O VISTO
ANO 2, Nº5
DEZEMBRO de 2014
16 PÁGINAS
EDIÇÃO ESPECIAL
Conflitos e guerras pelo mundo
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA JORNAL DO CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
/OVISTOUFSC OVISTOUFSC@GMAIL.COM
EDITORIAL
EXPEDIENTE
Os fenômenos internacionais evoluem muito rapidamente, o que exige dos internacionalistas um trabalho constante de monitoramento dos mesmos e das discussões mais importantes e impactantes da conjuntura internacional. Pensando nisso, o projeto de extensão “Laboratório de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais/LabCon-RI” buscou oferecer, ao longo de 2014, um espaço aos alunos interessados em entender e analisar alguns temas e fenômenos da conjuntura internacional. Após a seleção dos conflitos internacionais a serem estudados e debatidos, os estudantes elaboraram “fact sheets” relativos aos temas. Os “fact sheets” foram usados pelo grupo como forma de sistematizar as informações coletadas como cronologia, principais atores envolvidos e repercussões dos fenômenos em análise em âmbito local, regional e global. Os textos da presente edição de O Visto são, portanto, o resultado do trabalho desenvolvido pelos estudantes do curso de graduação em Relações Internacionais no projeto de extensão LabCon-RI. As pesquisas e análises que embasaram a construção dos “fact sheets” foram sintetizadas e adequadas no formato de artigos de jornal. Esperamos que a leitura dos artigos possa contribuir para a compreensão dos conflitos selecionados e despertá-los para a discussão de tais temáticas. Desejamos, também, que os estudantes envolvidos no projeto possam ter percebido que mesmo para escrever um breve artigo conjuntural para um jornal é preciso bem mais do que uma pesquisa na internet. A confecção desses artigos exigiu muita pesquisa, discussão teórica e a habilidade de analisar os fatos. Boa leitura a todos, Profª. Graciela de Conti Pagliari Profª. Patrícia Ferreira Fonseca Arienti
Bruna Bruscatto (11.1) bbruscato@live.com Carolina Ferrari (12.2) ferrari_carol@hotmail.com Darlan de Souza Borges (12.2) darlanbs@hotmail.com Gabriel Antonio C. Pereira (12.2) gabriel_antonioc@hotmail.com Gabriel Piccinini (12.2) gabrielpiccinini@me.com Jonatan Carvalho de Borba (12.2) jcarvalhodeborba@gmail.com Lucas Cidade Garcez (12.2) garcezlc@hotmail.com Mariana Almeida Tavares (12.2) marianatava@yahoo.com.br Mariana Serrano Silvério (12.2) mariana@silverio.net.br Design por Gisele Flôres (13.2) giselefloressilva@gmail.com
ovistoufsc@gmail.com
A ilustração da capa desta edição foi gentilmente cedido pela canadense Eve Gaboury. Mais de seus trabalhos podem ser conferidos no site http://www.leshindig.com
apoio
nesta edição “Peacekeeping na República Centro-africana” Página 3 Anexação da Crimeia pela Rússia Página 7 Grupo terrorista Buko Haram na Nigéria Página 11 O processo eleitoral de 2013 na Venezuela Página 14
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MAPA POLÍTICO Um mapa político é a forma gráfica de identificar divisões políticas e administrativas de uma determinada região, aqui, ele serve para acabar com as divisões e juntar visões e pensamentos sobre tudo o que você pensa e acha que deve ser dito e debatido acerca do cenário internacional. O que você pensa?
ANÁLISE DA CRIAÇÃO DA OPERAÇÃO DE PEACEKEEPING MINUSCA NA REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA PELO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS Amanda Michaltchuk Gabriel Antonio Gustavo Henrique de Souza Bodenmüller
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combinação de pobreza generalizada, interrupções no comércio e agricultura, insegurança contínua, deslocamentos populacionais em grande escala e total ausência de serviços públicos, deixa a República Centro-Africana (RCA) imersa em uma situação de profunda crise socioeconômica e humanitária, ocupando o 185º lugar dos 187 países analisados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2013. Desde sua independência da França em 1960, o país tem vivido golpes políticos recorrentes, violência, incursões de milícias estrangeiras, conflitos internos e transfronteiriços, e necessita de ajuda internacional para sobreviver. Em 2003, François Bozizé toma o poder através de um golpe militar e, posteriormente, vence as eleições presidenciais em 2005. O governo negligencia o norte do país, gerando manifestações de insatisfação que culminam no ataque de grupos armados à capital, Bangui. No final de 2012, a aliança de milícias conhecidas como Seleka (“coalizão” em Sango, a língua nacional) levanta-se contra o governo Bozizé, alegando o não
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cumprimento por parte do governo de acordo de paz assinado em 2008. Em janeiro de 2013, um acordo de paz entre governo e a Seleka é assinado. Contudo, além dos opositores acusarem o governo de não efetuar esforços políticos suficientes para a implementação dos termos acordados, acusam o Exército e a Guarda Presidencial de perpetrarem desaparecimentos, torturas e assassinatos contra muçulmanos. Assim, a milícia ataca novamente e, sob a liderança de Michel Djotodia, assume o controle de Bangui em 24 de março de 2013. Ao assumir o poder, os seleka dão continuidade às suas atividades de violência, como saques, desaparecimentos e recrutamento de crianças, sobretudo no noroeste do país. O governante Djotodia, vendo o grande derramamento de sangue, tenta dissolver seu antigo grupo, porém a maioria permanece ativa. Paralelamente, grupos cristãos já existentes, conhecidos como os anti-Balaka (“anti-sabre”), começam a se expandir em resposta aos abusos cometidos pelos Seleka. Situação que eleva as taxas de violência com os ataques e retaliações entre Seleka x anti-Balaka, tornando mais frequente as destruições de mesquitas e igrejas. As cidades de Bossangoa e Bangui tornaram-se arenas de confrontos e mais de mil pessoas são mortas, entre o início de dezembro de 2012 e final de janeiro de 2013.
