Livro cine plaza campo mourão

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HISTÓRIA, CINE PLAZA COMO CULTURA OBJETO DE INFLUENCIA E O CINEMA: EM CAMPO MOURÃO

ANA CARLA POLISELI CLEVERSON LIMA



ANA CARLA POLISELI CLEVERSON DE LIMA

HISTÓRIA, CULTURA E O CINEMA: CINE PLAZA COMO OBJETO DE INFLUENCIA EM CAMPO MOURÃO

2016





FICHA CATALOGRAFICA



AGRADECIMENTOS



APRESENTAÇÃO



SUMÁRIO



INTRODUÇÃO



A

sétima arte, um dos grandes símbolos da indústria cultural, vai muito além da simples difusão de ideias. Ele é também uma forma de ressignificação das sociedades em que se insere. Estudar a trajetória do cinema em um ambiente como o município de Campo Mourão é uma possibilidade impar de estudar a aplicação de grandes teorias em pequenos casos. Diante da impossibilidade de abranger todos os aspectos ligados ao cinema, foram escolhidos para análise: a recepção dos filmes exibidos localmente e uma breve contextualização sobre a produção dos filmes nacionais. A primeira área importante para se pensar o cinema é sua influência na cultura local. Embora não haja um conceito único para o termo cultura, é possível perceber que ela sempre atuou na formatação da sociedade. Inicialmente relegada ao papel de busca pela hegemonia da cultura erudita e manutenção do status quo, ela passou a se ajustar à liberdade individual de escolha e à responsabilidade, igualmente individual, se adaptando ao que Bauman chama de Modernidade Liquida. Além de traçar paralelos entre algumas discussões teóricas acerca da cultura e a inclusão do cinema no contexto nacional, no artigo também será discutido o desenvolvimento e a transformação da cultura na perspectiva do município


de Campo Mourão que está localizada na Região Sul do país, no estado do Paraná e na Mesorregião Centro Ocidental Paranaense, com uma população atual que ultrapassa 92 mil habitantes, de acordo com a estimativa do censo de 2014. O estudo, no entanto, será limitado aos anos de 1964 e 1984 – período em que o Cinema atraía grande público para as suas sessões. O ano inicial se refere à abertura do Cine Plaza, uma das salas de exibição cinematográfica do munícipio de Campo Mourão. De acordo com os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1960, havia, no município, 141.157 habitantes. Após o desmembramento de alguns distritos, na década de 1970, 1 o número absoluto já havia caído para 77.1131.

1 A diferença entre a população atual, aproximadamente 92 mil habitantes, e os 130 mil habitantes daquela época se deve ao desmembramento de alguns municípios. Faziam parte da composição de Campo Mourão: Cruzeiro do Oeste, Araruna, Goioerê, Rondon, Peabiru, Engenheiro Beltrão, Terra Boa, Cianorte, Jussara, Mamborê, Roncador, Fênix, Campina da Lagoa, Barbosa Ferraz, Barreirinho d’Oeste, Pinhalão, Juranda, Iretama, Quinta do Sol, Ubiratã, Janiópolis, Luiziana e Piquirivaí. Com a emancipação de diversos distritos para municípios, em 1979, Campo Mourão era constituído por mais 3 distritos: Pinhalão, Luiziana e Piquirivaí. Hoje conta apenas com o distrito de Piquirivaí.


O Cine Plaza passou por uma fase de grande destaque na região, com salas que chegavam a 1.500 lugares – aproximadamente 2% da população total. Além disso, acompanhou um momento em que Campo Mourão se firmava como polo regional, buscando construir seu desenvolvimento pautado nos grandes centros e nas “realidades” transportadas pelas telas do cinema. Segundo a Revista Pauta (1996) a média mensal de público, entre as décadas de 1960 e 1980, chegou a 11 mil pessoas. Além do cinema pesquisado, outros municípios que compõe a Mesorregião também possuíram salas entre as décadas de 1960 e 1970. Na história do cinema da mesorregião Centro Ocidental do Paraná, destacamos a criação de algumas, como Cine Vera; Cine Mourão; Cine Império; Cine SãoJorge e o Cine Plaza que alcançaram grande influência entre 1954 a 1994 (Tabela 1). Para esse recorte histórico, utilizaremos a metamorfose de uma das grandes salas de cinema de Campo Mourão, o Cine Plaza, que surgiu em 1964 durante o período da ditadura militar. A pesquisa que embasou este artigo foi feita de forma documental e por meio de entre2 vistas o Jornal Tribuna do Interior, além da Re2 A pesquisa inicial contou com entrevistas a diversos pioneiros, que


