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O
02-04-2018
Zoon / Entrevista
Francisco Miranda Rodrigues está à frente da Ordem dos Psicólogos desde o final de 2016. Consultor em desenvolvimento organizacional, liderança, eficácia pessoal e de equipas, explica que, sem envolver as pessoas pela base, é muito difícil obter resultados. Seja nas políticas florestais, nas escolas ou nas empresas.
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Francisco Miranda Rodrigues. "Com o aproximar da época de fogos, vão ser reavivadas memorias mesmo à distância" MARTA REIS (Texto)
marta. reis@ionline. pt MIGUEL SILVA (Fotografia)
migue!. süva@jonline. pt Não chega fazer leis e anunciar multas: é preciso envolver as pessoas e saber fazê-lo. Francisco Miranda Rodrigues, bastonário dos Psicólogos, lamenta não ter havido resposta do governo a uma proposta de apoio especializado na promoção da resiliência das comunidades contra os incêndios. Com o verão mais perto, alerta que é essencial um apoio continuado às vítimas da tragédia do ano passado. Há um ano à frente da Ordem, Francisco Miranda Rodrigues lamenta o atraso na contratação de psicólogos para o SNS e defende a criação de uma Agenda Nacional& Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas, como forma de prevenção de perturbações mentais e via de crescimento para o país. Disse recentemente que as afirmações de Mário Centeno sobre a existência de má gestão na saúde podiam ser uma autocrítica. Vê razões para isso? Vi-o com alguma estranheza quando é sabido que, devido às cativações e às normas de funcionamento a que os ministérios estão sujeitos, nas decisões que interfiram com questões financeiras há o envolvimento passo a passo das Finanças. Ou entendemos as declarações de Mário Centeno como falta de solidariedade ou como autocrítica de facto. Tem trabalhado em desenvolvimento organizacional e liderança. Este posicionamento das Finanças é uma boa estratégia? Quando cortamos a autonomia às pessoas, é uma forma de se sentirem menos responsabilizadas. Do ponto de vista motivacional não é grande política. A Ordem denunciou que não abriram os concursos para cerca dc 100 psicólogos prometidos para o SNS em 2017 e para este ano. Que relatos lhe chegam do terreno? Não há psicólogos em todos os centros dc saúde, embora possam existir praticamente em todos os agrupamentos. Mas são claramente poucos. Os psicólogos nos centros de saúde dizem-nos que não têm mãos a medir, são sessões atrás de sessões. É preciso não esquecer que a boa prática recomenda que as sessões durem 50 minutos, não é 15. Há queixas de que isso acontece? Não, mas se chegar alguma denúncia, a Ordem a atuará. Dizem-nos também que
as pessoas chegam quase sempre numa fase já avançada. A acessibilidade é muito difícil. Veja-se por exemplo o que aconteceu no Dão Lafões. Os recursos foram mobilizados, e bem, para dar apoio à população em situação de crise e catástrofe por causa dos incêndios. Mas cinco psicólogos deixaram de estar nos seus centros de saúde. Os encaminhamentos continuaram e já iam em mais de mil pessoas à espera. Houve reforço? Nenhum. Mesmo nos incêndios, alguns meses depois de Pedrógão havia relatos de dificuldades para ter algum acompanhamento psicológico de continuidade no SNS. Na intervenção em crise e catástofre acho
O presidente da Ordem dos Psicólogos diz que trabalho noturno e por turnos aumenta em 40% risco de depressão
Está a falar de haver pelo menos uma Em relação às pessoas que estão a ser consulta de psicologia neste período? acompanhadas, é preciso garantir que Podia até ser uma sessão em que era esse acompanhamento é efetivo e não dada informação, trabalhava-se a !itera- demasiado espaçado. As outras deveriam cia psicológica e fornecia elementos para _procurar acompanhamento. É preciso autoajuda guiada Ou podia ser uma inter- esclarecer que na maior parte destes venção de grupo. Nada disto aconteceu casos não terá de haver uma intervene a resposta a este nível da prevenção é ção psicoterapeutica. O problema do folmuito inconsistente. É como se assumís- low-up é que sabemos que os recursos semos que estas questões não existem que existem em termos de proximidade nesta fase: só passam a existir quando a nos centros de saúde são tão poucos que pessoa aparece no centro de saúde já até pode ser dada urna prioridade numa com uma depressão. primeira consulta mas depois para ter Tendo em conta a violência do que se