A Linhagem dos Nove Mestres Navnath Sampradaya Tradução e Edição: A.L.F.
No Hinduísmo, a palavra sampradaya pode ser traduzida por "tradição" ou "sistema religioso". Ela refere-se a uma sucessão de discípulos que servem como canais espirituais, transmitindo uma identidade religiosa de geração a geração. O conceito de sampradaya está firmemente amarrado à realidade concreta do guruparampara – a linhagem de mestres espirituais que são portadores e também transmissores da tradição. A iniciação diksha é o meio pelo qual o indivíduo pode se tornar um membro de uma sampradaya; é um procedimento espiritual – ou para um indivíduo no parampara – é uma das funções iniciais da sampradaya; não é possível se tornar um membro pelo nascimento, como acontece com uma dinastia, que é hereditária. A sampradaya é uma questão de prática, concepção e atitudes que são transmitidas, redefinidas e revisadas por cada geração sucessiva de seguidores. A participação na sampradaya forma uma continuidade com o passado, ou tradição, mas ao mesmo tempo proporciona uma plataforma para mudanças dentro das comunidades de praticantes daquele particular grupo tradicional. O Hinduísmo contém numerosas seitas, credos e cultos, e a origem da maioria deles se perde na antiguidade. O Nath Sampradaya, mais tarde conhecido como Navnath Sampradaya [a tradição dos nove mestres (nava, nove; natha, mestre; sampradaya, tradição)] é um deles. Alguns estudiosos postulam que esta seita teve seu início com os ensinamentos do mítico Rishi Dattatreya, que se acredita seja uma encarnação combinada da Sagrada Trindade Hindu – Brahma, Vishnu e Shiva. As realizações espirituais dessa legendária figura são mencionadas em várias escrituras sagradas do Hinduísmo, como o Bhagavata Purana, o Mahabharata e também em alguns dos últimos Upanishads.
Lord Dattatreya
A ideia hindu da sampradaya é o mais próximo da ideia de uma religião no sentido tradicional. A maior parte das sampradayas do Hinduísmo começa a partir de uma fonte, um filósofo principal ou guru. Ramanuja é o fundador da Shrisampradaya dos Vaishnavas, Madhva é o fundador dos Madhva Vaishnavas e assim por diante. Similarmente, Shankara é o fundador da principal sampradaya do Hinduísmo, conhecida como Advaita Vedanta. Sri Nisargadatta Maharaj – um dos grandes mestres modernos do Advaita Vedanta - fazia parte da linhagem dos nove gurus, ou Navnath Sampradaya. Seja qual for sua origem, os ensinamentos do Nath Sampradaya tornaram-se, ao longo dos séculos, intricados e complexos e assumiram diferentes formas em diferentes partes da Índia. Alguns Gurus da Sampradaya põem ênfase na devoção, ou bhakti; outros no conhecimento, ou jnana; outros ainda na união com o supremo, ou yoga. De acordo com alguns estudiosos, os Gurus da Nath propõem que toda a criação surgiu do princípio divino (nada) e do princípio físico (bindu); e a Suprema Realidade da qual esses dois princípios emanam é Shiva. A Liberação, de acordo com eles, é a absorção da alma em Shiva por meio do processo de laya, a dissolução do ego humano, o senso de “eu”. Nas instruções diárias para seus devotos, entretanto, os Gurus Nath raramente se referem à metafísica contida em seus ensinamentos. Na verdade, sua abordagem é totalmente não metafísica, simples e direta. Enquanto o canto de hinos sagrados e canções devocionais – como também a adoração de ídolos – são características tradicionais da seita, seu ensinamento enfatiza que a Suprema Realidade só pode ser realizada dentro do coração. A Nath Sampradaya ficou conhecida como Navnath Sampradaya quando num passado remoto seus seguidores escolheram nove dos seus primeiros Gurus como exemplos de seu
credo. Mas não há unanimidade quanto aos nomes desses nove Gurus. A lista mais aceita é a seguinte: 1. Matsyendranath 2. Gorakhnath 3. Jalandharnath 4. Kantinath 5. Gahaninath 6. Bhartrinath 7. Revananath 8. Charpatnath 9. Naganath Desses nove Mestres, Gahaninath e Revananath tiveram grandes adeptos no sul da Índia, incluindo Maharashtra, o estado no qual viveu Sri Nisargadatta Maharaj. Diz-se que Revananath fundou uma subseita própria e escolheu Kadasiddha como seu discípulo sucessor. Este último iniciou Lingajangam Maharaj e Bhausahib Maharaj e confiou a seus cuidados seu ashram e a propagação dos seus ensinamentos. Mais tarde Bhausahib Maharaj estabeleceu o que veio a ser conhecido como Inchegeri Sampradaya, um novo movimento dentro da congregação tradicional. Entre esses discípulos estavam Amburao Maharaj, Girimalleshwar Maharaj, Siddharameshwar Maharaj e o célebre filósofo Dr. R. D. Renade. Sri Nisargadatta Maharaj é discípulo direto e sucessor de Siddharameshwar Maharaj. Embora oficialmente Sri Nisargadatta Maharaj fosse o Guru corrente do braço Inchegeri da Navnath Sampradaya, ele não dava muita importância a seitas, cultos e credos, incluindo o seu próprio. Ele fala sobre isso no livro "Eu Sou Aquilo", pg. 271, parte II, capítulo 97: Pergunta: Vejo aqui imagens de diversos santos, e me disseram que eles são seus ancestrais espirituais. Quem são eles e como tudo isso começou? Maharaj: Somos chamados coletivamente de "Os Nove Mestres". Diz a lenda que nosso primeiro professor foi o Rishi Dattatreya, a grande encarnação da trindade Brahma, Vishnu e Shiva. E até mesmo os “Nove Mestres” são mitológicos. Pergunta: Qual é a peculiaridade do seu ensinamento? Maharaj: Sua simplicidade, tanto na teoria quanto na prática. Pergunta: Como alguém se torna um Navnath? Por meio de iniciação ou por sucessão? Maharaj: Nenhum dos dois. A tradição dos Nove Mestres (Navnath Parampara) é como um rio – ele flui para dentro do oceano da realidade e quem entra é carregado junto. Pergunta: Isso implica em ser aceito por um mestre vivo que pertença à mesma tradição? Maharaj: Aqueles que praticam a sadhana de focar suas mentes no "eu sou" podem se sentir relacionados aos outros que seguiram a mesma sadhana e foram bem sucedidos.