vista Pauta. A parte teórica foi construída com fundamento nas teorias sobre desenvolvimento e cultura abordados por Rogério Amaro, Renato Ortiz, Zygmunt Bauman. Tabela 1: Demonstrativo das sala de cinemas na Região de Campo Mourão

falaram sobre os primeiros anos do cinema na região. No entanto, após o recorte temporal – focando no período entre 1964 e 1984 – apenas uma entrevista com pioneiro foi utilizada, a do advogado e ex-prefeito, Joaquim Viana Pereira Filho. Além dele, foram ouvidos os jornalistas Dilmércio Dallefe, responsável pelo material produzido sobre o cinema veiculado no Jornal Tribuna do Interior, e Regina Lopes Pereira, assessora de imprensa do município de Campo Mourão. O diretor da Fundação Cultural e “amante” do cinema, Francisco Pinheiro foi o quarto entrevistado direto.


O CINE PLAZA



O

Cine Plaza (Figura 1) surgiu em 1964, com capacidade para 1650 pessoas sentadas (Figura 2). O prédio, situado na Avenida Brasil, centro da cidade,

possuía uma área de dois mil metros quadrados, e era construído em alvenaria. Teve como principal fundador o empresário Getúlio Ferrari, pioneiro na cidade de Campo Mourão, que ousou ao criar uma sala de cinema que comportasse uma quantidade tão expressiva, sendo essa uma das melhores salas cinematográficas da região. Ao que parece o Cine Plaza não era limitado apenas às exibições cinematográficas, que alcançavam os incomparáveis (em relação ao padrão comercial atual) trinta dias de exibição ininterruptos de apenas um filme. Como lembra o jornalista Dilmércio Dallefe (2011), as várias sessões durante a exibição de um determinado filme chegavam à lotação de até 1,8 mil pessoas, em alguns casos até a 2 mil pessoas. Além disto, o cinema alcanço importante status social por suas consideráveis utilizações para apresentações e demais reuniões e eventos das instituições locais, como, por exemplo, formaturas (Figura 3), eventos políticos (Figura 4), shows (Figura 5) e eventos diversos. Destacamos, nas palavras de Dallefe (2011), as sessões de matinê, nas quais “era comum a troca de gibis pelas crianças que frequentavam o cinema. Um gibi novo equi-


Figura 1: Vista Frontal do Cine Plaza. (Local da Zyeys)



Figura 2: Vista interna dos 1500 lugares do Cine Plaza.



valia a vários usados. Algumas crianças traziam mais de 20 gibis para serem cambiados entre os frequentadores”. Ao que parece o Cine Plaza não era limitado apenas às exibições cinematográficas, que alcançavam os incomparáveis (em relação ao padrão comercial atual) trinta dias de exibição ininterruptos de apenas um filme. Como lembra o jornalista Dilmércio Dallefe (2011), as várias sessões durante a exibição de um determinado filme chegavam à lotação de até 1,8 mil pessoas, em alguns casos até a 2 mil pessoas. Além disto, o cinema alcançou importante status social por suas consideráveis utilizações para apresentações e demais reuniões e eventos das instituições locais, como, por exemplo, formaturas (Figura 3), eventos políticos (Figura 4), shows (Figura 5) e eventos diversos. Destacamos, nas palavras de Dallefe (2011), as sessões de matinê, nas quais “era comum a troca de gibis pelas crianças que frequentavam o cinema. Um gibi novo equivalia a vários usados. Algumas crianças traziam mais de 20 gibis para serem cambiados entre os frequentadores”. Nos cinemas, ao que parece, era comum o início de namoros, encontros e as primeiras incursões em relacionamentos de uma geração de mourãoenses, como recorda a jornalista e assessora de comunicação do município, Regina Lopes


Pereira. “O primeiro beijo de muitos foi no cinema, embalados por músicas que eram sucesso na época. Meu primeiro beijo foi no cinema.” Outro fato interessante destacado durante a entrevista foi que, antes do início dos filmes, eram transmitidas informações e reforçada a construção da nação brasileira e suas particularidades. “As salas também traziam notícias antes do filme começar, além de imagens do Brasil, do futebol.”


Figura 4: Em 1963 o advogado Milton Luiz Pereira assumia o cargo de Prefeito de Campo MourĂŁo nas dependĂŞncias do Cine Plaza.



