Revista Digital Olho Latino - nº 30

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Revista Digital Olho Latino nº 30 As possibilidades da arte da gravura e a beleza natural e milenar de Machu Picchu

Revista Digital Olho Latino nº 30 - março e abril de 2012 ISSN 1980-4229 Edições Anteriores: www.olholatino.com.br/revistadigital Editor Paulo de Tarso Cheida Sans Jornalista responsável: Luciene Sans Conselho Editorial: Alex Roch Celina Carvalho Luciene Sans Tiago Carvalho Sans Arte e diagramação: Luciene Sans Imagem da capa: Gravura de Fúlvia Gonçalves. Os artigos e reportagens assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista, sendo de responsabiliade exclusiva de seus autores. Não pode ser reproduzida sem autorização do editor. Revista Digital Olho Latino é uma publicação do Museu de Arte Contemporânea Olho Latino. Escritório: Rua Paulo Lacerda, 88 - Campinas, SP. CEP: 13030-720. Sede de exposição: Alameda Prof. Lucas Nogueira Garcêz, 511 - Parque das Águas - Estância de Atibaia, SP. CEP: 12941-650 www.olholatino.com.br Contato: museu@olholatino.com.br

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A Revista Digital Olho Latino em seu nº 30 apresenta a importante artista Fúlvia Gonçalves, cuja obra ilustra a capa desta edição. Como uma etapa de sua rica produção, a artista criou uma série de gravuras a partir de uma única matriz, recortando-a para compor novas imagens com variações e articulações de suas partes. Essas obras, inéditas até então, foram expostas pela primeira vez no Museu Olho Latino em Atibaia, SP. Outro assunto enfocado é o artista Douglas Norris, falecido em 2010, que mereceu uma reflexão histórica do professor, curador e artista plástico Hélio Schonmann. O autor escreveu um ensaio sobre a produção de gravura do Norris, cujas obras estão praticamente incógnitas pelos estudiosos e apreciadores da Arte. A Revista Olho Latino tem satisfação de publicar o memorável texto para a valorização desse gravador artista que merece ser lembrado. Como atuação do Grupo de Arte do Museu Olho Latino, está em destaque a mostra itinerante “Agregados”, exposta no MAM Resende, RJ, que mereceu a atenção da jornalista Luciene Sans. A autora registrou momentos significativos de mais uma exposição desse grupo de artistas do interior do Estado de São Paulo que produz assiduamente, tendo exposto em importantes museus, galerias e centros culturais. Por fim, o destaque em fotografia vai para a artista Tatiana Medoruma, que nos brinda com um ensaio fotográfico de sua viagem ao Peru, sendo aqui registrados alguns momentos em Machu Picchu, cuja natureza e construção milenar são inconfundíveis e inspiradoras. Desejamos a todos uma boa leitura. Paulo Cheida Sans

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CAPA

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A humanização nas gravuras de Fúlvia Gonçalves Paulo Cheida Sans

EXPOSIÇÃO

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Grupo Olho Latino expõe no MAM Resende Luciene Sans

ENSAIO

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Uma cartografia humana da metrópole: a arte de Douglas Norris Hélio Schonmann

FOTO

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Machu Picchu nas fotografias de Tatiana Medoruma Tatiana Medoruma

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CAPA

A humanização nas gravuras de Fúlvia Gonçalves

Paulo Cheida Sans

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presentar a artista Fúlvia Gonçalves em poucas palavras não é fácil, dado o virtuosismo de sua produção artística que vem de longa data. Mas, é com muita satisfação que faço uma breve apresentação sobre uma artista tão completa. Comecei a ouvir falar mais da artista quando ela mudou-se para Campinas em 1976, vinculando-se como professora da Unicamp para iniciar o ateliê de gravura e artes gráficas. Por alguns anos dessa sua nova atividade e com o meu início como docente em outra universidade da cidade, na PUCCampinas, tivemos alunos em comum. Alunos que cursavam Educação Artística na PUCCampinas e que frequentavam o ateliê de gravura da Unicamp, sob a orientação da artista. Em nenhum momento ouvi algum desses alunos comentarem negativamente sobre a professora. Com o passar do tempo e vendo como Fúlvia ativava a sua carreira 4

