por exemplo, só ocorria a cada três meses. 249

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Período da Fábrica Poty

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A partir da década de 1940, como já revelado, boa parte da população desse povoado, sobretudo, masculina, vai deixar as antigas atividades realizadas em regime informal, na própria localidade, para atuar, em postos de trabalho amparados por direitos trabalhistas, como salário mínimo e jornada máxima de trabalho, na indústria de cimento, na “Companhia de Cimento Portland Poty”, localizada em São José, do lado oposto do Rio Maria Farinha, “olhando” para Cuieiras. Foi absorvida uma quantidade significativa de homens como mão de obra dessa fábrica, sendo contratados tanto integrantes da população mais pobre como da mais abastada. Uma vez que dentre os mais pobres a maioria era composta de analfabetos, esses ocuparam cargos de atividades mais simples como o de vigia, sendo que a grande maioria assumiu cargos braçais, foram, por exemplo, exercer atividades nas pedreiras da Poty, ou seja, deixaram as pedreiras da produção de cal para trabalharem nas pedreiras da produção de cimento. Operários como o Senhor Cosmo Leocadio da Silva e o Senhor Severino Calixto de Oliveira, ambos integrantes de antigas famílias de posseiros que viviam nos sítios da localidade e que ainda permaneciam, como posseiros, morando em terras de sítios de Cuieiras, são dois exemplos dentre os inúmeros que foram exercer as atividades braçais nas pedreiras da Poty. Já os que detinham mais estudos, ocuparam atividades administrativas e técnicas, como foi o caso do Senhor José Silvério de Caldas Brandão, filho de comerciante e proprietário de terras na localidade, que exerceu as funções de Auxiliar de Escrita e Escriturário. Esse novo universo de oportunidades de trabalho, diferenciado em relação às demais atividades que vinham sendo realizadas pela comunidade, ora pela sua formalidade, ora pela localização em que era realizada, em uma indústria fora dos limites de Cuieiras, viria a se traduzir na principal fonte de renda de muitas famílias desse povoado, além de gerar um grupo social que passava a ocupar um diferenciado nível de status na comunidade. 252

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O efetivo de trabalhadores da Poty que morava em Cuieiras, viria a ser ampliado com a participação de vários operários dessa fábrica que residiam em lugares distantes da mesma, o que levava essas pessoas a permanecerem durante os dias de trabalho residindo nas simples casas de pau a pique da localidade. Embora a maioria das atividades desses trabalhadores ocorresse nas instalações e nos canteiros da fábrica, essa nova dinâmica iria incorporar novas rotinas em Cuieiras, como a estabelecida na maré, onde o permanente fluxo da travessia do rio com a utilização de canoas (Figura 76) passou a ser uma forma de transporte regular durante todo o tempo de funcionamento da indústria, atendendo tanto aos trabalhadores, quanto aos demais moradores e visitantes do povoado. O Porto de Cuieiras durante essa época passou a ter uma considerável frequência por parte dos trabalhadores que lá se encontravam para compartilharem o momento da travessia a bordo das canoas. O acesso para o interior dessas embarcações, dependendo do nível da maré, às vezes tinha que ser realizado com os pés descalços e com as calças arregaçadas, já que para se chegar ao ponto de embarque, onde a canoa se encontrava, havia a necessidade de os passageiros passarem por áreas com água ou mesmo lama. Depois dos passageiros acomodados, essas embarcações eram conduzidas a seu rumo, sendo primeiro removidas com o uso de varas, que os canoeiros apoiavam firmemente no solo do rio para impulsionar as canoas em direção ao destino. Já nas águas mais profundas, os canoeiros passavam a fazer uso de remos de madeira. Nesse porto, existia uma pequena barraca coberta de palha que servia de ponto de apoio dos canoeiros, tanto para guardar alguns apetrechos, como para descanso. Sendo assim, no momento em que os trabalhadores necessitassem da canoa, para atravessar o rio, quando do retorno para o povoado, quase sempre havia a necessidade de alertar o canoeiro, essa comunicação era realizada através de gritos que ecoavam pela maré. 253

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Essa fábrica levou o povoado a contar com um considerável número de moradores que regularmente disponibilizavam de recursos financeiros para serem consumidos na própria comunidade, caracterizando-se como uma contribuição para com a manutenção de várias atividades praticadas em Cuieiras, como os pontos comerciais, as pequenas vendas, a padaria e as mercearias, as ofertas de serviços, como o de barbeiro e sapateiro, as brincadeiras de final de semana, como as sambadas de coco, e a prática da prostituição. Mas esse reforço não foi o suficiente para manter a efervescência do final do século XIX e das primeiras décadas do XX, promovida pela grande produção de cal. O fim dessa produção levaria a um paulatino esvaziamento da povoação e, consequentemente, das referidas atividades, cenário que viria a ser agravado a partir de 1989, com a desativação da principal atuação da Poty, quando a mesma deixou de fabricar cimento, sendo essa produção transferida para uma nova fábrica do Grupo Votorantim, instalada no Município de Caaporã, no Estado da Paraíba28.

Figura 76 – Travasseia do Rio Maria Farinha, fazendo-se uso de canoa, entre Cuieiras e a Fábrica Poty, década de 1940. Fonte: acervo de José Silvério de Caldas Brandão.

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Considerações finais

Como visto, de uma forma geral, com base na documentação examinada e nas evidências elucidadas a partir da contextualização histórica, pode-se narrar a trajetória desse lugar em cinco períodos. O primeiro período refere-se ao de surgimento, que deve ter ocorrido em época não menos recuada do que a segunda metade do século XVII, quando, possivelmente, deu-se a chegada dos primeiros habitantes, cuja maioria, provavelmente, traduzia-se em libertos e fugitivos do sistema escravista, ocupando terras revestidas de matas e de propriedade desconhecida aos seus olhos, praticando a pesca artesanal e a agricultura de subsistência e morando em casas, “mocambos”, de pau a pique. A segunda fase corresponde ao período que se inicia com a instalação dos sítios e propriedades rurais coloniais produtivas nas terras onde viria a ser consolidada a Povoação de Cuieiras, mantidas com a utilização de mão de obra cativa. Tais propriedades figuram no século XVIII, com possibilidades de algumas já existirem em épocas mais remotas, estendendo-se até o final do sistema escravista, em 1888. É bem provável que nessa fase o cenário da vida daqueles populares que já se encontravam fazendo uso dessas terras e que nelas permaneceram tenha sido bastante penoso. A presença dos até então desconhecidos proprietários das terras impôs a esses, agora posseiros, uma menor autonomia, e, certamente, o preço da manutenção de suas moradias foi servir de mão de obra, em condições semiescravas, aos afaze255

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res do universo de atuação desses proprietários. É nesse período que Cuieiras passa a existir, vai ser fortalecida como um lugar. Fortalecimento gerado tanto pela relação entre a população “livre” e a cativa, como com o provável ajuntamento daqueles arregimentados nessas propriedades que por ventura viessem a alcançar a liberdade, bem como, pela visibilidade promovida pelas atividades comerciais praticadas por esses empreendimentos, que vão atuar tanto na agricultura, com destaque para o cultivo do coco e da cana-de-açúcar, quanto na produção de açúcar, cal, sal e artefatos cerâmicos. Essa visibilidade, revelando as qualidades do local, viria a provocar a atração de pessoas em busca de mais autonomia, tanto fugitivas quanto libertas, ou mesmo livres. É nesse momento que tem início o duradouro convívio de cerca de duzentos anos entre uma população, composta de ex-cativos, que vivia em “liberdade” buscando afirmar a sua autonomia e marca identitária, e outra, composta por pessoas, de semelhantes etnias, em situação de cativeiro. Ainda durante a segunda fase, a ocorrência de unidades residenciais, nos sítios coloniais, que faziam uso de mão de obra cativa, leva a crer que significativa parte desses cativos moravam em casas de pau a pique, “mocambos”, no interior das terras dessas famílias. Moradias que devem ter permanecido nos casos de alcançarem a liberdade, para tanto, prestando serviços semiescravos. Em alguns casos, esses cativos devem ter tido a concessão para explorarem pequenos roçados. Cultura que foi promovendo o surgimento de uma grande ocorrência de “mocambos” e posseiros. Decorrente dessa relação social, ainda existem no povoado diversos moradores, posseiros, com fenótipo afrodescendente, habitantes de “mocambos”. A terceira fase refere-se ao período que tem início, logo após a abolição do sistema escravista, já no período republicano, com a ampliação da exploração comercial das pedreiras e da produção de cal na localidade, a partir de 1891, com o estabelecimento, no Sítio Cuieiras, de frentes produtivas da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, vindo a ser substituí256