Na sessão de gala noturna, em 1966, o Cine Plaza passou por seu pior momento: um incêndio que teve origem no teto do cinema, que era revestido por feltro, tomou conta do espaço rapidamente, não dando chances para salvar os objetos internos, como lembra Luiz Ferreira Lima: Em 1966, durante uma sessão de gala na noite de um domingo, chamas iniciadas no teto do cinema, revestido com feltro para melhorar a acústica, se alastraram e se transformaram em um grande incêndio. Um locutor de uma rádio que funcionava no andar de cima sentiu o cheiro da fumaça e correu para avisar o proprietário, Getúlio Ferrari. Em poucos minutos, a sala foi esvaziada, evitando uma grande tragédia. O cinema estava lotado. (LIMA, Blog do Luizinho, 2014)

Daleffe (2011) complementa que, embora a descoberta do incêndio tenha sido rápida, a destruição do prédio foi inevitável, e, em tentativa de retornar a glória do Cine Plaza, o proprietário Getúlio decidiu reconstruir o cinema: Apesar da rapidez na identificação do foco, nada mais foi possível fazer. O fogo destruiu completamente o Plaza,


Figura 4: Foto de Edivaldo Goudinho Lopes de 1976 mostra a presenรงa de Raul Seixas no palco do Cine Plaza, Campo Mourรฃo.


restando apenas os pilares carbonizados. O incêndio causou comoção geral em Campo Mourão. Mas Getúlio não se abalou e decidiu reconstruir o cinema. Amigos, parentes e até seus sócios tentaram demovê-lo da ideia. Não teve jeito. O dinheiro empregado na reconstrução do Plaza, segundo Arno, daria para comprar 500 alqueires de terra na época (DALEFFE, 2011).

Após um ano e meio do incêndio, no ano de 1968, o Cine Plaza reabriu, tornando-se o principal ponto de encontro e entretenimento para uma população de 130 mil habitantes. Daleffe expôs que, em 1989, Getúlio arrendou a sala de cinema para a Distribuidora Arco Iris, que administrava uma rede de cinemas no interior de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, somente retornando à administração da família Ferrari em 1993. Com a retomada, Arno Ferrari, filho de Getúlio, tentou uma parceria com a administração pública da época para a manutenção da sala, levando o acesso aos estudantes. Ele “queria apenas que a prefeitura colaborasse para a manutenção, mas a ideia não deu certo”, disse o comerciante (Revista Pauta, 1996). O último filme exibido foi o “O Anjo Malvado”, em 15 de maio de 1994. E no


mesmo ano o prédio foi adquirido pela uma instituição religiosa, por R$ 400 mil reais.



O BRASIL PELAS SUAS LENTES



N

a década de 1960 em que o Cine Plaza atraía seu maior público, a produção nacional de filmes passou por diversas fases. A cultura passou a ter uma

relação estreita com a política e os ideais de formação da Nação. Para atingir os objetivos, foi enfatizado o aspecto popular da cultura. A partir dos anos 1940/1950, cultura popular assumiu uma perspectiva política associada aos populismos latino-americanos, que procuravam oficializar as imagens reconhecidamente populares às identidades nacionais e à legitimidade de seus governos. O conceito também foi incorporado pela esquerda, principalmente na década de 1960, tendo assumido um sentido de resistência de classe, ou, inversamente, de referência a uma suposta necessidade dos oprimidos a uma consciência mais crítica, que precisava ser despertada. (ABREU, 2003, p.2)

De acordo com os arquivos do Departamento Cultural do Itamaraty, setor ligado ao Ministério das Relações Exteriores (BRASIL, 2015), o cinema foi fundamental para sedimentar o imaginário coletivo do século XX, como fonte de entretenimento e divulgação das culturas dos pa-


íses que dominavam o cenário de produção cinematográfica. Curiosamente, as raízes do cinema nacional estão em um imigrante italiano, Affonso Segretto, que registra cenas do porto do Rio de Janeiro. Com o crescimento da demanda por diversão e formas de entretenimento, o cinema nacional passa a concorrer com os filmes estrangeiros, com destaque para a distribuição de filmes norte-americanos. “No início da década de 60, um grupo de jovens cineastas começa a realizar uma série de filmes imbuídos de forte temática social” (BRASIL, 2015), era o movimento conhecido como Cinema Novo Brasileiro. Carvalho (2004, p.4), ao descrever as tentativas de nacionalismo no Cinema Brasileiro, coloca que o “surgimento das primeiras produções do Cinema Novo coincide com todo um contexto em que o nacionalismo e o desenvolvimentismo eram palavras de ordem”. Ele defendia que a arte tivesse o condão de modificar a sociedade brasileira, política e socialmente. Entre os cineastas que ganham destaque nesse momento está Glauber Rocha. Na sequência, sob influência de Nelson Pereira dos Santos, – frequentador assíduo da cinemateca francesa no período em que esteve fora do Brasil, ele retorna ao país e passa a escrever roteiros que tivessem a ‘cara do Brasil’ – outros dire-