como educadora e artista, criou-se um respeito e consideração de minha parte por uma colega que manteve uma conduta artística digna e criativa ao longo de sua jornada profissional. Na realidade o nosso contato pessoal nesses anos foi pouco. Por um lado, apreciei algumas de suas mostras e por outro acompanhei pela imprensa a sua participação artística. Enfim, algumas vezes participamos de exposições coletivas como expositores. Contudo, em 2011, época em que visitava a artista para a sua inclusão como membro da Academia Campineira de Letras e Artes e com a intenção de realizar uma mostra da artista como curador na Galeria de Arte “Thomaz Perina” da referida Instituição Cultural, pude apreciar várias de suas obras em seu ateliê. Foi nessa visita que pude contemplar as linogravuras da artista. As 13 gravuras em linóleo compõem um momento muito Olho Larino nº30


Acervo Olho Latino

Fúlvia Gonçalves - Série Humanidade - linogravura

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Acervo Olho Latino

Fúlvia Gonçalves - Série Humanidade - linogravura

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especial em sua carreira. Fúlvia é reconhecida como uma importante artista plástica pela relevância de harmonizar em suas obras a composição em sintonia com as formas e cores. A sua objetividade e leveza em lidar com a linha trouxe uma conquista pictórica em sua produção, cuja marca estilística se destaca. O outro aspecto de sua produção é o lado inovador, experimental, ao criar obras com colagens dando outra conotação criativa e expressiva, como fez em questionar visualmente as consequências da banalização da imagem de Gioconda. Encontrou a Monalisa, não no sentido de apreciação museal, mas na mídia, na propaganda, nas páginas de variedades e vidros de conserva. As qualidades plásticas da artista inerentes à pintura e ao desenho são transformadas em outras vertentes expressivas ao lidar com a gravura, com a sulcagem e com a articulação das peças e cores ao compor a sua obra gráfica. As gravuras mostram uma Fúlvia penetrante, atemporal, “rústica”, enfocando a essência do humano. Considerando a produção artística de Fúlvia, a gravura ocupa uma pequena parte, mas significativa, assim como suas Olho Latino nº30

pinturas, aquarelas, desenhos e montagens. O interesse pela gravura fez a artista cursar as possibilidades técnicas dessa Arte com o mestre Paulo Menten, em São Paulo, em fins da década de 60. Depois de algumas sessões, Fúlvia interrompeu o seu estudo no ateliê por causa de alergia aos produtos decorrentes do ácido e da tinta. Contudo não deixou de admirar e apreciar grandes gravadores como Dürer, Grassmann, Darel... Com gravura em metal, criou a série “Coleópteros”, exposta na FUNARTE no Rio de Janeiro em 1978. Suas gravuras em ponta seca foram reforçadas com o uso da aquarela sobre o papel Coton, merecendo uma composição musical do Raul do Valle inspirada nessa série. Sua incursão pela gravura a fez abrir a primeira oficina de Gravura do Instituto de Artes da Unicamp em 1977. Obteve premiação no concurso de Cartões de Natal Brasileiro em 1988 e participou da 19ª Mostra Latino Americana de Miniprint em Rosário, na Argentina, em 1994, com xilogravura. A presente mostra é composta por 13 gravuras que foram doadas ao Acervo Olho Latino. São obras 7