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Em 10 de janeiro de Figura 1 - Crescimento Real do PIB da República Centro-Africana (2004-2015) 2014, durante a cúpula da Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC), a pressão internacional forçou Djotodia a demitir-se. Os selekas começaram a sair de Bangui e das províncias ocidentais, visto que não mais se viam representados pela liderança do país e não tinham mais suas ações protegidas pelo governo. Populações muçulmanas minoritárias nas áreas centrais tornaram-se leka, o Conselho Nacional de Transição elege em 20 de mais vulneráveis à violência por milícias anti-Balaka, provocando êxodo de civis mu- janeiro de 2014 Catherine Samba-Panza, ex-prefeita de çulmanos para regiões mais afastadas. Situação que afe- Bangui, como a nova chefe de Estado de Transição da ta o crescimento do Islã na RCA, pois um número signifi- República Centro-Africana. Formou-se um novo govercativo de empresas é gerido por imigrantes muçulmanos no de transição em 27 de janeiro, compreendendo 20 e países árabes estão multiplicando seus investimentos membros, incluindo três representantes ex-Seleka e um na RCA. Todavia o aumento dos deslocamentos devido a representante anti-Balaka. A menor participação de reperseguições resultou numa escassez de bens, incluindo presentantes das milícias no quadro de funcionário do medicamentos, além de um aumento significativo nos novo governo provocou insatisfação entre os grupos militantes, causando o aumento da violência em Bangui. preços de mercado. A escolha do momento adequado para a reali O próprio processo de evacuação muçulmana é alvo de ataques. Episódio que representa tal dificuldade zação de eleições presidenciais na RCA não será apenas foi o ataque de anti-Balakas a um comboio humanitá- uma questão de colocar em prática as capacidades técrio com 18 caminhões da ONU que levava 1.300 muçul- nicas necessárias, arranjos legais e de fornecer um ammanos para uma área mais segura no norte do país. O biente seguro. Mas também de instituir um ambiente ACNUR apontou que, desde abril de 2014, o número de político em que as eleições ajudem a fortalecer a sociemortes entre as crianças refugiadas é crescente, tendo dade e promover a estabilidade, em vez de ser fonte de as principais causas desidratação, hipotermia e anemia. conflito e instabilidade social. O pico de violência em deO Alto-Comissariado define as rotas de fuga como “jor- zembro de 2013 dizimou as capacidades nacionais, que já eram escassas, e levou ao colapso da administração nadas de fome e morte”. Os recursos naturais também estão ligados aos do país. Os funcionários públicos não foram pagos desgrupos armados, que por meio da exploração ilegal ad- de então e o Estado mantém-se sem capital para pagar quirem armamentos e meios para manutenção de seus os salários. Assim, o Estado, além de não prestar servitrabalhos. A INTERPOL e o Programa das Nações Uni- ços básicos à população, também não contribui para a das para o Meio Ambiente (PNUMA) lançaram em 2014 movimentação da economia. A capacidade das novas um estudo acerca dos crimes ambientais, tratando das autoridades de transição para efetuar a mudança vai ameaças ao desenvolvimento sustentável de exploração depender, em parte, num futuro imediato, do apoio da e comércio ilegal da vida selvagem e recursos florestais. comunidade internacional. O Banco Mundial comprometeu-se com cerca O relatório aponta esta conexão entre violações ao meio ambiente e compra de armas. Milícias armadas locais de 100 milhões de dólares em apoio aos esforços de caçam regularmente elefantes e hipopótamos em bus- resposta a emergências, incluindo rápido suporte ao ca de marfim, além de estarem ligadas ao comércio de setor público. O Banco Mundial, a União Europeia e o madeira ilegal, carvão, ouro e minerais, violando grave- FMI estão focados numa aproximação com autoridades mente os direitos humanos nestes trabalhos. Os proces- nacionais para discutir o apoio direto ao orçamento. No sos de exploração incluem recrutamento de crianças, entanto, a capacidade deste envolvimento depende da trabalho forçado, escravidão sexual, pilhagens em mas- situação de certa estabilidade política na RCA para que as negociações possam ser efetivadas, suas ações aplisa, e deslocamento forçado. Neste cenário de vácuo político pós queda Se- cadas e resultados concretizados.
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Para possibilitar a efetivação de medidas na RCA, em 21 de abril de 2014, o CSNU aprova a criação da Missão Multidimensional Integrada de Estabilização da República Centro-Africana das Nações Unidas (MINUSCA) e solicita ao Secretário-Geral para subsumir o BINUCA (escritório de peacebulding da ONU aberto em abril de 2009) à nova missão através de uma suave transição. Definiu-se, também, a transferência total de autoridade da MISCA para MINUSCA até 15 de setembro de 2014. A missão tem em seu mandato 8 objetivos principais: a) Proteção dos civis; b) Apoio à implementação do processo de transição, incluindo os esforços em favor da extensão da autoridade do Estado e preservação da integridade territorial; c) Facilitar a entrega imediata, completa, segura e sem obstáculos de ajuda humanitária; d) Proteção das Nações Unidas; e) Proteção dos Direitos Humanos; f) Apoio à justiça nacional e internacional e do Estado de Direito; g) Desarmamento, Desmobilização, Reintegração e repatriamento . As tropas com cerca de 12 mil homens foram autorizadas pelo CSNU a utilizar de todos os meios necessários para levar a cabo o seu mandato, dentro de suas capacidades e as suas áreas de implantação. Tal situação na RCA, permeada por características estruturais do país, permite perceber que o Estado centro-africano não se enquadra adequadamente no modelo do Estado Moderno como uma unidade política soberana e independente. A centralização do poder político, unidade territorial, unidade nacional, burocracia e a separação entre público e privado são características ainda débeis na RCA. Observa-se, historicamente, que não houve um ponto de partida propício para instaurar o funcionamento tradicional esperado de um Estado Moderno. O não alcance de tal patamar organizacional e institucional posiciona-se de maneira dialética à continuidade dos conflitos, uma vez que eles dificultam o estabelecimento do padrão Estado Moderno, ao passo que a ausência deste modelo abre espaço para a prática de violência pelos civis. É necessária a consideração deste status estatal da RCA para a compreensão da dinâmica dos conflitos e da atuação da MINUSCA no país. As circunstâncias de instabilidade dentro da RCA
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trouxeram várias repercussões, em nível local, após aprovar a expansão das tropas de peacekeeping, a ONU sublinhou em relatório oficial que ambos os lados do conflito são responsáveis por crimes contra a humanidade. Em um duro relatório sobre o conflito na RCA emitido em junho de 2014, a ONG Human Rights Watch assinalou que o atual contingente da MISCA tem sido incapaz de controlar a violência sectária crescente, reforçando a necessidade do aumento de tropas da MINUSCA. A aprovação da expansão das tropas de peacekeeping pela ONU foi coadunada por novas medidas pacificadoras adotadas pelo governo interino liderado por Samba-Panza. Em 6 de junho de 2014, a líder da RCA apresentou um plano composto por quatro pontos focados na restauração da paz e da estabilidade do país. Dentre as medidas apresentadas, destacam-se iniciativas em direção à redução das animosidades entre as comunidades muçulmanas e cristãs e o início do diálogo com indivíduos que foram deslocados em decorrência do conflito. Por fim, no dia 26 de junho de 2014, foi instaurado um comitê composto por membros de ambos os lados do conflito, sob os auspícios de um grupo independente dedicado à resolução de conflitos chamado PARETO. A iniciativa, segundo o líder dos Seleka, Eric Massi, busca levar ambas as partes a uma reconciliação. Um dos fatores complicadores do processo é a divisão existente de ambos os grupos rivais em diferentes facções espalhadas pelo país, o que faz com que o processo de paz deva ser iniciado por uma iniciativa de reunificação das duas facções. No âmbito regional, verifica-se que, desde já, os países vizinhos ao conflito sentem consequências importantes do conflito. No dia 6 de janeiro de 2014, Jeffrey Feltman, subsecretário-geral da ONU para assuntos políticos, alertou que o aumento da violência entre muçulmanos e cristãos poderia acabar por espalhar tal conflito para além das fronteiras da República Centro-Africana.