uma segunda consulta não é fácil. passou, haverá situações de Quando se prepara o verão com a sofrimento em que as pessoas ainda limpeza das florestas, esta era uma não verbalizaram o que sentem? área que também importava reforçar? Até pelo que se sabe de Já devia ter acontecido... chegou a colomuitos desastres a nível car-se a questão de quantos psicólogos "Com o aproximar dos fogos, internacional, sabemos mais seriam necessários... Não há o perique uma grande parte go de colocar a mais, são tão poucos que vão ser reavivadas memórias da população desenvol- mesmo duplicando a resposta continuaque podem levar a desconforto ve a prazo perturba- ríamos com rácios baixos. psicológico" ções. Podemos dividir Voltou a falar-se nos últimos dias dos as pessoas em três ou fogos de outubro. Uma das críticas quatro categorias, sim- feitas na altura ao governo foi de uma "Os psicólogos nos centros plificando um pouco. aparente falta de empada. É algo que de saúde dizem-nos que não têm Temos as pessoas que seja importante garantir em termos de têm uma resposta com- mensagem pública? mãos a medir, são sessões atrás pletamente resiliente e Eu não sei dizer se tem havido empatia de sessões" depois há pessoas que ou se as pessoas sentem que os políticos no momento reagem percebem aquilo que se passa nas suas de forma adequada mas vidas. Mas é importante que as pessoas "Quando se fala de criar têm alguns sinais de sintam isso, desde logo porque essa proa tal resiliência das populações, que algo não está bem. ximidade cria uma muito maior facilié preciso ajudar as comunidades como começar a ter difi- dade de mobilização dessas pessoas para culdades a dormir. E há as soluções. Sabemos que entretanto a construi-la" as pessoas que mani- foram implementadas algumas medidas que houve uma resposta boa e uma gran- festam logo sinais de perturbação. e um dos aspetos mais importantes para de mobilização. Penso que na maior par- A chegada do verão e dos fogos pode além da criação de legislação é garantir te dos sítios houve capacidade do Esta- ser problemática? Em Pedrógão e que há uma adesão das pessoas e um do, até em conjunto com as autarquias Castanheira de Pera, quando tornou a envolvimento para que as políticas publie instituições de solidariedade social, de haver fogos, as pessoas diziam que até cas sejam eficazes. arregimentar os recursos e colocá-los o barulho das sirenes era suficiente Refere-se às regras para a limpeza das onde eram mais necessários naquele para causar alguma ansiedade. florestas? momento. O problema é o que vem a Acho que era algo que mereceria uma Sim, é necessário que as pessoas se sinseguir e aí continuamos a dizer o que especial atenção. Infelizmente com o tam como sendo parte da solução. Umas dizíamos na altura: parece-nos que con- aproximar de uma nova época de fogos das coisas mais badaladas foram as penatinuou a haver sobretudo apoio a pes- há um conjunto de pessoas que vão con- lizações para quem não cumprisse. Duvisoas que desenvolveram perturbações tinuar a ser expostas, mesmo que à dis- do muito que o interesse de quem quer ou que já eram acompanhadas anterior- tãncia e até pela televisão, a um conjun- que esteja envolvido neste processo fosmente porque tinham alguma perturba- to de estímulos que vão reavivar memó- se penalizar, mas sim garantir que a ação ção ou risco e tiveram prioridade. O que rias. Se forem pessoas com um perfil de preventiva acontecesse. O que desconhesabemos é que nestas situações em que risco, aumenta a probabilidade de des- ço, e não é que não tenhamos tentado há uma exposição a acontecimentos des- envolverem algum desconforto psicoló- colocar-nos à disposição do governo para ta natureza há uma percentagem da gico e pode ser o suficiente para desen- colaborar, é que estratégias têm sido população que não desenvolve no ime- cadear um processo que leve a uma per- seguidas para criar esse envolvimento diato uma perturbação mas pode acon- turbação. Ou, no caso das pessoas que da população. Quando se fala dc criar a tecer mais tarde e é possível identificar desenvolveram uma perturbação que tal resiliência, é preciso ajudar as comusinais de risco. Estas pessoas deviam ser entretanto possa estar estabilizada, poder nidades a construi-la. E quando se fala em medidas como a simples limpeza e rastreadas e ser alvo de uma interven- haver uma descompensação. continua na pagina seguinte O que é que se devia fazer? ção preventiva.