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da, em 1900, pela Cunha & Cia.. Esse período declina em 1942, quando ocorre a inauguração da “Companhia de Cimento Portland Poty”, de propriedade da S.A. Indústrias Votorantim, nas proximidades de Cuieiras. Esse trata-se, certamente, do período de maior concentração populacional do vilarejo. Com a consagração da “liberdade” e a possibilidade da venda da mão de obra, as atividades mais braçais da produção de cal vão se traduzir na principal fonte de renda da grande maioria das famílias mais pobres do lugar. Serão atraídas pessoas de outras localidades, de centros urbanos, para compor o contingente que atuava de forma semiescrava nas pedreiras calcárias do Sítio Cuieiras, aumentando significativamente a população local. Nesse período, fica fortalecida a prática da fé católica, com a fundação da capela em devoção a São João Batista, que ocorre entre o final do século XIX e o início do XX. O quarto período vai até o encerramento das principais atividades da Fábrica de Cimento Poty, que se deu em 1989. Nessa fase, fica para trás a dinâmica da produção de cal e das atividades semiescravas, dando lugar a um novo cenário cotidiano que aponta para a afirmação da dignidade de seu povo. Esse empreendimento atrai a mão de obra de Cuieiras, sobretudo, dos homens, que trocam a informalidade da labuta das pedreiras do povoado por postos de trabalho formalizados, amparados por direitos trabalhistas, como salário mínimo, jornada máxima de trabalho, repouso semanal remunerado, férias anuais, dentre outros, afirmados na Carta Magna Brasileira de 1946. Apesar de significativa parte da mão de obra da extinta produção de cal ter sido absorvida por esse grande empreendimento, é certo que a redução e o consequente fim da atividade de fabrico de cal, mais do que secular, “oportunidade” de trabalho disponibilizada no próprio lugarejo, viria a dar início ao primeiro processo de redução da população local, à primeira diáspora de Cuieiras. É nesse período que ocorre um dos mais importantes acontecimentos na localidade, a chegada da energia elétrica, em 1972, dando início a novos hábitos e práticas, contribuindo decisivamente com 257

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a mudança do cenário sociocultural do vilarejo. Com a transferência das atividades de produção do cimento da Fábrica Poty, em 1989, boa parte da mão de obra seguiu para uma nova fábrica na Paraíba, caracterizando-se no segundo momento de êxodo de vários moradores de Cuieiras, segunda diáspora. O quinto período trata-se do atual, iniciado em 1989 com a desativação das principais atividades da Fábrica Poty, com a consolidação do uso da energia elétrica e com a instalação do segundo processo de diáspora do povoado. Nessa fase, a popularização do uso da TV e a chegada da internet e das redes sociais vêm a provocar profundas mudanças no comportamento das pessoas desse lugar, sobretudo, dos mais jovens, que passam a assumir posturas muito parecidas com as das pessoas dos grandes centros urbanos. A comunidade também viria a ser vitimada pelos vários tipos de violências praticados nesses centros urbanos, o que levaria, no início da década de 2000, à terceira diáspora, com diversos integrantes de antigas famílias de moradores indo buscar outras localidades mais seguras para viverem. Nesse período, no final da década de 2000, começa a haver uma ampliação do vilarejo com a construção, em pequenos lotes, de casas em alvenaria, fazendo uso de lajes e estruturas de concreto, decorrente do loteamento de um pequeno sítio contíguo ao arruado, caracterizando-se como o diferencial entre as casas dos posseiros, que em sua maioria continuam sendo “mocambos” em pau a pique. Apesar das diversas ocorrências, próprias de um processo histórico, um grande número de saberes e fazeres associados a práticas inerentes a atividades econômicas, sobretudo, da pesca artesanal e da agricultura de subsistência; a práticas construtivas arquiteturais, como a técnica de pau a pique; bem como próprios de manifestações populares e religiosas, como procissões e as tradicionais catirinas; dentre outras formas de manifestações socioculturais, ainda compõem o híbrido universo identitário, de forte participação afrodescendente, desse 258

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povo. Cenário que, conjuntamente com o contemporâneo retrato social, expresso, sobretudo, na relação com a terra, e as características fenotípicas de grande parte dos moradores desse lugar, denuncia que parte significativa do contingente do Povoado de Cuieiras é composta por descendentes de africanos que nessas terras se agruparam e se estabeleceram em um permanente e doloroso processo de afirmação da autonomia e da dignidade. Espera-se que os dados levantados e contextualizados neste livro possam ser úteis, tanto para a continuidade e para o aprofundamento dos estudos sobre o Povoado de Cuieiras, quanto para temas derivados, que de alguma forma dialoguem com os fatos tratados nesta pesquisa.

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Notas de referências CONSIDERAÇÕES INICIAIS

7 Ver ALBUQUERQUE, Débora de Souza Leão; VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Financiamento e organização do tráfico de escravos para Pernambuco no século XIX. Revista EconomiA, 2013. p. 2.

Conforme anúncio de vendas de lotes de terrenos veiculado na edição n. 318, p. 41, do Diario de Pernambuco, de 24 de novembro de 1977.

1

Ver ALBUQUERQUE, Débora de Souza Leão; VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira. Financiamento e organização do tráfico de escravos para Pernambuco no século XIX. Revista EconomiA, 2013. p. 3. 8

Ver CPRH (Companhia Pernambucana do Meio Ambiente). Diagnóstico Socioambiental do Litoral Norte de Pernambuco. Recife: CPRH , 2003. p. 51. 2

Capítulo 1: MARCOS HISTÓRICOS

9 Ver ALBUQUERQUE, Débora de Souza Leão. O comércio transatlântico de escravos: condução da mão-de-obra negra para Pernambuco entre os séculos XVI e XIX. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA ECONÔMICA, 4, 2012, São Paulo. p.13-14.

Ver ANDRADE, Manuel Correia de. Economia pernambucana no século XVI. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2003. p. 21.

1

2 Ver ANDRADE, Manuel Correia de. Economia pernambucana no século XVI. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2003. p. 36; e COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 1, p. 172).

Distâncias levantadas conforme imagens de satélite do portal Google Maps.

10

Ver SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe – Município de Abreu e Lima, Pernambuco. Recife, 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006. p. 66. 11

Ver SOARES, André Luiz Gomes. Diagnóstico dos impactos antrópicos em Vila Velha: proposta para sua preservação e conservação. Recife, 2009. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2009. p. 46-55.

3

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 1, p. 208-209).

12

Constante no Livro de Batismos referente ao período de março de 1774 a janeiro de 1778, p. 5v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 4

13

14 Ver CARRÉRA, Mércia; SURYA, Leandro. A organização espacial de uma fazenda colonial beneditina: reflexo da estruturação social vigente. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out. 2008. Revista da UFRN. p. 8.

Ver MARTIN, Gabriela. O povoamento pré-histórico do Vale do São Francisco. Clio Arqueológica, Recife, n. 13, 1998. p. 9-41. 5

Ver SANTOS, Juracy Marques. Cultura material e etnicidade dos povos indígenas do São Francisco afetados por barragens: um estudo de caso dos Tuxás de Rodelas, Bahia, Brasil. Salvador. 2008. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2008. p. 58. 6

Distância levantada com base em imagens de satélite do portal Google Maps.

15

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 1, p. 404-405).

16

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Ver mapa de JOHANNES VINGBOONS, de 1665.

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de Jaguaribe – Município de Abreu e Lima, Pernambuco. Recife, 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006.

Ver KOSTER, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. Tradução de Luiz da Câmara Cascudo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. p. 283. 17

Ver PEREIRA, J. R. A rede da indústria do açúcar: a construção do território de Igarassu-PE. In: COLÓQUIO LATINOAMERICANO SOBRE RECUPERAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL, 6, 2012, São Paulo.

18

Ver SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe – Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006. 28

Distância levantada conforme imagens de satélite do portal Google Maps.

19

Conforme consta no Inventário de Bens da Senhora Brites Sebastiana de Morais, ex-proprietária do Engenho Inhamã, iniciado em 4 de dezembro de 1861, p. 5-7, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

20

Ver CARRÉRA, Mércia; SURYA, Leandro. A organização espacial de uma fazenda colonial beneditina: reflexo da estruturação social vigente. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out. 2008. Revista da UFRN; e SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe – Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006. 29

Conforme consta no Inventário dos Bens do Senhor Antonio Tristão de Serpa Brandão, iniciado em 24 de novembro de 1875, p. 43-47, o mesmo morreu enquanto morava e explorava esse engenho. Documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

21

22 Conforme Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco, publicado no Diário Oficial da União, de 27 de novembro de 1945, secção 1, p. 41.

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 1, p. 405).

30

As distâncias apresentadas nesse parágrafo foram levantadas com base em imagens de satélite do portal Google Maps.

23

31 Ver SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe – Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006.