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O CSNU aprovou o envio da operação de paz MINUSCA dias depois que um contingente de 16 mil pessoas fugiu da violência generalizada pelas fronteiras do país, movimento este realizado por cerca 1 milhão de centro-africanos que representam, até maio de 2014, o total de refugiados gerado pelo conflito. Estes refugiados compõem os contínuos fluxos de pessoas que buscam abrigo em países da região, como Camarões, República Democrática do Congo e Chade. Localizado ao norte da RCA, o Chade não dispõe de recursos suficientes para fornecer serviços básicos de saúde e alimentação a estes contingentes crescentes de refugiados, embora inicialmente tenha auxiliado no transporte de diversas famílias centro-africanas em situações de risco. A rotina nos campos do Chade é marcada por instalações precárias e pela busca dos centro-africanos por alimento através da prostituição e do crime. Em Camarões, país situado ao noroeste da RCA, as condições de vida nos campos de refugiados centro-africanos são tampouco adequadas. Milhares de famílias desmembradas pela violência dependem da ação da ONU em colaboração com autoridades locais para obterem acesso a serviços de saúde emergenciais e assistência alimentar. Apesar das dificuldades encontradas pelos refugiados, Camarões ainda é considerada uma “zona segura” da região, dado o relativo baixo número de conflitos em seu território e as ações de segurança empenhadas pela política camaronesa em diversas situações. Em Agosto de 2013, as autoridades do país ordenaram o fechamento das fronteiras com a RCA após um tiroteio promovido por rebeldes Seleka na região. Além dos refugiados, alerta-se também para a situação dos “nacionais de países terceiros” (TCN –third-country nationals) em meio ao conflito na RCA. São considerados TCN’s indivíduos que, ao fugir de uma zona de conflito, não são considerados refugiados, pois não pertencem nem ao país de refúgio, nem ao país de fuga. Deste modo, a determinação do status migratório destes cidadãos é motivo de controvérsia. Em alguns casos, a Organização Internacional para a Imigração auxiliou e financiou a repatriação de muitos TCN’s fugidos da crise na RCA em seus países de origem. Tal questão emergiu com mais força na região africana como uma consequência da crise na RCA e suas repercussões políticas. A confirmação do envio das tropas de peacekeeping MINUSCA à RCA deu nova energia ao combate à violência por parte dos países aliados da África Central. Dias após a confirmação do envio das tropas, em discurso, o secretário-geral da ONU, Ban-ki Mon, chamou a responsabilidade dos países parceiros da RCA para um trabalho em conjunto com o exército de manutenção da
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paz. A cooperação regional em busca do fim do conflito na RCA foi ainda reforçada em 6 de junho de 2014, quando em Luanda líderes africanos reuniram-se para discutir o tema. Pode-se verificar repercussões do conflito em nível global, em Abril de 2014, o governo dos Estados Unidos reiterou a preocupação e apoio à RCA em busca de uma restauração da segurança, apoio humanitário, reconciliação de um governo democrático. . Além de visitas de oficiais para prestar apoio à RCA, o governo norte americano vem trabalhando para aumentar o apoio à segurança e ajuda humanitária no âmbito internacional, através de conferencias em Bruxelas, Brazzaville e Addis Babas. Os Estados Unidos também se comprometeram a fornecer uma ajuda financeira aos esforços de reestruturação da segurança da RCA, o que incluiu transporte aéreo e equipamento de proteção e comunicação para mais de 1700 peacekeepers, a fundação da MISCA e ajuda na compra de equipamentos não-letais e meios de transporte, apoio logístico e tático à African Union Regional Task Force (AU-RTF), que vem protegendo comunidades e contendo a violência. Em 14 de maio de 2014, o presidente norte americano Barack Obama impôs uma sanção aos líderes da RCA, François Bozize e Michel Djotodia e mais três outros oficiais. A sanção objetiva passar a mensagem de que a impunidade não será tolerada e quem ameaçar a estabilidade da RCA sofrerá consequências. Em 24 de Junho de 2014, os Estados Unidos anunciaram uma doação no valor de 51 milhões dólares às vítimas do conflito. A assistência será destinada à provisão de água potável, alimentos e serviços de emergência à grande parte da população afetada pelo conflito. Os recursos também auxiliarão programas dedicados à identificação de crianças perdidas e programas dedicados à redução da exposição de crianças a riscos de abusos e exploração. A União Europeia possui relações estreitas com a República Centro-Africana através do Regional Indicative Programme (RIP) aliado a outras três organizações: CEMAC, CEPLG e CEEAC. O diálogo na região é direcionado à busca pela paz e segurança, como por exemplo, o estabelecimento da missão Consolidação de Paz (MICOPAX) em 2008 sob tutela da CEEAC para proteger civis e contribuir no processo de negociação.
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ANÁLISE DA ANEXAÇÃO DA CRIMEIA PELA RÚSSIA EM MARÇO DE 2014 Angela Gerolometto Gabriel de Rezende Piccinini Gabriel Guimarães Raupp
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República Autônoma da Crimeia é uma península que possui uma privilegiada posição geográfica. A região já foi habitada por mais de dez povos diferentes, passando inclusive por alemães, ucranianos e os modernos russos, sendo constituída por uma maioria étnica russa (58%) e ucraniana (24%) e também uma minoria muçulmana. Foi ao mês de outubro de 1921 que nasceu a República Soviética Socialista Autônoma da Crimeia (RSSAC), passando a fazer parte da Federação Russa e, então, da União Soviética. Alguns anos mais tarde, em 1944, Stalin ordenou o exílio de toda a população de tártaros na Ásia Central como uma forma de punição coletiva, uma vez que se supunha que
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teriam cooperado com as forças de ocupação nazistas e formado legiões de tártaros antissoviéticos. No mesmo ano, as populações armênia, búlgara e grega foram igualmente deportadas para a Ásia Central, tendo sido alcançada a “purificação étnica” da Crimeia no verão de 1944. Em 1945, a RSSAC foi abolida e transformada, ainda sob Stalin, em Província da Crimeia pertencente à Federação Russa. Nove anos mais tarde, tendo como Secretário Geral do Partido Comunista o russo crescido na Ucrânia, Nikita Khruschev, o Presidium do Conselho Supremo da União Soviética decretou o câmbio da Província da Crimeia à República Socialista Soviética da Ucrânia. Passados 37 anos da anexação da Crimeia à Ucrânia, atendendo um referendo popular ocorrido em janeiro de 1991, a Província da
Crimeia foi transformada em República Socialista Soviética Autônoma (RSSA) em fevereiro do mesmo ano pelo Conselho Supremo da Ucrânia. Com a crise da União Soviética, a localidade da Criméia tornou-se parte da Ucrânia recém independente, criando tensões com o país russo. A frota do Mar Morto, que permanecia parada na península, reforçava as preocupações e trazia apreensão com a ameaça de conflitos armados. Neste mesmo período, os tártaros começaram a retornar de seu exílio e se restabelecer na Crimeia.