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Francisco Miranda Rodrigues defende que é impossível continuar a apostar numa escola taylorista, que não tenha por base a premissa de que todos os alunos são diferentes. Para o psicólogo, até a tradicional divisão de turmas por faixas etárias poderia ser repensada, ajudando a prevenir problemas emocionais e de comportamento
continuaça0 da wir,vna anterior
fazer com que se torne um hábito enraizado, é preciso ter presente que isto não se faz só por decreto. Numa aldeia que visitámos depois dos fogos e que começou logo a fazer o cadastro da floresta, um dos avisos da associação de moradores era para o trabalho de "mediação" necessário junto dos moradores, até mais idosos, para perceberem que o cenário que sempre conheceram ia mudar. Sim. Há comunidades que, devido à coesão que já têm, conseguem dar alguma resposta antes de haver alguma iniciativa legislativa, mas isso não é regra. Falta incorporar mais vezes os conhecimentos das ciências comportamentais neste tipo de iniciativas públicas. Entregámos uma proposta ao governo ligada especificamente à prevenção dos incêndios sobretudo a alertar para isto: é importante perceber que as pessoas têm determinado tipo de comportamentos não porque lhes dizem que é importante agirem de determinada forma - se assim fosse ninguém fumava. Há estratégias que podem facilitar a transmissão da informação, como ajudar a identificar os líderes comunitários. Pode dar um exemplo de uma mensagem que lhe pareça errada desse ponto de vista? A questão é se, para além da mensagem de que é preciso limpar, houve discussão com as populações sobre esta estratégia. Se para além do aviso das coimas, do email das Finanças a avisar - e ainda por cima receber uma informação das Finanças é algo que para as pessoas tem impacto... - foi feito um trabalho a nível local. Um dos problemas que veio à baila foi que não havia recursos em alguns sítios para fazer limpeza. No momento em que se soube que se ia limpar, que trabalho foi feito a nível local para mobilizar recursos na comunidade? Houve o cuidado de ir falar com as pessoas nas aldeias mais distantes onde se calhar não chega o email das Finanças? Isto até pode ter sido feito, mas desconheço. Que resposta tiveram à proposta? Não tivemos resposta. Tive uma reunião com o eng. Tiago Oliveira [presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais] e com um lepicscatante do ministro adjunto em finais de novembro, apresentámos as nossas respostas e houve bastante acolhimento. Colocámo-nos à disposição para o que fosse necessário
e até insistimos bastante, mas até hoje não tivemos resposta. Vê isso como um mau sinal? Vejo como um mau sinal sobretudo porque é uma altura em que o envolvimento de todos seria importante. Não ajuda muito ao envolvimento quando não há sequer resposta Mas o mais importante de tudo não é isto: se estiver a ser implementado, tudo bem. Falou-se de os anos da crise terem contribuído para mais casos de depressão e de suicídio. Não será fácil um diagnóstico coletivo, mas que realidade encontram hoje? Os números dizem-nos que continua a haver um agravamento do problema e temos um consumo de antidepressivos que continua a crescer. Propusemos no ano passado logo no início do mandato a criação de um Programa Nacional de Prevenção da Depressão. Existe um Plano de Prevenção do Suicídio, que aborda a depressão. Sim. O que pretendíamos era um conjunto de passos específicos nos cuidados de saúde primários para uma prevenção precoce da depressão e uma referenciação para a solução mais adequada, que não é necessariamente o encaminhamento para os serviços de psiquiatria e saúde mental mas, nos casos mais graves, poderia levar aí. Teríamos em primeiro lugar o médico de família a referenciar para o psicólogo, claro que para isso é preciso que os psicólogos existam. Está a decorrer um programa formativo para psicólogos e o governo sugeriu iniciarmos projetos piloto, que tentámos implementar no ano passado. Com sucesso? Nos locais que foram sugeridos não houve possibilidade de avançar. Às vezes,
"Se não houver respostas alternativas no SNS, dificilmente se poderá reduzir o consumo de medicação" "Continuamos agarrados a um modelo de transmissão de conhecimento igual ao que havia no passado"