Acervo Olho Latino

Fúlvia Gonçalves - Série Humanidade - linogravura

inéditas que estão sendo mostradas pela primeira vez e datam de 1978. A artista entalhou e imprimiu as gravuras num único dia. A partir de uma matriz em linóleo, recortou com tesoura as partes e fez variadas composições entre elas, imprimindoas gerando as 13 obras oriundas de uma mesma matriz. Compondo uma figuração com linhas brancas, a artista entrosa os seres humanos em agrupações: ora os rostos estão colocados em sequência na vertical, ora os seres 8

estão lado a lado, sem contar a sintonia nas formas recortadas em que a figura acalanta os menores, lembrando a maternidade, a família e o acalento que acolhe os filhos em momentos preciosos de carinho e afeição. As articulações das peças são agrupadas, reorganizadas e impressas alterando as cores, assim formando novas situações de relações entre os seres criados. A comunidade representada está atenta num sincronismo de solidariedade. Olho Larino nº30


Paulo Cheida Sans

Fúlvia Gonçalves

As cenas mostram figuras serenas, embora imbuídas de “ares” que aludem à tristeza. Há nessa conjunção de formas a transmissão de uma espécie de cerimônia, algo que relaciona o “mito”, a “vida” e o sentimento de bondade e compreensão.

A humanidade proposta pela artista é um convite à reflexão sobre a importância da amizade, do respeito ao próximo e da confraternização cidadã entre os seres. Suas figuras são religiosas, humanizantes, estão ligadas com as leis e a espiritualidade do universo.

Exposição: "Humanidade" – Gravuras de Fúlvia Gonçalves Curadoria: Paulo Cheida Sans. Período da mostra: 17 de março a 14 de abril de 2012. Visitação: de terça-feira a sábado, das 9h às 17h. Local: Museu Olho Latino. Endereço: Al. Lucas Nogueira Garcêz, 511 - Estância de Atibaia, SP. Cep: 12941-650. Realização: Museu Olho Latino e Secretaria de Cultura e Eventos da Prefeitura Municipal da Estância de Atibaia. Olho Latino nº30

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EXPOSIÇÃO

Grupo Olho Latino expõe no MAM Resende Luciene Sans

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quando as partes são casadas entre Prefeitura, através da as diferentes peças, formando um Fundação Casa de Cultura trabalho coletivo. Macedo Miranda, via MAM (Museu O grupo de artistas faz parte do de Arte Moderna), abre no sábado, setor de arte-educação dia 24 de março, às 19 do Museu Olho horas, a exposição de Esta mostra, de Latino, com sede na gravuras “Agregados” caráter itinerante, está Estância de Atibaia, do Grupo de Arte percorrendo o Brasil e já SP. O grupo de Olho Latino”. passou por Lima, Peru, e artistas já expôs em A mostra é La Paz, Bolívia várias cidades e sua composta por 30 atuação é intensa. A gravuras sobre tecido primeira mostra desse grupo foi em grandes dimensões. A gravura realizada na Galeria da Casa da possibilita que o artista faça tiragem Cultura da América Latina da da matriz, ou seja, faça a mesma Universidade de Brasília, em 1996. A obra mais vezes. A matriz mais partir daí, o grupo já expôs em mais usada pelo grupo é a madeira, modalidade técnica conhecida como de 60 mostras realizadas em várias cidades, entre elas, São Paulo (SP), xilogravura. Recife (PE), Curitiba (PR), Juiz de Cada um dos artistas fez a sua Fora (MG), Piracicaba (SP) e gravura sendo composta por três também no exterior, como em Lima, partes, para que fossem Peru; La Paz, Bolívia; e Santiago, desmembradas e misturadas às Chile. demais partes de outras gravuras, Sobre as obras, Celina Carvalho, formando assim uma nova obra. coordenadora adjunta do grupo, diz Isso explica o título da mostra, pois que “as partes soltas das gravuras são obras que podem se multiplicar 10

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Luciene Sans

Vista parcial da mostra.

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Luciene Sans Luciene Sans

Vista parcial da mostra.

Vista parcial da mostra.

