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Tarcilo Ricardo Rodrigues, Bioagência VENDA DIRETA DE ETANOL:

a expansão internacional do etanol como solução de baixo carbono

Ao longo da história, o etanol tem sido estratégico em situações adversas. Basta dizer que seu primeiro grande salto no Brasil se deu com o Proálcool, principalmente para garantir o abastecimento em um cenário de escassez.

Contudo, sua principal característica foi percebida apenas décadas depois: em um mundo aflito pelos efeitos das mudanças climáticas, percebeu-se que o etanol era capaz de reduzir até 90% das emissões de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo, assim, para a mobilidade sustentável. Tudo isso ganhou ainda mais sentido a partir do Acordo de Paris.

Na 21ª Conferência do Clima, em 2015, tornou-se evidente que as ações para reduzir o aquecimento global abrangeriam, necessariamente, a descarbonização do setor de transportes, responsável por quase 25% das emissões. Nessa perspectiva, a experiência consolidada do Brasil, em mais de 40 anos com o etanol, apresenta não apenas uma alternativa energética à gasolina, mas uma solução viável e eficiente para uma das maiores demandas globais – a mitigação da crise climática. A mistura de etanol na gasolina, quando adotada por meio de políticas públicas claras e de longo prazo, pode proporcionar diminuição imediata das emissões no setor automotivo.

Ao lado da sua contribuição para evitarmos o aquecimento global, o etanol também proporcionou uma bem-sucedida experiência para o controle das emissões de poluentes. É conhecida a sua contribuição, por exemplo, para que a cidade de São Paulo, quarta mais populosa do mundo, seja hoje uma das metrópoles com o menor nível de poluição atmosférica.

devemos considerar o potencial da África como a nova fronteira para o etanol no mundo. Com incentivos institucionais adequados, países com forte tradição na produção de açúcar podem desenvolver um programa bem-sucedido para a produção do biocombustível. "

Evandro Gussi

Presidente da Unica - União da Indústria de Cana-de-açúcar

Em 2021, a cidade ocupou o 1.779º lugar na lista da IQAir, plataforma que monitora e ranqueia a qualidade do ar dos municípios ao redor do globo.

De volta ao tema dos GEE, a presença de 27% do biocombustível na gasolina brasileira garante a redução de 15% nessas emissões. Já o etanol hidratado emite até 90% menos CO2 do que o combustível fóssil. Atualmente, cerca de 46% do consumo de combustível para o ciclo Otto é suprido por etanol, graças à tecnologia flex fuel, presente no País desde 2003.

Em consequência, o uso do etanol no País evitou, nas duas últimas décadas, que mais de 600 milhões de toneladas de CO2eq fossem lançados na atmosfera. Esse volume representa emissões anuais somadas da Argentina, Venezuela, Chile, Colômbia, Uruguai e Paraguai. A título de ilustração, para atingir a mesma economia de CO2eq, seria preciso plantar mais de quatro bilhões de árvores nativas nos próximos 20 anos.

Diante dessas evidências, o Reino Unido decidiu, no ano passado, ampliar a mistura de etanol à gasolina de 5% para 10%, e mais de 60 países adotam ações semelhantes visando melhorar a qualidade do ar.

Com um número cada vez maior de países consumindo e produzindo biocombustíveis, temos a oportunidade de transformar o etanol em commodity.

Por isso a importância das ações que estimulem os programas nacionais, o que permitiria maiores ganhos de escala, tanto na produção quanto na segurança energética de baixo carbono.

Em 2020, iniciamos uma intensa cooperação técnica com a Índia. Desde então, o governo indiano autorizou a venda de etanol puro (E-100) nos postos de combustíveis. Também antecipou em cinco anos, para 2025, a meta de 20% de mistura de etanol no combustível, coroando a sólida parceria que temos desenvolvido com o país asiático.

Com a medida, o consumo de etanol na Índia deve se aproximar de 6 bilhões de litros por ano, com um incremento de 4,11 bilhões de litros se comparado com o consumo atual, tomando como base os dados do EIA (U.S. Energy Information Administration). A decisão da Índia é um passo fundamental para a consolidação do programa no país, gerando benefícios ambientais, econômicos e de saúde pública. Também configura importante conquista no esforço de globalização do etanol, para o que temos nos empenhado, apresentando, em conferências e missões internacionais, o potencial do biocombustível e de suas externalidades positivas.

Passado o período mais preocupante da pandemia por Covid-19, seguimos ampliando o conhecimento sobre o etanol em diversos países. Da Ásia aos nossos vizinhos da América Latina. Demos início, em fevereiro, aos preparativos para uma importante missão para a Guatemala, com o objetivo de promover a produção e o consumo do etanol, como alternativa já testada e economicamente viável para a descarbonização do transporte. A agenda está avançando no país.

E seguimos o debate no Sustainable Mobility: Ethanol Talks Guatemala, evento promovido em parceria com a APLA, APEX e MRE, para discutir o biocombustível, a exemplo da cooperação com a Ásia.

