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Menino segura tampa de urna da fase guarita. RuĂ­nas de Paricatuba, Iranduba, Amazonas A boy holds an urn lid from the Guarita period. Paricatuba ruins, Iranduba, Amazonas

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Arqueologia por Eduardo Góes Neves

archaeology by Eduardo Góes Neves

Arqueólogos mantêm relação especial com seu objeto de estudo: precisam destruí-lo para

Archaeologists have a special relationship with their subject: they need to destroy it in order

estudá-lo. Uma escavação arqueológica nada mais é que a destruição de sítios onde vestígios

to study it. An archaeological excavation is nothing more than the destruction of sites where

se encontram depositados há centenas, milhares ou mesmo milhões de anos. Essa destrui-

vestiges have lain deposited for hundreds, thousands or even millions of years. Granted, such

ção, por certo, é feita com métodos próprios, desenvolvidos ao longo dos últimos duzentos

destruction is performed with proper methods, developed in the last 200 years, and it is the

anos, e é a utilização correta desses métodos o que separa os arqueólogos dos saqueadores

correct use of such methods that tells apart archaeologists from site robbers, or huaqueros,

de sítios, ou huaqueros, como são conhecidos em muitos países latino-americanos. A neces-

as they are known in many Latin American countries. The need to apply field methods also

sidade de aplicar métodos de campo faz também que arqueólogos normalmente andem em

makes archaeologists normally walk in bands. The established image that associates field

bandos. A imagem consagrada que associa a arqueologia de campo a uma prática solitária é

archaeology to a solitary practice is false. More often than not, site excavation requires the

falsa. No mais das vezes, a escavação de sítios requer a mobilização de grupos numerosos,

mobilization of numerous groups, which may have dozens of people. Such groups are or-

que podem chegar a várias dezenas de pessoas. Tais grupos são organizados de maneira mais

ganized in a more or less hierarchical manner, divided according to its members’ training

ou menos hierárquica, divididos segundo a formação de seus componentes, seus interesses

background, interests and expertise. Indeed, field research in archaeology is an expensive

e especialidades. Com efeito, pesquisas de campo em arqueologia são empreitadas caras e

endeavor and can become a logistic nightmare if not correctly organized. At the same time,

podem transformar-se em pesadelo logístico caso não sejam corretamente organizadas. Ao

it is fundamental to have a good amount of flexibility when conceiving and carrying out the

mesmo tempo, é fundamental boa dose de flexibilidade na concepção e condução dos traba-

work, lest its course be compromised.

Existem alguns lugares do mundo onde ocorre tênue equilíbrio entre as exigências da

of research and the logistic conditions of archaeological practice. The Amazon is one of them.

pesquisa e as condições logísticas da prática arqueológica. A Amazônia é um deles. O des-

The ignorance of the ancient history of human occupation there is directly proportional to

conhecimento da história antiga da ocupação humana da região é diretamente proporcional

the region’s continental dimensions: one sees large river basins – which in other countries

às dimensões continentais de lá: veem-se bacias de rios de grande porte – as quais em

would be among the largest – that are very poorly known or virtually unknown. Distances are

outros países estariam entre as maiores – que são muito mal conhecidas ou praticamente

enormous, transportation is often made only by water or air, and the forest covers the sites,

desconhecidas. As distâncias são grandes, o transporte muitas vezes se faz apenas por água

hiding vestiges and making it difficult to view material that lie on the surface.

e ar, e a mata recobre os sítios, escondendo os vestígios e dificultando visualizar materiais que ocorram em superfície.

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There are some places in the world where a fragile balance occurs between the demands

All these conditions create a special relationship between archaeologists and the region’s inhabitants, whether they are Amerindians, mestizos or migrants who arrived from

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lhos, sob o risco de comprometer o andamento deles.