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oferecem inúmeros modos de apresentação e, em cada nova disposição das peças, a obra fica inédita por dar um resultado totalmente diferente da matriz idealizada”. O grupo Olho Latino é formado por 12 artistas residentes em cidades do interior do Estado de São Paulo. Todos são formados em Artes. Participam da mostra os seguintes artistas: Alex Roch, Cibele Marion Sisti, Celina Carvalho, Elika Ito, Flávia Bresil Palhares, Lisa França, Maricel Fermoselli, Paulo Cheida

Sans, Regiane Capp Couto Buccioli, Suely Arnaldo, Walcirlei Siqueira e Young Koh. A mostra “Agregados” do Grupo Olho Latino conta com a curadoria do prof. Dr. Paulo Cheida Sans e poderá ser visitada de 24 de março a 20 de abril de 2011, de segunda a sexta-feira, das 09h às 17h30 no MAM, situado na Rua Doutor Cunha Ferreira 104, Centro, Resende, RJ. O Museu oferece ação educativa para escolas e outros segmentos organizados com agendamento prévio.

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Exposição: “Agregados” – mostra do Grupo Olho Latino (Grupo de Arte do Museu Olho Latino) Expositores: Alex Roch, Celina Carvalho, Cibele Marion Sisti, Elika Ito, Flávia Bresil Palhares, Lisa França, Maricel Fermoselli, Paulo Cheida Sans, Regiane Capp Couto Buccioli, Suely Arnaldo, Walcirlei Siqueira, Young Koh. Curadoria: Paulo Cheida Sans. Abertura: 24 de março, às 19h. Período da mostra: 24 de março a 20 de abril de 2012. Local: MAM (Museu de Arte Moderna). Horário de visitação: de segunda à sexta - feira, das 09h às 17h30 (Entrada gratuita). Endereço: Rua Doutor Cunha Ferreira 104, Centro – Resende, RJ. Informações: telefones 3360-6155 e 3360-4470 ou através do endereço eletrônico mam.resende@gmail.com / www.mamresende.blogspot.com Olho Latino nº30

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ENSAIO

Uma cartografia humana da metrópole: a arte de Douglas Norris

Hélio Schonmann

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ouglas Norris (1923-2010) foi notável representante da arte paulista, naquilo que ela tem de mais subterrâneo. Sua obra veio à luz apenas em duas ocasiões – 1982 e 1987 – quando realizou individuais na galeria SESC Paulista, apresentando recortes de uma vasta produção, entre gravuras, desenhos e pinturas. Afora esses raros momentos, trabalhou praticamente incógnito, ao longo de quase sessenta anos, movido por uma permanente necessidade interior. De nossos encontros ficou-me na memória sua figura cordial, assertiva, patriarcal, como que saída diretamente de alguma página do antigo testamento. Douglas foi um mestre da xilogravura, na qual fez convergir severo rigor construtivo e uma expressividade profundamente emocional. No desenho manifestouse com desenvoltura ímpar, trabalhando até poucos meses antes de seu falecimento. Realizou também rica pesquisa pictórica, que culminou com a conquista da síntese atmosférica, cromática e gestual, nos 14

últimos trabalhos. Em todas essas linguagens, a forma se apresenta densa, estruturando narrativas de evidente filiação expressionista – em diálogo direto com arte alemã – transitando entre a nota lírica e o drama mais explícito. A arte brasileira tem precedentes significativos, no que se refere à exacerbação de drama e lirismo – Oswaldo Goeldi e Alberto da Veiga Guignard são casos emblemáticos. A poética de Douglas pode ser pensada à luz dessas referências – principalmente no que diz respeito à suas afinidades com a abordagem goeldiana da solidão. Mas a figura que marcou e definiu a trajetória do artista não foi gravador, mas sim pintor, desenhista e escultor – Raphael Galvez, com quem manteve um contato tão duradouro quanto fecundo. Podemos assim situá-lo como herdeiro direto da geração que se formou na convivência em torno do Sindicato dos Artistas Plásticos e dos encontros de trabalho no já lendário Palacete Santa Helena. Olho Larino nº30


divulgação

Douglas Norris - Mendigo e pássaro - xilogravura.