tores começam a estruturar esse novo momento do cinema nacional. As décadas seguintes revelam-se a época de ouro do cinema brasileiro. Mesmo após o golpe militar de 1964, que instala o regime autoritário no Brasil, os realizadores do Cinema Novo e uma nova geração de cineastas continuam a fazer obras críticas da realidade, ainda que usando metáforas para burlar a censura dos governos militares (BRASIL, 2015).

Neste momento ganha força o tema do movimento: Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Um dos motivos para essa expansão é a difusão das novas tecnologias. Mais facilidade na captação e edição das cenas incentivaram novos entusiastas. O desenvolvimento tecnológico acompanhou o desenvolvimento das técnicas em um fluxo que Santos (2001) chamou de unicidade de técnicas. Entre outros conceitos, ao falar sobre o desenvolvimento contínuo das técnicas, o autor destaca: As famílias de técnicas emergentes com o fim do século XX — combinando informática e eletrônica, sobretudo — oferecema possibilidade de superação do imperativo da tecnologiahe-


gemônica e paralelamente admitem a proliferação de novosarranjos, com a retomada da criatividade (SANTOS, 2001, p.165).

Com isso, as mesmas bases materiais que permitiram a introdução do cinema estrangeiro em Campo Mourão facilitaram a expansão do cinema nacional e a sua vinda para as telas do Cine Plaza. O cinema nacional passou a partir de então a discutir a realidade em seus mais variados aspectos: sociais, políticos e culturais. Com o golpe militar de 1964, o Cinema Novo sofreu fortes abalos. A restrição às produções e a perseguição política atingiram muitos profissionais e paralisaram projetos em andamento. Em 1967 começa um processo de adaptação às exigências do novo regime. O Cinema Marginal, que se impôs ao movimento anterior, veio na sequência com uma nova proposta. Ele se apoiou em um modelo de filme barato e questionador da política cinematográfica da produção que estava em voga. Os valores morais passam a segundo plano e o erotismo emerge com força. Segundo Ângela José, “o Cinema Novo redefinia sua poética, e cada diretor, à suamaneira, transmitia os sintomas de um país em crise” (JOSÉ, 2007, p.155). Com isso, é possível encontrar o Cinema Marginal nos filmes eróticos


ou em propostas mais estéticas. O diferencial do período era que esse movimento colocava em destaque personagens que estavam à margem da sociedade, prostitutas, bandidos, homossexuais e drogados. Apesar de sua importância e característica revolucionária, os filmes do cinema marginal não alcançaram sucesso. “A maioria deles nem chegou a ser exibida comercialmente, alguns só foram vistos em sessões clandestinas. O Brasil vivia sob o regime militar e tantoa imprensa como as artes eram censuradas.” (JOSE, 2007, p.160). Destes filmes produzidos, poucos chegaram a ser reproduzidos nas telas do Cine Plaza. Conforme apontam os anúncios de programação publicados nas edições semanais do jornal Tribuna do Interior, a maior parte dos filmes nacionais exibidos fazia parte do gênero que ficou conhecido como Pornochanchada. Essas produções traziam como temas recorrentes a malandragem, o adultério, o travestismo, ahomossexualidade, o tráfico de drogas e abissexualidade feminina. A Pornochanchada também refletiu o estouro sexual que a década de 1970 presenciou,sofrendo o impacto, entre outras coisas, da pílula anticoncepcional e do movimento feminista. (FREITAS, 2004, p. 5)


Em todo o país, o público que consumia estes filmes era formado principalmente por homens das mais diversas classes sociais e idades. Da mesma forma, relatos de usuários e ex-funcionários do Cine Plaza apontam que em Campo Mourão a situação se repetia, tendo uma aceitação pelos frequentadores do Cine. Isso reflete a forma como uma parte da sociedade mourãoense interagia com os movimentos culturais nacionais. Essa nova expressão da cultura nacional, de certa forma, proporcionou um destaque a formação das características culturais da representação do imagético social do povo brasileiro.


