Serra do Gandarela “invisível” em tempos de escassez de água É inacreditável como a Serra do Gandarela, patrimônio natural e hídrico de valor incalculável, mesmo em tempos de escassez de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte, está “invisível” para a maioria dos gestores de água, políticos, governantes e boa parte da grande mídia. Nesses espaços não se toca no assunto e até se foge dele. Em evento do Fórum Municipal de Associações de Bairro de BH, no final do ano passado, o Prefeito de Belo Horizonte, que sabe da Serra do Gandarela e que responde pela gestão de um município com cerca de 3 milhões de habitantes, dos quais mais de 60% dependem de acesso à água pelo Sistema Rio das Velhas, para o qual contribuem os rios que vêm da Serra do Gandarela, se recusou a receber um jornal nosso. Nenhum dos prefeitos em exercício dos municípios de Nova Lima, Raposos, Caeté, Rio Acima, Santa Bárbara e Barão de Cocais se pronuncia a favor da preservação da Serra do Gandarela. E o Governador, que também conhece a questão da Serra do Gandarela e a quem foi entregue um documento quando candidato, não se manifesta a respeito e ainda declara publicamente seu total apoio à mineração. O mesmo acontece com a Copasa, que desde abril não dá retorno a encaminhamentos acertados em reunião e relacionados com a Serra do Gandarela e a possibilidade de suprir com águas limpas a captação de Bela Fama, e que em julho anuncia, "para garantia de água para Belo Horizonte por mais 25 anos", uma obra de R$ 128,4 milhões no rio Paraopeba, para fazer uma "transposição" para o sistema de captação de Rio Manso das águas de um rio quase vazio, com alto índice de poluição (inclusive metais pesados), num ponto onde ele já recebeu esgoto não-tratado de cidades como Conselheiro Lafaiete, Jeceaba, Congonhas, Belo Vale, Moeda e Brumadinho. E a grande mídia, apesar de receber inúmeros releases e sugestões de pauta, não fala da Serra do Gandarela, nem em matérias focadas na situação crítica do rio das Velhas, onde uma única captação “Bela Fama”, em Honório Bicalho, é responsável pelo abastecimento de mais de 60% de Belo Horizonte e 41% da RMBH, sendo que as águas limpas que descem da Serra do Gandarela ajudam a manter sua qualidade e quantidade e podem ainda ser uma solução estratégica para complementar o abastecimento público através da captação de águas do Ribeirão da Prata. Que realidade é esta em que a Serra do Gandarela se torna invisível precisamente para quem tem a responsabilidade de zelar pela garantia de água da população, sendo claro que esta invisibilidade é só para atender o interesse da mineração? No meio da Serra do Gandarela bate um coração de água.
Foto: Robson de Oliveira
Saibam todos que este coração intacto de águas limpas, onde a crise hídrica não chegou, continua sob ameaça porque o Parque Nacional da Serra do Gandarela foi criado em 14 de outubro do ano passado de modo a permitir a destruição do aquífero, nascentes e cachoeiras, e a Vale insiste em seu projeto Apolo e em junho deste ano pediu ao Governo de Minas Gerais para o seu licenciamento na região ser retomado.
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela Email: movimentogandarela@gmail.com Site: www.aguasdogandarela.org
“Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante? Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.”
Facebook: SalvemASerraDoGandarela (Papa Francisco em Santa Cruz de la Sierra em 10/7/2015)
RIBEIRÃO da PRATA O Ribeirão da Prata nasce na Serra do Gandarela, chega a Raposos com águas de qualidade (Classe 1) e com uma vazão regular o ano inteiro por se abastecer dos aquíferos ainda preservados. Por isso existe ali o Balneário, frequentado por milhares de pessoas durante o ano. Sua proximidade (cerca de 5 km) da captação de Bela Fama, da Copasa, faz com que o mesmo seja a alternativa mais viável para complementar o abastecimento de praticamente 2 milhões de habitantes. É neste ribeirão e seus afluentes, que seriam diretamente impactados em suas nascentes pelo projeto de mina Apolo, da Vale, que a empresa quer colocar uma gigantesca barragem de rejeitos a poucos quilômetros acima de Raposos. Em maio deste ano já entregamos à Copasa um documento técnico sobre esta possibilidade e até hoje não conseguimos resposta e que eles agendem a nova reunião que solicitamos.