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Mais recentemente, em 2004, um protesto de massa pacífico, que ficou conhecido como “Revolução Laranja”, forçou as autoridades a invalidar as eleições presidenciais que haviam levado Viktor Yanukovich ao poder, permitindo que um novo processo eleitoral, internacionalmente monitorado, fosse levado a cabo, o que resultou na eleição de Viktor Yushchenko. Apenas em fevereiro de 2010, Yanukovich seria novamente eleito presidente ucraniano. Com uma política pró-Rússia, Yanukovich, em novembro 2013, optou pela suspensão da assinatura de um acordo com a União Europeia que vinha sendo negociado há três anos e pelo reforço das relações econômicas com a vizinha Rússia, causando o início de manifestações violentas em Kiev. O presidente alegou que tal decisão foi tomada por pressões do governo russo que teriam ameaçado cortar o fornecimento de gás e tomar medidas protecionistas contra produtos ucranianos. Em dezembro ainda, Rússia e Ucrânia assinam novo acordo para retirada de barreiras comerciais entre os dois países. Os grupos oposicionistas, em desacordo com a política de aliança com Putin, continuam a exigir a renúncia do presidente e do primeiro-ministro. Na tentativa de amenizar a crise, o primeiro-ministro renuncia ao cargo, o que, contudo, não melhora o ânimo da oposição. Em uma manobra política bem articulada, Yanukovich consegue negociar com a oposição uma antecipação das eleições que seriam em 2015 para 2014. Entretanto, no dia seguinte ao acordo, o presidente afirma ter sofrido um golpe de Estado. O parlamento ucraniano, em resposta ao ato de Yanukovich, alega abandono de cargo e antecipa as eleições para 25 de maio de 2014, o
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que contribui para a fuga de Yanukovich para Rússia. Em fevereiro, iniciam-se confrontos entre manifestantes pró e anti-russos em Simferopol, capital da Crimeia, levando o Parlamento da Rússia a aprovar um pedido de intervenção militar na Ucrânia. Em 16 de março de 2014, a Crimeia realiza um referendo popular no qual 96% dos eleitores optam pela independência da Crimeia e anexação à Rússia. Putin, no dia seguinte, reconhece a Crimeia como um Estado soberano e independente e a anexa ao território russo. A anexação da Crimeia trouxe consigo manifestações e crise também no leste da Ucrânia, região de maioria russa. Militantes pró-Russia e tropas ucranianas entraram em confronto, principalmente na cidade de Donetsk, pela tomada e retomada de prédios públicos ocupados. Donetsk também chegou a realizar um referendo de anexação à Rússia, sem ter obtido, contudo, o resultado esperado, uma vez que Putin não chegou a se pronunciar sobre o assunto. Em resposta, o governo ucraniano empreendeu uma operação antiterrorista contra os militantes pró-russos de modo a combater os desejos separatistas. A Rússia chegou a mobilizar tropas na região da fronteira, que foram posteriormente retiradas. Mais tarde, a Ucrânia negociou um cessar-fogo no leste do país com os rebeldes pró-russos e a criação de uma zona de segurança. Em maio deste ano, foram realizadas as eleições para presidente da Ucrânia, em algumas cidades boicotadas por insurgentes. Petro Poroshenko, com 56% dos votos, foi eleito presidente. Suas primeiras ações, já em junho, incluíram a assinatura de um acordo de livre comércio e cooperação política com a União Europeia, mostrando seu não-alinhamento
com o governo russo. No Ocidente, as ações de Putin têm despertado, a um só tempo, pavor e paralisia. EUA e União Europeia, muito timidamente, chegaram a impor sanções à economia russa, o que, de fato, não provocou muito efeito. O G8, por exemplo, o grupo das nações mais industrializadas do mundo, voltou-se contra seu próprio membro, a Rússia, ao cancelar as preparações para uma reunião que ocorreria no país em junho. A União Europeia também é ponto-chave na pressão sobre a Rússia. Um dos fatores mais importantes que podem ser usados pela Europa nesse jogo é a energia do petróleo e do gás. É bem verdade que este é um aspecto de força e fraqueza, uma vez que a Europa não teria alternativas para compensar uma eventual escassez de petróleo e gás. No entanto, a Rússia também depende da Europa. Ela vende cerca de 25% do gás em contratos que beiram os US$ 100 milhões por dia. Mas exatamente por causa dessa profunda dependência, a área de petróleo e gás pode se tornar um campo de batalha bastante improvável. No panorama atual, a arma do Ocidente que parece ser a mais poderosa contra o Kremlin é mirar nas elites das quais eles dependem. Os Estados Unidos, ainda que de forma tímida, vêm pressionando economicamente a Rússia, em uma estratégia focada na redução de investimentos e comércio. O que se percebe, no entanto, é que uma ação decisiva e súbita do Ocidente parece bastante improvável.
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Putin parece ser uma figura-chave para entender o conflito. Quando chegou ao poder, em 1999, falava ideologicamente, mas agia racionalmente: ouvia uma série de opiniões, desde o economista liberal Alexei Kudrin até político e empresário Vladislav Surkov. Putin pode até ter considerado o colapso da União Soviética como o grande desastre geopolítico do século XX, mas sabia que não poderia recriá-la. Hoje, o Ocidente encara um líder russo em muito diferente. Afinal, a anexação da Crimeia, por qualquer cálculo racional, não faz o mínimo sentido. A Rússia já possuía uma influência imensa na península, com o benefício de não ter a necessidade de subsidiá-la, como a Ucrânia o fazia - neste breve ínterim, o governo russo teve de prometer uma ajuda de 1,5 bilhões de dólares para apoiar a Crimeia. Além disso, o Kremlin, antes da anexação, revelara temores em perder o controle sobre sua base naval em Sevastopol, às margens do Mar Negro. No entanto, a posição da frota russa, no porto da Crimeia em Sevastopol, estava segura até 2042, já que um acordo de 2010 entre Rússia e Ucrânia prolongava a sua permanência, que deveria se estender apenas até 2017, em mais 25 anos. Domesticamente, Putin também mudou, afastando-se do pragmatismo que marcou os primeiros anos de seu governo. Ao invés de ser o árbitro, intermediando um consenso entre vários grupos de interesses diversos, Putin tem se tornado, cada vez mais, um autocrata.
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Seu círculo de aliados e conselheiros agora se restringe somente àqueles que compartilham de suas mesmas ideias. Putin mudou tanto que tecnocratas como o Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov e o Ministro da Defesa Sergei Shoigu não desempenharam papel algum na tomada de decisão sobre a Crimeia, apenas executando as ordens que vinham de cima. Como resultado, a relação de Putin com a elite russa se tornou tortuosa. Tendo oferecido excelentes oportunidades para os membros da elite de Moscou nos primeiros anos de seu mandato, Pu-
forma como se passou no Kosovo em 2008. A narrativa de Putin inclui os sucessivos alargamentos da OTAN também como arquitetados exclusivamente pelo Ocidente para conter a Rússia, o que desconsidera, no entanto, que foram as próprias repúblicas ex-soviéticas, com grande apoio dos países do Leste que já eram membros, como a Polônia, por exemplo, que postularam suas entradas na organização. O argumento de Moscou - da necessidade de ajudar seus compatriotas ameaçados pelos “radicais da revolução” na Ucrânia - a respeito da intervenção na Crimeia parece se enquadrar nesta narrativa. Além disso, a Europa não esperava que o conflito tomasse estas proporções, uma vez que não estava disposta a arcar com os custos de defender a Ucrânia. O aspecto contraditório aqui é que uma OTAN reorganizada e reenergizada pode até ser o pior pesadelo de Putin, mas são tin hoje não apenas desconfia desta exatamente suas ações táticas que, mesma elite, mas a vê como antipa- em grande medida, tem provocado triota. Em consequência disso, em isto. pouco tempo, mais de 420 bilhões de dólares em investimentos vazaram da economia russa. Em política externa, Putin parece pensar que a história é feita apenas por governantes. Ao que tudo indica, o líder russo desconsidera algo como uma revolução ucraniana, ocorrida em dezembro, e acredita - ou, pelo menos, assim a justifica - que tudo não passou de artimanhas do Ocidente para trazer a Ucrânia mais a Oeste, da mesma