Ver OLIVEIRA, Cláudia. Memórias perdidas da Sesmaria Jaguaribe. In: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH - ENCONTRO NORDESTINO DE HISTÓRIA, 5, 2004. Recife.

24

25

Conforme imagens de satélite do portal Google Maps.

Conforme publicações no Jornal de Recife, nas edições de 10 de junho de 1874, n. 130, p. 3, e de 4 de janeiro de 1878, n. 3, p. 3.

32

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 1, p. 404-406).

26

Conforme anúncio de sua venda veiculado na edição n. 286, p. 7, do Diario de Pernambuco, de 16 de dezembro de 1894, 33

Ver CARRÉRA, Mércia; SURYA, Leandro. A organização espacial de uma fazenda colonial beneditina: reflexo da estruturação social vigente. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out. 2008. Revista da UFRN; e SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento 27

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 10, p. 412-413).

34

Conforme publicação na edição n. 23, p. 2, do Correio Mercantil (BA), de 31 de janeiro de 1849. 35

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36

Conforme publicado na edição n. 154, p. 4, do jornal A União (PE), em 30 de agosto de 1849.

50

Conforme anúncio veiculado na edição n. 160, p. 6, do Diario de Pernambuco, de 16 de julho de 1886.

37 Distância medida conforme imagens de satélite do portal Google Maps.

51

Conforme ata de sua “sessão de instalação”, com a aprovação dos estatutos e indicação de sua primeira diretoria, publicada na edição n. 141, p. 2, do Diario de Pernambuco, em 24 de junho de 1891.

Ver CARRÉRA, Mércia. Reconstituição de uma fazenda colonial: estudo de caso da Fazenda de São Bento de Jaguaribe-PE. Recife, 2005. 38

Conforme publicado na edição n. 104, p. 8, do Diario de Pernambuco, de 10 de maio de 1891. 52

Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. O Quilombo do Catucá em Pernambuco. Caderno CRH, Salvador, v.4, n. 15, p. 5-28, jul./dez. 1991. Publicação da UFBA.

39

53 Ver LUBAMBO, Cátia Wanderley. O Bairro do Recife: entre o Corpo Santo e o Marco Zero. Recife: CEPE, 1991. p. 63-83.

Ver COSTA, F. A. Pereira da. Anais pernambucanos. Recife: FUNDARPE, 1983 (v. 9, p. 289).

Ver GUNN, Philip. A industrialização brasileira e a dimensão geográfica dos estabelecimentos industriais. Tradução de Rodrigo Nuñez Viegas; revisão de Telma de Barros Correia. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Recife, v. 7, n. 1, maio 2005. p. 17-53.

40

54

41 Ver OLIVEIRA, Rodrigo Ibson da Silva. Debaixo de pedra e cal: as relações socioeconômicas na Capitania de Itamaracá. 2014. Dissertação (Mestrado em História Social da Cultura Regional). Programa de Pós-Graduação em História; Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2014.

Conforme publicação veiculada na edição n. 104, p. 8, do Diario de Pernambuco, de 10 de maio de 1891.

55

Relatório publicado na edição n. 184, p. 3, do Jornal de Recife, em 17 de agosto de 1892.

56

Conforme anúncio veiculado na edição n. 50, p. 4, do jornal O Diario Novo (PE), em 5 de março de 1843.

42

43

Conforme Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 27 de maio de 1891, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

44

Conforme Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 19 de agosto de 1891, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

57

Conforme termos constantes no Autoamento de Arrematação, datado de 20 de julho de 1860, documento do acervo do Museu Históri de Igarassu.

58

Documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Ver edição n. 235, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 16 de outubro de 1891.

45

Conforme Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 7 de outubro de 1892, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 59

Conforme anúncio veiculado na edição n. 55, p. 6, do Diario de Pernambuco, de 7 de março de 1861. 46

Conforme Escritura Pública de Venda, datada de 23 de dezembro de 1892, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 60

Conforme anúncio veiculado na edição n. 84, p. 3, do Jornal de Recife, de 12 de abril de 1866.

47

Conforme publicado na edição n. 44, p. 5, do Diario de Pernambuco, de 25 de fevereiro 1869.

Conforme dados constantes de nota processual referente à liquidação da companhia, publicada na edição n. 284, p. 2, do Jornal de Recife, de 20 de dezembro de 1898.

48

61

49 Ver publicação veiculada na edição n. 248, p. 5, do Diario de Pernambuco, de 26 de outubro de 1884 .

62

Conforme publicado na edição n. 104, p. 8, do Diario de Pernambuco, de 10 de maio de 1891.

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63

Publicada na edição n. 48, p. 3, do Jornal de Recife, de 1º de março de 1893.

77

Publicado na edição n. 225, p. 2, do jornal A Provincia (PE), de 6 de outubro de 1905.

64 Conforme Contrato Particular de Compra e Venda, assinado em Cuieiras, em 1º de maio de 1865, entre Jeronimo Barreiro Rangel e esposa, Maria de Sant’Anna Rangel, e o Senhor Manoel Cavalcanti de Albuquerque Gadelha, documento sob a guarda da família Caldas Brandão.

78

Ver Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco, publicado na secção 1, p. 42, do Diário Oficial da União, de 27 de novembro de 1945.

Conforme anúncio comercial veiculado na edição n. 280, p. 6, do jornal A Provincia (PE), de 11 de outubro de 1920.

79

65 Conforme publicado na edição n. 252, p. 3, do jornal A Província (PE), de 10 de novembro de 1891.

Conforme anúncio veiculado na edição n. 275, p. 10, do Diario de Pernambuco, de 23 de novembro de 1947. 80

Conforme publicado na edição n. 161, p. 4, do jornal A Província (PE), de 23 de julho de 1891. 66

Conforme anúncio publicado na edição n. 51 p. 4, do Diario de Pernambuco, de 2 de março de 1860. 81

Conforme publicado na edição n. 250, p. 6, do Diario de Pernambuco, de 31 de outubro de 1895.

67

Conforme anúncio de repasse de arrendamento publicado na edição n. 53, p. 5, do Diario de Pernambuco, de 5 de março de 1860. 82

Conforme publicado na edição n. 495, p. 4, do jornal Folha do Norte, em 10 de maio de 1897.

68

69

Conforme anúncio veiculado na edição n. 108, p. 8, do Diario de Pernambuco, de 13 de maio de 1892. 83

Documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

70 Conforme nota publicada na edição n. 81, p. 3, do jornal A Província (PE), de 11 de abril de 1901,

84 Ver anúncio publicitário na edição n. 66, p. 7, do Diario de Pernambuco, de 23 de março de 1897.

71

Conforme publicado na edição n. 239, p. 3, do jornal A Provincia (PE), de 19 de outubro de 1902.

85

72 Conforme publicado nas edições n. 9, p. 4, de 14 de jan.; n. 15, p. 8, de 21 de jan.; e n. 29, p. 4, de 8 de fev., todos do ano de 1900, do Jornal A Provincia (PE).

86

Conforme anúncio publicitário veiculado na edição n. 166, p. 2, do Jornal de Recife, de 20 de julho de 1926.

Conforme anúncio veiculado na edição n. 178, p. 8, do Diario de Pernambuco, de 31 de julho de 1940.

Distância levantada conforme imagens de satélite do portal Google Maps. 87

Conforme consta no relatório do Governo da Província de Pernambuco, de 14 de novembro de 1889, publicado na edição n. 41, p. 1, do Diario de Pernambuco, de 20 de fevereiro de 1890.

73

88 Conforme Inventário dos Bens do Senhor Frederico Marques da Costa Soares, iniciado em 13 de julho de 1900, p. 32v-33, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme consta na ata da sessão de instalação da Companhia Exploradora de Productos Calcareos, publicada na edição n. 141, p. 2, do Diario de Pernambuco, de 24 de junho de 1891.

74

89 Conforme Inventário dos Bens da Senhora Josepha Martinha da Costa Soares, iniciado em 23 de março de 1904, p. 28-37, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme anúncio comercial publicado na edição n. 26, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 1º de fevereiro de 1905.

75

Ver anúncio de fuga de cativo publicado na edição n. 10, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 13 de fevereiro de 1835.

90

Conforme notícia de inauguração desse empreendimento publicada na edição n. 258, p. 5, do jornal A Provincia (PE), de 17 de novembro de 1904.

76

Conforme nota publicada na edição n. 11, p. 1, do jornal A Provincia (PE), de 12 de janeiro de 1918.

91

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Conforme Formal de Partilha passado a favor de José Odilo de Caldas Brandão, extraído dos autos de Inventário do Senhor João Baptista de Caldas Brandão, registrado no Livro n. 3, p. 96v, número de ordem 492C, Comarca de Goiana, termo de Igarassu, 1º Cartório, em 31 de dezembro de 1938, documento em posse da família.

xos socioambientais e na saúde, da atividade produtiva em Governador Dix-Sept Rosado-RN. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL, 5, Belo Horizonte, 2014. Anais.