mesmo quando há vontade política, encontramos outro tipo de resistências. Por exemplo? Não ser aquela a metodologia que estão habituados a usar, haver muito trabalho. Seriam três projetos piloto no norte do país e nenhum avançou. Avançámos já este ano com reuniões noutros Agrupamentos de Centros de Saúde para desbloquear esta situação, temos um "ok" recente e vamos avançar já com reuniões em três unidades de saúde nos Açores. Está em revisão o modelo de prestação de cuidados de psicologia no SNS. Vemos esses serviços a avançar e um interesse generalizado na adoção deste modelo e isso permitirá maior capacidade de colocar em prática alguns programas, mas estes projetos-piloto para prevenção da depressão não abrangem só psicólogos - abrangem todos os profissionais dos cuidados de saúde primários. Tem sido algo muito lento, muitas vezes com reuniões em que as pessoas vão dizendo sim, sim e depois dizem não... A saúde mental continua a ser o parente pobre dos cuidados? Continua sem grande mudança. Não houve grandes alterações de recursos nos últimos anos. Houve algum aumento de mas não chega aos rácios adequados para psiquiatras mas os psiquiatras não são ser possível fazer trabalho preventivo. o maior grupo de profissionais nesta área. Há um entupimento dos psicólogos escoIsto depois tem reflexo no problema da lares com acompanhamentos individuais. sobremedicação e os nossos números, Há uma geração de jovens mais quando comparados com a Europa, são dispersa, mais hiperativa, os pais estão assustadores. Não acredito que o médi- menos em casa. E o gap geracional a co de família avançasse tantas vezes para falar ou há mesmo um problema? medicação se existisse possibilidade de Alteracões societais existem sempre e os um acompanhamento psicológico ou psi- miúdos são sempre diferentes dos miúcoterapéutico. Está disponível, no priva- dos de há 20 ou 30 anos. Mas não é sufido, mas isso é para quem tem recursos. ciente para justificar aquilo que às vezes Quais são os tempos de espera no SNS? parece ser uma epidemia de hiperativiComo disse, as primeiras consultas de dade, o que me parece claramente exapsicologia não têm grande tempo de espe- gerado e não vai ao encontro da prevara. Mas para uma segunda consulta pode lência deste tipo de perturbações. Estaser seis meses, um ano e em nenhum mos com certeza a confundir com modelo de intervenção psicológica é perturbação aquilo que é uma agitação razoável esperar tanto tempo. Se não normal por parte de gerações que hoje houver respostas alternativas no SNS, estão habituadas a muito mais estímudificilmente se poderá reduzir o consu- los, à imagem, aos jogos. Isso em si não mo de medicação, antidepressivos e ansio- é mau, mas em comparação com as outras líticos. E não é por falta de profissionais. realidades que encontram, pode ser uma Existem 20 mil psicólogos em Portugal, transição grande. há uma taxa elevada de desemprego. A escola está demasiado aborrecida? Temos cerca de 30 cursos em Portugal. A escola, por muitas transformações que vá havendo, na sua essência continua É demasiado? Se olharmos a uma projeção a dez anos muito igual ao que era há uns anos na e mantendo a atual absorção do merca- forma como transmite conhecimento. do, é de mais. Dito isto, é uma área em Mas há algumas iniciativas em curso. O que existe uma enorme lacuna em vários Ministério da Educação avançou com a serviços. Nas escolas tem havido algum flexibilidade curricular e começa-se a reforço e chegámos aos mil psicólogos. discutir a necessidade de a escola ser
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mais inclusiva, não no sentido de integrar os grupos com dificuldades, mas de olharmos cada vez mais para as diferenças individuais dos alunos. Alguns pais estão receosos com os projetos piloto da flexibilidade: quando chegar o fim de ciclo e os exames são iguais para todos, há jovens que podem ser penalizados. Sim, pode colocar-se o problema de o sistema não estar a evoluir todo à mesma velocidade. Mas sabemos também que hoje, fruto muitas vezes da importância que se dá aos exames, o que acontece
"A diferença etária foi urna forma. Hoje sabemos que a idade biológica não e um elemento de corte"A nossa área é muito dada a que alguém diga `agora vou experimentar isto em casa'. A psicologia é uma ciência"
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muitas vezes é estar-se a trabalhar para os resultados e não para a aprendizagem, o que e pernicioso. Parece-me que ainda estamos a passar ao lado de competências que cá fora são muito valorizadas pelo mercado do trabalho e nos ajudam a sentirmo-nos bem. As chamada soft-skills, o trabalho em equipa e a própria expressão emocional são aspectos cada vez mais valorizados, mais do que apenas a competência técnica. Além desse trabalho em função dos resultados, o que é que não faz sentido no atual modelo escolar? O que me faz mais confusão neste momento é que continuamos agarrados a ideias do passado. Continuamos agarrados a um modelo dc transmissão de conhecimento igual ao que havia quando hoje o conhecimento está, num curto espaço de tempo, completamente ultrapassado. Seria mais importante aprender a aprender de facto. Resolver problemas e "aprender a aprender" por nós próprios tornase muito mais relevante do que a quantidade de conhecimentos que possamos adquirir. A escola continua muito organizada em torno de um currículo de conhecimentos a adquirir. Em vez de termos um programa e um manual de História, está a dizer que bastava dar um computador ao aluno para pesquisar sobre os reis de Portugal?