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Em virtude da anexação e da crise que se instalou, mudanças ocorridas em todo o território da Crimeia podem gerar transformações em diversas configurações da sociedade local. Uma das alterações que poderão ser sentidas pela população peninsular é a pressão para que seus habitantes tornem-se russos. Os residentes na Crimeia, de nacionalidade ucraniana ou com outro status, deveriam pedir para ser reconhecidos como russos até abril e os que não cumpriram este prazo têm enfrentado “assédio e intimidação”, segundo o relatório de uma missão especial de observadores de direitos humanos enviada pela ONU à Ucrânia. Além disso, a ONU tem se esforçado para que direitos, como à propriedade, acesso à educação e à saúde e aos benefícios sociais, a qualquer habitante peninsular que decida por não se tornar russo sejam garantidos. No leste da Ucrânia, onde a maioria é russa, o movimento separatista ganhou força e militantes pró-russos invadiram prédios governamentais. A anexação da Crimeia ao território russo abriu precedentes para a anexação destas outras regiões separatistas da antiga União Soviética, indo contra os princípios do direito internacional. Em razão das relações conflituosas com o novo governo pró-ocidente, desde junho, a Rússia não tem fornecido gás natural à Ucrânia. Desde o corte, a Ucrânia tem procurado os chamados “fluxos invertidos”, que são o gás vendido por operadores privados europeus, algo que a Rússia considera uma violação aos contratos comerciais estabelecidos. Atualmente, no entanto, Rússia e Ucrânia estão negociando novos acordos para o restabelecimento do fornecimento de gás. O ponto mais crítico, no en-
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tanto, é a ameaça russa, ocorrida em outubro, de também suspender o fornecimento de gás da Europa - já que alguns países do bloco estão o reexportando para a Ucrânia -, o que poderia causar uma crise sem precedentes, já que um terço do fornecimento de gás ao continente vem da Rússia. Em desdobramentos futuros, talvez um aspecto interessante e de extrema relevância seja a mudança da matriz energética europeia e diminuição de sua dependência em relação à Rússia. Já em março deste ano, em um discurso em Bruxelas, o presidente Barack Obama ofereceu ao continente um tratado comercial que permita a exportação de gás de xisto para substituição do fornecimento do gás russo. Nesse sentido, pode-se perceber uma receptividade à ideia americana em alguns países do continente, muita clara em um pronunciamento do primeiro-ministro britânico David Cameron afirmando que “a extração de gás de xisto deve se tornar o ponto número um da agenda energética” do país - ainda que, hoje em dia, o gás de xisto não seja a alternativa mais viável, tanto por questões econômicas, quanto por questões ambientais. O conflito na Crimeia, portanto, pode ter despertado a ideia de que a dependência energética europeia em relação à Rússia precisa ser alterada, sendo o gás de xisto, em um futuro ainda um pouco distante, a alternativa. Os impactos globais têm se concentrado mais no campo econômico, através de sanções, embargos e suspensão de acordos, sobretudo por parte dos Estados Unidos. O G7 – antes do conflito, quando a Rússia fazia parte, G8 - cancelou um encontro marcado para junho que aconteceria na própria Rússia. A atual crise na Ucrânia parece ter potencial para
um realinhamento da ordem global, num momento em que a Rússia é alijada dos principais acordos com países ocidentais e as relações entre a ela e a China parecem desfrutar de “bons” ventos: Putin e Zhang Gaoli, vice-primeiro-ministro chinês, já anunciaram a construção de um gasoduto que permitirá a exportação de gás para a China, a partir de 2018. No campo político, vale mencionar que a anexação da península anula o que foi conquistado em 1994, através do Memorando de Budapeste, nomeadamente um esforço para conter a proliferação nuclear global. Através do acordo assinado em 1994, Estados Unidos, Rússia e Reino Unido (aos quais se somariam China e França, mais tarde) davam à Ucrânia garantias de que, em troca da renúncia ao terceiro maior arsenal nuclear mundial e adesão ao TNP, não iriam ameaçá-la ou invadi-la no futuro. Neste sentido, um precedente perigoso parece ter sido aberto cujo resultado é ainda incerto, mas certamente danoso à contenção da proliferação nuclear.
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A RECENTE INTENSIFICAÇÃO DAS AÇÕES DO GRUPO TERRORISTA BOKO HARAM vidida entre o norte de maioria muçulmana e o sul de maioria cristã, o que não significa que não há cristãos e mulçumanos em ambas as regiões. O Estado nigeriano é o maior produtor de petróleo da África; sua econosequestro de aproximadamente 200 meninas ni- mia é muito dependente da exportação do produto. As gerianas pelo grupo terrorista Boko Haram (tra- principais jazidas de petróleo estão concentradas na redução literal para “educação oriental é proibi- gião sul e, apesar de a produção do hidrocarboneto ser da”), em março de 2014, não apenas movimentou redes proeminente, a instabilidade interna do país prejudica sociais, mídia e figuras políticas famosas, o caso também um maior aproveitamento da atividade econômica em revelou à comunidade internacional as mazelas de um questão. Em 2014, a Nigéria foi classificada como o EsEstado frágil, ou seja, um “Estado incapaz de assegurar tado mais rico do continente Africano, o que não signiaos seus cidadãos as funções básicas necessárias à re- ficou uma melhora nas condições de vida da população dução da pobreza, ao desenvolvimento e à salvaguarda do país, que possui PIB per capta de US$2.400 (Banco da segurança e dos direitos humanos da sua população” Mundial, 2014) e sofre com a incapacidade de suas ins(Organisation for Economic Co-operation and Develop- tituições em prover uma distribuição adequada de bens públicos, incluindo transporte, água, cuidados médicos, ment, 2008). A Nigéria possui uma população de cerca de alimentação e educação. 170 milhões de habitantes e pode ser rudemente diVictor Hugo Lopes Mariana Almeida Bruna Bruscato
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O norte, em especial, sofre com problemas econômicos e com a má distribuição dos recursos públicos, principalmente aqueles provenientes dos ganhos com a produção do petróleo. A presença do Estado na região é praticamente inexistente. Faltam investimentos em desenvolvimento, a infraestrutura se deteriora cada vez mais, há escassez de eletricidade, e o aumento das importações de produtos com baixíssimos preços levou ao fechamento de fábricas e ao crescimento do desemprego. Muitos jovens no norte do Estado são obrigados a largar seus estudos para trabalhar, de forma que a pouca ou nenhuma qualificação desses jovens dificulta a obtenção de um emprego, facilitando, assim, o recrutamento dos mesmos por grupos anti-estatais ou milícias. O fracasso do Estado em garantir a ordem pública e contribuir com possíveis soluções de controvérsias e implementação de medidas para consolidação da paz, também ajuda a fomentar a criação desses grupos e o aumento dos conflitos internos. A região nordeste do Estado, principal campo de atuação do Boko Haram, concentra a pior taxa de pobreza dentre as regiões oficiais do país. A falta de crença nas autoridades seculares levaram muitos muçulmanos do Norte a enxergarem o Islã como uma alternativa, e entre 1999 e 2002 foram realizados plebiscitos que tiveram como fim a implantação da sharia em doze estados. No entanto, a medida não foi efetiva e a porção norte da Nigéria ainda convive com os problemas de corrupção, pobreza e ineficiência estatal. As falhas de conduta do governo, aliadas às dificuldades econômicas, aumento da desigualdade e frustração social, fomentam o crescimento de grupos radicais como o Boko Haram, sendo este apenas um dos grupos de uma longa lista dos movimentos provenientes do norte da Nigéria, região conhecida pelo seu fundamentalismo religioso. Cabe ressaltar ainda os casos latentes de corrupção que assolam muitas das instituições governamentais nigerianas, concedendo à Nigéria o posto de um dos países mais corruptos do mundo (Transperency International, 2008). O BokoHaram, fundado em 2002 pelo clérigo Mohammed Yusuf, é um grupo jihadista sunita localizado no nordeste da Nigéria, região de maioria muçulmana. O grupo tem como objetivo implementar a sharia em todo o Estado Nigeriano, condenando a corrupção e os chamados “falsos muçulmanos”. Originalmente dirigida, sobretudo, contra as forças de segurança e funcionários do governo, a campanha terrorista do grupo tem se expandido para incluir ataques contra cristãos, clérigos muçulmanos críticos, chefes tradicionais, agências da ONU e escolas. Além disso, o grupo combate a influ
