Kalango #15
AGOSTO 2013
Circo Poesia
Balões Astronomia
Literatura indígena
Mudanças
Kalango#15
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GPS LOCALIZE-SE PALAVRA A refundação do Brasil? - Leonardo Boff Francisco de Assis e Francisco de Roma - Leonardo Boff As coisas - Paulo Netho Snowden - Mario Sérgio de Moraes Magia na Realidade - Sona Mara Ruiz Brown A moça morta - Pedro Simão O crack, a cidade e a pobreza - Joana Belarmino BRISA Síndrome da síndrome de estar calmo - Delta9 PALAVRA Seu recalque bate e volta - Marco Milani Echarpe modelito FLIP - Moacir de Souza CAPA - Mudanças Sombras no Planalto - Ana Melo Mudar as coisas de lugar ou mudar o lugar das coisas? - Allan Kern O Poder da Mudança - Felipe Gonçalves Para não ficarmos imobilizados nas ruas - Washington Novaes Quanto mais idiota melhor - Marcelo Rio Um caminho de liberdade - Leandro Possadagua IMAGEM Vênus de Mídia - Mercedes Lorenzo Um certo dia... Thiago Pérez LETRA CARTA AO PAPA FRANCISCO - Thiago Pérez (Re) Conhecer-se - Renata Roquetti ARTE Quadrilha de morte - Marcelino Lima Nagueta - Jesse Medeiros Sinhô Baloeiro - Thamires de Carvalho Respeitável Público! - Osni Dias e Laura Aidar A paixão por balões - Thamires de Carvalho ASTRONOMIA DVD - Drama real rende bom filme - Luis Pires NASA libera foto da Terra - Hemerson Brandão PASSEIO Passear por atibaia é tudo isso! - Vinícius Maruca LIVROS Literatura nativa escrita por índios - Olívio Jekupe Revista Kalango. Edição 15. Agosto de 2013. Editor: Osni Dias MTb21.511. A Kalango trabalha de forma colaborativa com profissionais da academia e do jornalismo. Independente, a publicação não tem vínculos políticos, econômicos nem religiosos. Você pode ler a Kalango online ou fazer download e, posteriormente, ler em seu computador. Em breve, edição impressa. Colabore, compartilhe. Quer anunciar? Seja um patrocinador e ajude uma mídia independente. Escreva para revistakalango@gmail.com
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Editorial kalango #15
Agosto 2013
P
rezado leitor, a Kalango está debutando. Sobrevivendo à barbárie e aos boatos do fim do jornalismo, chegamos a 4 anos de existência. Para comemorar, trazemos a você uma nova revista, com novas sessões e novos colaboradores, buscando atender às exigências de um mercado em plena transformação, um público cada vez mais exigente e um mundo cada vez mais em ebulição. Os últimos acontecimentos no Brasil e no mundo nos motivaram a discorrer sobre as mudanças em curso em nosso planeta, lançando um olhar crítico e bem humorado sobre nossa irrealidade cotidiana. Assim, em nossa 15ª edição, vamos falar sobre o fantástico na realidade diária e também sobre as mobilizações que levaram multidões às ruas pelo Brasil afora, com artigos contundentes nos convidando à uma profunda reflexão. Discutimos o mercado e as gerações X, Y e Z, falamos sobre quadrilha, circo, jornalismo e surrealismo, astronomia, literatura indígena, poesia, fotografia, o crack, a cidade, a pobreza, sacanagem e balonismo. Pensa que acabou? Estivemos também na Flip, em Paraty e além de tudo isso, a Kalango fez uma viagem extraordinária pela Capadócia com imagens inéditas e incríveis mas também um passeio pelas belas paisagens da Estância de Atibaia, em São Paulo. Jornalismo, poesia e lirismo com elegância e informação, só aqui na Kalango. A edição foi feita com carinho pra você. Se gostar, compartilhe. Uma ótima viagem, uma boa leitura! Kalango#15
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PALAVRA A refundação do Brasil?
O sentido oculto das manifestações de rua Por Leonardo Boff*
O
que o povo que estava na rua no mes de junho queria, em último término, de forma consciente ou inconsciente? Para responder me apoio em três citações inspiradoras. A primeira é de Darcy Ribeiro no prefácio ao meu livro O caminhar da Igreja com os oprimidos((1998):”Nós brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão-somente gerar lucros empresariais exportáveis com pródigo desgaste de gentes”. A segunda é de Luiz Gonzaga de Souza Lima na mais recente e criativa interpretação do Brasil:”A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada (São Carlos 2011):”Quando se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora de inventar outros rumos; é hora de outra procura; é hora de o Brasil se Refundar; a Refundação é o caminho novo e, de todos os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como empresa. É hora de se refundar como sociedade”(contracapa). A terceira é do escritor francês
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François-René de Chateaubriand (1768-1848):”Nada é mais forte do que uma ideia quando chegou o momento de sua realização”. Minha impressão é que as multitudinárias manifestações de rua que se fizeram sem siglas,sem cartazes dos movimentos e dos partidos conhecidos e sem carro de som, mas irrompendo espontaneamente, queriam dizer: estamos cansados do tipo de Brasil que temos e herdamos: corrupto, com democracia de baixa intensidade, que faz políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres, no qual as grandes maiorias não contam e pequenos grupos extremamente opulentos controlam o poder social e político; queremos outro Brasil que esteja à altura da consciência que desenvolvemos como cidadãos e sobre a nossa importância para o mundo, com a biodiversidade de nossa natureza, com a criatividade de nossa cultura e como maior patrimônio que temos que é o nosso povo, misturado, alegre, sincrético, tolerante e místico. Efetivamente, até hoje o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados, continuamos sendo reconolizados, pois as potências centrais antes colonizadoras, nos
querem manter ao que sempre nos condenaram: a ser uma grande empresa neocolonial que exporta commodities, grãos, carnes, minérios como o mostra em detalhe Luiz Gonzaga de Souza Lima e o reafirmou Darcy Ribeiro citado acima. Desta forma nos impedem de realizarmos nosso projeto de nação independente e aberta ao mundo. Diz com fina sensibilidade social Souza Lima:”Ainda que nunca tenha existido na realidade, há um Brasil no imaginário e no sonho do povo brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção cultural. A sociedade construíu um Brasil diferente do real histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte mas sobretudo alegre e feliz”(p.235). Nos movimentos de rua irrompeu este sonho exuberante de Brasil. Caio Prado Júnior em sua A revolução brasileira (Brasiliense 1966) profeticamente escreveu: ”O Brasil se encontra num daqueles momentos em que se impõem de pronto reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país de maneira consentânea com suas neessidades mais gerais e profundas e as espirações da grande massa de sua população que, no estado atual, não são
devidamente atendidas”(p. 2). Chateaubriand confirma que esta idéia acima exposta madurou e chegou ao momento de sua realização. Não seria sentido básico dos reclamos dos que estavam, aos milhares, na rua? Querem um outro Brasil. Sobre que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima diz que é sobre aquilo que de mais fecundo e original temos: a cultura brasileira.”É através de nossa cultura que o povo brasileiro passará a ver suas infinitas possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficente para escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da empresa Brasil e do Estado que ela criou só para si. A cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição periférica e se propõe a si mesma
com pari dignidade em relação a todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências universais”(p.127). Não há espaço aqui para detalhar esta tese original. Remeto o leitor/a a este livro que está na linha dos grandes intérpretes do Brasil a exemplo de Gilberto Freyre, de Sérgio Buarque de Hollanda, de Caio Prado Jr, de Celso Furtado e de outros. A maioria destes clássicos intérpretes, olharam para trás e tentaram mostrar como se construíu o Brasil que temos. Souza Lima olha para frente e tenta mostrar como podemos refundar um Brasil na nova fase planetária, ecozóica, rumo ao que ele chama “uma sociedade biocentrada”. Não serão estes milhares de manifestantes, os protagonistas antecipadores do ancestral e popular sonho brasileiro? Assim o queira Deus e o permita a história.
Francisco de Assis e Francisco de Roma
E
stou feliz porque a Editora Mar de Ideias, aproveitou para capa de meu livro “Francisco de Assis e Francisco de Roma”, um quadro do grande amigo e pintor Naïf Nelson Porto. É um quadro de São Francisco junto com uma pomba e uma igrejinha simples na paisagem. Faz parte da obra “São Francisco: Homem do Paraíso”, que juntos elaboramos em 1985 – um momento marcante em minha trajetória. As pinturas são de uma inocência e beleza que reportam ao paraíso terrenal. Ele foi cotado entre os 20 melhores pintores Naïf do Mundo. Este quadro, singelo e despojado, combina com o espírito do Papa Francisco, que está mostrando um estilo de ser Papa na linha de São Francisco de Assis, amigo de todos, especialmente próximo aos sofredores e querendo restaurar a Igreja sobre os valores da humildade, da pobreza voluntária, do despojamento de todo poder e do cuidado para com a natureza. * Leonardo Boff é teólogo, escritor e autor de Saber cuidar. Ética do humano, compaixão pela Terrra, Editora Vozes. www.leonardoboff.wordpress.com
As coisas Por Paulo Netho* As coisas deram de me namorar. As coisas me querem e eu quero as coisas que me querem. É um direito meu. Ninguém pode tascar. As coisas me olham com os seus olhos pidões e eu gosto de ser olhado pelos olhos pidões das coisas que me olham. As coisas pulam o muro, brincam de amarelinha e agora, ali, na varanda estão a me chamar de “Sonho Meu”. Eu sou o sonho delas… As coisas me desconcertam quando me namoram. * Paulo Netho é poeta, escritor e um encantador de pessoas. http://paulonetho.wordpress. com/ Neste blog tem só palavras de voar e conversas de mergulhar.
Snowden
Por Mario Sérgio de Moraes Assim como os EUA bisbilhotam a vida dos brasileiros, eu também investigo os segredos deles. Através dos meus informantes – agencia PUM (Potents Unithe Merdes) – espiono suas intimidades: 1. A cada100 americanos na hora “h”, 78 pensam na mulher do vizinho. 2. A cada 100 americanas na hora “h”, 62 pensam que são celebridades 3. A cada 100, 97 quando sabem disto pensam que a solução é ir no shopping. 4. A cada 100, 78 acreditam que a Lady Gaga e a Paris Hilton poderiam se tornar psicólogas para ajudar os americanos. 5. A cada 100, todos culpam o Brasil pela safadeza do mundo. Kalango#15
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Magia na Realidade T
Por Sonia Mara Ruiz Brown
odo dia nos defrontamos com fatos extraordinários, mas a nossa pressa e a nossa lógica não nos permitem analisá-los como tal. Não temos olhos para olhar, ouvidos para ouvir, somente a ansiedade por realizar. Os sonhos pertencem aos namorados; a fé que “remove montanhas”, aos religiosos; os devaneios, aos incautos; a mesmice do cotidiano, ao homem sério e razoável. Mas o espetacular está aí, à nossa frente, desafiando nossos sentidos para podermos continuar a caminhada com menos sofrimento, menos rotina, mais esperança... A flor que nasce no deserto; a criança faminta que sobrevive; o cristão que esquece de si mesmo para socorrer o próximo; o jovem que, diante de
tantos maus exemplos, escolhe o caminho honesto; o doente desenganado que tudo supera mediante sua fé; o grito rebelde de uma sociedade há tanto sufocada pela opressão; e mais... muito mais... são acontecimentos incontestavelmente maravilhosos, mágicos, que desafiam a razão, a lógica, o bom senso e nos fazem mais humanos. Deixemos a sensibilidade florescer em nós e nos daremos conta de que “vivemos num mundo em que, muitas vezes, a realidade se torna mais fantástica que a própria fantasia”. Sonia Mara Ruiz Brown é doutora em Língua Portuguesa/USP .