A ILUSテグ DO DESENVOLVIMENTO



N

a época, a construção [do cinema] foi um sonho, porque ninguém sabia o que era aquilo, depois viu aquilo [filmes] e como pode aparecer. Foi uma

novidade muito grande. Foi um progresso para a sociedade.” A fala, transcrita de uma entrevista feita com o pioneiro Joaquim Viana Pereira Filho sobre o surgimento do cinema em Campo Mourão, deixa clara a ideia que permeava os moradores sobre o que era desenvolvimento e os critérios para definir se a cidade era desenvolvida. O cinema era visto como um objeto “quase mágico”, com a reverência que se deve ter àquilo que merece deferência. Esse sentimento também transpareceu na entrevista feita com o ator e diretor da Fundação Cultural de Campo Mourão, Francisco Pinheiro. Ele recorda que na época em que frequentava o colégio teve o primeiro contato com o cinema. As escolas levavam os estudantes para ver ‘as maravilhas’ da modernidade trazidas nas telas. “O primeiro filme que assisti foi com a escola, não lembro o nome, mas era uma história sobre um palhaço e sete ursos. O cinema foi paixão à primeira vista. Lembro até da música que tocava na abertura dos filmes enquanto apagava as luzes. Até hoje, quando ouço sinto vontade de chorar. Era um cinema maravilhoso.”


O conceito de desenvolvimento sofre ao longo das últimas décadas várias transformações e diversas versões, ganhando em complexidade e perdendo linearidade em sua aplicação. Um dos motivos é a forma interdisciplinar com que o tema passou a ser entendido. Inicialmente derivado das teorias econômicas, ele ainda mantém uma forte ligação com a disciplina, mas passou a agregar outras teses chegando à ser relacionado com a cultura. Essa mudança na forma de conceber o conceito de desenvolvimento e, posteriormente, como isso se deu no município de Campo Mourão é o que passará a ser discutido nesta seção. A ideia de desenvolvimento, além de mobilizar vontade de mudança nas sociedades e indivíduos, serviu “também para avaliar e classificar o seu nível de progresso e bem-estar” (AMARO, 2003, p.36). Embora seja comum associar o surgimento do conceito de desenvolvimento ao momento pós Segunda Guerra Mundial, Amaro recorda que neste período ele apenas ganhou “estatuto científico fundamentado e continuado”. Para o autor, os temas correlatos ao desenvolvimento - como mudança, progresso e bem estar - surgiram antes em diversas áreas. Na Ciência Econômica, Adam Smith já esboçava suas preocupações com a riqueza das nações. “Vários foram os


autores que, na sua sequência, procuraram entender as causas e as perspectivas do progresso das novas sociedades saídas da Revolução Industrial.” (AMARO, 2003, p.41) Ele divide os fatores que influenciaram a primeira visão do desenvolvimento em três grupos. O primeiro reúne as transformações com efeitos materiais, entre eles a afirmação do setor industrial como a atividade dos países desenvolvidos, a divisão do trabalho e a especialização, a produtividade como critério de eficiência e a elevação da cidade como espaço privilegiado da nova economia das fábricas (AMARO,2003, p.10). O segundo grupo resultou em uma alteração de valores e princípios. Fortaleceram-se mutuamente o capitalismo - defendendo a liberdade e o indivíduo - e o socialismo - com base na igualdade e no coletivo. “Esqueceram-se ambos da Fraternidade com a Natureza [...] e com os fatores abióticos” (AMARO, 2003, p. 45) Por ser focada em um contexto europeu, a ideia de desenvolvimento agregou a experiência histórica destas sociedades. Tomou-se o caminho percorrido por estes países como um guia para o restante do planeta. No Brasil, essa política que Anete Ivo chama de “desenvolvimentista” orientou o pensamento e o agir da década de 50 e início de 60.