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Todas essas condições criam uma relação especial entre os arqueólogos e os moradores da região, sejam índios, sejam caboclos, sejam migrantes que ali chegaram nas últimas dé-

No final do século 19 e início do século 20, quando os primeiros antropólogos começaram

habitantes dos lugares onde se encontram os sítios descendem dos antigos ocupantes. Isso

a realizar pesquisas na região, os povos indígenas se encontravam em situação difícil, resul-

é particularmente óbvio nas terras indígenas localizadas na periferia da Amazônia. Em outras

tante dos abusos associados ao ciclo da borracha, abusos descritos já naquela época e ainda

partes do Brasil, tal relação não existe ou não é tão clara, uma vez que os povos indígenas

hoje vivos na tradição oral. Foi nesse contexto histórico extremo que se constituíram sobre os

foram extintos ou removidos para a posterior ocupação por descendentes de europeus, afri-

modos dos povos indígenas da Amazônia as visões simplistas que se consagraram na ciência

canos ou asiáticos.

e no senso comum – a ideia de que esses povos não têm história, de que seriam habitantes

a história natural e a história cultural. Durante décadas ou mesmo séculos, construiu-

primitivos de uma floresta inóspita ou ocupantes inocentes do último paraíso na Terra. Tais perspectivas não consideram as informações trazidas pela arqueologia.

se a imagem de que a região seria uma das

Dessas informações, é provável que a

últimas fronteiras inexploradas e desocupadas

mais importante diga respeito à contribui-

no planeta – um ambiente hostil e refratário

ção dos indígenas e caboclos à constituição

à ocupação humana, habitável apenas por pe-

das paisagens atualmente conhecidas na

quenos grupos nômades que viviam à míngua

Amazônia. Aqui, o termo paisagem pode ser

e estavam sujeitos à ação restritiva de fato-

compreendido de maneira simples como na-

res ecológicos. A construção dessa imagem,

tureza modificada pela atividade humana. A

no entanto, resulta da própria história da

antropologia tem nos mostrado que, para os

colonização europeia. No século 18, quando

povos nativos da Amazônia, é muito tênue a

os primeiros cientistas realizaram viagens

separação entre o que se constitui como o

de pesquisa e observação na Amazônia, os

mundo da natureza e o que se constitui como o

povos nativos já haviam passado por uma

mundo da cultura. Dessa perspectiva, plantas,

história de mais de dois séculos de contato,

animais, afloramentos rochosos, cachoeiras e

com a transmissão de doenças contra as quais não tinham imunidade e com as expedições

outros componentes do mundo natural têm vida própria e, sobretudo, capacidade de agir

militares empreendidas pelas potências coloniais. Assim, não é por acaso que a maior parte

com base numa lógica apreensível pela chave da cultura. A arqueologia mostra que, junto

das terras indígenas de grande porte na Amazônia brasileira se localize hoje na periferia da

com a apropriação simbólica da natureza, ocorreu outra, agora material, levando à formação

bacia, como no alto Xingu, no alto rio Negro, no Acre, na região do Tumucumaque ou em

de novas paisagens, produtos históricos da atividade humana que, portanto, não existiam

Roraima. Trata-se de áreas distantes do eixo principal do Amazonas, que desde o século 16

naturalmente na região.

serviu como caminho de penetração e ocupação. amazônia antiga • 16

dos restos materiais neles preservados.

cadas. Na Amazônia, a arqueologia tem sabor particular porque, em muitos casos, os atuais

Ao mesmo tempo, é cada vez mais claro que, na Amazônia, dá-se rica interpolação entre

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ocupação humana só pode ser compreendida com base no estudo dos sítios arqueológicos e

As paisagens formadas pela atividade humana no passado amazônico estão quase sem-

Mas, paradoxalmente, a riqueza arqueológica das áreas localizadas às margens do Ama-

pre associadas a sítios arqueológicos. Há um número de espécies vegetais que tendem a

zonas é imensa, já que registra uma ocupação humana iniciada há mais de 11 mil anos. Há,

ocupar áreas cobertas por sítios e concentrar-se ali. Dentre tais espécies, estão vários tipos

por exemplo, cerâmicas que estão entre as mais antigas do continente americano, datadas

de palmeira, como o uricuri, o marajá e o caioé. Na Amazônia central, ocorrem também outras

em cerca de 8 mil anos; e evidências de modificações significativas na paisagem, como a

plantas que ocupam áreas de sítios; é o caso, por exemplo, da limorana. Assim, sítios arqueo-

formação de férteis solos antrópicos, datadas em cerca de 2 mil anos. Essa rica história de

lógicos funcionam como ilhas que concentram maior densidade de algumas espécies vegetais.