A moça morta Por Pedro Simão*
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estampido que ecoou sob as árvores da Praça da República fez surgir um quadro extasiante feito de luz, sombra, formas e movimentos. Expressionista. A multidão de aves que se lançou em revoada impressionava. Pássaros de todos os tipos, centenas deles, de tantos matizes, em vôos circulares, recortados sob a luz intensa do sol, alguns enegrecidos por ela, desaparecendo por trás de uma copa de árvore para reaparecer logo a seguir, ao mesmo tempo em que cruzavam com outro, e outros, muitos outros. A luz oblíqua, que escorria entre as folhas, galhos e troncos do arvoredo, iluminava cantos, destacava recantos, erguia sombras desnaturais, cromatismos impensáveis. Descobria reflexos e escondia realidades. Por um átimo, a praça mergulhou na brandura plástica de uma tela centenária. No instante seguinte a tela desfezse, rompidas as faixas de luz. Sombras e mais sombras moviam-
se de todos os cantos, na direção do som, assustadas, curiosas, amedrontadas e céleres. Como pássaro desgarrado, um rapazote lançou-se a toda por entre a multidão e invadiu a avenida Ipiranga. Ágil, correu, parou, pulou, novamente correu, venceu o rio de automóveis, meteu-se pela Barão de Itapetininga e desapareceu. Em algum recanto da praça, deitada sob a luz forte da tarde e suas sombras atrozes uma garota, com seus vinte e poucos anos, agonizava. Branca, cabelos loiros, do peito esvaia sua vida na viscosidade vermelha do sangue. A cor não se adequava ao cenário da praça. Também não se encaixava com o turbilhão de cores barulhentas dos curiosos. O vermelho, a dança de cores vivas gritavam sob a placidez da praça com suas sombras diagonais. E a garota. E as folhas do chão, secas. Da boca, uma palavra qualquer se esforçava por ser dita. Inútil. Enrodilhados em seus cabelos espalhados pelo chão, gravetos, pedaços de plantas mortas e até mesmo algum lixozinho pareciam querer enfeitar
a garota [atavios macabros]. Uma das pernas permanecera estendida rente ao chão. A outra, o joelho para o alto, semi aberta, afastada do corpo. A minissaia escorrera em direção ao quadril. Imposta pela tragédia, a posição das belas coxas, já prestes a perder o viço, desfazendo-se do calor e macies expunham suas intimidades, feitas de rendas macias. Diante da soberania da morte os pudores perdem o sentido. Meu pensamento voou seguindo os pássaros. Assalto? Ciúmes? Paixão não correspondida? Acidente? Sabe-se lá, meu Deus. A moça já estava morta naquele instante e as conjecturas não importavam mais. Da vida exuberante, sobrara apenas a matéria inerte, fria como o chão que a amparou, sem brilho como as folhas secas que lhe serviram de colchão. O corpo, estendido na calçada da praça, expunha intimidades que a ninguém mais interessava. Nem mesmo ao atirador magricela. Pedro Simão é editor e design gráfico-editorial.
O crack, a cidade e a pobreza Por Joana Belarmino de Sousa *
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uas reportagens me chamaram a atenção no fim de semana passado. A primeira, eu li na edição 82 da revista Piauí, um brilhante dossiê realizado pelo geógrafo David Harvey , sob o título “O Direito à Cidade”, traduzido por Isa Mara Lando. A segunda reportagem, assisti no Bom dia Brasil da segunda-feira, enquanto me aprontava para ir à faculdade, e tratava do consumo de crack nas cidades brasileiras.
Repressão. Mais polícia na rua. Este foi o mote da reportagem da Rede Globo, para acabar com o crack nas ruas das grandes cidades brasileiras. Efetivar aqui, o que foi feito em Nova York nos anos oitenta, quando uma intensa repressão policial afastou o crack das ruas do centro da cidade e converteu lugares abandonados em espaços onde hoje estão prédios de luxo, verdadeiros templos dedicados ao consumo internacional. O que têm em comum as duas reportagens? Eu diria que as duas correm por rios paralelos e
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Concordo com David Harvey. Uma revolução, quando houver, será forjada nas cidades, por centenas de milhões de pessoas que estão perdendo o direito de habitar e viver dignamente.
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Em sua reportagem, David Harvey mostra como ao longo dos últimos três séculos, os projetos urbanísticos das grandes cidades do mundo expropriaram os pobres, as classes trabalhadoras, desapropriando terras para o reinvestimento do grande capital mundial na especulação imobiliária, tudo feito com os aportes do estado, sus dispositivos legais e suas políticas de gestão do dinheiro público.
antagônicos. A reportagem de David Harvey denuncia o profundo abismo cavado entre os bilhões de pobres do mundo, a economia capitalista e suas democracias.
Já a reportagem da Rede Globo faz o trabalho simbólico de pavimentar o caminho especulativo do capital nos grandes centros brasileiros. Expurgar a pobreza, reinvestir na construção, limpar a cidade da sua horda de drogados, vagabundos que ameaçam o ir e vir dos turistas, dos consumidores, da classe média alta.
David Harvey escreveu seu trabalho em 2008,mas é impressionante como ele pôde ser visionário do tempo que estamos vivendo agora, porque no âmago das manifestações empreendidas nos últimos dias, sobretudo em nossas cidades nordestinas, há um clamor pelo “direito à cidade”, direito que tem se convertido numa mercadoria de luxo, à venda por metro quadrado de terra expropriada. Concordo com David Harvey. Uma revolução, quando houver, será forjada nas cidades, por centenas de milhões de pessoas que estão perdendo o direito de habitar e viver dignamente, em terras que um dia lhes pertenceram e vêm sendo gradativamente abocanhadas pelo capital.
* Joana Belarmino é coordenadora do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFPB.
BRISA
Síndrome da síndrome de estar calmo
V
Por Delta9*
ocê sabe o que é síndrome? Definhamos simplificadamente: “sf. 1 Psic. Estado mórbido que apresenta um conjunto de sintomas e pode ser resultado de mais de uma causa; 2 P.ext. Fig. Associação de uma situação crítica a um conjunto de sinais e características, capaz de gerar medo e insegurança”. A síndrome de estar calmo acomodouse em minhas entranhas mentais quando conheci o Marquinhos. Naquela oportunidade eu disse ao Marquinhos, com uma enorme ansiedade: “Marquinho ssesabeon dtáonegóssucagent rossi??”. O Marquinhos respondeu, fitando-me languidamente: “... Oi?.... Sei lá... Nummmm tá lííii...?”. Respondi, perplexo: “PorraMar quinhosgentetemcompromissdaqui apocoeocarrotasemgasea gente tem uepassanopostoeoStanleyna dameu!! Ecenessa calma??!” Marquinhos, despaçadamente: “... Ãhnn?!... O Stannley veeemmm?! ... Caaalmaa, caalmaa. Tá tuudo beem...” Passados 273 segundos aflitos, no
sentido lusitano, chega Stanley com o vinil They Only Come Out At Night (tão eloquentemente presente nas músicas de Lulu Santos). Seus olhos arregalados, acabavam de roubar o martelo de Thor, o pirlimpimpim da Sininho, a vodka-martini de James Bond. Stanley abriu a tampa superior de madeira do toca-discos Philco, pôs o vinil no pino do prato, abriu a tampa frontal, ajustou o volume no máximo e os três deitaram embaixo do toca-discos, dois pézinhos de cada lado (à guiza de fones-de-ouvido comunitário) e deixamos o som nosso de cada dia livre naquele sábado. Quando ouvimos Frankenstein, Marquinhos chorava silenciosamente, depois aos soluços. Eu já estava calmo. O Stanley dizia, “take it easy, Mac, take it easy”, abraçando e
passando as mãos na cabeça do Marquinhos. Marquinhos relaxou... Uns três minutos após o início da música o OVNI pousou, deixou sua mensagem e voltou para o espaço. Estávamos atônitos. Em silêncio. Tudo parecia extraordinariamente calmo. Quando a síndrome de estar calmo instalou-se em nós, os próximos anos foram muito turbulentos. Muito turbulentos... Até que encontramos o Eden... Ahbez. Quando ouvimos Eden’s Island optamos pela síndrome da síndrome de estar calmo. Take it easy, Mac. Take it easy, number 9... O carro continua sem gás e a gente nunca foi ao posto. * Delta9 é extraterrestre, publicitário e atua no Judiciário. www.undiverso.blogspot.com/
PALAVRA
Seu recalque bate e volta Por Marco Milani*
M
árcio era o frequentador mais assíduo da academia. Praticava musculação durante uma hora por dia e mantinha frequência impecável nas aulas de MMA. Fazia questão de pôr em prática seu aprendizado a toda e qualquer oportunidade que surgia e, como qualquer um que almeja muito a uma situação qualquer, se encarregava de providenciá-la quando o acaso não a trazia. Moralista, garantia a preservação dos bons costumes à força, se necessário. Entretanto, o acaso, se acaso lhe aprazer, pode ser implacável. E foi o que aconteceu com Márcio. Que acabou, de maneira mais intensa que nos vestiários da antiga escolinha de futebol, experimentando o prazer de outro modo. Como houvesse gostado da experiência e com ela houvesse se sentido livre, descobriu que, sem sombra de dúvidas, era gay. Mas, como mudar tudo assim, já na metade da vida? Decidiu então procurar João, um colega do escritório, um verdadeiro lorde inglês que recentemente casara-se com o namorado de longa data. Marcou uma conversa num café discretíssimo e anunciou que tinha a mais surpreendente das novidades para lhe contar. João estranhou a abordagem, já que não eram íntimos. Mas levou consigo a certeza de que a tal revelação não o surpreenderia. Passada a tensão inicial, contado o causo e fingida a surpresa, Márcio o interpelou: - João, preciso da sua ajuda, agora. Eu não sei como ser gay. - Gato, as coisas não são assim. Você não precisa saber de nada. Se joga... - Mas eu preciso aprender a ser de outra maneira, preciso aprender a me vestir bem como você, preciso saber das coisas que você gosta.