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Acho que pode ter-se manuais mas atividades que promovam a procura de informação e que autonomizem desde cedo os alunos estimularão algo importante para o futuro. Qualquer aluno que adquira informação por si próprio, perante qualquer desafio, estará em melhores condições de o ultrapassar. O conhecimento em si não é importante? O conhecimento é sempre importante. Quando digo que é preciso valorizar mais o aprender a aprender, não digo que se corte com o resto, pois o treino das atividades cognitivas, da leitura, do dominar uma lingua, do cálculo e dc outras funções lógicas, continua a ser importante. Mas já houve pequenas evoluções. Há alguns anos não era de todo possível usar uma calculadora. Atualmente é permitido. Parece-me é que não é possível avançar apenas com um formato taylorista da escola. Os alunos são todos diferentes, não apenas os que têm dificuldades de aprendizagem e os que não têm. Veja-se desde logo as diferenças etárias. Não faz sentido dividir por idades? A diferença etária foi uma forma que se encontrou para a organização da escola. Hoje sabemos que a idade biológica não é um elemento de corte e já existem experiências onde se integram alunos com idades diferentes.
Um miúdo de sete anos que é colocado no l.0 ano não vai sentir que é "burro"? Depende, se a escola olhar para isso assim. se os professores o verbalizarem assim - "tu como és um bocadinho mais lento vais para aqui" - é verdade que se vai colocar um rótulo. Agora, se não for assim e se esta for uma abordagem normal, talvez seja melhor. O contrário faz mais sentido? Se um miúdo tem uma determinada idade mas não tem ainda as capacidades cognitivas ou até sócio-emocionais para fazer face aos desafios daquele ano, faz sentido forçá-lo a isso? Seriam chumbos psicológicos? Sim. Os pais teriam abertura para isso? Não pode haver aquele sentimento "onde falhei"? Isso só acontece porque temos uma expectativa associada à idade. Ou envolvemos os pais ou haveria dificuldade em iniciar este processo. Hoje já se discute a entrada com cinco ou seis para o P ano e existe uma carga menor sobre isso. E daí a necessidade de mais psicólogos nas escolas, saberiam como envolver os pais e ajudar a gerir salas de aulas com essas diferenças etárias. Essas funções quase de consultoria serão um trabalho diferente para os psicólogos nos próximos anos. Acredito neste trabalho que no funcontinua na pagina seguinte
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do é preventivo: se isto fizer com que alguns miúdos fiquem menos desinteressados e depois tenham comportamentos que requerem uma intervenção, é urna forma de prevenção. Houve recentemente a polémica em torno do programa Supernanny e, para lá da exposição das crianças, abordou-se a dificuldade de algumas famílias em gerir estes problemas. Os psicólogos escolares podiam ajudar? Podem ser uma solução próxima de todos. Pode não ser necessária terapia familiar mas antes aumentar as competências das famílias. Os exemplos do programa, de prémios por bom comportamento ao banco do castigo, fazem sentido? O grande problema é a descontextualização dessas estratégias. A nossa área é muito dada a que alguém arranje uma estratégia e decida "agora vou experimentar isto em casa". Há coisas que podem fazer sentido recomendadas por um profissional num determinado contexto mas são uni perfeito disparate noutro. Não há fórmulas mágicas. É uma área de trabalho em que cada caso é mesmo um caso e é por isso que é necessária uma formação de muitos anos: os psicólogos têm cinco anos de curso mais um ano de prática supervisionada antes