92

Conforme documento de escritura de doação, extraído do Livro de Notas do Tabelião Maximiniano Francisco Duarte, referente ao período de 1883 a 1891, página 37, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. Levantamento e transcrição paleográfica realizada pelo historiador Guilherme Jorge Paes Barreto Neto.

103

93 Ver ALMANAK LAEMMERT: Annuario Commercial, Industrial, Agricola, Profissional e Administrativo da República dos Estados Unidos do Brasil para 1919-1929. Rio de Janeiro, 1920, p. 3473.

Conforme Livro de Batismos n. 39, p. 25v, referente ao período de 1909 a 1914, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 104

Ver MILFONT, Magna. Caminhos e pontos de paradas: o transporte fluvial e a ocupação dos arrabaldes do Recife, século XIX. Universidade Federal de Pernambuco. 94

Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. Os caminhos do rio: negros canoeiros no Recife na primeira metade do século XIX. Afro-Ásia, Salvador, n. 19/20, p. 75-93, 1997.

Conforme Livro de Casamentos n. 16, p. 49v, referente ao período de 1908 a 1928, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

95

105

Conforme Inventário dos Bens da Senhora Josepha Martinha da Costa Soares, iniciado em 23 de março de 1904, p. 28-37, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 96

106 Conforme consta no Inventário dos Bens de Maria Joaquina Rangel, de 1851, p. 33, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme Inventário dos Bens do Senhor José Gonçalves Rangel, iniciado em 15 de maio de 1893, p. 3-4, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme traz o Inventário dos Bens de Maria da Conceição Rangel, iniciado em maio de 1871, p. 13,

97

107

Conforme publicado na edição n. 292, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 21 de novembro de 1914.

Conforme Livro de Batismos referente ao período de maio de 1809 a fevereiro de 1867, p. 12, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 108

98

Ver nota divulgada na edição n. 83, p.3, do jornal A Provincia (PE), de 11 de abril de 1929.

99

109 Ver GUNN, Philip. A industrialização brasileira e a dimensão geográfica dos estabelecimentos industriais. Tradução de Rodrigo Nuñez Viegas; revisão de Telma de Barros Correia. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Recife, v. 7, n. 1, maio 2005. p. 17-53.

100 Ver MARTINS, Jacqueline Cunha de Vasconcelos; FREITAS, Rosemary Silva. Percepção dos caieiros sobre os reflexos socioambientais e na saúde, da atividade produtiva em Governador Dix-Sept Rosado-RN. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL, 5, Belo Horizonte, 2014. Anais.

Conforme publicado na edição n. 69, p. 5, do Diario de Pernambuco, de 24 de março de 1942.

110

101 Ver GURGEL, L. L.; PINTO FILHO, J. L. O. Impactos socioambientais das indústrias da cal, no Distrito de Soledade do Município de Apodi – RN. Revista de Gestão Social e Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 1, 2012. p. 87-101.

111

Conforme consta no Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco, publicado na secção 1, p 41-43, do Diário Oficial da União, de 27 de novembro de 1945. 112

Ver MARTINS, Jacqueline Cunha de Vasconcelos; FREITAS, Rosemary Silva. Percepção dos caieiros sobre os refle102

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Dados constantes no portal da Votorantim Cimentos.

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Conforme consta no Laudo de Avaliação dos Bens da Sociedade Anônima Indústrias Votorantim, em Pernambuco, publicado na secção 1, p 41, do Diário Oficial da União, de 27 de novembro de 1945.

Engenharia Planejamento, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 12.

113

124 Ver ANGELO, Lívia de Cerqueira. Consumo de energia e crescimento econômico em Pernambuco: uma análise de causalidade de Granger. 2009. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Produção, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2009. p. 11.

Conforme nota divulgada na edição n. 64, p. 10, do Diario de Pernambuco, de 18 de março de 1972.

114

Ver SOBRINHO, Antônio Cristiano P. de Lyra; FRANCO, Bartolomeu de Albuquerque. Panorama da economia mineral do Estado de Pernambuco. Recife: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais de Pernambuco – CPRM; Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, 2000.

115

116

Conforme informações publicadas no Diario de Pernambuco, nas edições n. 52, p. 3, e n. 64, p. 10, de 4 e de 18 de março de 1972, respectivamente.

125

Ver Jornal de Igarassu, edição n. 3, p.8, de março de 1985.

Ver ROSITO, Luciano Haas. Desenvolvimento da iluminação pública no Brasil. São Paulo, 1909, p. 30.

126

Conforme exame escolar de José Silvério de Caldas Brandão, datado de 19 de novembro de 1945, documento em posse da família.

117

ANGELO, Lívia de Cerqueira. Consumo de energia e crescimento econômico em Pernambuco: uma análise de causalidade de Granger. 2009. Dissertação (Mestrado em Engenharia da Produção) – Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Produção, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2009. p. 10.

127

Documento em posse dos familiares de Joana Bezerra do Nascimento.

118

119 Conforme histórico e certificados de conclusão de cursos e documento de avaliação escolar de José Odilo de Caldas Brandão e José Silvério de Caldas Brandão, documentos em posse da família desses.

Capítulo 2: O POVO Ver SALDANHA, Flávio Henrique Dias. Os oficiais do povo: a guarda nacional em Minas Gerais oitocentista, 1831-1850. 2004. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História; Faculdade de História, Direito e Serviço Social; Universidade Estadual Paulista, Franca, 2004. p. 27-28.

1

Conforme placa de inauguração existente no prédio dessa escola. 120

121 Ver SILVA, Lourenço Lustosa Fróes da. Iluminação pública no Brasil: aspectos energéticos e institucionais. 2006. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético) – Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia Planejamento; Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 10.

SILVA, Douglas Pereira da. A Guarda Nacional e sua importância histórica: das origens ao surgimento e crescimento das Polícias Militares. 2014 Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/guarda_nacional_.pdf>. 2

Ver JANNUZZI, Antônio Cezar. Regulação da qualidade de energia elétrica sob o foco do consumidor. 2007. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica) – Faculdade de Tecnologia, Departamento de Engenharia Elétrica, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2007. p. 5.

Dados levantados da nota de falecimento da Senhora Maria Cavalcante de Albuquerque Lins; de ato convocatório; portaria e ato de nomeação, publicados, respectivamente, nas edições n. 128, p.2, de 9 de junho de 1904, n. 86, p. 5, de 20 de abril de 1898; n. 213, p. 2, de 20 de setembro de 1906; e n. 118, p. 4, de 23 de maio de 1908, todas do Diario de Pernambuco.

122

3

Ver SILVA, Lourenço Lustosa Fróes da. Iluminação pública no Brasil: aspectos energéticos e institucionais. 2006. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético) – Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de 123

Conforme dados constantes em resultado de eleições para juízes de paz e em atos de nomeação, publicados, respectivamente, nas edições n. 212, p. 3, de 13 de setembro de 1860;

4

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• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


n. 128, p. 1, de 5 de junho de 1873; e n. 183, p. 1, de 12 de agosto de 1888, todas do Diario de Pernambuco.

Conforme dados da procuração de Maria Joaquina Rangel, de agosto de 1901, para fazer jus aos direitos de arrendamento de sua propriedade à empresa Cunha & Cia., documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 14

5 Conforme notas, ato de nomeação e de transmissão de cargo, veiculados, respectivamente, nas edições n. 112, p. 1, de 18 de maio de 1888; n. 128, p. 2, de 9 de junho de 1909, ambas do Jornal de Recife; edição n. 190, p. 1, de 22 de agosto de 1906, do Diario de Pernambuco; e edição n. 52, p. 1, de 6 de março de 1909, do Jornal de Recife.

Conforme dados levantados do Livro de Nascimentos n. 1, p. 88, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

15

Dados constantes na Petição, de 26 de setembro de 1887, p. 2, promovida por um grupo de proprietários do Sítio Cuieira, encabeçada por João Chrisostomo Leitão Rangel, para arrematação, em hasta pública, visando o arrendamento por seis anos do Sítio Cuieira.

16

Conforme dados constantes em edital de leilão e em ato de nomeação, publicados, respectivamente, nas edições n. 219, p. 4, de 30 de setembro de 1897; e n. 120, p. 3, de 27 de maio de 1883, ambas do Diario de Pernambuco. 6

7 Dados levantados do ato do Governador do Estado de Pernambuco de 16 de outubro de 1897 e do ato de nomeação da Secretaria Policial do Estado de Pernambuco, publicados, respectivamente, nas edições n. 238, p. 1, de 23 de outubro de 1897, e n. 207, p. 1, de 14 de setembro de 1892, ambas do Diario de Pernambuco.