A resposta custou a João paciência, que desfiou todo um rosário acalmando o colega e tentando lhe explicar que a existência humana tem muito mais nuances. Márcio, no entanto, se ateve com tanto afinco à forma como seu colega gesticulava que não ouviu dele uma só palavra. Naquela noite, tirou os cotovelos da mesa um sem número de vezes e conseguiu uma incômoda dor nas costas tentando manter a postura ereta o tempo todo. Tanto se esforçou, que se tornou um daqueles casos em que o aprendiz supera o mestre, dignos de enlatado hollywoodiano de kungfu. Num sábado qualquer, jazia enroscado com seu novo namorado no balcão do bar de uma boate. Ali, no canto mais escandaloso da cidade, era o verdadeiro Ronaldo Ésper da baixa Augusta. Seu olhar implacável não ignorava sequer um cadarço em desconformidade com o look do transeunte. Mas eis que, em meio a um grupo de baixíssimo calão, vinha seu colega de trabalho. João o cumprimentou discretamente, ainda que seu namorado notasse: – Má, você conhece esses aí? – Soltou com ar enojado, arrastando o último i meio em falsete. – Aff, é uma bicha pão-com-ovo lá do escritório. Cumprimento por educação. – Nossa, olha só essa camiseta da Vinte e Cinco de Março! Ele veio pra balada ou veio pedir esmola no sinal? – Por favor, isso é uma balada gay, não é festa de Halloween. Não sei como deixaram entrar – completou Márcio, todo orgulhoso, nos dando a deixa para a moral da história: Um cuzão é sempre um cuzão. * Marco Milani é historiador formado pela UNESP
Echarpe modelito
FLIP
Por Moacir de Sousa
Ao se ter uma boa impressão de alguma coisa à primeira vista, quer dizer apenas que precipitamos os acontecimentos. Apliquei meu pensamento pessimista-realista à Festa Literária Internacional de Paraty durante dez anos. Minhas palavras sobre a FLIP do ano passado apontam o tamanho de minha resistência:
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LIPVIP - A festa literária de Paraty não é evento para o Zé da Silva. Só estende seu tapete vermelho para quem tem nome comprido e um cartão de crédito. Um pacote por cinco dias literários na simplória Pousada Eclipse vai de R$ 1240,00 a R$1760, 00, com café da manhã e WI-FI. Coisa de alfarrábio. Para leitores mais exigentes, a Pousada do Sandi oferece um pacote transitando entre R$3982,00 a R$5522,00 com direito a lençóis de 300 fios com algodão egípcio, business center e pub inglês. Coisa de megastore. Para degustadores da culinária caiçara, o restaurante Banana da Terra tem um preço médio de R$80,00 por pessoa. Aos que apreciam uma simples sardinha, o Café Paraty serve pratinhos na média de trintinha por candango. Querendo ver seus gênios da literatura parlando na sua frente, você vai pagar R$40,00 por discurso. No telão sai por dez pilas. Melhor não somarmos essa odisseia pra não cairmos na literatura da depressão. Este final de semana terei um encontro com os autores esquecidos da minha estante. São bons, baratos e oferecidos. Nesta 11ª edição descobri que uma teoria sem aplicação flutua em contemplativa ociosidade. Eu estava certo no substantivo. Os pacotes continuam proibitivos. Minha alternativa foi hospedar-me em casa de morador, fora do Centro Histórico. O bolso agradeceu e tive a oportunidade de conhecer a periferia do Paraíso Literário
Falando dos frequentadores desse tipo de evento, digo apenas que não gosto daquelas senhoras com pose aristocrática como se tivessem lido os grandes gênios da humanidade, mas não passaram da picaretagem da autoajuda. Lá estavam elas, aos montes, com aquele olhar esnobe de Danuza Leão e Maria Lúcia Dahl. Aquelas roupas com ar de superioridade de classe, aquelas fatídicas echarpes combinando com vestidos e blazers, aquele modo muito educado nos restaurantes mais caros, aquele jeito enfadonho de conversar… Não apenas não gosto dessas senhorinhas, sou contra! Eu estava errado no adjetivo. A divulgação de bons autores nacionais é coisa bem-vinda até para essas senhorinhas. Os eventos Off FLIP e a Flipinha tentam colocar algum livro no inóspito mundo desletrado da molecada. Músicos, pintores, cordelistas e poetas marginais fazem das ruas empedradas de Paraty um organismo vivo e menos ditado pelo cânone oficial. As ruas são sempre mais interessantes porque imprevisíveis. Da programação oficial, destacaria dois momentos realmente palpitantes. O cineasta Eduardo Coutinho, além de ser um documentarista do soco no olho, também é um sujeito sem frescura no trato com a palavra. Seu casaco surrado contrastava com as echarpes empoladinhas daquelas senhorinhas conservadoras. Foi uma provocação maravilhosa. A voz langorosa do mediador Eduardo Escorel fazia outro contraste com o pensamento cortante daquele homem franzino que fuma
três maços por dia. O ápice mesmo foi ouvir Coutinho dizer: “Se eu fosse eleito ditador (sic), acabaria com todas as concessões de televisão no Brasil. É um horror!!” A mesa com Marcos Nobre e André Lara Resende (ex-ministro do FHC) também fez valer a viagem. O tema era sobre as manifestações das últimas semanas e a crise da democracia representativa. O mediador era William Waack. Documentos da Wikileaks apontaram o repórter da Globo como informante do governo americano. Waack é citado não apenas uma, mas três vezes em reuniões com funcionários da Embaixada Americana. Dois dos documentos que o citam são considerados “confidenciais”. Achei incrível parte da plateia vaiar o X9, por duas vezes, enquanto as senhorinhas de echarpe defendiam o magano com aplausos envergonhados. Um casal foi posto ao chão ao tentar fazer um protesto com uma bandeira que ninguém conseguiu ver. Já aperreado com o público, o araponga da Globo falou uma das maiores estultices do jornalismo de Brasilândia: “Não é possível brigar com a notícia.” Para quem trabalha na camorra da manipulação da informação, ele foi coerente.
revistakalango@gmail.com
CAPA
Sombras no Planalto Por Ana Melo*
A
imagem – que poderia ser o símbolo do movimento iniciado em junho contra os 20 centavos a mais nas passagens de ônibus e que acabou arrastando às ruas milhares de brasileiros desejosos de mudanças nas políticas públicas – lembra o Mito da Caverna, de Platão. Acorrentados os homens desde a infância e não podendo se voltar para a entrada, enxergavam somente o fundo da caverna, no qual viam projetadas as sombras das coisas que passavam às suas costas, sendo iluminadas pela luz externa. Como desconheciam a realidade, os prisioneiros imaginavam que as sombras eram as próprias coisas. Não sabiam que eram sombras, nem que do lado de fora havia coisas e seres humanos reais. Também não supunham que a fresta de luz que os mantinha na semi-obscuridade era somente uma parte de toda a luminosidade fora de seu mundo ilusório. Que faria um prisioneiro libertado? Com o corpo ainda dolorido, começaria a caminhar lentamente em direção
à entrada. Ficaria completamente cego inicialmente, ofuscado pela claridade. Depois enxergaria as próprias coisas e constataria que toda sua vida tinha visto apenas as sombras. Veria a realidade e conheceria o mundo. Então voltaria e contaria aos outros. E, apesar da zombaria e do descrédito da maioria, alguns o ouviriam e teriam coragem de sair em direção à realidade. Assim, a luz da verdade os libertaria do mundo das ilusões. Prisioneira de tradições, velhos hábitos e valores culturais que desde sempre a formatou, a sociedade brasileira é chamada a deixar a caverna. Mas para isso é preciso reconhecer as ilusões. É necessário enxergar mais do que sombras. Despojar-se dos pré-conceitos e pré-juízos. Descartar as opiniões inconsistentes e caminhar em direção ao conhecimento da realidade. Que este tenha sido o começo. (agradecimentos a Jozelia Regina Segabinazzi, pela inspiração) * Ana Melo é jornalista, psicóloga e mestre em História pela UFGD
Mudar as coisas de lugar ou mudar o lugar das coisas? Por Allan Kern
E
m texto escrito recentemente sobre os tsunamis de protestos na Turquia e no Brasil, o filósofo esloveno Slavoj Žižek destaca a diferença entre dois tipos de períodos de mudança social. Os períodos reformistas seriam aqueles em que o sonho de uma mudança global pode instigar alterações locais. Já em períodos revolucionários, as mudanças de ordem particular só são possíveis mediante uma transformação universal. Essa distinção entre movimentos reformistas e revolucionários dá relevo a uma ambiguidade que se instala em torno da palavra “mudança”, repetida à exaustão pelas multidões de brasileiros que têm ido às ruas exigir o conserto do que está errado, ou seja, uma porção de coisas. É válido questionar: busca-se mudança no sentido reformista de alteração local, ou no sentido revolucionário de transformação universal? A variedade de reivindicações Brasil afora indica que este não é um período revolucionário, mas reformista. A confusão não é à toa: são tantos problemas sociais e políticos que é difícil não se ter a impressão de que está mesmo “tudo errado”, e isso exige transformação. Mas, na impossibilidade
de uma mudança universal imediata, é preciso definir a mudança local mais urgente. Você se pergunta: por onde começar? É aí que o caráter ambíguo da “mudança” produz seu efeito mais funesto: todos se fazem a mesma pergunta apenas para obter respostas diferentes. Se as alterações locais não podem se realizar todas ao mesmo tempo, qual grupo ou classe abdicará de sua necessidade de mudança local pela de outro grupo ou classe? No imperativo de mudar as coisas de lugar, o sonho de mudar o lugar das coisas se dispersa no horizonte. FOTOS: www.vemprarua.net
O poder da mudanca Por Felipe Gonçalves
U
m grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula, em cujo centro colocaram uma escada e sobre ela um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, os cientistas lançavam um jato de água gelada nos que estavam no chão. Depois de certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros enchiam-no de pancadas, batiam sem cessar. Passado mais algum tempo, nenhum macaco tentava subir mais a escada, apesar de ser tentadora a visão da sua fruta predileta que vislumbra com abundância tão próxima de seus olhos. Então, os mesmos cientistas substituíram um dos cinco macacos. A primeira coisa que o pobre macaco novato fez foi subir a escada para colher as belíssimas bananas, sendo retirado de lá imediatamente pelos outros sob forte chuvas de pancadas, surrando-o sem dó nem piedade. Depois de algumas surras, o novo integrante assimilou a ideia do grupo e não tentou mais subir a escada, apesar de continuar lambendo o beiço para pegar as bananas. Um segundo macaco foi substituído, e o mesmo aconteceu, tendo o primeiro macaco substituído participado com alegria e entusiasmo do corretivo que o grupo impôs ao segundo integrante substituído, o pobre novato. Um terceiro macaco foi trocado, e repetiu-se o fato. E assim fizeram com o quarto, e, finalmente com o quinto e último dos veteranos, sendo assim todos do grupo inicial tinham sido substituído. Os cientistas ficaram então, com um grupo de cinco macacos que mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam batendo naquele novato que tentasse chegar às bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles porque batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria: “Não sei, as coisas sempre foram assim por aqui.” Isso é um verdadeiro paradigma! Segundo James C. Hunter que escreveu no livro O Monge e o Executivo, Paradigmas são simplesmente padrões psicológicos, modelos ou mapas que usamos para navegar na vida. Nossos paradigmas podem ser valiosos e até salvar vidas quando usados adequadamente, mas podem se tornar perigosos se os tomarmos como verdades