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other parts of Brazil in the last decades. In the Amazon, archaeology has a peculiar flavor,

In the late nineteenth and early twentieth century, when anthropologists first started conduct-

because in many cases the current inhabitants of the places where sites are found descend

ing research in the region, the indigenous peoples were in a serious predicament, resulting from

from the ancient occupants. This is particularly obvious in the Amerindian reserves located in

the abuses related to the economic cycle of rubber. Such abuses were already described at that

peripheral Amazon. In other parts of Brazil, such a relationship either does not exist or is not

time and still survive in today’s oral tradition. It was in this extreme historical context that the

so clear, because native peoples either became extinct or were removed for the later occupa-

simplistic visions about the ways of the peoples of the Amazon were constructed and enshrined

tion by descendants of Europeans, Africans or Asians.

in science and common sense – the idea that such peoples have no history, that they would be

natural and cultural history occurs. For decades or even centuries, an image was constructed

Such perspectives do not consider the information brought to light by archaeology.

that the region would be one of the planet’s last unexplored and unoccupied frontiers – a

From all this information, it is likely that the most important relates to the contribution of

hostile environment, unyielding to human occupation, inhabitable only by small groups of

indigenous peoples and Caboclos to the making of the currently known Amazon landscapes.

nomads who lived in squalor and were subject

Here, the term “landscape” can be understood

to the restrictive action of ecological factors.

in a simple way as the nature modified by hu-

The construction of that image, however, is a

man activity. Anthropology has shown us that,

result of the history of European colonization

for the native peoples of the Amazon, the

itself. In the eighteenth century, when scien-

separation between the world of nature and

tists first undertook research and observation

the world of culture is very tenuous. From that

journeys to the Amazon, the native peoples

perspective, plants, animals, rocky outcrops,

had already gone through a history of over

waterfalls and other components of the natu-

200 years of contact, with the transmission of

ral world have their own life and, above all,

diseases against which they had no immunity

the ability of acting based on a logic that is

and with military expeditions promoted by the

understandable with the key of culture. Ar-

colonial powers. Thus, it is not by chance that

chaeology shows that along with the symbolic

most of the large-sized Amerindian reserves in

appropriation of nature, another one arose a

the Brazilian Amazon are located in the basin’s periphery, as in the upper Xingu, or the upper

material one, causing new landscapes to be formed, consisting of historic products of human

Negro, or Acre, or the Tumucumaque region, or Roraima. These are distant areas from the

activity, which therefore did not exist naturally in the region.

main axis of the Amazon River, which since the sixteenth century has functioned as a pathway of penetration and occupation.

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primitive inhabitants of an inhospitable forest, or innocent occupants of the last paradise on earth.

The landscapes formed by human activity in the Amazon’s past are almost always associated with archaeological sites. There are a number of plant species that tend to occupy areas

Paradoxically, however, the archaeological wealth of the areas on the banks of the

covered by sites and to concentrate themselves there. Among such species are several types of

Amazon River is immense, since it records human occupation that started over 11,000

palm trees, such as uricuri (Bactris tomentosa), marajá (Pyrenoglyphis maraja), and caioé (Elaeis

years ago. There are, for example, ceramic artifacts that are among the oldest in the

melanococca). In central Amazon, other plants also occur occupying site areas; for example,

Americas, dated from 8,000 years, and evidence of significant changes in the landscape,

the limorana grass (Gynerium sagittatum). So, archaeological sites function as “islands” that

with the formation of fertile anthropic soils dated from 2,000 years. This rich history of

concentrate a greater density of some plant species. Also concerning the relationship between

occupation can only be understood based on the study of archaeological sites and the

human beings and plants, it is now known that it was in the Amazon that some very important

material remains preserved there.

species, such as manioc and pupunha palm (Bactris gasipaes), were domesticated.