Paisagem humana, pertencimento, localização A expressividade cativante dos personagens que povoam o universo imagético de Douglas possui, na clareza da forma, trunfo inquestionável, mas isso não elimina Olho Latino nº30

o mistério que os envolve. A polaridade clareza/mistério abriu para o artista vasto campo de pesquisa plástica, que o impeliu a desdobrar seu trabalho por diversas linguagens, incluindo aí uma incursão significativa pelo mosaico. Seu filho Igor ainda tem viva na 15


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Douglas Norris - Bêbado triste - xilogravura.

memória a lembrança das caminhadas que fazia com o pai pelas imediações da casa onde moravam, no bairro de Santo Amaro, a fim de coletar pedras. Na variedade mineral do entorno Douglas encontrou a riqueza cromática, a partir da qual foi construindo suas imagens. Nasceram assim mosaicos que exploram de forma plena as possibilidades da linguagem – traduzindo, na concretude do 16

material, os vínculos de ligação entre artista e cidade. A emblemática sequencia de retratos em xilogravura que realizou – somada às gravuras nas quais focalizava cenas da vida cotidiana – configuram verdadeiro mapeamento da população paulistana, mas é importante ressaltar que esses trabalhos não se limitam ao mero registro de uma tipologia local. O olhar do artista buscava no outro, no diferente, a construção de uma cartografia Olho Larino nº30


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divulgação

afetiva que o localizasse diante do mundo. Uma poética do pertencimento – definida a partir da paisagem humana que o cercava – constitui o eixo dessa abordagem. Nesse sentido, seu vínculo era estabelecido, sobretudo, com a própria diversidade – característica definidora da metrópole, construída por imigrantes. Enquanto São Paulo se agigantava, tornando-se inexoravelmente mais e mais impessoal, um artista virtualmente invisível como Douglas focava a cidade através das múltiplas existências individuais que a compunham: em suas gravuras sentimos a vida de cada personagem como que vista por dentro. Intuímos, na geografia desses olhares, a paisagem que eles habitam. Um curto mas eloquente depoimento nos dá a dimensão dos laços de empatia que envolviam o artista e seus modelos: “Perto do Rio Tietê, retratei uma garotinha de nome ‘Ondina’. Um rapaz, de pouca fala, ficava nos observando, o convidei para ser retratado. Um dia a bonequinha da menina caiu dentro do rio e o rapaz, mesmo vestido, pulou dentro do rio para salvá-la. Voltei lá diversas vezes para desenhar, descobri que aquele rapaz era bandido. Ondina me deixou a boneca de presente e o rapaz, seu

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isqueiro. A arte muda tudo”¹. A ideia de pertencimento ganha, nessa sintética narrativa, largueza e consistência ímpares. Para Douglas, definir como foco de representação a vida do habitante paulistano era uma via de mão dupla: o artista entendia seu papel não apenas como de observador e intérprete do contexto local, mas como de sujeito que interfere nesse contexto. A arte constituía, para ele, instrumento efetivo de ação e transformação. 17


Como decorrência de seus vínculos com o local, é natural que Douglas tenha registrado, igualmente, a paisagem física de São Paulo. Nas xilogravuras que versam sobre o tema, deparamo-nos com uma visão pautada pela solidez. Os edifícios lembram as pedras por ele coletadas para mosaico: são pesados blocos monolíticos, enfatizando a escala mínima da figura humana. Espaço coletivo que se impõe ao individuo, a cidade apresenta-se como o avesso dos retratos. No contraponto entre os dois polos, Douglas definiu uma ótica coerente com seu tempo, fundindo a pesquisa permanente da linguagem a um humanismo lúcido, isento de ingenuidade. As primeiras telas onde o artista focalizou a paisagem paulistana apresentam abordagem correlata à das xilogravuras – principalmente no que se refere à busca por solidez – mas o desdobramento desse trabalho, nas décadas seguintes, vai trilhar caminhos diversos. Em muitas de suas derradeiras visões da cidade – realizadas com têmpera a ovo, na década de noventa – o cenário é constituído por um magma soturno, envolvente. Uma abordagem visceral, na qual a ênfase gestual é equilibrada por fusões que vão construindo 18