17 Conforme dados levantados do Livro de Nascimentos n. 1, p. 88, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

8

Conforme atos de nomeação publicados, respectivamente, nas edições n. 53, p. 1, de 4 de março de 1884; e n. 112, p. 1, de 18 de maio de 1886, ambas do Diario de Pernambuco.

19

Conforme dados constantes em nota de denúncia publicada na edição n. 55, p.3, de 8 de março de 1877, do Diario de Pernambuco.

20

Conforme portaria e atos de nomeação do Governo da Província, publicados, respectivamente, nas edições n. 75, p. 1, de 1 de abril de 1846; n. 232, p.1, de 11 de outubro de 1885, ambas do Diario de Pernambuco; e na edição n. 100, p.1, de 1 de maio de 1861, do jornal A Provincia (PE).

21

Conforme Livro de Nascimentos/Matrimônios referente ao período de janeiro de 1889 a maio de 1905, p. 28v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

22

Conforme Livro de Batismos referente ao período de março de 1774 a janeiro de 1778, p. 5v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

23

Conforme nota publicada na edição n. 146, p. 6, de 1 de julho de 1893, do Diario de Pernambuco. 18

Conforme termos do ofício n. 60, do expediente do dia 14 de maio de 1907, da Secretaria da Fazenda, publicado no Diario de Pernambuco, edição n. 177, p. 2, de 7 de agosto do mesmo ano.

9

Conforme dados levantados do Livro de Batismos, referente ao período de 1909 a 1914, p. 25v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

10

Dados levantados do Livro de Casamentos n. 16, referente ao período de 1908 a 1928, ano 1915, número de ordem 31, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

11

Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 33v, 34, 60v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

12

Ver A Educação em Igarassu. Disponível em: http://www. igarassutem.com/ct/14/cidade-historica

Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 54v., 124v, 132v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião, em Igarassu.

Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 8v, 9, 60v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

13

24

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• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


25 Conforme notas publicadas na edição n. 104, p. 3-4, de 13 de maio de 1837, do Diario de Pernambuco.

Conforme Livro de Batismos n. 16, p. 12v, referente ao período de 1869 a dezembro de 1872, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

36

Conforme Livro de Óbitos n.1, p. 10-10v; 131 e 132, referente ao período de fevereiro de 1889 a janeiro de 1900, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 26

Conforme dados constantes no Livro de Óbitos n. 10, p. 167v, referente ao período de outubro de 1923 a março de 1926, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu; e no Livro n. 09 dos Diários de João Baptista Bezerra de Mello Filho, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

37

Conforme consta na relação de eleitores da Freguesia dos Santos Cosme e Damião, publicada no Diario de Pernambuco, edição n.272, p. 2, de 18 de novembro de 1856. 27

Ver EDVAN, Vieira de França Paz. A guarda municipal mais antiga em atividade do Brasil - Igarassu-PE-22/01/1893. Recife, 2014. Disponível em: <http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/56319/a-guarda-municipal-mais-antiga-em-atividade-do-brasil-igarassu-pe-22-01-1893>.

38

Conforme documentação pública judicial do expediente do Governo da Província de Pernambuco, do dia 21 de março de 1871, publicada na edição n. 70, p. 1, de 25 de março do referido ano. 28

Conforme termos de decisões constantes no expediente do Governo da Província de Pernambuco, do dia 10 de março de 1894, publicado na edição, n. 89, p. 1, de 21 de agosto do mesmo ano; as relações de parentescos citadas nesse parágrafo foram extraídas do Livro de Nascimentos n. 1, p. 51v, registro n. 28, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 29

Conforme ofício da Secretaria da Indústria do Estado de Pernambuco, do dia 10 de maio de 1898, publicado na edição n. 136, p. 2, de 22 de junho do mesmo ano, do Diario de Pernambuco.

39

Conforme atos de nomeação publicados, respectivamente, nas edições n. 154, p. 2, de 6 de julho de 1914, e n. 281, p. 3, de 3 de dezembro de 1924, ambas do Diario de Pernambuco. 40

Conforme Livro de Nascimentos n.1, p. 51v, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

30

Conforme Livro n. 09 dos Diários de João Baptista Bezerra de Mello Filho, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

41

Conforme Livro de Óbitos referente ao período de novembro de 1904 a julho de 1910, p. 10v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 31

Conforme nota publicada na edição n. 289, p. 4, de 11 de dezembro de 1925, do Jornal de Recife.

42

Conforme Livro de Óbitos n. 2, p. 26v-27, referente ao período de janeiro de 1900 a novembro de 1904, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Conforme consta no Livro n. 09 dos Diários de João Baptista Bezerra de Mello Filho, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

32

43

Conforme Formal de Partilha dos Bens do Senhor Julio Deodoro de Caldas Brandão, passado a favor de João Baptista de Caldas Brandão, extraído dos autos do Inventário dos referidos bens, formalizado pelo Segundo Tabelião de Igarassu, em 25 de março de 1930. Documentos em posse dos familiares. 33

44 Ver nota publicada na edição n. 289, p. 4, do Jornal de Recife, de 11 de dezembro de 1925.

Conforme ato de nomeação publicado na edição n. 156, p. 1, do Diario de Pernambuco, de 8 de junho de 1911.

45

Conforme Livro de Nascimentos n. 1, p. 51v, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

34

46 Conforme Livro de Casamentos n. 16, referente ao período de 1908 a 1928, número de ordem 31, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Conforme Livro de Óbitos n.1, p. 74-74v, referente ao período de fevereiro de 1889 a janeiro de 1900, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 35

Conforme Livro Nascimentos/Casamentos referente ao período de abril de 1913 a novembro de 1924, p. 48v-49v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

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• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


correspondentes sepulturas, todas no Cemitério Público de Igarassu, além de documentação de sepultamentos.

Conforme Livro Nascimentos/Casamentos referente ao período de abril de 1913 a novembro de 1924, p. 48v-49v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 48

60 Conforme nota veiculada na edição n. 247, p. 5, do Diario de Pernambuco de 18 set. 1921.

Conforme Livro de Casamentos n. 16, referente ao período de 1908 a 1928, ano 1915, número de ordem 31, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 49

Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de junho de 1941 a abril de 1945, p. 12-13, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

61

Conforme Registro de Nascimento n. 18.802, livro n. 39, p. 246- 246v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

50

Conforme consta na Lápide de sua sepultura, no Cemitério Público de Igarassu. 62

Ver nota veiculada na edição n. 170, p. 6, do Diario de Pernambuco de 28 de julho de 1950; e Câmara homenageia centenário da Paróquia de Belém. Disponível em: <http:// www.recife.pe.leg.br/noticias/camara-homenageia-centenario-da-paroquia-de-belem>.

51

63 Conforme consta na Lápide de sua sepultura, no Cemitério Público de Igarassu.

Conforme Livro de Matrimônios, p. 8v-9v, referente ao período de junho de 1941 a abril de 1945, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 64

Conforme consta no documento Formal de Partilha passado a favor de José Odilo de Caldas Brandão, extraído dos autos de Inventário do Senhor João Baptista de Caldas Brandão, registrado no Livro n. 3, p. 96v, ordem 492, 1º Cartório, Termo de Igarassu, Comarca de Goiana. Documento em posse da família. 52

Conforme Certidão de Casamento n. 02, Livro n. 08, p. 95, do Cartório do Registro Civil de Igarassu, documento em posse da família.

65

Conforme Livro de óbitos n. 43, p. 232, referente ao período de julho de 1965 a janeiro de 1969, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Conforme consta na Lápide de sua sepultura, no Cemitério Público de Igarassu.

53

66

Conforme consta em seu Título de Eleitor, n. 1.456, do tribunal Regional do Estado de Pernambuco, em posse de seus descendentes.

67 Conforme Documento de Pública Forma, assinado pelo Tabelião do 2º Cartório de Notas, de Cruz Alta/RS, do Registro de Nascimento emitido pelo Cartório do Registro Civil de Igarassu, 1º Distrito, no Livro n. 20, p. 167. Documento em posse da família.

54

Conforme ato de nomeação publicado na edição n. 154, p. 2, de 6 de julho do referido ano, do Diario de Pernambuco.

Conforme Livro de Alterações, do Ministério da Guerra, referente à vida militar de José Odilo de Caldas Brandão, documento em posse da família.

55

68

Conforme Livro de Batismos n. 40, p. 20v, referente ao período de 1914 a 1917, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

69

56

Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de abril de 1944 a novembro de 1948, p. 66v, assento 77, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Conforme publicado no jornal A Provincia (PE), na edição n. 13, p. 3, de 14 de janeiro do dito ano.

57

70 Conforme Registro de Casamento n. 4804, Livro B-14, p. 17, do Cartório do Registro Civil do 1º Distrito de Cruz Alta, Rio Grande do Sul. Documento em posse da família.