Em seguida, partiremos para outros países da América Latina, pois queremos contribuir para a oferta de alternativas sólidas para a redução de emissões de GEE. Nesse contexto, as melhores tecnologias devem ser selecionadas de acordo com as características de cada região: potencial de produção, disponibilidade de infraestruturas, geração de emprego, condições econômicas, entre outros.

Nesse sentido, devemos considerar o potencial da África como a nova fronteira para o etanol no mundo. Com incentivos institucionais adequados, países com forte tradição na produção de açúcar podem desenvolver um programa bem-sucedido para a produção do biocombustível.

Além de gerar mais empregos e renda no campo, a atividade reduziria a dependência dos combustíveis fósseis e melhoraria a balança comercial, seja pela redução das importações de derivados de petróleo ou por meio das exportações do etanol excedente.

Esse cenário aponta um processo de grandes avanços nos próximos anos. Temos espaço para a cultura do “e”, da soma de fontes energéticas renováveis e de diferentes rotas tecnológicas, em lugar de “a ou b”. A redução de emissões de CO2eq é um desafio global, e teremos que dispor de todas as tecnologias para atingir esse objetivo. n

como ajustar a oferta de cana às crescentes demandas de etanol e açúcar

Mais um grande desafio se impõe ao setor sucroalcooleiro para os próximos anos. As demandas pelos nossos principais produtos, que há décadas estavam de alguma forma contidas, começam a dar sinais de extrema vitalidade, em meio a enormes transformações em toda a sociedade, que busca uma forma de vida equilibrada e se preocupa cada vez mais com o meio ambiente.

Todo o peso da forte expansão setorial a que assistimos entre 2005 e 2010, impulsionada por uma liquidez de crédito poucas vezes vista em nossa história recente, nos colocou em uma situação bastante difícil, pois houve uma frustração do crescimento da demanda de etanol, principalmente do mercado internacional.

O ciclo negativo foi impulsionado pelas intervenções governamentais no mercado interno de combustíveis na década seguinte, que causaram grandes perdas ao setor, algumas das quais irreversíveis.

Esse período, posterior ao crescimento acelerado – quando inauguramos mais de 100 novas unidades produtoras –, foi uma batalha de sobrevivência e uma busca pela reorganização de muitas unidades produtoras, que estagnaram o crescimento da produção de cana até os dias atuais.

Sem o sonhado mercado de etanol, a produção desaguou de forma desordenada para o mercado de açúcar, fazendo com que, por um longo período, os preços ficassem abaixo dos custos de produção.

O lado positivo dessa história é que um dos maiores ativos do setor, a frota de veículos flex, não só foi preservada, como também continuou a sua expansão. Tivemos um período de crescimento da demanda de combustíveis, principalmente de gasolina, alavancada pelo

Enquanto a demanda de etanol parece estar mais sedimentada, com um horizonte mais previsível em comparação com décadas passadas, o açúcar ainda se mostra inserido em um mercado imperfeito, com todos os elementos que o caracterizam. "

Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência

controle artificial de preços realizado pelo governo sobre os derivados de petróleo, como forma de política macroeconômica para contenção da inflação.

Essa intervenção gerou perdas expressivas não só para a Petrobras, mas, de forma indireta, limitou a recuperação dos preços do etanol e grandes perdas foram sentidas em todo o setor sucroalcooleiro.

Em meados da década passada, o Brasil entrou em um período de recessão do crescimento econômico, que impactou o consumo de combustíveis, fato que se arrasta até hoje. Quando havia uma perspectiva de recuperação, fomos atropelados por uma pandemia de escala global, que nos fez recuar de forma drástica o consumo: restrição da mobilidade imposta pela pandemia.

Em nossas usinas, herdamos uma capacidade ociosa bastante relevante nas fábricas de açúcar e etanol, o que, apesar do seu custo, contribuiu para ajustarmos a produção na direção dos mercados mais rentáveis nos últimos anos. Essa capacidade da indústria retardará um pouco os investimentos necessários ao atendimento da demanda, concentrando os esforços na recuperação agronômica.

É sempre importante revisitarmos esses fatos que nos trazem até os dias de hoje, para que possamos compreender a complexidade que é ajustarmos as expectativas de todos os agentes da cadeia, para atingirmos um crescimento robusto e duradouro.

Hoje, estamos melhor do que há duas décadas, quando iniciamos o 2º ciclo de crescimento setorial, depois da criação do Proálcool, em 1976. Temos uma lei, que norteia e regula a participação dos biocombustíveis na matriz de transporte de veículos leves em nosso país, e isso pode ser o grande diferencial de um crescimento sustentável nas próximas décadas.

Fica latente, pela experiência passada, a importância de um marco legal, regendo a política nacional de biocombustíveis, uma vez que o combustível renovável compete de forma direta, nas bombas, com a gasolina, extraída de uma commodity mineral, sujeita a fatores geopolíticos internacionais, cartéis de produção, políticas distintas de cada País, moedas e demais fatores que contribuem para formar o seu valor de venda, independente de seus custos. ;

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