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At the same time, it is increasingly clear that in the Amazon a rich intertwining between

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Ainda no que se refere à relação entre seres humanos e plantas, sabe-se atualmente que na Ama-

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zônia foram domesticadas algumas espécies muito importantes, como a mandioca e a pupunha.

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Nos últimos anos, tenho tido a chance de trabalhar com Maurício em etapas de campo pela Amazônia. Isso me deu as condições para entender seu método de trabalho. Se é

É possível que, no início do século 16, a região fosse um grande mosaico de jardins. Por

inegável o talento do fotógrafo em produzir imagens fortes, elas só se puderam construir

certo não jardins como hoje os conhecemos, formados de gramados e canteiros de flores cuida-

pela opção de permanecer horas ou mesmo dias no mesmo local, convivendo com caboclos

dosamente mantidos. Aqueles jardins amazônicos se constituíam de ilhas de áreas cultivadas; de

e arqueólogos, observando seus modos de agir, suas relações entre si, com objetos e com

roças em diferentes estágios de uso e abandono; de áreas abandonadas (antigas roças ou aldeias,

a natureza. Trata-se, sem dúvida, de um trabalho de paciência, feito desapressadamente,

abertas a golpes de machados de pedra polida e ao calor do fogo, plenas de espécies frutíferas

composto de longas esperas, inspirado na contemplação, bem à moda amazônica.

ou outras economicamente importantes); de trilhas, caminhos ou estradas que cruzavam a mata e

É particularmente feliz a escolha dos caboclos como protagonistas de muitas das imagens.

conduziam de uma aldeia a outra; e das próprias aldeias, algumas de grande porte e com centenas

Eles foram tradicionalmente relegados pela ciência ou pelo poder público como personagens se-

de anos de ocupação contínua. Esses jardins na terra eram completados pelo rico mundo aquático

cundárias na história ou no desenvolvimento de políticas para a Amazônia, como se fossem ape-

dos rios, lagos e várzeas. Viajar por esse mundo

nas herdeiros impuros de um passado autêntico

é um convite a perder-se num labirinto saturado

que se perdeu. Tal visão simplifica em demasia

de água e cheio de surpresas: pequenos furos

o profundo conhecimento que os caboclos têm

ou canais entupidos por troncos caídos podem

sobre o contexto geográfico e ecológico dos lo-

levar a lagos que se abrem repentinamente e se

cais onde vivem. O rico paradoxo do modo de

anunciam à vista em clarões que interrompem a

vida caboclo é a mistura da modernidade com a

escuridão das matas alagadas. Nos altos barran-

tradição. Esse modo deve sua origem à história

cos que se derramam abruptamente em falésias

colonial da Amazônia, mas foi a demanda por

sobre esses lagos, encontram-se em geral os

borracha, impulsionada pelo mercado externo,

sítios arqueológicos.

que levou à fixação de migrantes nordestinos

É assim, naquela grande escala geográfica,

a partir do final do século 19. Com o fim dos

que se inscrevem a arqueologia e o trabalho dos

ciclos da borracha, aqueles migrantes e seus

arqueólogos na região. Fazer arqueologia na

descendentes, misturados aos descendentes

Amazônia é uma forma de conhecê-la da perspectiva da paisagem, é perceber que a imensidão

dos índios que povoam há milênios a região, permaneceram ocupando as beiras de rios e lagos

dos rios e florestas esconde uma rica história cujo significado apenas começamos a decifrar.

– os locais onde, vimos, costumam estar os sítios arqueológicos.

O trabalho de Maurício de Paiva, a par da beleza única, tem a força de captar essa dimen-

Na Amazônia contemporânea, os caboclos são os grandes guardiões dos sítios arqueo-

são. As fotos de Maurício exibem rica sensibilidade arqueológica: mulheres, homens, crianças,

lógicos. É sobre esses sítios que moram, é nas terras pretas que fazem suas roças, é dali que

bichos, plantas, objetos e paisagem têm vida, são agentes. À dimensão estática das imagens

extraem seus modos de vida e de reprodução. Qualquer política ou ação que vise à valori-

emerge uma tensão que nada mais é que a manifestação da vida a escorrer continuamente,

zação ou estudo daquele patrimônio precisa passar por esse reconhecimento. Espero que a

mesmo que congelada num instantâneo. Essa operação, passando do registro estático à dinâ-

beleza do trabalho de Maurício e a possibilidade de divulgá-lo neste livro possam contribuir

mica da vida, é exatamente a realizada pelos arqueólogos em suas investigações. O que são

para tal sensibilização.

sítios arqueológicos senão registros estáticos, no presente, de histórias complexas e dinâmicas Eduardo Góes Neves que ocorreram no passado? Maurício, a sua maneira, produz em imagens uma arqueologia do contexto da arqueologia na Amazônia, donde a escolha feliz do título deste livro.