absolutas, sem aceitarmos qualquer possibilidade de mudança, e deixarmos que eles filtrem as novas informações e as mudanças que acontecem no correr da vida. Agarrar-se a paradigmas ultrapassados pode nos deixar paralisados enquanto o mundo passa por nós. Os paradigmas existem para serem quebrados, e podem ser classificados, não genericamente, como tabus, preconceitos, atrasos de vida, falta de atualização e treinamento, e algumas vezes levam a erros que são simplesmente explicados assim: “Sempre foi feito assim, então, não vejo porque mudar!”Durante muito tempo os filhos viram seus pais voltarem para casa acabados, como se estivessem voltando da guerra. O filho perguntava.: Pai, onde você estava?” No trabalho, filho!, Respondia o Pai, muitas vezes irritado, estressado, sem forças para que pudessem fazer qualquer coisa, quanto mais dar atenção aos filhos. E vendo isso, qual a imagem que se criava na cabeça das crianças: a de que o trabalho era um lugar aonde as pessoas iam e voltavam infelizes, cansadas demais! E essa imagem vem sendo carregada por gerações, até os dias de hoje. Muitas pessoas ainda vivem isso, pois diretores, gerentes, demais executivos e empresários são pessoas que trazem consigo essa imagem de trabalho conflitante com o bem-estar. Porém, as mudanças estão ocorrendo, muitos jovens profissionais da geração Z já começam a ingressar no mercado, e esta é a grande preocupação por parte das empresas, como receber essas pessoas e como sua chegada impactará nos processos internos e no público consumidor. Diferente da geração X, que teve que se adaptar à chegada das novas tecnologias, e da Y, que cresceu juntamente com o desenvolvimento da modernidade, este novo grupo de profissionais cresceu e se desenvolveu com o advento da tecnologia totalmente ao seu favor, a habilidade e intimidade com os eletrônicos, a velocidade da informação, conectados, aberto ao diálogo, veloz, global e diferente, eles chegam ao mercado esperando por um mundo semelhante ao seu. * Felipe Gonçalves é professor universitário e MBA em Supply Chain
Para não ficarmos imobilizados nas ruas Por Washington Novaes
J
á não era sem tempo. A mobilização social, dezenas de grandes manifestações nas cidades com reivindicações em muitas áreas, afinal trouxe para as ruas um tema – a chamada “mobilidade urbana” – até então quase limitado às notícias de prejuízos financeiros ou de tempo perdido pelos usuários. Por isso mesmo, a discussão mais ampla ficava bastante confinada a editoriais de jornais ou artigos de especialistas. Os números e outras informações sobre transporte urbano nesses dias foram impressionantes. A começar pelo cálculo (Mobilize, 12/7) de que as isenções de impostos para veículos de transporte individual e gasolina desde 2003 já somam R$ 32,5 bilhões, com os quais seria possível implantar 1.500 km de corredores de ônibus ou 150 km de metrô. Pode-se comparar essa cifra também com aplicações do Ministério das Cidades para financiar 95,6 km de metrô, trens, estações: R$ 15,4 bilhões. Só a redução da Cide no preço da gasolina significou R$ 22 bilhões; as reduções de IPI sobre veículos chegarão no fim deste ano a R$ 10,5 bilhões. Mas o ministro da Fazenda tem dito que esses subsídios são importantes porque a indústria automobilística significa 25% da produção industrial – ainda que, pode-se acrescentar, signifique prejuízos imensos para os usuários de transportes coletivos. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), já há três anos São Paulo perdia R$ 33 bilhões anuais com congestionamentos de trânsito – R$ 27 bilhões só com o que deixava de produzir no tempo perdido (Estado, 19/9/2010). O tempo médio que os paulistanos perdiam no transporte já chegava a quase três horas por dia, nesse mundo de 3,8 milhões de veículos. Hoje, conforme a FGV, são R$ 50 bilhões anuais, mais que o orçamento da Prefeitura paulistana, de R$
42 bilhões. E não por acaso, em 12 anos as tarifas subiram (192%) mais que a inflação – dados do Ipea (Estado, 5/7). Para o cidadão o prejuízo anual é de R$ 7.662,33, de acordo com a Fundação Dom Cabral. Sem falar nos problemas e custos da poluição do ar, para as pessoas e o poder público. Mas como se vai enfrentar tudo isso se a questão da mobilidade urbana não chega a inspirar macropolíticas que conjuguem não apenas todas as áreas e municípios das regiões metropolitanas e grandes cidades, como enfrentem os problemas centrais – como diz a estudiosa Raquel Rolnik (24/6)? Fazê-lo implicaria romper com o modelo rodoviarista, rever custos e contratos de concessão (trombando com a cartelização), abrir as contas públicas do setor de transportes. Como avançar sem questionar, por exemplo, o projeto do trem-bala RioSão Paulo, que, só ele, já é orçado em R$ 33 bilhões (começou em R$ 10 bilhões, hoje se diz que poderia chegar a R$ 60 bilhões, e ainda com financiamento público de 90%). Seu orçamento já daria para triplicar o metrô em São Paulo e no Rio, diz a jornalista Miriam Leitão. E ainda se pode comparar com o que a União, segundo o site Contas Abertas, investiu no setor em 11 anos: apenas R$ 1,1 bilhão dos R$ 5,8 bilhões previstos em orçamentos. O sétimo balanço do PAC mostra que das 50 obras para a mobilidade urbana apenas duas foram concluídas, 63 projetos para cidades médias estão “em preparativos”. E os danos com acidentes? O Brasil já é o país em quinto lugar nos acidentes de trânsito, com 21,5 mortes por 100 mil habitantes (4 na Alemanha, 2,5 na Suécia). Já devemos estar acima de 40 mil mortes por ano (eram 37,6 mil em 2009), das quais 8,79 mil de pedestres. Não por acaso, quase 50% dos carros testados no País (15 de 26 modelos) eram inseguros,
Manifestantes protestam na Avenida Paulista. Foto: Marcos Santos/USP Imagens segundo o Programa de Avaliação de Carros Novos na América Latina (Estado, 10/6). A rede pública de saúde investiu em 2011 mais de R$ 200 milhões no tratamento de 157 mil vítimas do trânsito; em cada 10 leitos de UTIs, 4 são ocupados por elas. Mas a frota de veículos só cresce. São mais de 300 mil automóveis e outros veículos novos por mês. Em dez anos, a frota cresceu 122%, enquanto a população aumentava 12% (O Globo, 30/1). A indústria do setor prevê que até o final da década dobrará o número de carros nas ruas – para circular onde? Não haverá soluções? Em muitos lugares elas estão sendo buscadas, por vários caminhos. Buenos Aires, por exemplo, avançou muito com a expansão das vias exclusivas para ônibus, implantação do BRT (Bus Rapid Transit) em 200 km de corredores exclusivos, ampliação de vias para bicicletas (Instituto do Meio Ambiente, 12/7). Na Cidade do México, três linhas de trens foram instaladas com subsídios, assim como 25 corredores para BRT (que incluem mais 15 cidades). Os EUA multiplicaram seus trens de alta velocidade para cobrir 6.800 km – e a um número próximo pretendem os chineses chegar até 2015. Na Inglaterra, em Pointon,
estão sendo retirados os semáforos das ruas e promovido o compartilhamento dos espaços entre veículos e pessoas, sem confinamentos – o mesmo conceito que a Coreia do Sul está adotando na cidade de Songdo. Viena tem 1.700 km de ciclovias, além do metrô, do bonde, dos VLTs (veículos leves sobre trilhos), dos ônibus elétricos. Afirma a Associação Nacional de Empresas de Transporte Urbano (Eco21, junho de 2013) que há 113 projetos de BRT em 25 cidades brasileiras e que até 2016 eles estarão implantados em 1270 km de corredores exclusivos – o que significaria forte avanço, já que um ônibus transporta tantos passageiros quanto 120 automóveis. Com passeatas nas ruas ou não (graças à redução de tarifas), o tema não pode ir de novo para segundo plano ou o esquecimento – ou, então, estaremos todos condenados à imobilidade e ao impensável. * Washington Novaes é jornalista. e-mail: wlrnovaes@uol.com.br Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo. Publicado EcoDebate, 22/07/2013
Quanto mais idiota
melhor
Por Marcelo Rio*
G
randes portais apelam para notícias ridículas sobre famosos para prender a atenção dos internautas.
Notícias sobre a vida dos famosos existem há décadas e sempre fizeram grande sucesso. Analisando pelo lado dos veículos de comunicação, entendemos que é normal ter um espaço reservado a esse tipo de informação, afinal há demanda para isso. Mas, nos últimos anos, com o crescimento da internet e dos grandes portais, o número de notícias extremamente inúteis sobre celebridades e subcelebridades se multiplicou como um vírus agressivo na rede e informações realmente importantes (mesmo que sobre famosos) ficaram relegadas não a 2ª , mas a 10º plano. Se você, leitor, está imaginando que as notícias inúteis a que me referi são sobre o fim do casamento de um figurão como o Roberto Justus ou sobre a festa de 50 anos da Xuxa, esqueça, essas, apesar de irrelevantes para a maioria, são sérias perto das centenas que são jogadas nos grandes portais todos os dias. Só para citar alguns exemplos dos absurdos dantescos: “Ex-BBB vai com o namorado retocar a tatuagem”, “Vice-Miss bumbum faz compras em shopping no Rio”, “Filho de Luana Piovani gosta de vassoura” e “Geisy Arruda vai para balada com look caveirinha”. Por trás dessas metralhadoras de informações fúteis, há uma jogada sórdida dos grandes portais e dos jornalistas que as disparam. Eles sabem muito bem que essas notícias serão achincalhadas por centenas
ou milhares de leitores (até pelos mais simplórios), mas esses leitores que se revoltam e escrevem logo abaixo da matéria, tiveram que lê-la e deram uma passada de olhos pelas propagandas que estavam ali em volta. Pronto! Está feita a grande jogada: o anunciante fica feliz, pois seu produto está sendo visualizado, o portal sorri porque continuará faturando e o jornalista esfrega as mãos, pois mesmo escrevendo algo ordinário, seguirá empregado. Diante dessa nova realidade, quem trabalha com a assessoria de imprensa dos famosos já entendeu que quanto mais surreal for o release a ser repassado para a mídia, maiores as chances dele ser divulgado. Recentemente “bombou” no Brasil e no mundo a notícia de que Lady Gaga tinha dado uma mochila de R$ 74mil reais para o namorado. A matéria ainda continha uma declaração da cantora afirmando que, como o noivo não gosta de luxo, decidiu dar algo mais simples. Obviamente que a intenção é causar indignação, a polêmica rende e é um ótimo estratagema para o (a) cretino (a)se manter em evidência. Mas não são só as superestrelas que se fartam nesse novo cenário midiático, como o objetivo é avacalhar mesmo, os portais recorrem até as subcelebridades e aí temos que destacar a tal Geisy Arruda, é simplesmente incrível como alguém é notícia mesmo sem fazer absolutamente nada digno de uma nota. Há pelos menos dois portais que praticamente toda semana divulgam uma notícia da moça, com informações so-
bre como foi o dia dela na academia, a roupa que usou numa festa, etc. Se a TV brasileira tem a Santa Clara como padroeira, Geisy Arruda é a santa salvadora de muitos jornalistas incompetentes e preguiçosos que pululam pela internet. Além dela, alguns ex-BBBs e vencedoras de concurso como Miss qualquer coisa também conseguem ganhar enorme espaço, mesmo que a gigantesca maioria sequer lembre ou saiba quem eles são. Muitos podem pensar que esse tipo de informação está lá porque é o que as pessoas querem ler. Sim, há boa dose de razão, a geração internet tende a ler notícias mais amenas, mas até eles (pasmem) estão irritados com tanta baboseira “sem noção”. O problema é
que desde esse leitor menos crítico até o que tem um poder maior de discernimento, todos estão protestando de forma errada. Não adianta clicar no link da notícia e deixar um comentário espinafrando a mesma ou o “profissional” que a escreveu, como citado antes, é isso que os portais, anunciantes e jornalistas querem. O correto é além de não ler, debater com amigos e nas redes sociais sobre essa tática asquerosa, explicando as inúmeras armadilhas que existem por trás dela. Para os que acham que esse fenômeno é normal e não precisa ser levado a sério, fica a pergunta: se eles conseguem fazer tamanhas bizarrices com um segmento irrelevante, imaginem diante de notícias realmente importantes? * Marcelo Rio é jornalista e professor universitário
Por Thiago Cervan
Um caminho de liberdade Por Leandro Possadagua
N
a vida, toda convicção é meramente subjetiva e não pode ser partilhada, não existem faróis que nos direcionem a um porto seguro. Somos frágeis, estamos em busca de algo que não sabemos o que é. Geralmente não podemos ser acompanhados por mais ninguém, além de nossas próprias inquietações. As lágrimas, essas sim, serão nossas fiéis companheiras. Estarão sempre conosco, e seremos gratos a elas por serem um megafone que nos acorda de nosso sono mesquinho e egoísta, nos trazendo de volta à realidade. Concordo com C.S. Lewis quando disse que ‘não existe caminho traçado na vida, mas que o andar constrói o caminho’. Cada ser constrói com duros tropeços sua história de dor e felicidade; e, diante de um penhasco, nada o impede de se lançar ao abismo, não há determinismos, somos livres. Como escreveu o filósofo Pascal, ‘a angústia perturba a alma do homem, que está sempre mendigando algum tipo de divertimento, a fim de se esquecer das questões existentes em seu mais íntimo ser’. Contudo, a ampulheta da vida se esvai e nos oprime a cada segundo, estamos sempre querendo ganhar tempo. Porém, não sabemos ao certo, para quê precisamos de mais tempo, nosso pensamento nunca se ocupa do presente e está sempre perdido entre passado e futuro.