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ência ocidental no norte da África, principal motivação para o sequestro das estudantes, já que o grupo promove a ideia de que as mulheres devem ficar em suas casas e não terem acesso à educação, principalmente se esta for de orientação ocidental. O grupo passou a se radicalizar desde 2009 quando, no mês de julho, um assalto surpresa das forças de segurança a um esconderijo do Boko Haram no estado de Bauchi resultou em retaliações por parte dos insurgentes e levou a conflitos diretos com as forças armadas nigerianas. A violência só terminou após o líder do grupo, Mohammed Yusuf, ser capturado e morto. O segundo em comando de Yusuf, Abubakar Shekau, assumiu a liderança do grupo prometendo vingar a morte do ex-líder. Posteriormente a essa declaração, observou-se tanto o crescimento no número de ataques, sendo registrados 168 atentados somente em 2011, como a evolução das técnicas e armamentos empregados, acarretando no crescimento das vitimas civis. Em 2014, a ONU adicionou o Boko Haram à sua lista negra, descrevendo o grupo como filiado à Al Qaeda e à Organização da Al-Qaeda no Magreb Islâmico. As informações repassadas pelo governo em relação ao caso do sequestro das garotas nigerianas muitas vezes são desconexas e incertas, e as ações para o resgate das meninas não surtem efeitos, mesmo com a ajuda de países como os Estados Unidos e Inglaterra, que disponibilizaram auxilio estratégico para investigação e planejamento do caso. Após o atentado contra as garotas, outros ataques violentos foram deferidos pelo Boko Haram em diferentes regiões da Nigéria, como Kwada, Ngurojina, Karagau e Kautikari, em que os alvos principais foram igrejas. Em Kano, no mês de julho, ocorreram quatro ataques de mulheres-bombas.
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O Boko Haram acaba por ser um resultado das falhas de infraestrutura já existentes na Nigéria e uma resposta às lacunas da sociedade nigeriana, sejam elas de ordem política ou econômica. As ações do Estado para enfraquecer e, finalmente, desmembrar o BokoHaram passam longe de serem efetivas. A violência à qual a população é submetida coloca em cheque um possível apoio da mesma ao governo. A falta da presença do Estado principalmente no norte e nordeste do país, os casos de corrupção e a falta de investimento mínimo em educação e infraestrutura aprofundam as tensões e maximizam os problemas atuais enfrentados pela Nigéria. Os abusos provocados pelas forças de segurança incitam a continuidade dos atos de violência provenientes do grupo. Torna-se difícil pôr fim ao ciclo de violência que se estabeleceu no país. O norte da Nigéria tornou-se uma região de grande instabilidade. Isso se deve em parte devido à incapacidade que o governo central vem demonstrando em conter a violência e reestabelecer a ordem, conjuntamente com o alto nível de violência e corrupção das forças armadas, o que gera um sentimento de desconfiança na população local e intensifica a insegurança na localidade. Após as sucessivas ações de grupos extremistas islâmicos, o presidente Goodluck Jonathan proclamou estado de emergência nos estados de Adamawa, Borno e Yobe em maio de 2013. A atuação mais ofensiva do governo tem provocado uma radicalização por parte do Boko Haram, aumentando o número de ataques a vítimas civis, uma vez que os atentados vêm ocorrendo principalmente em lugares públicos como igrejas e mercados populares. O desempenho do grupo tem fragilizado ainda mais a economia da região, a qual apresenta altos índices de desemprego e pobreza. Além disso, percebe-se uma onda de fechamento de escolas na região, devido ao temor de pais e alunos com possíveis sequestros. O sentimento de insegurança leva muitos nigerianos a deixarem seu país e já se calcula que cerca de seis mil pessoas abandonaram a Nigéria no início deste ano, segundo a ACNUR (Agência da ONU para os Refugiados). Dados oficiais apontam que em Camarões, país limítrofe da Nigéria, chega a mais de doze mil o número de refugiados. Além disso, a região apresenta fronteiras muito tênues e sem fiscalização, possibilitando o fluxo e ação do grupo em Estados fronteiriços, possibilitando ações como o sequestro de uma família francesa em território camaronês em fevereiro de 2013. As porosidades entre as fronteiras norte da Nigéria com Camarões, Níger e Chade são potenciais locus para uma margem de manobra do Boko Haram, podendo facilmente entrar e sair desses países, gerando uma instabilidade em toda a região. As falhas fronteiriças já
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foram evidenciadas com um rapto, por parte do Boko Haram, na faixa fronteiriça norte entre Camarões e Nigéria. No caso do Chade e Níger, há a suspeita que esses países foram destinos das meninas raptadas em abril. Estas empreitadas recentes do grupo terrorista aos países vizinhos fez com que o governo de Yaoundé declarasse que o norte do país estava sob instabilidade política e suscetível a ataques terroristas, bem como a ação destes. Por outro lado, o governo do Chade adotou medidas de maior vigilância em suas fronteiras, (ainda mais considerando que sua capital, N’jadema, se encontra perto da fronteira com a Nigéria) e lançou uma política ofensiva contra o grupo Boko Haram, que foi declarado como um dos fatores principais pelo aumento que seus produtos sofreram no mercado internacional, uma vez que, sem litoral, o Chade mantém acordos de escoamento produtivo com Abuja. É possível observar uma crescente atuação da Al Qaeda nos Estados vizinhos à Nigéria, formando, de certa forma, uma associação regional de facções criminosas. Considerando que na região quase todos os países possuem fronteiras frágeis, os grupos passam a ter uma espécie de livre circulação entre o território, podendo articular-se. Deve-se ainda analisar que a área compõe uma importante rota do tráfico de armas internacional e também uma região de compra de armas, ação esta fomentada pela presença de uma quantidade significativa de guerrilhas, exércitos particulares e conflitos étnicos na região. Sendo assim, o panorama regional se constitui num cenário no qual não se sabe ao certo o real poder bélico dos revoltosos. Soma-se a isso o fator das fronteiras porosas que dá ao grupo – Boko Haram - uma margem de manobra muito maior frente aos governos que o combatem, podendo gerar crises regionais. A ONU passou a classificar o grupo como terrorista em maio de 2014, sujeitando automaticamente o Boko Haram à sanções de diferentes ordens, como o embargo de armamentos e o congelamento de bens. Os quinze membros do Conselho de Segurança foram favoráveis à decisão. Resta saber o quão efetiva será a medida e os impactos que ela terá sobre o grupo. Ainda sobre a classificação do grupo como terrorista, há cada vez mais grupos extremistas apoiando construções de Estados Islâmicos, não só com o crescimento da atuação da Al Qaeda no Magreb, mas também por parte do autointitulado Califado no norte do Iraque. Isso gera um vínculo praticamente automático, mesmo que indireto, entre esses diversos levantes, podendo assim estabelecer-se uma conexão mais efetiva entre eles, estendendo muito sua área de atuação e poder bélico.