Conforme publicado no Jornal de Recife, na edição n. 188, p. 3, de 22 de agosto do mesmo ano.

58

59 As datas citadas nesse parágrafo foram levantadas do documento Formal de Partilha extraído dos autos de inventário do Senhor João Baptista de Caldas Brandão e das lápides das

Conforme depoimento publicado em matéria sobre o cotidiano da Praça Joaquim Nabuco, na edição n. 277, p. 25, do Diario de Pernambuco de 23 de outubro de 1977.

71

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• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


72 Conforme Documento de Pública Forma, assinado pelo Tabelião do 2º Cartório de Notas, de Cruz Alta/RS, do Registro de Nascimento emitido pelo Cartório do Registro Civil de Igarassu, 1º Distrito, no Livro n. 20, p. 167. Documento em posse da família.

Ver SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe - Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de PósGraduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006.; e CARRÉRA, Mércia; SURYA, Leandro. A organização espacial de uma fazenda colonial beneditina: reflexo da estruturação social vigente. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out., 2008, Revista da UFRN. 85

Dados levantados de sua lápide, no Cemitério Público de Igarassu.

73

Conforme Documento de Pública Forma, assinado pelo Tabelião do 2º Cartório de Notas, de Cruz Alta/RS, do Registro de Nascimento emitido pelo Cartório do Registro Civil de Igarassu, 1º Distrito, no Livro n. 20, p. 167. Documento em posse da família.

74

Ver GOMES, Flávio dos Santos. Cativeiro, Memória Social e Parentesco (Primeiras Questões). R. Mestr. Hist., Vassouras, v. 4, ed. especial, 2002. p. 25-34.

86

Conforme Livro de Matrimônios n. 10, p. 32v-33v, referente ao período de abril de 1945 a novembro de 1947, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Ver SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe - Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006.

75

76

Idem.

77

Idem.

87

Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de abril de 1944 a novembro de 1948, p. 53v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Ver CABRAL, Flávio José Gomes; COSTA, Robson (Org.). História da escravidão em Pernambuco. Recife: Editora da UFPE, 2012.

78

88

Ver KOSTER, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. Tradução de Luiz da Câmara Cascudo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. p. 297 e 298.

89

Diario de Pernambuco, edição n. 139, p. 4, de 20 de junho de 1951.

79

Conforme consta na lápide de suas sepulturas, no Cemitério Público de Igarassu.

Ver KOSTER, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. Tradução de Luiz da Câmara Cascudo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. p. 299.

80

90

Conforme Registro de Casamento n. 566, Livro n. 14, p. 3, do Cartório do Registro Civil de Igarassu, documento em posse da família.

81

Conforme publicado na edição n. 387, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 21 de maio de 1830.

91

82 Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de novembro de 1948 a dezembro de 1955, p. 173-174, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 83

92 Ver PERNAMBUCO. Agência Estadual de Planejamento e Pesquisa de Pernambuco (CONDEPE/ FIDEM). Município Abreu e Lima. Recife, 2015. 93 Conforme despacho assinado pelo Presidente da Província e publicado no Diario de Pernambuco, edição n. 68, p. 2, de 25 de julho de 1863.

Idem.

Conforme consta no Inventário dos Bens do Senhor Joaquim de Matos Rangel, iniciado em 5 de outubro de 1901, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 84

94 Conforme Inventário dos Bens de Antonio Tristão de Serpa Brandão, iniciado em 24 de novembro de 1875, p. 4347, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

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Conforme consta no Inventário dos Bens de Manoel Pereira de Morais, iniciado em junho de 1858, p. 13, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme dados levantados do Livro de Batismos, referente ao período de março de 1774 a janeiro de 1778, p. 13v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

95

109

Conforme anúncio publicado na edição n. 119, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 2 de junho de 1829.

96

110 Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 54v; 12; 97; 116; 93; 125v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Conforme veiculado na edição n. 127, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 12 de junho de 1843.

97

111 Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 17, 43, 53v, 75v, 131v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Ver anúncio de fuga de cativo publicado na edição n. 10, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 13 de fevereiro de 1835.

98

Conforme anúncio publicado na edição n. 80, p. 4, de 14 de maio de 1835, do Diario de Pernambuco.

99

Segundo consta no Inventário dos Bens de Maria Joaquina Rangel, de 1851, p. 34-35, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 112

Conforme anúncio publicado na edição n. 20, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 25 de janeiro de 1840.

100

113

Conforme anúncio veiculado na edição n. 271, p. 2, do Diario de Pernambuco, de 2 de dezembro de 1846. 101

Conforme consta no Inventário dos seus Bens, iniciado em maio de 1871, p. 13, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

114

Conforme publicado na edição n. 16, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 21 de janeiro de 1846.

102

Conforme Livro de Batismos referente ao período de 1799 a 1810, p. 29, 76, 96 e 116, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

115

Conforme veiculado na edição n. 227, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 12 de outubro de 1846.

103

104

Conforme publicação veiculada na edição n. 43, p. 4, do Diario de Pernambuco, de 25 de fevereiro de 1847.

116

105 Conforme anunciado no Jornal de Recife, edição n. 99, p. 3, em 8 de maio de 1870.

117

Ver GOMES, Geraldo. Engenho & arquitetura. 2. ed. Recife: Fundação Gilberto Freyre, 1998. p. 43.

Conforme observação não participativa nos pontos de pesca do Rio Timbó e conversas com pescadores de Cuieiras; Ver SILVA, Edilson Carneiro da. Territorialidades e conflitos socioambientais no cotidiano da pesca artesanal na Comunidade do Porto de Jatobá, Abreu e Lima (PE). Revista Nordestina de Ecoturismo, Aquidabã, v. 5, n.1, p. 86-93, nov.-dez. 2011 e jan.-abr. 2012.

118

Conforme denúncia publicada na edição n. 55, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 8 de março de 1877.

Conforme Petição, de 26 de setembro de 1887, para arrematação em hasta pública para arrendamento por seis anos da propriedade Cuieira, e Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 7 de outubro de 1892, documentos do acervo do Museu Histórico de Igarassu,

106

119 Conforme Livro de Nascimentos/Matrimônios referente ao período de janeiro de 1889 a maio de 1905, p. 28v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Conforme anúncio publicado na edição n. 30, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 6 de fevereiro de 1868.

107

120 Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822-1858. 2. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2010. p. 117-141.

Conforme nota veiculada na edição n. 213, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 17 de setembro de 1873. 108

270

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Idem.

• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822-1858. 2. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2010. p. 102.

cidade, várias histórias: o Recife no século XIX. Recife: Editora Bagaço, 2012. p. 187.

121

134 Conforme Livro de Casamentos n. 16, referente ao período de 1908 a 1928, número de ordem 120, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

Distâncias levantadas conforme imagens de satélite do portal Google Maps.

122

Ver MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; GURAN, Milton. Inventário dos lugares de memória do tráfico atlântico de escravos e da história dos africanos escravizados no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, Laboratório de História Oral e Imagem – LABHOI, 2013. p. 19-21.

123

Conforme dados levantados do Livro de Matrimônios, referente ao período de fevereiro de 1769 a outubro de 1786, p. 5v, 13v e 33, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

135

Conforme dados levantados do Livro de Batismos, referente ao período de março de 1774 a janeiro de 1778, p. 5v, 13v e 33, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

136

Ver as edições n. 161, p. 4, de 29 de julho de 1846, e n. 84, p. 4, de 19 de abril de 1847, ambas do jornal O Diario Novo (PE). 124

Conforme anúncio veiculado na edição n. 227, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 5 de outubro de 1863.

125

Conforme dados levantados do Livro de Batismos, referente ao período de novembro de 1798 a maio de 1849, p. 9, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

137

Ver nota de denúncia veiculada na edição n. 55, p. 3, do Diario de Pernambuco, de 8 de março de 1877.

126

Conforme anúncio publicado na edição n. 338, p. 3-4, do Diario de Pernambuco, de 17 de março de 1832.

138 Conforme dados levantados do Livro de Batismos, referente ao período de maio de 1799 a maio de 1810, p. 54v, 56, 61V, 72v, 117v, 124, 131v, 132v, 139v, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu.

127

Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. O Quilombo do Catucá em Pernambuco. Caderno CRH, Salvador, v.4, n. 15, p. 5-28, jul./dez. 1991. Publicação da UFBA. 128

Conforme dados levantados do Livro de Nascimentos n. 1, p. 29; 31; 44v; 45-45v; 47; 48; 52 e 53, referente ao período de janeiro de 1889 a março de 1913, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

139

Ver publicação na edição n. 56, p. 2, do Diario de Pernambuco, de 11 de março 1829. 129

130 Ver CHALHOUB, Sidney de. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 20-25.

140 Conforme Livro de Óbitos n.1, p. 8-8v; 29v; 30; 39; 51-51v; 54v; 60-60v; 63-63v; 64; 67; 72, 105-105v; 111v; 115v; 116; 129v; 162v e 163, referente ao período de fevereiro de 1889 a janeiro de 1900.