Doutor em arqueologia pela Universidade de Indiana (EUA), professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e coordenador do Projeto Amazônia Central

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It is possible that, in the early sixteenth century, the region was a great mosaic of

In recent years, I have had the chance to work with Maurício in the field throughout the

gardens. They certainly were not gardens as we know them today, made of carefully main-

Amazon. This has enabled me to understand his working method. Although the photogra-

tained lawns and flower beds. Those Amazon gardens were “islands” of cultivated areas

pher’s talent in producing strong images cannot be denied, they could only be constructed

in different stages of use and neglect; abandoned areas (old cultivated plots or villages,

through the choice of staying for hours or even days at the same place, living together with

opened by fire and polished-stone axes, full of fruit-bearing and other economically impor-

Caboclos and archaeologists, observing their ways of acting, their relationship with each

tant species); trails, paths or roads that crossed the forest and led from one village to another;

other, with objects and with nature. It is doubtlessly a work of patience, made without hurry,

and the villages themselves, some of them large, with hundreds of years of continuous

made up of long waits, inspired in contemplation, just in the Amazon’s way.

occupation. Such gardens were complemented by the rich aquatic world of rivers, lakes

Featuring the Caboclos as protagonists of many images was a particularly fortunate choice.

and flood areas. Traveling in this world is an invitation to lose oneself in a labyrinth satu-

Science and the government have traditionally relegated them to secondary roles in the history

rated with water and full of surprises: small channels obstructed by fallen trunks may lead

or the development of policies for the Amazon, as if they were only impure heirs of an authentic

to lakes that open suddenly and announce

past that has been lost. Such a view oversim-

themselves to sight in flashes that break the

plifies the deep knowledge the Caboclos have

darkness of the flooded forest. It is generally

about the geographical and ecological context

in the high escarpments that fall abruptly in

of the places where they live. The rich paradox

cliffs over those lakes that archaeological

of the Caboclo way of life is a mix of modernity

sites are found.

and tradition. That way of life arose from the

It is so, in that grand geographic scale,

Amazon’s colonial history, but it was the demand

that archaeology and the work of archaeolo-

for rubber, propelled by the foreign market, that

gists in the region fit themselves. To work with

led migrants from Northeastern Brazil to settle

archaeology in the Amazon is a way of getting

there, starting from the late nineteenth century.

to know it from the perspective of the land-

When the rubber economic cycles ended, those

scape; it is realizing that the vastness of the

migrants and their descendants, intermixed

rivers and forests hides a rich history whose

with the descendants of the Amerindians who

Maurício de Paiva’s work, in addition to its unique beauty, has the strength of captur-

have populated the region for thousands of years, remained occupying the banks of rivers and lakes – the places where, as we have seen, archaeological sites often are.

ing that dimension. Maurício’s pictures show a rich archaeological sensibility: women, men,

In the contemporary Amazon, Caboclos are the great guardians of archaeological sites.

children, animals, plants, objects and the landscape are alive; they are agents. From the static

They live on those sites; it is on the terras pretas that they farm their small fields; it is from

dimension of the images emerges a tension that is nothing more than the manifestation of

there that they take and reproduce their ways of life. Whatever policy or action aiming to

life that flows continually, even if frozen in an instant image. That operation, going from a

value or study those riches must necessarily acknowledge this reality. I hope the beauty of

static record to the dynamics of life, is exactly what archaeologists perform in their investiga-

Maurício’s work and the possibility of making it known through this book may contribute to

tions. What are archaeological sites other than present-day static records of complex and

make people more aware of that.

dynamic stories that happened in the past? Maurício, in his own way, produces in images an Eduardo Góes Neves archaeology of the context of archaeology itself in the Amazon; hence the fortunate choice of this book’s title.