Eles podem decidir verbalizar seu senso de afinidade chamando a si mesmos de Navnaths. Isso lhes dá o prazer de pertencer a uma linhagem já estabelecida. Pergunta: De alguma maneira eles se beneficiam por se juntarem à linhagem? Maharaj: O círculo do satsang – a companhia de santos – se expande à medida que o tempo passa. Pergunta: Por meio disso ele obtém alguma fonte de poder e graça da qual eles seriam barrados de outra forma? Maharaj: Poder e Graça são para todos. Dar a si mesmo um nome particular não ajuda. Seja qual for o nome que você adote – desde que você seja intensamente atento a você mesmo [ao Ser], os obstáculos acumulados para o autoconhecimento certamente serão varridos para longe. Pergunta: Se eu gostar do seu ensinamento e aceitar sua orientação, posso chamar a mim mesmo um Navnath? Maharaj: Satisfaça sua mente apegada às palavras! O nome não lhe mudará. Pelo menos ele pode lembrar-lhe de se comportar. Existe uma sucessão de gurus e seus discípulos, que por sua vez treinam mais discípulos e assim a linhagem é mantida. Mas a continuidade da tradição é informal e voluntária. É como um nome de família, mas aqui a família é espiritual. Pergunta: É preciso ser realizado para se juntar à Sampradaya? Maharaj: A Navnath Sampradaya é apenas uma tradição, um modo de ensino e prática. Ela não denota um nível de consciência. Se você aceitar um professor da Navnath Sampradaya como seu guru, você se junta à Sampradaya dele. Normalmente você recebe uma indicação de sua graça – um olhar, um toque ou uma palavra, algumas vezes um sonho vívido ou uma forte recordação. Algumas vezes, o único sinal de graça é uma significante e rápida mudança de caráter e de comportamento. Pergunta: Eu conheço você já faz alguns anos e lhe encontro regularmente. O pensamento em você nunca está longe da minha mente. Isso me faz pertencer à sua Sampradaya? Maharaj: Se você pertence ou não é uma questão do seu sentimento e convicção. Afinal de contas, tudo isso é verbal e formal. Na realidade não há guru e nem discípulo, nem teoria e nem prática, nem ignorância e nem realização. Tudo isso depende do que você pensa que você é. Conheça-se corretamente. Não existe substituto para o autoconhecimento.
Devemos acolher o ponto de vista do Maharaj, de permanecer além de todas as manifestações do guru externo, todas as crenças em dualismos quando olhamos para sua Sampradaya. Esse permanecer no autoconhecimento é imperativo quando olhamos para os eventos que só podem acontecer na passagem efêmera do tempo.