131 Ver CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo no Recife, 1822-1858. 2. ed. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2010. p. 73-77.

Ver EDVAN, Vieira de França Paz. A guarda municipal mais antiga em atividade do Brasil - IgarassuPE-22/01/1893. Recife, 2014. Disponível em: <http://www. portaleducacao.com.br/educacao/artigos/56319/a-guarda-municipal-mais-antiga-em-atividade-do-brasil-igarassu-pe-22-01-1893>.

141

Ver MAIA, Clarissa Nunes. O controle social no Recife oitocentista. In: SILVA, Wellington Barbosa da (Org.). Uma cidade, várias histórias: o Recife no século XIX. Recife: Editora Bagaço, 2012. p. 184-207.

132

142 Conforme dados constantes no Livro de Óbitos n. 10, p. 167v, referente ao período de outubro de 1923 a março de 1926, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Ver MAIA, Clarissa Nunes. O controle social no Recife oitocentista. In: SILVA, Wellington Barbosa da (Org.). Uma 133

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josé odilo de caldas brandão filho

• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


Suposição apresentada pelo historiador Guilherme Jorge Paes Barreto Neto.

Conforme Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 7 de outubro de 1892, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

143

3

144 Conforme Livro de Óbitos n.1, p. 38v, 39, 129v, 111v, 75v, referente ao período de fevereiro de 1889 a janeiro de 1900.

Conforme Escritura Pública de Venda, datada de 23 de dezembro de 1892, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

4

Ver nota publicada na edição n. 294, p.1, do Diario de Pernambuco, de 30 de dezembro de 1905. 145

Conforme Translado de Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 27 de maio de 1891, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 5

Ver nota publicada na edição n. 212, p.1, do Diario de Pernambuco, de 24 de agosto de 1910.

146

147

Jornal de Recife, edição n. 236, p. 4, de 19 de outubro de 1933.

Conforme Escritura de Compra e Venda, de 16 de maio de 1891, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu. 6

Conforme Livro de Batismos, n. 39, p. 25v-26, referente ao período de 1909 a 1914, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 148

7 Conforme Escritura Particular de Compra e Venda, de 19 de julho de 1901, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme Livro de Batismos, n. 39, p. 25v-26, referente ao período de 1909 a 1914, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 149

8 Conforme Inventário dos Bens de Maria Joaquina Rangel, de 1851, p. 34-35v, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme Livro de Batismos, n. 40, p. 20v-21, referente ao período de 1914 a 1917, documento do acervo da Casa Paroquial da Matriz dos Santos Cosme e Damião de Igarassu. 150

9 Inventário de Partilha Amigável dos Bens do Senhor José Gonçalves Rangel, iniciado em 15 de maio de 1893, p. 3v-4, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

151 Conforme consta em documentos como Certidões de Nascimentos de Virginia Maria da Conceição e de Judite Maria da Paixão, em posse de familiares.

10

Conforme consta no documento de Publica Forma, de vinte e oito de outubro de 1905, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

Ver MARQUES, Rachel dos Santos. Práticas de nomeação e população escrava em Rio Grande de São Pedro, século XVIII. In: ENCONTRO ESCRAVIDÃO E LIBERDADE NO BRASIL MERIDIONAL, 7, Curitiba (UFPR), 2015. Anais.

11

Conforme Contrato Particular de Compra e Venda, de 28 de novembro de 1862, assinado no Sítio Jardim da Olaria, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

152

Capítulo 3: PAISAGEM URBANO-RURAL

Conforme Contrato Particular de Compra e Venda, assinado em Cuieira, em 1º de maio de 1865, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

1 Ver BOMFIM, Ana Paula Rocha do. A propriedade territorial nos primórdios do direito Brasileiro. Teresina, 2014. Faculdade das Atividades Empresariais de Teresina – FAETE; e NOZOE, Nelson. Sesmarias e apossamento de terras no Brasil colônia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.

13 Conforme Requerimento de Reconhecimento de Direito do Senhor Joaquim Francisco Araújo Galvão, de 1º de agosto de 1911, em vista dos autos de inventariamento dos bens do Senhor Francisco Joaquim Cavalcanti Galvão, ao Segundo Tabelião Público de Notas da Comarca de Igarassu, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

Os documentos citados nesse parágrafo pertencem ao acervo do Museu Histórico de Igarassu.

Conforme Escritura Pública de Compra e Venda lavrada, em 11 de junho de 1904, em notas do Primeiro Tabelião

12

2

14

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josé odilo de caldas brandão filho

• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


de Igarassu, registrada no Livro n. 4 de Transcrições de Imóveis, número de ordem 347, p 80v-81, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de junho de 1941 a abril de 1945, p. 12-13, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Conforme Escritura Particular de Compra e Venda, registrada, em 27 de maio de 1910, no Livro n. 4, de Transcrições de Imóveis, número de ordem 399, p. 94v-95, no Segundo Tabelionato de Igarassu, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

24

23

Conforme resultado de eleições divulgado na edição n. 150, p.4, do Diario de Pernambuco, de 4 de julho de 1951.

15

25 Conforme consta no atestado de residência, de 27 de outubro de 1949, de José Silvério de C. Brandão.

Conforme Escritura Pública lavrada em notas do Primeiro Tabelião de Igarassu, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

Conforme teste avaliativo do aluno José Silvério de C. Brandão, de 19 de novembro de 1945.

16

26

27 Conforme Edital de hasta pública publicado na edição n. 138, p.15, do Diario de Pernambuco, de 18 de junho de 1959.

Conforme, respectivamente, Escritura Particular de Compra e Venda, datada de 27 de setembro de 1920, registrada no Livro n. 4, das Transcrições de Imóveis, número de ordem 629, p. 30v-31; e a Escritura Pública de Compra e Venda, datada de 27 de fevereiro de 1925, registrada também no Livro n. 4, com número de ordem 797, ambas do Segundo Tabelionato de Igarassu. Documentos em posse de integrantes da família Caldas Brandão. 17

Conforme Livro de Ocorrências do Continental Futebol Clube, referente ao período de 29 de junho de 1952 a 6 de março de 1966, documento sob a guarda do Senhor José Silvério de Caldas Brandão. 28

29 Segundo programação divulgada na edição n. 221, p. 16, do Diario de Pernambuco, de 24 de setembro de 1969.

Conforme Formal de Partilha passado a favor de João Baptista de Caldas Brandão, extraído dos autos do Inventário dos Bens do Senhor Julio Deodoro de Caldas Brandão, formalizado pelo Segundo Tabelião de Igarassu, em 25 de março de 1930. Documentos em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

18

Ver FARIA, Juliana Prestes Ribeiro de. Influência africana na arquitetura de terra de Minas Gerais. 2011. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.

30

Conforme Formal de Partilha passado a favor de João Baptista de Caldas Brandão, p. 8, extraído dos autos do Inventário dos Bens do Senhor Julio Deodoro de Caldas Brandão, formalizado pelo Segundo Tabelião de Igarassu, em 25 de março de 1930. Documentos em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

Ver FARIA, Juliana Prestes Ribeiro de. Influência africana na arquitetura de terra de Minas Gerais. 2011. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.; e WEIMER, Günter. Inter-relações arquitetônicas Brasil-África. 2008. Pronunciamento de Posse como membro efetivo do IHGRGS. Porto Alegre. Disponível em: <http:// www.ihgrgs.org.br/artigos/Gunter_Brasil_Africa.htm>.

19

31

Conforme mandato de avaliação para instruir inventário dos bens de João Baptista de Caldas Brandão, documento em posse de integrantes da família Caldas Brandão.

20

Ver WEIMER, Günter. Inter-relações arquitetônicas Brasil-África. 2008. Pronunciamento de Posse como membro efetivo do IHGRGS. Porto Alegre. Disponível em: <http:// www.ihgrgs.org.br/artigos/Gunter_Brasil_Africa.htm>.

32

Conforme consta no documento Formal de Partilha passada em favor de José Odilo de Caldas Brandão, extraído dos autos de Inventário do Senhor João Baptista de Caldas Brandão. Registrado no Livro n. 3, p. 96v, ordem 492, 1º Cartório, termo de Igarassu, Comarca de Goiana. Documento em posse da família. 21

22

Capítulo 4: PAISAGEM SOCIOCULTURAL Ver CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. A polícia no Estado Novo combatendo o catimbó. Revista Brasileira de História

1

Ver Jornal de Igarassu, edição n. 3, p.8, de março de 1985.