A tradiçãodas ciências sociais buscava entender os fundamentosda sociedade brasileira, a relação entre atradição e a modernidade, que impedia o projetoracional civilizador, no sentido de assimilação deatributos de uma sociedade com traço fortementeiluminista, assentada no triunfalismo da Razão einfluenciada pelo “desejo do outro” europeu. (IVO, 2012, p.189)

Uma das consequências de ver o desenvolvimento centrado no modelo Europeu e como sinônimo de crescimento econômico foi que se passou a utilizar indicadores como nível de rendimento per capita para classificar os países em desenvolvimento. As demais melhorias seriam decorrentes da primeira. Ao trazer essa reflexão ao contexto mourãoense, lembramos a conceituação de Amaro (2003) que aponta a consequência da associação da modernização, “definida como o processo de substituição das estruturas arcaicas e tradicionais do subdesenvolvimento pelas logicas modernas e progressistas do desenvolvimento.” (AMARO, 2003, p.48). Percebemos que esta forma de entender o desenvolvimento estava presente nas ações dos moradores do município até a década de 1970, abordado na Revista Pauta, que relata o


período em que o Cine Plaza se firmava em Campo Mourão. Há cerca de 25 anos [34 anos hoje], quase todas as pequenas cidades tinham o seu cinema. Referencial do desenvolvimento de um município, a “cinemania” foi um modismo que se alastrou rapidamente e sem nunca levantar suspeita de que um dia morreria.” (REVISTA PAUTA, 1996, p.6)

Ao analisar o conteúdo da revista, percebemos a classificação do cinema como “modismo”, na matéria especial sobre a desativação das salas de cinema, que aponta para o estreito relacionamento do cinema (técnica) e da cultura estrangeira com o desenvolvimento que ainda era realizado em 1996. Em termos globais o crescimento econômico aconteceu no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1970. Isso se deve a fatores como a falta dos resultados esperados pelos países subdesenvolvidos com a aplicação do modelo de desenvolvimento (AMARO, 2003, p.53). Enquanto se investia no crescimento econômico, as cidades começavam a sofrer com o êxodo rural e a falta de condições de trabalho (AMARO, 2003, p.53-54). Em Campo Mourão, por exemplo, dados obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que houve uma gran-


de migração campo-cidade a partir da década de 1970 e o motivo é a modernização agrícola. Neste período, 36,02% da população vivia na cidade e 63,98% habitava a área rural. Em apenas 10 anos, a situação se inverteu e a taxa de urbanização passou para 65,6%. A urbanização cresceu sem controle, levando a uma nova forma de pensar o meio urbano, reunindo isso, a outros fatores, que indicam o que Amaro chama de mal-estar social presente mesmo nos países considerados desenvolvidos, a solidão dos mais velhos, afrouxamento dos laços sociais de vizinhança, instabilidade e desestruturação das relações familiares, entre outros. “É neste mal-estar social que se inscrevem novas formas de pobreza, presentes nos países mais desenvolvidos, e se justifica a necessidade de formulação de um novo conceito nestes países, o de exclusão social. (AMARO, 2003, p.53). Após essa falência da certeza de linearidade do desenvolvimento das nações, houve a emergência de novos conceitos para o termo desenvolvimento. Variando, conforme citado por Amaro, a maior parte inclui um segundo elemento à raiz desenvolvimento, como por exemplo, desenvolvimento sustentável, local, humano e integrado (AMARO,2003, p.55). Assim como refletido por Ortiz (1994), neste ponto, emerge também uma noção que


perpassa pelos valores culturais.



A LUZ QUE ILUMINA A ESCURIDテグ DA SOCIEDADE



A

sociedade sempre buscou aspectos que levassem a definição do que é o “desenvolvimento”. Uma dessas associações foi posteriormente vinculada ao aspecto de cultura. Tendo isso em vista, é importante trazer algumas discussões conceituais sobre o termo cultura, para entendermos melhor a sua relação no contexto local mourãoense. A Cultura, segundo Bauman (2013), foi vista inicialmente como forma de tentar educar a população, trazendo aos menos favorecidos (culturalmente) a aproximação da elite: O nome “cultura” foi atribuído a uma missão proselitista, planejada e empreendida sob a forma de tentativas de educar as massas e refinar seus costumes, e assim melhorar a sociedade a aproximar o “povo”, ou seja, os que estão na “base da sociedade”, daqueles que estão no topo. (BAUMAN, 2013, p. 12)


Nesse sentido, o subdesenvolvimento era visto como um atraso no desenvolvimento, a tradição um obstáculo à modernização, o campo e os meios rurais um passo atrás na caminhada para as cidades e para o progresso, as culturas e mentalidades não europeias um constrangimento à eficiência produtiva e ao bem estar material, etc. (AMARO, 2003, p.48)

Em Campo Mourão, essas definições globais dos aspectos de desenvolvimento e cultura, foram impostos ao subconsciente por meio da inserção da cultura cinematográfica norte-americana e ressignificados localmente. Como recorda Francisco Pinheiro, o que era “legal” era adaptar suas roupas ao que usavam os jovens americanos que apareciam em filmes como Footloose, tentar “ser fortes como Rambo, viajar pelo universo com Star Wars ou Superman. Eu chegava a ir três vezes ao cinema.” Essa popularização dos padrões americanos entre os jovens mourãoenses evidencia a internacionalização provocada pelos filmes. Ao discorrer sobre o fenômeno da Mundialização e sua relação com a cultura, Ortiz (1994) destaca o papel das indústrias culturais no processo.