Recordo-me da indagação feita por Albert Einstein: ‘O universo é um lugar amistoso?’. Penso, ainda não descobrimos se é ou não. O próprio Einstein não descobriu, embora fosse esse um dos seus maiores desejos como homem. Apenas descobrimos que é necessário dar um passo à diante, como quem caminha em um quarto escuro, podendo a qualquer momento bater com o joelho em sua cama. Como crianças, ainda buscamos um pote de ouro escondido por duendes no fim do arco-íris, com a certeza de que em poder desse, poderemos comprar a real felicidade. Despertos de nossos sonhos juvenis, descobrimos que não há potes de ouro. Só ilusões… Cada fato vivido contém um ensinamento a ser decifrado, cada decepção um novo alicerce lançado para futuras construções, mesmo que estas, não tenham a menor garantia de terminarem com êxito. Se não há garantias, também não há nada pré – determinado e justamente por este motivo, não podemos nos resignar, não podemos nos entregar jamais. Se desistirmos, seremos lembrados por Dante Alighieri que ‘o pior dos infernos está reservado aos omissos. Parece, há um oceano de dificuldades bem a nossa frente, a nossa espera. Não temos bússola alguma que nos oriente para um norte e nada podemos contra as fortes ondas que nos acometem. Aprenderemos que o medo é parte da vida, e que heróis só são possíveis na Mitologia Grega. Que não existem desbravadores destemidos e que um homem é só, e apenas, um homem. A cena é assustadora e o timão da vida está em nossas mãos, mudar a direção é uma escolha pessoal e intransferível. *Quando não há greve, Leandro estuda História na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo - EFLCH/ UNIFESP.
IMAGEM Por Mercedes Lorenzo
LETRA
(Re)Conhecer-se Por Renata Roquetti Felicidade? Visita tua casa, limpe-a. Deixa-a pronta, colorida com um toque de cinza, pois cinza é renascimento. Cinza é pó, não esquece! E do pó somos feitos e refeitos. Enfeite-a com tudo que é teu. Com tudo o que reconhece como teu. Nada mais perfeito do que saber-se. Saber-se é a muralha que te protege e te torna firme do teu propósito, dono de tua própria Vida. Afinal, a Vida, a tua Vida é a única coisa que a ti pertence. Mais especificamente o teu corpo. Ele é sagrado. Permita entrar, morar nele somente o que você reconhece. E se há a dor como inquilina, aproveite-a também, ela te ensina mais do que qualquer outro visitante do universo. Deguste-a. Come o que é bom e expele o resto, jogue fora, cuspi. Afina tua música e deixe-a tocar lenta e feroz dentro de ti. Abençoe-se com o teu manto. Ele é o mais sagrado de todos os mantos. Porque ele é teu, reconhecido. É a tua parte de Universo, de Terra, de Deus, do teu Deus. Quando abraça-lo, dormir, acordar, aninhar-se a ele, amá-lo verdadeiramente se descobrirá Feliz. Enfim, Feliz!
Renata Roquetti ganhou seu primeiro recital aos 13 anos declamando a poesia “Eu” de Florabela Espanca. Nascia aí a paixão por palavras e escrita. Ainda criança também conheceu o teatro. Filha de médico frequentou cursinho durante dois anos pensando em uma faculdade medicina. Dona de uma alma inquieta foi aprovada em comunicação social na ECA-USP, um ano depois deixou o curso para se formar em administração de empresas na FEA-USP. Em 2008 criou um blog para compartilhar o emaranhado de palavras que pipocam do seu coração e mergulhar ainda mais em poesia. Atualmente abriu mão de um cargo gerencial em uma grande empresa para juntar coragem e experiência em gestão e servir de ponte entre bons projetos culturais e empresas interessadas em investir no setor. (Jean Takada)
Quadrilha da morte Por Marcelino Lima Caim pereceu vítima da ira de Abel, que, depois, atormentado, jogou-se em um poço. Santo Cristo levou junto consigo Jeremias, mas abatido por um tiro certeiro de Winchester 22, também tombou. Horas antes da overdose, Maria Lúcia vira Pablo morrer, cavalgando-a ensandecido. Luís estava no lugar errado, na hora errada. Gilda perdeu muito sangue ao dar a luz. O filho dela, dezoito anos depois, a onda levou. A bebida que deram para Marcos continha cicuta. Durante uma ronda pelo bairro, Khalil teve o azar de ser confundido com bandido. Manoel a cobra picou. Tião e a mula rolaram precipício abaixo durante tempestade inesperada. O dono da pizzaria vacilou tentando salvar o máximo possível durante o incêndio. Um desastre custou o adiamento do início da temporada de futebol. Só as bolas sobraram intactas no ônibus capotado. Naquela mesma sinistra curva, um ciclista ficara debaixo das rodas de um caminhão, um ano antes. Entre os vitimados por doenças conta-se dona Belarmina, já nonagenária e quase cega. O óbito de Lili está registrado como “causas naturais”. A quimioterapia não conteve a metástase pelo corpo de Raimundo. A rejeição por Tereza explica a cirrose que consumiu o primo apaixonado. Acusava-o de ter pernas estúpidas. Como não amava ninguém, ficou para titia, desencarnou intacta. Os jornalistas trigêmeos Gabriel, Miguel e Rafael conseguiram imunizar a moléstia de nascença. A notícia ruim é que fragilizaram pulmões, rins, e estômago, respectivamente. A tia de Joaquim foi dada como desaparecida três semanas depois de fugir do manicômio. Francisco ignorou a cancela abaixada antes da passagem de nível. Não parou. Não olhou. Não escutou. O maquinista, de tanta tristeza, tomou quatro copos de água sanitária. O circo teve de baixar as lonas depois que o leão, em fúria, invadiu o trailer do trapezista. Jussara não resistiu à espera por um leito no único hospital da cidade enquanto ardia em misteriosa febre. O poeta considerou dura demais a crítica ao livro com o qual esperava sair do anonimato. Ao editor reservou três projéteis. Dois alvejaram a secretaria do desafeto. A última bala não repartiu com ninguém. Também teve aquele menino que queria apenas resgatar a pipa presa ao fio de alta tensão. Antes dele, várias facadas gelaram o coração de Juliana. O mesmo aço interrompeu a roda gigante para João. Com um espinho no peito e sangue nas mãos, o corpo do assassino foi encontrado, e ato contínuo, enterrado, na beira do rio. Zé, naquele domingo, só queria chupar sorvete no parque, entregar uma rosa vermelha à namorada. Para escrever um final feliz, nestas últimas linhas pensei em ressuscitar cada um dos citados nesta crônica. Entretanto, para quem ainda não soube, ao comemorar um gol do meu time há alguns dias aproximei-me demasiado do parapeito do apartamento e despenquei feito um pacote bêbado por treze andares. Com meu corpo ainda atrapalhando o sábado, J. Pinto Fernandes surgiu do nada e conduziu-me por um longo túnel de luz até o lugar do qual escrevo agora, com os demais todos ao meu redor. Fernandes, que ainda não havia entrado na história, ostentava no peito uma medalha, honraria que obteve dois meses depois de ter conseguido se naturalizar filho de Tio Sam e ser aceito em uma unidade ianque para combater vietcongues.
Sinhô Baloeiro
Por Thamires de Carvalho e Silva Poderia ser fantástico, mas é apenas uma grande bola com gás E com sorrisos, alegra todos os “São Joãos”, Das roças, as cidades, Das crianças ricas, aos “véios pobres”. O balão caminha para o céu adentro, à procura de quietude E ao contrário do que pensam, não gosta nem de machucar uma planta. Prefere apenas desaparecer, sob a luz do luar Levando com ele brilhos, deixando esperanças no olhar. Sobe rápido, balão! Voa, vai, foge! Some pelo horizonte, mas não se esqueça de mim Eu, baloeiro, que te fiz crescer, dei vida Agora, o doo para o mundo.
A paixão por balões
ecológicos Por Thamires de Carvalho e Silva
O
homem sempre idealizou meios de transporte para percorrer longas distâncias. Não tardou para que a humanidade desejasse subir aos céus. Coube a um brasileiro o pioneirismo. Mas no século XIII, na China, os balões já faziam parte da cultura – para reverenciar os mortos e homenagear os imperadores. A arte foi trazida para ocidente, quando Marco Polo, viajando com sua família aprendeu através de sua amizade juvenil com Kublai Khan. Na Espanha, uma família soltou um balão, ao reverenciar São Roque, padroeiro da região, criando assim um hábito religioso passado de geração para geração. No Brasil, o balão foi trazido pelos portugueses ao celebrarem a Festa de São João. A Festa Junina é tradicional do Nordeste, no mês do aniversário do santo, em agradecimento pela chuva e pela colheita. Como o festejo sempre acontecia ao ar livre, a soltura do balão de papel indicava para a população o início da festividade. Entendendo que o balão subia por sua leveza, o santista Bartolomeu de Gusmão, “O Padre Voador”, cogitou usá-lo para flutuar. E desta forma, após vários experimentos, surgiu “Passarola”, criação que desenvolveu com ar quente em agosto de 1709, quando já inserido em Portugal conseguiu a patente do “instrumento para se andar pelo ar” e adquiriu com ele (ainda pequeno para caber pessoas) levantar 4 metros na Sala de Audiências do Palácio, perante a Família
Real. Em 3 de outubro, na ponte da Casa da Índia, mais uma vez aos olhos do reino, com um balão já maior, mas sem tripulantes, voou 200 pés de altura, sendo considerado o Pai da Aerostação por desenvolver o flutuador aerostático, o que atualmente seria conhecido como aeronave. Apesar de tantos acontecimentos históricos, a prática de soltar balões no Brasil é proibida devido aos riscos de incêndio. Para que essa tradição não caísse no esquecimento, um grupo de baloeiros elaborou, nos anos 90, o Balão Ecológico – possibilitando sua soltura, pois não tem fogo. Fábio Souza, carioca de 39 anos, praticante dessa paixão há 25, nos explicou como é feito o balão e o que o difere do balão normal. Segundo ele, o Balão sem Fogo (BSF) consegue subir por meio do calor solar (fonte de energia térmica), não precisando da tradicional bucha. É confeccionado com papel de seda, material biodegradável, que não prejudica a natureza. Sua cor predominante é preta, na superfície, para que absorva mais calor, conservando o ar quente. O aro – mais conhecido como “boca” – é feito de fibra para evitar curto circuito caso caia em uma rede elétrica. Nesta boca é usado um tampão feito de isopor ou cartolina, a fim de que o ar quente não saia e fique mais leve internamente para continuar no alto. A técnica para levantar um balão ecológico é a mesmo do balão convencional, é preciso inflar com maçarico. No entanto, o ato de inflar é demorado porque é fundamental
Soltura de bal茫o ecol贸gio no Rio de Janeiro
Fรกbio - Rio de Janeiro
Balรฃo ecolรณgico - Rafael
Rafael e sua turma preparando-se para fazer subir um bal達o
que ele fique mais aquecido. Seu tempo de voo também é maior – enquanto há sol, ele permanece no céu.
balões brasileiros. Diogo nos contou que o amor é tanto que os baloeiros brasileiros são tratados como artistas.