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josé odilo de caldas brandão filho

• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


das Religiões, Recife, ano I, n. 3, jan. 2009. Dossiê tolerância e intolerância nas manifestações religiosas.

Ver CPRH (Companhia Pernambucana do Meio Ambiente). Diagnóstico Socioambiental do Litoral Norte de Pernambuco. Recife: CPRH , 2003. p. 91. 2

2 Ver PADOVAN, Maria Concepta. As máscaras da razão: memórias da loucura no Recife durante o período do Estado Novo (1937-1945). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, 2007. p. 73-80; p. 120-131.

Ver CPRH (Companhia Pernambucana do Meio Ambiente). Diagnóstico Socioambiental do Litoral Norte de Pernambuco. Recife: CPRH , 2003. p. 93.

3

Ver PAIVA, Marcella Vianna Cabral; SILVA, Janaina Barbosa da; FERNANDES, Josimar Gurgel. Estuário do Rio Timbó - PE: territorialidade da pesca e impactos ambientais. Revista de Geografia. Recife, v. 26, n. 2, maio/ago. 2009. p. 185-199. Publicação da UFPE.

4

Ver nota publicada na edição n. 87, p.3, do Diario de Pernambuco, de 18 de abril de 1890.

3

4 Ver nota veiculada na edição n. 42, p. 4, do jornal A Provincia (PE), de 13 de fevereiro de 1913.

Dados obtidos de documentos pessoais, como identidades, certidões de nascimentos, dentre outros, nas residências das pessoas citadas, no Povoado de Cuieiras. 5

Ver nota veiculada na edição n. 42, p. 4, do jornal A Provincia (PE), de 13 de fevereiro de 1913. 5

Ver PAIVA, Marcella Vianna Cabral; SILVA, Janaina Barbosa da; FERNANDES, Josimar Gurgel. Estuário do Rio Timbó - PE: territorialidade da pesca e impactos ambientais. Revista de Geografia. Recife, v. 26, n. 2, maio/ago. 2009. p. 185-199. Publicação da UFPE. 6

Conforme dados constantes no portal da Assembleia de Deus em Abreu e Lima. Disponível em: <http://www.comadalpe.org/portal/departamentos/oracao/coadalpe/87-aniversario-do-circulo-de-oracao-em-cuieiras-igarassu>. 6

Conforme Registro de Casamento n. 3109, livro n. 13, p. 3838v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu. 7

Conforme consta nos termos do Testamento Particular do Senhor Luiz Marcelino da Silva, de 12 de junho de 1981. 7

Conforme documentação pessoal de registro nessas entidades. 8

Conforme Livro de Registros do Continental Futebol Clube, em posse do Senhor José Silvério de Caldas Brandão. 8

Para a recomposição das relações de trabalho na produção de cal em Cuieiras, além de documentação oral, foi considerada a prática da produção artesanal de cal que ainda ocorre no Rio Grande do Norte. Ver MARTINS, Jacqueline Cunha de Vasconcelos; FREITAS, Rosemary Silva. Percepção dos caieiros sobre os reflexos socioambientais e na saúde, da atividade produtiva em Governador Dix-Sept Rosado-RN. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL, 5, Belo Horizonte, 2014; e GURGEL, L. L.; PINTO FILHO, J. L. O. Impactos socioambientais das indústrias da cal, no Distrito de Soledade do Município de Apodi – RN. Revista de Gestão Social e Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 1, 2012. p. 87-101. 9

Conforme consta na Placa de Inauguração da Escola Ana Caldas Brandão, em Cuieiras, Igarassu. 9

Conforme consta nos termos do Testamento Particular do Senhor Luiz Marcelino da Silva, de 12 de junho de 1981.

10

11 Ver nota publicada na edição n. 119, p.1, do Diario de Pernambuco, de 28 de maio de 1907.

Livro de Registros do Continental Futebol Clube, em posse do Senhor José Silvério de Caldas Brandão.

12

Conforme Inventário dos Bens do Senhor Francisco Cockles Teixeira de Araujo e Silva, iniciado em abril de 1897, p. 28, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

10

Capítulo 5: PAISAGEM ECONÔMICA 1 Ver MEIRA, Silvio A. de Bastos. O direito colonial no Brasil. In: CONGRESSO DE HISTÓRIA DEL DERECHO MEXICANO, 1981, p.10-13, México. Biblioteca Jurídica Virtual.

Conforme anúncio veiculado na edição n. 52, p. 7, do Diario de Pernambuco, de 5 de março de 1889. 11

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josé odilo de caldas brandão filho

• Povoado de Cuieiras: história e paisagem


de Pernambuco (UFPE), Recife, 2006, p. 20 e 67; e CARRÉRA, Mércia; SURYA, Leandro. A organização espacial de uma fazenda colonial beneditina: reflexo da estruturação social vigente. Mneme – Revista de Humanidades, Caicó (RN), v. 9, n. 24, set/out. 2008. Revista da UFRN.

Conforme Inventário dos Bens do Senhor Francisco Cockles Teixeira de Araujo e Silva, iniciado em abril de 1897, p. 4v, documento do acervo do Museu Histórico de Igarassu.

12

Dados levantados do ato do Governador do Estado de Pernambuco de 16 de outubro de 1897, publicado na edição n. 238, p. 1, do Diario de Pernambuco, de 23 de outubro de 1897. 13

Ver nota publicada na edição n. 11, p.1, do jornal A Provincia (PE), de 12 de janeiro de 1918.

22

Ver SIQUEIRA, L.A.; ARAGÃO, W.M.; TUPINAMBÁ, E.A. A introdução do coqueiro no Brasil, importância histórica e agronômica. Aracaju, 2002, p. 8-12. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Tabuleiros Costeiros. Documentos, 47. 14

23

Dados constantes na RG do Senhor Pedro Salomão do Ó.

Conforme Contrato de Compra e Venda de uma pequena propriedade no Sitio Cuieira, tendo como vendedor João Esperidião do Ó e compradora Dona Maria José de Caldas Brandão, assinado em 25 de março de 1936; Recibo referente ao pagamento pela compra de uma pequena propriedade no Sítio Cuieiras, tendo como vendedores João Esperidião do Ó e a sua mulher, Dona Josefa Maria da Conceição do Ó, assinado em 11 de abril de 1956. Documentos em posse da Senhora Elizabete Brandão de Santana.

24

Conforme consta no documento Formal de Partilha extraído dos autos de inventário do Senhor João Baptista de Caldas Brandão. Documento em posse da Senhora Ana Maria de Caldas Brandão.

15

Conforme consta no Annuario Commercial, Industrial, Agricola, Profissional e Administrativo da República dos Estados Unidos do Brasil para 1919 -1929, (ALMANAK LAEMMERT, 1920, p. 3473).

16

25

Dados constantes na RG da Senhora Ivanete Maria do Ó.

26 Conforme Livro de Matrimônios referente ao período de junho de 1941 a abril de 1945, p. 6-6v, documento do Cartório do Registro Civil de Igarassu.

Dados obtidos de documentos pessoais, como identidades, certidão de nascimento, certidão de óbito, carteira profissional, dentre outros. Documentos em posse da família. 17

27 Ver MARTIN, Gabriela. O povoamento pré-histórico do Vale do São Francisco. Clio Arqueológica, Recife, n. 13, 1998. p. 9-41.

Conforme Livro de Óbitos n.1, p. 6 – 6v; 38v e 39, referente ao período de fevereiro de 1889 a janeiro de 1900.

18

Conforme termos do ofício n. 60, do expediente do dia 14 de maio de 1907, da Secretaria da Fazenda, publicado na edição n. 177, p. 2, do Diario de Pernambuco, de 7 de agosto do mesmo ano.

28 Ver SOBRINHO, Antônio Cristiano P. de Lyra; FRANCO, Bartolomeu de Albuquerque. Panorama da economia mineral do Estado de Pernambuco. Recife: Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais de Pernambuco – CPRM. Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, 2000. p. 16.

19

Ver nota publicada no jornal A Provincia (PE), edição n. 11, p.1, de 12 de janeiro de 1918.

20

Ver ALMANAK LAEMMERT: Annuario Commercial, Industrial, Agricola, Profissional e Administrativo da República dos Estados Unidos do Brasil para 1919-1929. Rio de Janeiro, 1920, p. 3473; SILVA, Fabíola Amaral Jansen da. O cativeiro rural colonial: reconstituição arqueológica da senzala de São Bento de Jaguaribe - Município de Abreu e Lima, Pernambuco. 2006. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia; Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH); Universidade Federal

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Títulos compostos em Open Sans Texto composto em Prelo Sans 12/14 Capa impressa em papel Cartão Supremo 300g Miolo impresso em papel Couché Fosco 115g Impresso no Parque Gráfico da Companhia Editora de Pernambuco - Cepe Fevereiro de 2017.

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