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de poderem trabalhar de forma autónoma. Muitos depois fazem especializações de quatro ou cinco anos. Existe ainda uma desvalorização do trabalho do psicólogo? Acho que ainda há desvalorização, mas há cada vez mais valorização. Uma questão que pode ser dificil é como se mede a eficácia. Se um medicamento não baixa o colesterol, não funciona. Como se mede o efeito da intervenção psicológica? De uma forma análoga. Da mesma forma que são feitos estudos para perceber se um medicamento é eficaz, no caso das intervenções por vezes também se avalia parâmetros biológicos, outras vezes seguimos metodologia experimental. O que nos diferencia de outras soluções que se veem por aí é que toda a intervenção dos psicólogos tem por base evidência científica. A psicologia não é uma arte, é uma ciência. As intervenções foram testadas, foram experimentadas, sabese que resultados têm. Ao mesmo tempo vemos cada vez mais livros de autoajuda, receitas para uma vida assim e assado... Pois, toda a gente é livre para pegar num conhecimento avulso. É preciso ter muito cuidado com as situações em que as pessoas acham que criaram uma nova terapia. Dizem por exemplo que inventaram a "terapia da rosa" - estou a inven-
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tar - que tem a ver com as pétalas que têm a ver com as várias dimensões da vida... isto sem nenhuma base científica. Um cuidado que as pessoas devem ter no recurso aos profissionais desta área é ver se estão inscritos na Ordem. Não há psicólogos não inscritos na Ordem. Há psicólogos e não psicólogos. Faz-lhe confusão ver os escaparates cheios de livros desta área? Sim, muitas coisas cheiram a charlatonice. Ficou-lhe algum na memória? Sempre que vemos soluções que tentam mascarar-se de psicologia denunciarno-
"Há aquela ideia de que ser coach é fashion, para `quem não tem problemas'. O psicólogo dá mais proteção" "Uma das coisas que mais causa stress aos trabalhadores é o estilo de liderança nas organizações"
lo ao Ministério Público. E quando vemos situações, que não estando validadas, são usadas no terreno por psicólogos, tratamo-lo internamente. Uma área com cada vez maior visibilidade é a dos "coaches". São uma preocupação? São um problema mais complexo. Uma coisa é alguém ser um coach porque, por exemplo numa atividade de engenharia, há um novo processo de fabrico e aquele superior hierárquico vai ajudar os colegas - é uma espécie de formador "on job". Outra coisa é quando entramos naquilo que vulgarmente é chamado de "health coach" ou "life coach". Quando temos alguém que não é psicólogo a exercer essa função, temos um problema Não há a mínima garantia de que essa pessoa domine os conhecimentos teóricos necessários e que haja consciência dos limites. Até podíamos aceitar que alguém sem formação em psicologia dissesse "mas eu só intervenho até este ponto e quando vejo que há um problema psicológico, envio para um psicólogo". Sem conhecimento em psicologia, é impossível saber onde está essa fronteira Aparecem nos consultórios pessoas que ficaram mal depois desse tipo de intervenções? Aparecem. Noutros países houve situações graves, em que as pessoas descompensaram ou desenvolveram uma perturbação depois da intervenção.
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Como reduzir stress e esgotamentos no mundo do trabalho? O psicólogo alerta para um problema que está bem diagnosticado: o impacto de "lideranças tóxicas", as que cobram de mais e valorizam de menos, além de não respeitarem quaisquer limites de descanso. Sensibilizar pode ajudar, mas sem pressão legislativa o mundo laborai não vai ficar mais saudável, avisa
A minha Ideia de sucesso ou de satisfação com a vida pode não ser de aplicar exatamente a outro, é isso? As vezes junta-se aqui uma questão de curiosidade. A psicologia é atrativa, as pessoas gostam de saber como a mente funciona. Às vezes daí passa-se para o "eu acho que tenho jeito para as pessoas". Mas ser psicólogo não é só uma questão de talento, há um conjunto de conhecimentos que têm de ser adquiridos de base e depois há modelos para intervir. Recuando aos seus primeiros tempos de psicologia. Que ideias tinha que acabaram por não coincidir com a realidade? Há aquela ideia de que conseguimos saber como os outros se comportam e prever como se vão comportar, que é uma ideia um pouco romantizada. Apanha-se muitos baldes de água fria? Pelo menos ganha-se a consciência de que não é bem uma previsão. Há cenários possíveis, apenas isso. Voltando ao coaching. muitas vezes as pessoas aplicam ferramentas mas sem um conhecimento de base. O florescimento deste setor em Portugal preocupa-o? Sim. Até porque há aquela ideia de que ser coach é mais fashion e é visto como sendo uma coisa das pessoas que "não têm qualquer tipo de problema", enquanto para ir ao psicólogo ainda há estigma.