Fábio é um entusiasta da arte de criar balões. “A gratificação de um pedaço de papel se transformar em obra de arte é inigualável, não há dinheiro que pague tamanha emoção”. Nesse meio há premiações, mas não costumam criar disputas. “Tudo que se faz pensando em ganhar algo gera consequências e, no final de tudo, isso não é legal”, diz ele.
Ele conta que a diferença dos balões colombianos – chamado de globos – para os brasileiros são chocantes. “É que eles não possuem o mesmo conhecimento e técnica que a gente, os materiais disponíveis não são iguais, há poucos papéis com cores diversas e os balões em molde, já utilizados pelos brasileiros, estão começando a chegar à Colômbia somente agora”, aponta Diogo. Eles elaboravam o balão de corte, tipo almofada, caixa, e um balão chamado de Puntílla – típico no país – todos imensos. Segundo ele, a paixão por esse hábito é estampada no rosto.
Como os baloeiros cariocas não se calaram perante a Lei que incrimina quem solta balão no Brasil e com o aumento da soltura do Balão sem Fogo (não prejudicial o meio ambiente) foi legalizado no Rio de Janeiro a permissão do Balão artesanal (ecológico) no ano passado (Lei n º 5511/2012). Diogo Chiarelli, paulista de 32 anos, viaja pela arte e esteve no Festival de Balão da Colômbia, em 29 de abril. A prática da soltura do balão é muito comum entre os moradores de San Felix, à 20 km de Medellín. Lá eles são apaixonados pelos
São Lourenço - Grupo FLAT
Em Envigado, bairro de Medellín, é tão comum que em qualquer horário tem algum passeando pelos céus. “A experiência de estar num país como a Colômbia é inexplicável, além do brasileiro ser muito bem recebido nos consideram muito talentosos”, diz ele. E finaliza: “Aqui no Brasil nós só queremos que a arte não morra”.
DVD
Drama real rende bom filme Por Luis Pires
A
lguns filmes passam quase despercebidos nos cinemas, mas mereciam destino melhor. “As Sessões”, que chega agora às locadoras em versões DVD e Blu-Ray é um deles. O filme é baseado na história real de Mark O’Brien que, na década de 1950, contraiu poliomielite aos seis anos de idade, perdendo os movimentos do seu corpo do pescoço para baixo. Por conta da doença podia passar apenas algumas horas fora de um aparelho feito de aço que o ajudava a respirar, apelidado por ele de “pulmão de ferro”. Suas limitações físicas, porém, não o impediram de estudar. Frequentou a Universidade de Berkeley, se tornou jornalista, poeta e advogado, defendendo pessoas portadoras de necessidades especiais. Também fundou uma pequena editora que utilizou para publicar poemas de pessoas como ele. Morreu em julho de 1999, aos 49 anos. A trama de “As Sessões” é baseada num artigo escrito por O’Brien para a revista Sun, no qual descreve sua amizade com Cheryl Cohen-Greene, uma “sex surrogate” (algo traduzível como parceira sexual substituta), espécie de terapeuta sexual surgida nos Estados Unidos nos anos 1950. Incompreendidas, muitas vezes confundidas com prostitutas, essas profissionais atendiam a pacientes com sérios
problemas sexuais, familiarizando-os com o corpo feminino e, não raras vezes, mantinham com eles um número limitado de relações sexuais. O’Brien tinha 38 anos quando contratou a terapeuta Cheryl, com o intuito de perder sua virgindade. Como era católico fervoroso, externou seu plano ao padre Brendan (de quem também se tornou amigo) e só o levou adiante depois da benção do vigário. O filme conta com três grandes interpretações. Mesmo limitado por seu personagem, que mexia somente o pescoço e a cabeça, John Hawkes consegue transmitir ao espectador o conflito de O’Brien por conta de seu desejo sexual x sua religiosidade, sua insegurança por desconhecer o corpo feminino e seu medo de que as coisas não funcionassem bem. William H. Macy interpreta o padre também em conflito por apoiar o plano de seu fiel, mesmo indo contra as leis de sua igreja, que proíbe o sexo fora do casamento (lembrem-se que a ação se passa nos anos 1950!). E finalmente Helen Hunt, como Cheryl, uma terapeuta em crise no seu casamento, que tenta fugir da armadilha de se envolver emocionalmente com seu fascinante paciente. Muitos conflitos tratados com leveza e humor pelo veterano diretor polonês Ben Lewin (pouco conhecido no Brasil) Um filme surpreendentemente bonito, sensível, quase poético. Não perca.
PASSEIO
Passear por Atibaia é isso. Tudo isso Por Vinícius Maruca
N
ão precisa nem de explicações para o título do texto quando o assunto é ‘turismar’ por Atibaia. Se faz de tudo num único município, sobe montanhas e desce velhas ladeiras, sem falar nas áreas rurais e as respectivas belezas naturais. O que mais impressiona são os campos, arranjados para o cultivo do pêssego, das flores e do morango, fruta símbolo. É praxe falar do monumento Pedra Grande e, realmente não consigo deixar de exaltar a imensidão rochosa, com espécies raras da flora e uma vista panorâmica das composições urbanas em meio ao contraste de verdes planícies e planaltos. A estação ferroviária do Caetetuba é uma das atrações turísticas que mais me atrai os olhos e desperta nostalgia. Me leva a pensar como tudo era e funcionava no passado, após ouvir relatos de uns mais experientes, incluindo meu avô, que ia de um canto ao
outro através dos trilhos. Atualmente há funcionários trabalhando na revitalização do espaço, para que no futuro próximo possam fazer uma recepção de primeira classe aos visitantes. Gosto também dos parques municipais, em especial o Edmundo Zanoni, onde se pode apreciar o gramado de frente ao lago, para brincar e relembrar a infância àqueles que já adultos tornaram-se. Uma visita ao museu de história natural, que fica dentro do parque, é mais que válida, é curiosa acima de tudo. Essa é Atibaia, de muitas atrações, mas pouco conhecido e visitado tais pontos. Posso citar como exemplo a fazenda Paraíso no bairro Maringá, onde se pode conhecer de perto um alambique e o processo de fabricação da aguardente, além do casarão da fazenda, onde barões do século XIX vivenciaram momentos e momentos.
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LIVROS
Literatura nativa escrita por índios Por Olívio Jecupe*
S
ei que no passado, nos anos de 1970, não se conheciam autores indígenas com livros publicados, no Brasil. Mas hoje está muito diferente. Temos vários escritores indígenas que escrevem e têm livros publicados, ou textos em revistas. Isso tem sido muito bom porque mostramos ao mundo que não somos só contadores de história, mas pessoas capacitadas que têm a sabedoria de escrever belas histórias. Por isso hoje podemos ver grandes escritores indígenas como Darlene Taukane, Manoel Moura, Giselda Jerá, Jeguaka Mirim, Adão Tataendy, Cristino Wapichana, Eliane Potiguara, Jaime Dessano, Rosi Tapuia e tantos outros que eu poderia descrever aqui. Acredito que a literatura nativa, escrita por nós, é muito importante porque vai chegar até os não índios e fará com que a sociedade conheça melhor os povos indígenas e, com isso, valorizar nossa gente. E nossa escrita mostrará ao mundo a nossa capacidade de escrever, pois o povo indígena sempre foi visto como incapaz. Através dela, podemos mostrar que nós também somos capazes de publicar nossos livros. Quando eu iniciei a escrever, em 1984, eu não conhecia nenhum escritor indígena com livro publicado, aliás as editoras não davam muito valor para isso. Agora parece que essa mentalidade está mudando, pois as editoras estão publicando mais livros sobre o tema indígena porque com a Lei 11.645, terão que falar sobre os povos indígenas – os professores terão mais assunto para discutir, e o melhor, mais conhecimento para ser discutido nas salas de aula. Sei que antes os professores falavam sobre os povos indígenas, mas não havia muitos livros sobre essa questão. Por isso, nós índios temos que escrever mesmo, e com sabedoria, porque levaremos nosso conhecimento ao mundo. Também quero dizer que será importante para nossas aldeias, porque nas aldeias chegam muitos livros enviados pelas Secretarias de Educação, mas livros que não
falam sobre índios. E a partir de agora eles poderão enviar livros de autores indígenas, para que as crianças tenham mais conhecimento sobre os temas. Mas sei que muitos na cidade acham engraçado ver um índio escritor com livros publicados, muitos viam o índio como atrasado. Agora que escrevem, veem com outro preconceito, até dizem que não são índios porque índio é contador de história oral. Nós índios temos que entender que na sociedade não indígena nem todos entenderão nosso ponto de vista, mas devemos escrever mesmo recebendo críticas deles porque muitos outros irão nos entender e nos valorizar. Aliás, antes eu sofri muito por não ser entendido, e hoje muitos me valorizam e juntos valorizam nosso povo indígena. É que a sociedade é complexa, se um índio faz uma coisa errada, eles dizem que os índios são assim, por isso, quando eles valorizam um índio escritor, aí valorizam os índios. Hoje muita coisa mudou no Brasil. Temos escolas dentro da própria aldeia e nossas crianças aprendem a ler e escrever, aliás, nas duas línguas: português e na língua nativa. Na Aldeia Krukutu, onde moro, escrevem em guarani e português. E nossas crianças continuam ouvindo história oral junto com seus pais, e, sendo assim, surgirão muitos autores, que também poderão publicar livros. Acredito que em breve teremos muitos escritores indígenas, o que facilitará mais a sociedade a nos compreender melhor. Eu tenho alguns filhos e quero citar um exemplo. Jeguaka Mirim nasceu em 2001 e desde pequeno gostava de ouvir história e sempre eu contava alguma pra ele antes de dormir. Com 6 anos de idade ele entrou na escola e logo aprendeu a ler, com isso ele começou a ler meus livros, isso me deixou contente, porque vi que gostava de ler. Aí com oito anos, ele pegou um caderno e começou a escrever algo, depois ele quis digitar no notebook, e pude
ver que ele tinha talento para escrever. Agora posso dizer que ele é escritor, já tem até contrato assinado com uma editora e em breve o Brasil irá conhecer o pequeno
guarani escritor. Por isso, sei que outros kurumins no Brasil poderão publicar um livro também. Por isso é importante que a sociedade apoie os indígenas escritores.