Há alguns anos trás, em uma entrevista que concedeu sobre Nisargadatta Maharaj, com quem esteve diversas vezes em Mumbai, David Godman, o conhecido discípulo e editor de livros sobre Ramana Maharshi, relatou que uma vez o Maharaj, enquanto respondia perguntas dos discípulos, fez uma pausa e contou o seguinte sobre sua sampradaya: “Eu sento aqui todos os dias respondendo as suas perguntas, mas essa não é a maneira que os mestres da minha linhagem costumavam fazer o seu trabalho. Há algumas centenas de anos atrás não existiam perguntas e respostas. Nossa linhagem é composta de pais de família, o que significa que todos têm que sair e ganhar a vida. Não havia encontros como este onde os discípulos se reúnem com o Guru em grande número e lhe fazem perguntas. Viajar era difícil. Não existiam ônibus, trens e aviões. Nos velhos tempos o Guru viajava a pé, enquanto os discípulos permaneciam em casa e cuidavam de suas famílias. O Guru andava de vilarejo em vilarejo para encontrar seus discípulos. Se ele encontrasse alguém que ele achava que estava pronto para ser incluído na sampradaya, ele o iniciava com o mantra da linhagem. Esse era o único ensinamento passado. O discípulo repetiria o mantra e periodicamente o Guru vinha até o vilarejo para ver que progresso estava sendo feito. Quando o Guru sabia que estava prestes a morrer, ele apontava um dos devotos-pais de família para ser o novo Guru, e esse novo Guru assumia as obrigações do ensino: ir de vilarejo em vilarejo, iniciar novos devotos e supervisionar o progresso dos antigos.” Os professores notáveis recentes do ramo Inchegeri dessa tradição, baseada no Advaita Vedanta, foram Nisargadatta Maharaj (1897-1981), Sri Ranjit Maharaj (1913-2000), e o Guru destes, Sri Siddharameswar (1888-1936). Quem os precedeu foi "Bhausaheb Maharaj" (1843-1914) que fundou o Math [monastério] em Inchegeri. Atualmente, a Navnath Parampara é uma das mais conhecidas linhagens advaita no mundo.
Bhausaheb Maharaj
Siddharameswar Maharaj
Ranjit Maharaj
Nisargadatta Maharaj
Bibliografia e Glossário 1. The Lineage of Nine Gurus – The Navnath Sampradaya and Sri Nisargadatta Maharaj – A Study by Cathy Boucher – www.nisargadatta.net/Navnath_Sampradaya.html 2. Navnath Sampradaya from Wikipedia 3. Sampradaya – www.sanskrit.org 4. Navnath Sampradaya – http://omshivgoraksha.blogspot.com/2008/06/navnathsampradaya.html 5. Remembering Nisargadatta Maharaj – www.davidgodman.org
Advaita
Ashram Bhagavata Purana
Bhakti Bindu Brahma
Guru Jnana Laya Mahabharata Mantra
Nada Sadhana Satsang Shankara
Shiva Upanishads
Não dualidade. Uma das seis escolas filosóficas da Índia, é a tradição metafísica do não dualismo, baseada nos Upanishads, a parte final dos Vedas. Colônia, comum na Índia, que se desenvolve em torno de um Sábio ou Guru. Também conhecido como Srimad Bhagavatam, que na tradução do sânscrito significa “O Livro de Deus”, cujo foco principal é a devoção amorosa ao Ser Supremo (bhakti). Devoção, Amor. Em termos filosóficos, é descrito como “o símbolo sagrado do cosmos em seu estado não manifesto”. O Deus criador da Trindade Hindu. Não confundir com Brahman, que é o Absoluto impessoal do hinduísmo; o Ser Supremo. Literalmente, “aquele que remove a escuridão”; um mestre ou tutor espiritual. Estado de conhecimento do Ser. Dissolução. Um dos maiores épicos clássicos da Índia. O mais importante texto sagrado do Hinduísmo. Palavras sagradas dadas a um discípulo por um Guru, que devem ser repetidas segundo as instruções passadas pelo Guru. Palavra sânscrita que significa “som”. Prática espiritual. Estar na presença de alguém que realizou o Ser. Também conhecido como Adi Shankaracharya, (778-820 dC.), foi um grande Jnani, tendo escrito diversos tratados e sistematizado o Advaita Vedanta. Shankara fez o hinduísmo ortodoxo reviver na Índia, em uma época em que o Budismo Mahayana dominava. Um dos três principais Deuses Hindus. Palavra usada também como sinônimo do Ser. Literalmente significa “sentar-se perto” (para
Vaishnavas
Vedanta
Yoga
ouvir a verdade diretamente do Guru). Texto filosófico esotérico hindu que expõe a filosofia do não dualismo (Advaita Vedanta); esses textos são considerados a conclusão dos Vedas, e a última fase da revelação. Seguidores do Vaishnavismo, seita hindu dos adoradores de Vishnu. Conjuntamente com o Shaivismo, é uma das duas grandes tradições teístas do Hinduísmo. Sua escritura mais antiga é o Bhagavad Gita. “Final dos Vedas”. É a tradição filosófica predominante no Hinduísmo, baseada nos textos dos Upanishads, Brahma Sutras e Bhagavad Gita, fundada pelo Rishi Badarayana. Possui três correntes filosóficas – não dualidade (Advaita), não dualidade qualificada (Visishtadvaita) e dualidade (Dvaita) – sendo que dentre elas o Advaita foi a mais influente e a que mais se consolidou. Utilizada no plural, dá o significado do conjunto de escrituras relativas a essa filosofia. Literalmente, “União”. Um dos seis sistemas ortodoxos da filosofia hindu, que parte do ponto de vista da dualidade (dvaita) para chegar à união com Brahman, o Absoluto. Muitas vezes é usada como sinônimo de Raja Yoga ou Ashtanga Yoga. Às vezes utilizada como sinônimo de “caminho”.