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PhD in archaeology from the University of Indiana, Professor at the University of São Paulo’s Museum of Archaeology and Ethnology (MAE-USP), and coordinator of the Central Amazon Project

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meaning we are only starting to decipher.

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Surroundings by Mônica Trindade Canejo

Mais um barco se apronta para sair. Mulheres entram trazendo seus filhos e suas sacolas. E

Yet another riverboat gets ready to leave. Women come in, bringing their children and their

homens, carregando caixas nos ombros. Muita gente embarcando rapidamente, escolhendo

bags. And men, carrying boxes on their shoulders. Lots of people boarding quickly, choos-

o melhor lugar para armar a rede e depositar o aparelho de som, que garantirá a trilha sonora

ing the best place to hang their hammocks and lay their sound devices on, to ensure the

de todo o percurso. Alguns estão voltando para casa, outros vão a um batizado, há quem este-

soundtrack of the whole voyage. Some are coming home; others are going to some baptism

ja deixando o lar para encontrar novos destinos. A viagem é longa, são dias pela imensidão do

ceremony; there are those who are leaving home to find new destinations. The voyage is long,

rio. Durante a noite faz muito frio, mas o dia é ensolarado e calmo, como a superfície plana da

days on the vastness of the river. At night it is very cold, but days are sunny and quiet like the

água. Nas margens, aqui e acolá, algumas casas de madeira, com a pintura azul desbotada,

even surface of the water. On the banks, here and there, some wooden houses, with a faded

rodeadas de altas palmeiras. E a densa mata, muralha muito verde.

blue paint, surrounded by tall palm trees. And the dense forest, a very green wall.

De vez em quando, uma pequena canoa se aproxima do barco. Crianças sobem pela cor-

Once in a while, a little canoe comes close to the boat. Children climb the rope. They

da. Trazem camarões secos ou açaí batido. Antes que todos possam reparar na mercadoria,

bring dried shrimp or mashed açaí fruit. Before all can see their merchandise, they get back

voltam para o casco. Não devem se afastar de casa. Um trânsito incessante que se repete a

to the hull. They must not go far from home. An endless traffic that repeats itself every day,

cada dia, levando pessoas de uma grande cidade à outra, parando em outras menores, atra-

taking people from one city to the other, stopping in small towns, traversing the fluvial roads.

vessando as estradas fluviais. Se para mim é uma novidade essa experiência, para o morador

While the experience is new for me, for the Amazon dweller these are habitual paths, ways

da Amazônia são caminhos habituais, rumos que se tomam desde tempos muito remotos,

that are taken since very remote times, when other people dominated this landscape.

quando outros eram os que dominavam essa paisagem.

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To look at the small isolated houses and to think that 500 years ago, when the first

Olhar as pequenas casas isoladas e pensar que há quinhentos anos, quando os primei-

Europeans traversed the same path in a surveying voyage, a large part of this area was

ros europeus trilharam o mesmo caminho em viagem de reconhecimento, boa parte dessa

much more populated than today is like a kind of travel back in time. To walk on these

área era bem mais habitada que hoje é uma espécie de volta no tempo. Caminhar por essas

banks thousands of years ago might mean finding roads, villages, cultivated plots, unknown

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Entornos por Mônica Trindade Canejo

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In the coast and estuaries of Pará and Maranhão, traditional fishing is under the strong influence of tidal variations, several meters high. Sites have been identified there which yielded some of the oldest ceramic objects in South America, in addition to sambaquis (sand and seashell middens) around 5,500 years old. Apeú Salvador Island, Pará. PP. 20-3, 26-9

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No litoral e nos estuários do Pará e Maranhão, a pesca tradicional sofre forte influência das variações da maré, que apresentam metros de amplitude. Já se identificaram ali sítios com algumas das cerâmicas mais antigas na América do Sul, além de sambaquis em torno de 5500 anos. Ilha de Apeú Salvador, Pará. PP. 20-3, 26-9

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