O escritor comenta um pouco de cada livro • 500 anos de Angústia: é um livro de poesias e que pelo título dá pra perceber que é uma critica aos 500 anos de sofrimento por tantos problemas nesses séculos de invasão. • Verá, o contador de história: é um livro em que eu uso um kunumi-menino e que tem o dom de criar e contar histórias, pois muitos sempre imaginam que os velhos são os contadores, mas na verdade quem conta história já nasce com esse talento. • Iarandu, o cão falante: já nesse livro eu mostro algo interessante, pois muitos dizem que os animais não pensam e através de um cachorro, que é iarandu, um gênio irá conversar com um garoto e trocará ideias filosóficas. Quem ler esse livro poderá entender melhor os cachorros. • Xerekó arandu a morte de Kretã: esse livro mostra a história de um dos maiores líderes, foi o primeiro vereador do Brasil e lutou muito para defender seu povo e em 1980, a mando de quem não queria o bem dos índios, mandaram matá-lo. É um livro emocionante e choro todas as vezes que leio. • O saci verdadeiro: quero dizer que o saci é um personagem indígena e que tem duas pernas e é o protetor da floresta. É conhecido como Kamba’i ou Jaxy Jatere. E sou o primeiro no Brasil a escrever a história desse personagem. • Ajuda do Saci: mostro uma aldeia em que não havia escola e um dos kunumi deseja estudar. Para realizar seu sonho irá morar na cidade de uma família amiga, ficará lá três anos, até que acontecerá algo triste com ele – ficará paraplégico e terá que voltar para a aldeia. Sua tristeza chega até o Saci (Jaxy Jaterê) – e nisso vocês conhecerão um pouco mais sobre o que acontecerá depois. É um livro que está traduzido em guarani. • Arandu ymanguaré: esse livro é pequeno mas grande nas ideias, e nele tem um pequeno momento de perguntas e respostas e algumas histórias. Fico feliz por ter recebido muitos elogios dos que leram esse trabalho e espero que você também se sinta feliz ao ler. • Indiografie: esse livro foi publicado na Itália, fiz o lançamento em Roma e outras cidades. Eu havia sido convidado para publicar um livro e nisso resolvi que fosse uma coletânea e aí convidei outros autores indígenas para fazer parte, achei importante porque acredito que os leitores de lá iam gostar muito dessa ideia. E gostaram mesmo, disseram eles nos eventos que fiz. • Literatura escrita pelos povos indígenas: Nesse livro eu tento mostrar um pouco de minhas experiências que tive desde que iniciei a escrever nos anos de 1984 e como anda hoje a literatura nativa escrita por mim e outros autores • Tekoa conhecendo uma aldeia indígena: Nesse livro eu uso um menino da cidade que deseja conhecer uma aldeia e no tempo que ele vai ficar na aldeia irá conhecer o dia a dia de uma comunidade, e volta feliz por conhecer uma cultura diferente da sua e notará que o índio não é inferior, mas diferente culturalmente. • A mulher que virou urutau: Esse livro é um mito contado nas aldeias guarani, nele mostra a história do lua e a história de uma moça que se apaixonou por ele. É um livro bilíngue, em português e guarani. * Olivio Jekupe é escritor de literatura nativa e poeta. Presidente da Associação Guarani Nhe´e Porã, morador da aldeia Krukutu, Parelheiros-SP
Um certo dia... Por Thiago Pérez*
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erto dia acordei de um sonho... sonhei com Raoni me pedindo ajuda... Ele me pedia em sua língua e surpreendentemente eu o compreendia: “O mundo precisa saber... o Rio precisa ser Salvo... A floresta... a Grande Floresta precisa de ajuda...”. Foi um sonho tão real que relmente naquela manhã despertei com um nó na garganta e um aperto forte no peito. Lembrei de minha viagem à aldeia Idzô’uhu por ocasião de uma reportagem. Lembrei das danças ao redor do fogo, das crianças correndo, dos arcos, das flechas, lembrei das palavras da língua xavante que aprendi... Lembrei das aulas de Tupi do professor Navarro... Lembrei também que os povos indígenas são marginalizados há séculos e que pouco se fala e que ouço mais falar de índios do Brasil quando viajo pelo mundo do que aqui nesta nossa terra Tupiniquim. O nó na minha garganta ficou mais apertado, no rádio o repórter anunciava feliz o intinerário do Papa durante a visita que faria ao Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude. O nó na garganta apertou mais, estava sufocado pela idéia de não poder ajudar e foi aí que o nó se desfez quando num átimo de segundo pronunciei a seguinte frase: “Preciso escrever ao Papa”... Nunca havia escrito a um papa
na minha vida, nem sou religioso. Não sei bem ao certo dizer os motivos que me fizeram pensar nele. Mas o pedido de ajuda de Raoni pela Grande Floresta e pelo rio Xingu me tocaram tão profundamente e de tal maneira que tomei a decisão de escrever ao Santo Padre pedindo-lhe que intercedesse pedindo publicamente mais respeito com os povos indígenas, com os rios e com a natureza. Ingenuidade de minha parte talvez... Mas em meu íntimo acredito que as palavras de um homem como o Papa Francisco, possam tocar os corações das pessoas... corações muitas vezes endurecidos pela vida nesta sociedade de consumo em que vivemos. Lembrei-me antes de começar a escrever-lhe a carta de um punhado de sabedoria de Osvald de Andrade:
Erro de Português
Quando o português chegou Debaixo duma bruta chuva Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O índio teria despido O português. Oswald de Andrade - 1925
Raoni de fato tem sua luta, uma luta que transcende sua existência, uma luta pacífica e desleal contra enormes conglomerados, governos, mineradoras e afins. Raoni é um índio moderno, o seu nome e sua luta estão na revista Kalango e também no seu site www.raoni.com Eu sigo torcendo para que Belo Monte não mate o Xingu, para que a Amazônia consiga sobreviver a cobiça do “homem branco”... Torço por Raoni e por todos os povos indígenas que ele representa. Se um dia nos conhecermos Raoni, espero poder dar-te um abraço e chamá-lo de amigo pois sinto que sua causa também é minha... na verdade proteger o mundo e a vida é a causa de todos nós. Thiago Perez é jornalista e escritor. http://fotojornalista.wix.com/thiagoperez
ARTE “La civilización occidental y cristiana”, 1965 © Fundación Augusto y León Ferrari Arte y Acervo
León Ferrari (Buenos Aires, 3 de setembro de 1920 - 25 de julho de 2013 ). Muito de seu trabalho é direcionado para denunciar os abusos de poder e a intolerância na sociedade. De acordo com o The New York Times, foi na época de sua morte, um dos cinco artistas mais provocativos no mundo. Pilares do seu trabalho têm sido as guerras, todas as formas de intolerância e a religião.
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Nagueta Por Jesse Medeiros* Na cena independente osasquense há sete anos, a banda Nagueta está ficando cada vez mais conhecida do público fora da cidade. O grupo reúne gerações, tendo na sua formação atual desde um trombonista de 14 anos (Fê Oliveira) até um percussionista de 36 (Douglas Frassini). Eles têm boas composições próprias, que misturam MPB com groove e até um pouco de samba-rock. Na noite, eles tocam de tudo, menos os “quero tchu-quero tcha” da vida. A formação atual conta com Roger Silva (vocalista, 30 anos), Rauf Lacerda (guitarrista, 32 anos), Ivan Motta (baixista, 29 anos), Kelson Martins (baterista, 21 anos), Douglas Frassini (percussionista, 36 anos), Eric Araújo (19 anos, trompetista e tecladista) e Fê Oliveira (14 anos, trombonista).
nifica fissura. Estou ‘nagueta’ de tomar uma, ‘nagueta’ de fazer um samba... Acabou virando o nome do nosso grupo.”
Nagueta: nome de banda tem origem controversa Há controvérsias sobre a origem do nome NaGueta, dado pelo músico Neco Gurgel. Segundo Roger, “o Neco estava vendo um ensaio nosso e disse que tínhamos uma pegada legal e que estávamos ‘nagueta’ de fazer um som. Fiquei com esse nome na cabeça, mas o pessoal da banda não curtiu muito. Alguém chegou a zoar dizendo que Nagueta é a mulher do Nogueto”, diz, aos risos. “Depois peguei o Neco de orelha no bar e ele disse que se tratava de uma gíria muito antiga do samba, que sig-
Quase não abrem para O Rappa Uma das maiores aventuras da banda foi quando foram ao Expo Oeste, em dezembro de 2009, com a intenção de serem uma das bandas que iriam abrir para O Rappa. Chegaram lá e ouviram do responsável pelo som que não estavam na programação. “Foi um dos maiores empurrões da minha carreira”, diz Roger. “Esse cara era um gaúcho chamado Vidal. Além de dizer que não íamos tocar, ainda perguntou: ‘vocês queriam tocar, mas não trouxeram um técnico de som?’. O pior é que tínhamos avisado todos os ami-
Procuramos Neco Gurgel, que deu outra explicação para o termo. “NaGueta significa o que vem de dentro da quebrada, é jamaicano, vem de into the gheto, no gueto. Não se escreve tudo junto, embora não exista gramática para gíria. É uma forma de mostrar para os outros que você é uma pessoa sem fronteiras, que não se deve fechar os olhos para quem está do seu lado. Quando fiz uma jam com eles, expliquei que é preciso ter nagueta, ou seja, mais pau duro, nada de formulinha Jota Quest. O Roger entendeu a idea e deu esse nome para o grupo”.
FOTO: RANDOLFE CAMAROTTO E ELAINE MELLO
gos, feito vaquinha para produzir os flyers, imagine, oito mil pessoas na plateia. No final, o cara acabou dando um jeito. Primeiro disse que só tinham três canais na mesa de som. A gente ia encarar. Depois ele parou de sacanagem e liberou os outros canais. Tocamos e foi show de bola.” Depois do show, os músicos ainda ouviram piada do responsável pelo som. “Dei um CD pro cara e ele chamou a banda de Pimenta Malagueta. Então disse para ele não brincar, não. Um dia a gente pode estourar e, quem sabe, ele não acabe tendo que trabalhar para nós.” Trombonista tem 14 anos de idade Atualmente a banda batalha tocando em bares e festas, contando com um músico de apenas 14 anos de idade, o trombonista Fê Oliveira, que não faz muito tempo ganhou seu instrumento de presente do Dia das Crianças. “Na primeira apresentação na noite, não me deixaram tocar”, lembra o menino de ar comportado. “Não bebo, não uso drogas, estou bem esperto com essas coisas.” Reunir gerações é a especialidade da banda. O trompetista Eric Araújo começou no grupo aos 15 anos. Ambos começaram a tocar na Fanfarra da Fundação Bradesco do Jardim Conceição, periferia de Osasco.