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O PROCESSO ELEITORAL DE 2013 NA VENEZUELA Isabella de Modesti Jemuel Paulo Faé Rodolfo Kuhnen
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s disputas políticas na Venezuela a partir da segunda metade do século XX foram marcadas pelo papel do petróleo na economia do país. A crise econômica derivada da queda dos preços do petróleo na década de 80, e as medidas para tentar contornar a crise, foram motivos de revoltas populares que culminaram numa tentativa de golpe em 1992 pelo Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR200). O então tenente-coronel Hugo Chávez Frías, líder do movimento revolucionário com ideais bolivarianos de anti-imperialismo e oposição ao neoliberalismo, foi preso após o fracasso do episódio. Após ser anistiado, Chávez é eleito presidente, em 1998, como candidato do Movimento Quinta República. No ano seguinte já é estabelecida a Constituição da República Bolivariana da Venezuela. Em 2001, Chávez decretou a nova Lei de Hidrocarbonetos, através da qual a PDVSA tornou-se domínio exclusivo do Estado, assim como ampliou a participação do Estado nos royalties de 16,6% para 30%. A mudança divide o país em blocos antagônicos: de um lado, empresários, sindicalistas e gerentes da PDVSA e, de outro lado, os aliados à política petroleira do governo Chávez. É nesse cenário de disputas que Chávez sofre uma tentativa de golpe, ficando preso até que os protestos de milhares de apoiadores em frente ao Palácio de Miraflores obrigassem o autodeclarado presidente interino, o empresário Pedro Carmona, a libertar Chávez, que é, então, reintegrado como presidente da Venezuela.Em 2009, o referendo para reeleição indefinida na Venezuela é aprovado e Chávez é reelei-
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to. No dia 5 de março de 2013, devido às complicações causadas por um câncer, o presidente Hugo Chávez morreu. A ausência do carismático líder bolivariano e o agravamento da situação econômica do país marcaram o início de uma fase de acirramento nas disputas políticas internas da Venezuela. O sucessor político, o qual já havia sido indicado por Chávez durante o agravamento da sua doença, foi o vice-presidente Nicolás Maduro, que assumiu como presidente interino na noite do dia 8 de março, três dias após a morte de Chávez, e solicitou a convocação imediata de eleições presidenciais. Com a morte de Chávez, o acirramento entre partidários do governo e oposição não tardou a aparecer. Após o anúncio da posse de Maduro como presidente interino, o líder opositor Henrique Capriles, que havia perdido as eleições presidenciais para Chávez em 2012, classificou a posse de Maduro como ilegítima. As eleições convocadas por Maduro foram realizadas no dia 14 de abril de 2013, e com uma vantagem de apenas 50,66% dos votos contra 49,07% o líder chavista foi eleito presidente da Venezuela. O resultado foi amplamente questionado pela oposição. Alegando a existência de fraude no processo eleitoral, o adversário de Maduro e líder da oposição, Henrique Capriles, solicitou recontagem de todos os votos sob acusações de irregularidades expostas em um documento com 180 páginas com pelo menos 3500 pontos descritos.Assim, na mesma noite, enquanto parte da população simpatizante ao governo eleito saía às ruas para comemorar a vitória, a oposição também saía às ruas para bater panelas como forma de manifestar seu desacordo com o fato. O resultado acirrado das votações do dia 14 de abril demonstra
a forte polarização da política na venezuelana, que se refletiu, dois dias após as eleições, numa violenta onda de protestos. Os conflitos se intensificaram quando o Conselho Nacional Eleitoral proclamou Nicolás Maduro como presidente eleito sem a realização de uma recontagem dos votos e a oposição convocou a realização de marchas de protesto. Como resposta às acusações de fraude eleitoral, o Presidente Maduro acusoua oposição de tentativa de golpe de Estado ao não reconhecer o resultado da eleição. As tentativas do governo de conter os protestos que vinham ocorrendo no país acabaram, por vezes, assumindo um caráter violento. No segundo dia após a posse de Maduro, sete pessoas já haviam morrido, outras 60 ficaram feridas e mais de 130 haviam sido presas durante os enfrentamentos entre a polícia e os manifestantes da oposição. Ainda em Abril de 2013 a Globovision, considerado o único canal aberto independente do país, que apresentava constantemente críticas ao governo chavista, foi vendida para partidários do governo de Maduro. Com a venda, a emissora reduziu sua programação e passou a adotar uma posição mais centrista. O caso ganhou repercussão internacional, no qual o governo chavista foi acusado de ferir gravemente a liberdade de expressão da população ao calar o único veículo de informação que apresentava críticas ao atual governo. Em setembro de 2013, em meio a essa conturbada crise política, a Venezuela se retirou oficialmente da Convenção Americana de Direitos Humanos. Na véspera de cumprimento do prazo de um ano do pré-aviso feito pelo governo venezuelano, o presidente Nicolás Maduro confirmou que deixaria a entidade, acusando-a de interferir na
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soberania do Estado venezuelano e de ser contra o regime socialista adotado pelo governo. Maduro acusou ainda a Corte Americana de Direitos Humanos de trabalhar em favor dos interesses nacionais dos Estados Unidos. Essa atitude despertou, interna e internacionalmente, dúvidas a respeito da forma como governo do Presidente Maduro conduziria a crise e, até mesmo, sobre o desfecho da crise. A medida do governo chavista tomou projeção internacional. Por um lado, governos aliados à Venezuela, como os da Bolívia e do Equador, acusaram a Corte Americana de Direitos Humanos de defender interesses contrários aos de seus governos; por outro lado, países oposicionistas ao governo chavista, como os EUA e a Colômbia, organizações internacionais não-governamentais, como a Human Rights Whatch, e também a oposição interna venezuelana, viram na decisão tomada pelo governo chavista uma derrota para a Venezuela. Somados aos problemas políticos, e também uma de suas principais causas, a Venezuela enfrentava uma severa crise econômica. A taxa de inflação venezuelana era a maior de toda a América Latina, a indústria apresentava um baixo crescimento, o mercado enfrentava de escassez de bens de consumo e a dívida pública ultrapassava o valor equivalente a 50% do Produto Interno Bruto. As tensões internas entre governo e oposição venezuelana tiveram o seu ápice entre fevereiro e março de 2014. No dia 12 de fevereiro uma manifestação contra o governo do Presidente Maduro em Caracas terminou com 3 mortos e mais de 20 pessoas feridas. Após o ocorrido, governo e oposição passaram a trocar acusaçõese, enquanto milhares de venezuelanos saíam às ruas para protestar contra o governo, outros milhares saíam em apoio
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ao Presidente Maduro. Em meio a crescente escalada das manifestações de protesto na Venezuela, Leopoldo López, líder do partido de direita Voluntad Popular, tornou-se o principal nome de oposição. López e seus simpatizantes buscaram obrigar o presidente chavista a renunciar em curto prazo, defendendo que uma via rápida para a mudança de governo seria a melhor solução para a crise política e econômica enfrentada pelo país. Os protestos, no entanto, expuseram uma divisão dentro da oposição entre o setor moderado, liderado principalmente pelo ex-candidato a presidência Henrique Capriles, e uma outra ala, da qual López era o principal representante. Dias após o início dos protestos, o governo decretou um mandato de prisão a Leopoldo López, acusado de promoção de violência durante as manifestações. López se entregou à polícia no dia 18 de fevereiro, mas pediu para seus simpatizantes que continuassem os protestos. No final do mês de março, os enfrentamentos políticos na Venezuela contabilizavam 34 mortes e centenas de pessoas feridas. A resposta do governo de Maduro em relação aos excessos na realização da contenção dos protestos veio, novamente, através de acusações de tentativa de golpe de Estado por parte da oposição, assim como alegações de que os Estados Unidos estariam incentivando os protestos contra o governo na tentativa de desestabilizar o país. Ao mesmo tempo, a escassez de produtos básicos na Venezuela, se intensifica, aumentando o descontentamento da oposição.Em maio de 2014, por intermédio da UNASUL, foram realizadas reuniões para tentar buscar uma solução pacífica das divergências entre governo e oposição. O processo eleitoral de 2013 expôs a intensa polarização do povo venezuelano, mostrada tanto pela revolta