Cabe ressaltar o advento das indústrias culturais. O modo de produção industrial, aplicado ao domínio da cultura, tem a capacidade de impulsioná-la no circuito mundial. O que se encontrava restrito aos mercados nacionais, agora se expande. Desde cedo o cinema tem um papel fundamental para o intercâmbio das imagens. Gêneros populares, aventura, folhetim, western consagram na tela diferentes estilos. De “O Grande Roubo do Trem”, de Edwin Porter, a “Nosferatu”, de Murnau, forma-se paulatinamente uma cultura de imagem que transcende sua origem nacional. (ORTIZ, 1994, p.156)

Para o autor, as desigualdades entre sociedades ricas e pobres não influencia tanto na mobilidade proporcionada por meios de comunicação, como o cinema. [Cinema e a Publicidade] “indicam a existência de uma malha imprescindível para a mobilidade cultural. A circulação, princípio estruturante da modernidade, se realiza no seu interior. [...] A materialidade dos meios de comunicação permite interligar essa totalidade.” (ORTIZ, 1994, p. 58). A construção da cultura cinematográfica (nos referindo à divulgação do cinema como arte)


refletiu nas concepções das munícipes mourãoenses. “Hoje vemos uma cidade civilizada, com cultura elevada”. Essas foram as palavras usadas por uma personalidade mourãoense, em entrevista, ao nos relatar sobre o cinema local, a frase deixa evidente a sua visão sobre o que é cultura. Sendo essa uma fala recorrente em discussões, até mesmo na atualidade. A relação da cultura elevada ainda se encontra atrelada às inovações e aos aspectos do desenvolvimento. Dentro deste ponto de vista, uma cidade que possuísse uma sala de cinema, a qual transmitia as histórias de outros povos, tornar-se-ia civilizada e culturalmente desenvolvida. Ainda hoje, ao compararmos uma cidade com outra, focamos em quantidades de salas de cinema, shoppings, teatros, estádios, casas de shows etc., como representantes do desenvolvimento cultural. Ao olhar sob este prisma, ignoramos outros aspectos que remetem à cultura. Criamos certa ilusão quanto às estruturas do mundo do entretenimento, como foco decisivo da classificação de um povo culturalmente desenvolvido. Como citado por Bauman “o termo ‘cultura’ entrou no vocabulário moderno como uma declaração de intenções, o nome de uma missão a ser empreendida. O conceito de cultura era em si um lema e um apelo à ação.” (BAUMAN, 2013, p. 13).


Ainda em Bauman, ao traçar uma trajetória das modificações no conceito dado ao tema, ele traz que a “‘cultura’ era associada a ‘feixes de luz’ capaz de ‘ultrapassar os telhados’ das residências rurais e urbanas para atingir os recessos sombrios do preconceito e da superstição” (BAUMAN, 2013, p. 12). Essa luz é o que se espera ao adentrar no munda da cultura, em uma de suas muitas acepções, considera-se a cultura como emancipadora das trevas do mundo ignorante. A arte cinematográfica emergiu em Campo Mourão como um modismo nas “cinemanias” que se alastravam pelos municípios da região, mas um modismo que se tornou capaz de alterar comportamentos. Parafraseando Bauman, a luz que levaria ao desenvolvimento, ou seja, ao tratar do conceito local, esperava se que a cultura, ou, o ser culto se transmitisse por meio da difusão do cinema. Ainda em entrevista, Regina Lopes aponta que o cinema acompanhou três gerações em sua família. O avô, a mãe e os tios, da comunicadora, frequentavam os primeiros cinemas que surgiram na região. Na década de 60, a família ia junto. Na minha, comecei indo às matines todos os domingos quando criança e cresci seguindo na adolescência quando já ia a noite [assistir aos filmes]. Quando


morei em Londrina também frequentava.