Diria que quem vai ao psicólogo tem muito mais proteção, a do conhecimento e de que esse profissional é escrutinado, responde do ponto de vista ético, deontológico. Não faz o que quer porque há consequências. Nas mais variadas áreas, mudanças na carreira, mudanças na vida, ser pai pela primeira vez.. Ir ao psicólogo não tem de ter a ver com uma crise, mas pode ter a ver. Pode-se pensar que as resistências têm motivações corporativas. Sim, pode pensar-se isso. Não deixo de representar os elementos de uma classe e de ter obrigação de defender o desenvolvimento da profissão. Mas se há coisa que, de forma muito consistente, tem sido patente desde o início da Ordem dos Psicólogos é que as nossas acões, mesmo na defesa de interesses profissionais, tiveram sempre o chapéu do interesse público. Têm havido cada vez mais alertas para o burnout. Em Portugal não há números sobre baixas por motivos de saúde mental. Conseguem ter uma percepção de deste problema no país? É um problema grave. Um estudo sobre "distress" do Instituto Ricardo Jorge apontou para uma prevalência elevada (foi reportado por 22,5% da população, com maior impacto nas mulheres, grupos mais velhos e desempregados). Sabemos que o distress está relacionado com o burnout. que é o esgotamento. O distress o que é? São sinais comuns à depressão e ansiedade mas em que não existe ainda uma perturbação. São sinais de desconforto e sofrimento psicológico. Temos a percepção de que é algo que tem crescido, as exigências são cada vez maiores. E as expectativas também, não? Sejam as nossas exigências, sejam as exigências dos outros sobre nós: quando não temos competências para o gerir, torna-se problemático. Impunha-se alguma intervenção? Vamos fazer uma proposta legislativa na área da saúde no trabalho que propõe o alargamento das obrigações em matéria de prevenção dos riscos psicossociais. onde se inclui stress. burnout e temas como o trabalho por turnos, que têm sido suscitados pelo Bloco de Esquerda. Passamos a maior parte do nosso tempo ativo a trabalhar. Estas questões devem ser abordadas pelo impacto que têm na saude, até no aparecimento de cancro. O stress é fator de risco para o cancro? Não é só o stress. Vários riscos psicosociais. entre os quais o trabalho notur-
no e por turnos... Há evidência que causam alteracões de ciclos que também podem levar a. Temos de adotar mecanismos preventivos. Por exemplo? Quando falamos de stress, sabemos que uma das coisas que mais causa stress aos trabalhadores é o estilo de liderança nas organizações. Isso é aliás reconhecido num relatório encomendado pelo governo britânico e que aponta para custos de 300 mil milhoes de euros no Reino Unido causados pela exposição a determinados riscos psicossociais e onde, entre as cinco principais medidas a adotar surge a recomendação de reduzir as chamadas lideranças tóxicas. Ou seja o assédio, e não é só o assédio sexual de que se tem falado mas o assédio moral. Temos muitos chefes tóxicos? Existem em todo o mundo. São chefias que se apresentam sempre com uma desconfiança enorme sobre se o trabalhador cumpre ou não, não lhe dão autonomia, não fazem qualquer valorização do trabalho e têm antes uma atitude até persecutória, sempre a questionar, em cada comportamento, qual era a intenção... Não respeitam minimamente tempos de descanso, vale tudo a qualquer hora. "Aqui vestimos a camisola, estamos sempre, seja o dia que for", dizem. Ou é porque a organização "está a crescer e somos maiores"... Ou é porque está mal? Sim, o cardápio de lideranças tóxicas é imenso. O que podemos fazer? Além de medidas para acompanhar as pessoas que já têm problemas, formar as pessoas. No trabalho por turnos, se fizermos uma limitação da rotatividade e descansos mais frequentes, estamos a prevenir os riscos. Sabendo que o trabalho