da oposição, como pelas manifestações violentas que se seguiram. Os protestos também refletiram a revolta dos cidadãos com a crescente deterioração da segurança e da economia nos últimos anos. No âmbito econômico, o cotidiano da população estava afetado por uma inflação de 56,2%, escassez de produtos básicos como leite, açúcar e papel higiênico, e ameaças constantes de racionamento de energia elétrica. No tocante à segurança, segundo a ONG Observatório Venezuelano de Violência, no ano de 2013 a taxa de mortes violentas na Venezuela foi de 79 mortos para cada 100 mil habitantes, com 24.763 mortes no total. O presidente Nicolás Maduro atribui as manifestações a levantes “nazifascistas” que buscam um golpe de Estado, e responsabiliza os inimigos da Revolução Bolivariana pela crise econômica de abastecimento e energia. Já a oposição, dividida entre um setor mais radical e outro que defende a opção “por um caminho mais longo”, destacam a forte intervenção estatal através de limitação de ganhos sobre venda de produtos e a fixação de preços como causadoras das distorções na economia. Devido à grande tensão entre os setores da sociedade venezuelana, os movimentos de protesto frequentemente se tornam conflitos violentos. Estima-se que nos últimos meses mais de 30 pessoas já morreram em manifestações.Organizações de defesa dos direitos humanos têm alertado para essa tendência violenta a que se encaminham as disputas políticas na Venezuela e também para a situação da mídia no país, já que os maiores veículos são controlados pelo governo. As eleições de 2013 na Venezuela foram matéria de discussão em uma cúpula extraordinária da UNASUL, que decidiu respeitar os resultados das eleições e reconheceu a importância do Conselho
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Nacional Eleitoral da Venezuela ter aceito verificar as urnas eletrônicas em resposta aos pedidos da oposição na Venezuela. Os Estados Parte do Mercosul também se manifestaram, aceitando os resultados das eleições e considerando os protestos ocorridos como ofensas à ordem democrática do país. Para além dos posicionamentos oficiais dos países da região, a sociedade civil também se manifestou, principalmente sobre as violações de direitos humanos durante a contenção dos protestos. Alguns estudantes e políticos venezuelanos que se posicionavam contra a decisão do Conselho Nacional Eleitoral buscaram apoio nos países da região, inclusive no Brasil. A repercussão da crise venezuelana na Colômbia merece ser analisada separadamente. Primeiro porque as relações entre os dois países têm um histórico conflituoso no que diz respeito às questões de fronteira. Além disso, a tensão entre os países levou ao rompimento das relações diplomáticas em 2010, quando a visão do presidente colombiano Álvaro Uribe conflitava com as conduções das políticas de Hugo Chávez, principalmente no tocante às guerrilhas que atuam na região. Alguns meses depois, já quando Juan Manuel Santos sucedeu Uribe, as relações diplomáticas foram retomadas. Outro fato que destaca a importância dessa análise são as relações comerciais, já que a Colômbia é grande fornecedora de produtos básicos e alimentos para a Venezuela. Além disso, a Venezuela atua como observadora no processo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). A Venezuela ameaçou deixar a posição de observadora dos diálogos de paz entre governo colombiano e FARC quando o presidente da Colômbia se encontrou com Capri-
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les, líder da oposição venezuelana. Mesmo assim, o governo colombiano se ofereceu para a mediação dos diálogos com a oposição na Venezuela, mas a oferta conflitou com o pedido de Maduro para que a Colômbia não interferisse nos negócios internos do seu país. A instabilidade da Venezuela implica também problemas comerciais com a Colômbia. O contrabando na fronteira, com extensão de 2,2 mil quilômetros entre os países, tem se intensificado à medida que o bolívar venezuelano se desvaloriza em relação ao peso colombiano, o que leva os comerciantes da Venezuela a buscarem o mercado vizinho. Os atravessadores também procuram trazer dólares para negociar no mercado paralelo da Venezuela, que chega a pagar 10 vezes mais que o dólar do mercado oficial. Os países já têm tomado medidas conjuntas no sentido de amenizar tal situação. Em setembro de 2013, a saída da Venezuela da Convenção Interamericana de Direitos Humanos foi um acontecimento impactante interregionalmente. O pedido já havia sido feito com antecedência de um ano pelo ex-presidente Hugo Chávez, conforme determinado pelo tratado da Convenção. As razões para a decisão teriam sido a falta de neutralidade e isenção nas análises da Comissão, principalmente, pela influência do governo dos Estados Unidos. Ao contrário dos governos anteriores, a política externa de Hugo Chávez era pautada na diminuição da presença dos Estados Unidos no país, uma vez que desde sua eleição, em 1999, Chávez sempre buscou alternativas ao modelo neoliberal norte-americano. A polarização entre a Venezuela e os EUA aumentou com o estabelecimento da ALBA - Aliança Bolivariana para os povos da nossa América -, proposta durante a III Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Associa-
ção de Estados do Caribe, realizada em 2001, e firmada em dezembro de 2004, com o objetivo principal de integrar política, social e economicamente as regiões da América Latina e do Caribe. A inciativa, liderada pela Venezuela e por Cuba representa um confronto direto com a ALCA - Área de Livre Comércio das Américas - proposta pelos Estados Unidos já na década de 90. Ademais, Chávez buscou ampliar sua aproximação com a China e com a Rússia. A China e a Venezuela ampliaram os acordos comerciais, com o aumento dos investimentos no setor petrolífero, batendo de frente com o principal comprador do recurso natural venezuelano: os Estados Unidos. Já com a Rússia, os acordos entre os dois países foram para cooperação nuclear e de exercício militar. Com isso, fica evidente a atuação do governo em ampliar os laços com políticas contrárias ao “americanismo”, visto a aproximação com países como a Rússia, e a crescente política externa do país de integrar apenas os Estados da América Latina e do Caribe. Recentemente, com a evolução dos casos de violência no interior do país e denúncias de violação de direitos humanos da população, a crise interna da Venezuela toma repercussões além das fronteiras e preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual exige do governo venezuelano esclarecimentos dos atos de violências durante as manifestações. Por outro lado o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela acusa as declarações da ONU de insubsistentes, tendo como finalidade apenas o desejo de prejudicar o governo de Nicolás Maduro e eliminar definitivamente a política bolivariana iniciada pelo ex-presidente Hugo Chávez e seguida pela atual Presidente Maduro.
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