Edição 34, junho de 1987

Page 35

Resgatar a idéia de processo É uma história dentro da história, vista e até

certo ponto vivida por quem, na condição de assessor, também se defrontou com desafios na busca de contribuições que pudessem alimentar o debate sobre a prática educativa da equipe local. A análise que aqui farei apresenta-se com duas vertentes. Na primeira parte do texto, retomarei principalmente questões teórico-metodológicas que foram sendo socializadas no bojo da experiência e que corresponderam a momentos de um repensar da prática. Algumas delas foram incorporadas aos resultados alcançados na sistematização que precede a este artigo, dando por isso mesmo erroneamente a idéia de linearidade do processo. Dai a importância de resgatá-las. Outras permanecem como desafio... Essas

questões referem-se à relação entre o conhecimento da realidade/categoria e a formulação das propostas de ação educativa. Na segunda parte apenas sublinharei alguns aspectos da prática educativa no tocante à relação do pr~s~o organizativo com o processo de formação/capacitação das lideranças. Em suma, mostrarei como uma determinada concepção da relação entre organização e formação dos trabalhadores potencializa as lutas concretas e contribui para sua socialização politica. Este é o aspecto politico-educativo da experiência, uma vez que tem dado elementos "para o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, para a elaboração da identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente, para apreensão critica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais". 1

Partindo da prática social Entendo que em um trabalho de intervenção social, como se caracteriza o trabalho da FASE, tratase de pensar uma ação planejada que visa fortificar a capacidade de resistência e luta de uma determinada "população" para que realize seus interesses de classe. Ora, a concretização de tal perspectiva implica reconhecer que uma das condições e também instrumento de tal ação é a análise da realidade sob seus diversos ângulos. Nunca é demais insistir na premissa de que a educação popular baseia-se na situação concreta de vida da "população" que se pretende atingir. Essa premissa de caráter genérico remete-nos, entretanto, em termos concretos à necessidade de procedermos de forma continuada à análise das questões sobre como se estrutura a economia local e regional, as relações básicas em que se assenta, as diferentes classes e interesses que a compõem, as politicas do Estado (projetes, etc.). Mas essa análise deve comportar também a multiplicidade de formas sob as quais se organiza o trabalho no campo, a percepção dos diferentes segmentos dos trabalhadores rurais sobre suas condições de vida e trabalho, o estágio organizativo dos movimentos, as lutas e experiências acumuladas pelos trabalhadores, etc. Em outras palavras, significa partir da PRÁTICA SOCIAL, baseando-nos em seus elementos ob-

jetivos e subjetivos. "A prática social de um determinado grupo popular com o qual se trabalha não é uma realidade homogénea, nem estática. Está atravessada por contradições objetivas e subjetivas: contradições de classe, mecanismos de exploração e opressão, relações sociais e técnicas de produção, influência ideológica das classes dominantes, conhecimentos emptricos parcelados e não sistematizados, elementos alienantes, produto da dominação cultural, etc."2 O processo de conhecimento da realidade deve orientar-se no sentido de considerar os trabalhadores como sujeitos concretos e determinados por relações especificas. Não se trata, pois, de realizar pesquisas/levantamento "sobre", mas pesquisas/levantamento "para" subsidiar a elaboração de planos com vistas a determinados objetivos. Cabe, assim, evitar o risco no qual incorre muitas vezes o educador: na busca de compreensão de estruturas mais amplas e abrangentes termina-se por levar à dissolução ou não-incorporação dos sujeitos nas análises feitas.

É esta análise que vai permitir definir os planos de atuação. 1. GRZYBOWSKI, C. -"A resistência no campo", Caderno do CEAS, Salvador, nº 94, nov./dez., pp. 37/45. 2. Cl. JARA, Oscar - "Concepção dialética da educação popular", in CEPIS, Texto de Apoio nº 2, maio/85.

33


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.