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A paisagem física do local

densa atmosfera. Cabe destacar a assimilação que testemunhamos, nessas pinturas, das lições de Ernesto de Fiore e do próprio Galvez. Mas, para além dessas referências pictóricas, emerge aí uma visão pessoal da paisagem suburbana, marcada por drama e mistério. É importante pontuar, finalmente, que havia um “outro local” na existência e na sensibilidade do artista, que chegou a se auto definir como Olho Larino nº30


Inteireza e reclusão

Douglas Norris - Nu - xilogravura.

“caiçara por adoção e coração”². Sentindo-se assim vinculado ao contexto litorâneo, realizou série de xilogravuras, nas quais a cor, via de regra, se impõe. A praia nunca será, para Douglas, um cenário exótico, mas sim um habitat repleto de significados existenciais, muito mais próximo dos sentimentos humanos que a paisagem compacta, densa, impessoal – quase uma “paisagemobjeto” – da urbe por ele criada. Olho Latino nº30

A vida de Douglas Norris apresenta polivalencia verdadeiramente impressionante, difícil de igualar: além da dedicação incansável às artes plásticas, foi ginasta, lutador de luta livre, modelo, bailarino, cantor lírico, ator premiado de cinema – participou de filmes da Vera Cruz, recebendo, entre outros, o prêmio Governador do Estado – e de televisão, nos tempos heroicos desse veículo. Nas últimas décadas dedicou-se também a escrever contos e poemas. A visibilidade desfrutada no período dedicado às carreiras de ator e lutador contrasta com seu posterior isolamento. Mas a arte não se alimenta necessariamente de luz – desenvolve-se, por vezes, silenciosa, em meio à sombra mais impenetrável. Eis aqui uma vida em consonância perfeita com a obra: artista recluso por opção, gestou uma poética que coloca a nu, da maneira mais desabrida, a beleza e a tragédia de nossa existência. No epicentro desse universo tão intenso nos deparamos com a essência do drama humano – a solidão. Em Douglas Norris a vida se fez obra e a obra manifestou vida, em plenitude. * * * 19


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Machu Picchu

nas fotografias de Tatiana Medoruma

Bruno Nitz

Tatiana Medoruma

Tatiana Medoruma.

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achu Picchu, também chamada "cidade perdida dos Incas", é localizada no topo de uma montanha, a 2400 metros de altitude e é considerada um dos símbolos mais típicos do Império Inca. Sua paisagem e sua história carregam a mistificação da natureza e a característica construção milenar inconfundíveis e inspiradoras. 20

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Tatiana Medoruma Olho Latino nยบ30

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Tatiana Medoruma

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Colaboradores da Revista Digital Olho Latino nº 30:

Hélio Schonmann – Pintor, gravador, desenhista e professor. Coordena eventos colaborativos de arte pública e realiza curadoria de mostras coletivas. Luciene Sans - Jornalista, poeta e assessora de imprensa do Museu Olho Latino. Jornalista responsável pela Revista Digital Olho Latino. Paulo Cheida Sans - Professor do Curso de Artes Visuais e extensionista da PUC-Campinas. Doutor em Artes pela Unicamp. Curador do Museu Olho Latino. Tatiana Medoruma - Artista visual, formada pela PUC-Campinas, e fotógrafa profissional. Frequentou o ateliê de gravura da PUC Peru.

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