Essa valorização refletiu no conteúdo exibido nas salas de cinema em todo o Brasil. Alguns dos anúncios dos filmes exibidos no Cine Plaza, veiculados no jornal Tribuna do Interior, indicam a interferência dos filmes internacionais. Segundo a cota estipulada em meados da década de 60, uma parte dos filmes exibidos deveriam ser nacionais. Para alcançar o percentual, era exibido no Cine Plaza o chamado “pornochanchada” uma espécie de filme pornográfico com humor. Fato que pode ter colocado os valores da população mourãoense em discussão. Os “tarados” como define Dallefe (2011), chamam a atenção para o formato diferenciado das ações produzidas no cinema, que quebram a cultura conservadora da época. Em seu artigo publicado na Tribuna do Interior, Dallefe comenta, em meio à fala de uma entrevistada, sobre a existência de uma exibição de sexo explícito, ao vivo. Aos 52 anos, Neuza Machado se lembra da época que trabalhava na bilheteria do antigo cinema. Foram 12 anos no local e muitas histórias por contar. Ela lembra que diariamente, a última sessão era destinada ao público adulto. Numa única vez, após a reprodução do


filme pornô, um casal foi contratado para desenvolver sexo explícito, tudo ao vivo. Foi uma atração sem igual, disse. Naquele dia, Neuza foi com a irmã dar uma espionada. Ficaram de pé num cantinho, encostadas na parede. Mas de repente, eis que surge um tarado e agarra a irmã por trás. “Gritamos tanto que o homem foi tirado na hora”. Segundo ela, enquanto os atores faziam o show, muitas pessoas, não acreditando no que viam, subiram ao palco para verificar de perto o inimaginável. “Subiu muita gente”. Tanto é que o show acabou”, disse ela. (DALLEFE, 2011)

Com a inserção das salas de cinema na cidade, a noção de cultura e mesmo os padrões valorativos dos mourãoenses vão se transformando. A liberdade individual de escolha e a responsabilidade, igualmente individual, se adaptam a essa nova realidade “moderna” trazida pelo cinema. O tema da diluição dos conceitos e instituições definidoras do sujeito é tratado por Bauman como um reflexo da modernidade líquida3. O dissolver tudo o que é sólido, caracteriza essa nova forma do pensamento cultural mourãoense. 2 No livro sobre Cultura, Bauman explica o que pretende ao cunhar


o termo modernidade líquida. Segundo ele, a expressão “modernidade liquida” é usada para denominar o formato atual da condição moderna, descrita por outros autores como “pós-modernidade”, “modernidade tardia”, “segunda modernidade” ou “hipermodernidade”. Ele coloca que a modernização compulsiva e obsessiva é o que justifica a escolha do nome. Essa forma de modernização impulsiona e intensifica a si mesma, e, como ocorre com os líquidos, nenhuma das formas consecutivas de vida social é capaz de manter seu aspecto por muito tempo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS



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onhecer, ou, (re)conhecer a história do Cine Plaza, pelo prisma das percepções daqueles que vivenciaram as diversas metamorfoses desta sala cinematográfica, e seu envolvimento no processo de desenvolvimento social e cultural da população equivale a recompor parte da nossa própria constituição como pesquisadores mourãoenses. O Cine Plaza difundiu não só a sétima arte (cinema) como forma de entretenimento, como trouxe à sua tela e cadeiras: emoções, histórias, informação e até paixões. Seu envolvimento extrapola a nossa concepção atual do que é o cinema, tanto em formato estrutural, como receptivo. Os filmes exibidos ajudaram a construir a identidade da população local, mesmo que limitado a uma parcela da sociedade mourãoense. As projeções, assim como as temáticas que perpassavam cada película eram o retrato de sua época. As maravilhas tecnológicas eram apontadas nos filmes de ficção científica como um futuro a alcançar. Mesmo que inconsciente, os modelos de progresso eram incorporados pelos mourãoenses. A reflexão e as informações que basearam este artigo mostram uma visão ímpar dessa época de citadinos em processo de autoconhecimento. Nosso envolvimento com as novas tecnologias, criou uma “na-


turalização” a elas, de certa forma, nos “privaram” dessa primeira percepção vivenciada por esses munícipes, como retratado nas diversas falas acima. De certa forma essas percepções relatadas trazem a forma do cinema sob a perspectiva de uma visão única envolvendo, nesse período, uma nova tecnologia, que a nos, cabe apenas uma singela tentativa de compreensão dessa percepção. A essa parte da sociedade mourãoense, dos anos de 1964 a 1984, inferisse que no seu conceito de desenvolvimento e cultura, a mesma alcançou um novo status, transcendendo os padrões no decorrer desses anos.


REFERÊNCIAS



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