Porque defendemos a preservação da Serra do Gandarela? A Serra do Gandarela é um grande reservatório de água que está armazenada exatamente onde tem minério de ferro. Essa água é importante não apenas para quem mora próximo à Serra, mas para a população de muitas cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (a própria capital, Raposos, Rio Acima, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Caeté, entre outras) e de outros municípios rio abaixo. Toda essa água contribui também para a manutenção dos principais rios das duas bacias que a serra divide: o rio das Velhas, na bacia do rio São Francisco e o rio Piracicaba, na bacia do Rio Doce. Isso sem falar nas outras riquezas e formas de vida que a serra guarda: biodiversidade, fauna, flora, história, cavernas, cachoeiras, tranquilidade e belas paisagens, que dão à região, desde que preservada, um enorme potencial de desenvolvimento econômico local e regional através do turismo praticado de forma sustentável.
O que aconteceu com o Parque Nacional e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável ? w Por? (RDS)? pressão das mineradoras junto aos governos estadual e federal, o processo de criação do Parque Nacional demorou e em 14/10/2014 a Unidade de Conservação foi criada com limites que não só deixaram de fora as áreas que a VALE e a Ferro Puro precisam para seus projetos como avançaram para cima de áreas que deveriam ser a RDS pedida pelas comunidades rurais de Santa Bárbara e Barão de Cocais, o que é muito grave, por prejudicar atividades sustentáveis praticadas há tempos na região, como a apicultura.
E a VALE? A VALE deseja minerar todas as reservas de ferro existentes na Serra do Gandarela, Piaco (acima de André do Mato Dentro), Baú (em Barão de Cocais) e Capanema (em Santa Bárbara-Itabirito). A empresa interferiu no processo de criação do Parque Nacional e da RDS e negociou diretamente com os governos estadual e federal a exclusão, dos limites do PARNA, de áreas de seu interesse de exploração mineral. Logo depois da criação do Parque Nacional, a VALE fez uma reunião na Malásia com o Conselho de Administração para tratar da Mina Apolo e no dia 23/12/2014 fez uma reunião extraordinária de acionistas só para incorporar à empresa um direito minerário ao sul da Mina Apolo (a maior parte em Rio Acima), que está totalmente dentro do Parque Nacional criado. Significa que a VALE já negociou com financiador japonês a parceria para implantar a Mina Apolo e o ramal ferroviário que é necessário? Significa que não desistiu nem da única e menor parte da Serra do Gandarela que ficou protegida? O que é certo é que em junho deste ano a empresa pediu ao Governo de Minas Gerais para retomar o licenciamento que estava suspenso enquanto o Parque Nacional não era criado.
E os governantes? Estes parecem mais interessados em apoiar a mineração do que garantir que a população tenha água, que é fundamental para a vida e que permite outras formas de desenvolvimento e geração de renda bem menos impactantes, como a agricultura familiar e orgânica, o turismo e indústrias de tecnologia limpa. Infelizmente, a grande maioria dos políticos só pensam na próxima eleição, a cada 4 anos, e não nas necessidades da população, como o abastecimento de água, que hoje precisa ser planejado para os próximos 50, 100 anos, 200 anos. Já as mineradoras planejam hoje tudo o que querem mais adiante para manter seu lucro. Se deixarmos em 20 anos elas esgotam o minério do Gandarela, deixam para trás grandes crateras ou as enchem de rejeitos e água contaminada e vão para outro lugar fazer a mesma coisa. E então não haverá mais Serra do Gandarela e suas águas brotando como é hoje e como foi por milhões de anos. Faz sentido isso acontecer?