A ligação com seus bairros de origem é forte. Sempre dão uma mexida no som “W Brasil”, de Jorge Ben Jor, trocando a parte que fala que “a Feira de Aracari é um sucesso “ por “a Feira do Jardim Cirino é um sucesso”, O repertório é bem eclético, incluindo MPB, funk, soul, pop-rock, reggae, samba-rock... “É uma mistureba de estilos, legal para uma noite no bar, mas não venha pedir ‘quero tchu’ que não rola”, esclarece Roger. “Já temos até uma versão de Sociedade Alternativa pronta para quando alguém grita toca Raul.” Falta bar para tocar em Osasco A ligação dos músicos com suas origens pode ser forte, mas eles são indignados com a falta de reconhecimento da própria cidade. “Falta bar para tocar. Falta incentivo. Falta um monte de coisa. E o pior é quando eles fazem a Festa do Trabalhador no 1º de Maio para uma multidão, chamam o Exaltasamba e deixam todos os grupos locais de fora”, reclama o guitarrista Rauf. O baixista Ivan espera pela aprovação de uma lei que impeça isso. “Ouvi dizer que serão obrigados a colocar pelo menos 20% de atrações locais nessas ocasiões”, explica. Vamos esperar para ver. Jesse Medeiros é apresentador TV Osasco (Drops) e Ladrão de Discos (Rádio Som da Hora). www.youtube.com/giralata
NASA libera foto da Terra vista há 1,44 bilhões de quilômetros de distância A foto foi feita pela sonda Cassini, que está em órbita de Saturno desde 2004
Por Hemerson Brandão*
“Tem-se dito que a astronomia é uma experiência que forma o caráter e ensina humildade. Talvez não exista melhor comprovação da loucura das vaidades humanas do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos.” Carl Sagan
NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute
ARTE
Respeitável público! Por Osni Dias Fotos: Laura Aidar
“Enquanto existir criança, vai existir o circo. Não tem como acabar”. A frase é de Antonio Bartolo, artista remanescente de um dos mais tradicionais circos do país – o Gran Bartolo Circus. Ele conta que seu avô, Felipe Bartolo, desde criança um profissional do circo, chegou ao Brasil em 1905 com a família e um grupo de imigrantes italianos. Em 1914, com os irmãos, criou seu próprio empreendimento – o Circo Irmãos Bartolo – percorrendo todo o país. Nele cresceram seus filhos, que aprenderam a mesma arte-profissão. Um de seus filhos, José Ruy Bartolo, aos 15 anos de idade, decidiu acompanhar o Circo Nerino e, mais tarde, adquiriu o circo alemão Berlim. “Em 1932, na época da revolução, meu pai resolveu comprar um circo e assim nasceu o Gran Bartolo Circus”, conta Antonio Bartolo. O Gran Bartolo Circo tinha dezenas de integrantes, domadores de leões e elefantes. Tornou-se um dos mais celebrados em todo o Brasil. Em 1981, o Circo Bartolo serviu de palco para o cineasta J. B. Tango rodar o filme “Saltimbancos Trapalhões”, com Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum e Zacarias, além da participação especial de Chico Buarque de Holanda.
O Circo Mágico Nacional Toninho, como é mais conhecido, é da 3ª geração de circo. Nasceu em Pederneiras, interior de São Paulo, mas é, literalmente, um cidadão brasileiro. Em 71 anos de circo, conheceu praticamente todo o país. Em Uberaba, permaneceu três anos participando do Circo Escola, projeto que resultou no nascimento do Circo Mágico Nacional – cultura e valores que a quarta geração de uma família circense leva aos quatro cantos do país, mantendo a tradição de mais de um século de arte e entretenimento. Lamara Nessas andanças, Toninho conheceu a mulher de sua vida – Lamara Bartolo. Nascida em Araras, veio de uma família circense tradicional – todos do famoso Circo Portugal. “Há 50 anos, meu pai foi sócio do pai do Toninho na criação do Circo Luso-Brasileiro. Minha irmã mais velha casou-se com o irmão mais velho do Toninho”. Ela aos 17 anos, ele aos 27, casaram-se. Com a criação do novo circo, já se apresentaram nos quatro cantos do país. “Fizemos muitas viagens, muitas mudanças, nem dá pra contar. Pra nós é natural desmontar o circo, montar
e carregar de novo. Tudo isso é muito bom, a gente se sente bem assim”, conta Lamara, cujo nome tem origem espanhola – recebeu o nome de uma personagem de peça teatral encenada no antigo circoteatro. Ela, que já participou muito do espetáculo, atua hoje nos bastidores do circo e tem um papel central na administração do empreendimento. Mudanças Questiono como é se adaptar às constantes mudanças com os filhos e netos. O casal afirma que não encontra dificuldades e que por onde passa com o grupo encontra muita hospitalidade. Recordando o carinho recebido no Nordeste, Lamara cita os bons momentos que tiveram por lá.
Encontramos muita hospitalidade e carinho pelo Nordeste. Em qualquer lugar onde o circo chega ainda é festa
Delícias: antes, durante e depois do espetáculo as crianças saboreiam guloseimas típicas do circo
Sorriso nos olhos: filhas brilham dentro e fora do picadeiro
“Quando o circo chega ainda é festa em muitos lugares neste Brasil, por incrível que pareça”, diz Lamara. Segundo ela, o Norte e o Nordeste foram os lugares mais bonitos por onde passaram, destacando Salvador, Recife e Natal. Já em Maceió, o circo era armado na praia, atraindo moradores e turistas que vinham de todo o país. “A maioria dos nossos filhos nasceu no Nordeste. Uma filha é paraibana, outra nasceu na Bahia, outra em Pernambuco, e Artur é carioca, um em cada estado”, afirma Toninho, orgulhoso. “O melhor de tudo são as amizades que a gente deixa”, diz ele. “A gente chega com o circo, num calor medonho, os vizinhos aparecem com jarra de suco, dizendo ‘vão em casa tomar um banho’. É desse jeito”, conta Lamara. Responsabilidade social Lamara diz que em cada cidade onde a família chega, Toninho procura a primeiradama e oferece espetáculos para a população mais carente. Na época do frio, somam esforços fazendo campanhas do agasalho em troca do ingresso. Segundo ela muita gente procura o circo para vivências e aperfeiçoamento, chegando a viajar juntos e acompanhar os espetáculos. O sucesso e o profissionalismo trouxeram ao Circo Mágico Nacional o reconhecimento esperado. Em 2012 o circo foi contemplado com o Prêmio Funarte Petrobras Carequinha de Estímulo ao Circo, com a 5ª melhor nota entre 37 circos paulistas relacionados.
Durante a entrevista, uma surpresa: Artur Felipe acorda chorando e vai correndo para os braços da mãe. Lamara nos revela: o menino foi chamála para assistir ao espetáculo com ele. Toninho observa, atento: “Se eu não colocar meu neto pra trabalhar comigo, na matinê, ele chora.” Futuro Sobre o futuro do circo, Toninho conta que sempre teve essa coisa de “o circo vai acabar”, mas o circo é eterno, não acabará nunca. “Cada dia que passa, surge um circo novo. Enquanto existir criança vai existir o circo, não tem como acabar”. Toninho conta, com entusiasmo, que “o circo é alegria, lugar onde as famílias se reúnem. Vem o neto, o avô, o pai... Aqui, tudo é diferente”. Segundo ele, na arena circense não há tempo para o stress, é sempre tudo novo. “O circo está no sangue”, diz Toninho. O intervalo termina e nosso entrevistado corre para o picadeiro. As crianças o aguardam para mais uma atração. E a alegria vai recomeçar...
Peter Maristani: fera no tecido e Homem Aranha – uma década de equilíbrio sobre as cordas
A cada brincadeira do palhaรงo, uma risada. Toninho tem razรฃo: Isadora nem piscou durante o espetรกculo.
Fofoca e Banzé. Filho e pai são a alegria do Circo Mágico: há anos celebram o encanto e a magia no picadeiro
Sinhô Baloeiro Por Thamires Carvalho Poderia ser fantástico, mas é apenas uma grande bola com gás E com sorrisos, alegra todos os “São Joãos”, Das roças, as cidades, Das crianças ricas, aos “véios pobres”. O balão caminha para o céu adentro, à procura de quietude E ao contrário do que pensam, não gosta nem de machucar uma planta. Prefere apenas desaparecer, sob a luz do luar Levando com ele brilhos, deixando esperanças no olhar. Sobe rápido, balão! Voa, vai, foge! Some pelo horizonte, mas não se esqueça de mim Eu, baloeiro, que te fiz crescer, dei vida Agora, o doo para o mundo. “
VOLTE SEMPRE
Depois de estalar o chicote com o número Texas Ranger, Artur observa as irmãs Ana e Vera: triunfo com as cordas
Emerson brilha na abertura do espetáculo: equilíbrio e firmeza com malabares, chapéus e bola ao cesto
No monociclo, Peter Maristani: equilíbrio sobre rodas sem equipamentos de proteção e sem redes, só a coragem
Toninho, 71 anos de circo, muito bem vividos e sem stress: “o circo está no sangue”
IMAGENS PARA COLORIR aqui: http://migre.me/fCGm4
Anos de experiência, trabalho e dedicação: Circo Mágico Nacional recebe o Prêmio Funarte Petrobras Carequinha de Estímulo ao Circo no ano de 2012
Banze´, ou melhor, Antonio Manolo: “o circo é eterno, não acabará nunca; enquanto existir criança vai existir o circo”
Hoje tem Espetáculo Maquete de circo faz parte das atrações do Museu do Circo_Gabo Morales
Palhaços famosos, como o Piolin, ganham destaque no Museu do Circo
Roupas de palhaços e artistas de circo famosos também fazem parte do museu
“Hoje tem Espetáculo” convida o público a espiar pela cortina a fabulosa e espetacular aventura do circo no Brasil, ao longo de quase duzentos anos, desde a sua chegada, no raiar do século XIX, até os dias de hoje. O circo brasileiro foi constituído por famílias circenses, vindas em sua maioria da Europa, que aqui se estabeleceram, e que quando começaram a viajar pelo país com seus circos de lona (que o povo deu o nome de Circo de Cavalinhos - expressão exclusiva do nosso idioma que atesta a importância do cavalo no espetáculo de então), foram incorporando artistas e culturas das regiões por onde passava, diluindo o caráter internacional do circo em criações locais. O processo de abrasileiramento do circo acabou por gerar um novo tipo de espetáculo circense, o Circo-Teatro, que apresenta circo na primeira parte e teatro na segunda. Mas o tempo do teatro, assim como aconteceu com o dos cavalinhos, passou. E o circo passou a ser então Circo de Variedades, em meados dos anos 1960, até que um novo conceito de circo, o Circo Escola, começou a ser difundido. Essa é uma época em que muitas famílias tradicionais se afastaram definitivamente do circo, e os circenses, perplexos com a mudança dos tempos, e conscientes de que uma arte não sobrevive sem seguidores, passaram a apontar a necessidade de escolas de circo no Brasil. E quando essas escolas se tornaram realidade, a partir de 1978, surgiram com elas outros conceitos de circo como Circo Novo e Circo Social. Todos esses e também outros circos estão presentes na exposição Hoje tem Espetáculo. No térreo, encontra-se o núcleo Artes do Circo, que tem como destaque as maquetes do mestre Maranhão. Na sobreloja, o espaço está organizado em duas alas: Área de Convivência, destinada a eventos, palestras e debates e Área Expositiva, onde são apresentados os núcleos Destaques, homenagem a artistas que se sobressaíram no circo brasileiro, Linha do Tempo e Saberes do Circo – grande maquete mostrando os processos de arquitetura, cenário, gastronomia, transporte e artes gráficas do circo. Importante ressaltar que esta exposição é resultado de uma pesquisa que ainda está em andamento. O levantamento da história do circo no Brasil, respeitável público, apenas começou. Verônica Tamaoki - curadora da exposição Hoje tem Espetáculo, fundadora e coordenadora do Centro de Memória do Circo. http://migre.me/fBdzY Centro de Memória do Circo. Av. São João, 473, (Galeria Olido). República, região central, tel. 3397-0171. Qua. a sex.: 10h às 20h. Sáb.: 13h às 20h. Evento permanente. Livre. GRÁTIS.
http://www.faat.com.br
74 • Kalango#15