"O governo tem mostrado muita sensibilidade para os problemas, precisamos é de mais aço"
"Sabemos que o trabalho noturno e por turnos aumenta em 40 por cento o risco de depressão"
noturno e por turnos aumenta cm 40% o risco de depressão, temos de compensar os trabalhadores com mais tempo de descanso, dar mais direitos às pessoas. As consequências negativas do stress estao muito dependents da forma como o vemos. Se vivenciamos o stress como positivo, as consequências são mais positivas, vice-versa. Mas uma coisa sabese: viver permanentemente em stress tem consequências a prazo. É preciso haver um equilíbrio e temos de obrigar as empresas a ir por aí. Não chega sensibilizar? Um estudo recente feito a nível europeu mostra que não: mais de 90% dos inquiridos reconhece que stress e burnout são um problema para a competitividade das empresas mas mais de 90% diz também que só toma medidas no âmbito da prevenção e segurança no trabalho quando obrigados por lei. Tentar sensibilizar, não chega. França, Bélgica e Alemanha são países que têm avançado. É um movimento que chegará a todos: há uns anos ainda era estranho ter de proteger os trabalhadores de danos físicos. Hoje há que avançar para outras dimensões. Dizer que não se vai trabalhar porque não se está bem emocionalmente não tem ainda a mesma compreensão. É um indicador? Sim, é visto como uma fraqueza. O estigma associado à doença mental é grande, portanto assumir um desconforto não é algo socialmente aceite. Escreveu uma carta aberta no final do ano ao Presidente da República a alertar para vários dos temas de que falámos e da necessidade de reforço da resposta. Teve resposta de Marcelo? Sim. mostrou-se solidário com as preocupações e disponível para se juntar ao esforço de sensibilização para se criar uma Agenda Nacional de Prevenção e Desenvolvimento das Pessoas. Marcelo tem sido o presidente dos afetos. Nesta área, é suficiente? Acho que precisamos sobretudo de ações. Do ponto de vista do discurso. há que dizer que este governo tem mostrado muita sensibilidade para muitos problemas. precisamos é de mais ação. No caso da agenda, se pensarmos que somos um país pequeno e o maior recurso que temos são talvez as pessoas, se tivermos uma agenda multisetorial de promoção e desenvolvimento de competências. estaremos a reduzir desperdício em termos de capital humano e a prevenir problemas a longo prazo.
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129 V/Segsida-kra, 2 abri 2)113//Ano 8 // huniao2138511 Draw Mário Remias H Dá executa« V.or Rsinho // Ck ~cube ~Is Ma Sá tapes// Subámax execubvcc Jose Cabrita Será» Ci. de arte: Francisco Alves
Atenção: o Facebook guarda todas as conversas que já esqueceu
PRISAO DE POLÍTICOS CATALÃES DIVIDE O PS
// PÁGS. 14-17
Dia Mundial do Autista. Os cães são fundamentais para a saúde // PÁGS. 24-25
Vários deputados do PS assinam manifesto que defende a libertação de Carles Puigdemont e outros dirigentes independentistas. Parlamento chumbou condenação mas a bancada socialista partiu-se
Israel recusa-se a investigar massacre de palestinianos 1/ PÁGS. 2-3
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Guilherme Silva, histórico do PSD, avisa críticos de Rio:
Finanças pessoais. Guia para preencher o seu IRS // PÁGS. 26-27
"O que é preciso é juízo. O partido não vai entrar num caminho suicidário" // PÁGS. 6-7
Entrevista a Francisco Miranda Rodri bastonário da Ordem dos Psicólogos
Entrevista à fadista Aldina Duarte "Não se ama mais do que uma ou duas vezes na vida" // PÁGS. 34-35
"O trabalho noturno e por turnos aumen r. em 40% o risco de depressão" // PÁGS. 1&23
Greve. Ryanair ameaça despedir tripulantes que não substituam colegas // PAG. 10
Ensaio de Alfredo Barroso sobre a escalada contra a Rússia PÁGS. 32-33