Vacina, Pão e Ação

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VACINA, PÃO E AÇÃO

BOLETIM político-sanitário


Comitê de Redação (provisório): Boris Vargaftig - USP Daniele Brandt - UERJ Felipe Demier - UERJ Gilberto Calil- UNIOESTE Luciano de Queiróz - UFCG Sara Granemann- UFRJ Valéria Correia - UFAL Primeiros Colaboradores: Miguel Nicolelis – Universidade de Duke Elaine Rossetti Behring - UERJ Fagner Torres - Jornalista Gibran Jordão - Travessia (Coletivo Sindical e Popular) Helcio Duarte - Jornalista Ivanete Boschetti - UFRJ Jacyr Pasternak- Hospital Albert Einstein João Leonardo Medeiros - UFF e Presidente da SEP Juliana Cislaghi-UERJ Maria Inês Bravo - UERJ Momtchilo Russo - USP Pedro Frota Moreira - Harvard Medical School Ruy Braga - USP Simone Silva - UFRJ Sirliane de Souza Paiva - UFMA Vinícius Machado-UFES Carol Burgos - Jornalista Projeto grafico e diagramação Pablo Henrique


Brasil segue com um dos mais altos índices de mortes do mundo Gilberto Calil A pequena redução no número de mortes nos últimos dias tem produzido uma sensação de alívio que é bastante enganosa. Depois de sete semanas consecutivas batendo record de mortes – de 8.244 na Semana 8/2021 (encerrada em 27/2) a 21.144 na Semana 14/2021 (encerrada em 10/4), tivemos nas três semanas seguintes, respectivamente 20.344 (17/4), 17.814 (24/4) e 16.945 (1º/5). A média móvel de óbitos – que chegou ao ápice de 3.124 no dia 12/4, caiu para 2.316 no dia 5/6 (conforme dados do Painel CONAS). Esta redução de 26% não é produto de medidas de isolamento, mas, ao contrário, é resultado do avanço da vacinação. O número de mortes nesta última semana é 2.2 vezes maior do que a pior semana de 2020 (encerrada em 25/7, com 7.714 mortes). Pior ainda, a redução de óbitos nas faixas etárias de mais idade, produzida pela vacinação, tem sido parcialmente compensada pelo aumento nas faixas etárias mais jovens, ainda não vacinadas. Isto demonstra o total descontrole da Pandemia, que não é sequer monitorado, considerando-se a baixíssima testagem. O Brasil encerrou o mês de maio com 82.266 óbitos registrados, o que corresponde a 22,9% do total mundial (embora tenhamos apenas 2.75% da população), e este percentual só não é ainda maior em decorrência do explosivo aumento de óbitos na Índia. Neste momento (6/5), de todos os 90 países com mais de dez milhões de habitantes, o Brasil é o que tem a pior média móvel de mortes por milhão (10,9), seguido por Colômbia, Argentina e Peru (entre 9.2 e 8.4), todos assolados pela expansão da P1, a variante brasileira. A média móvel mundial de óbitos por milhão é, hoje, 1.67. Portanto, a média móvel de óbitos no Brasil é 6.5 vezes superior à média mundial. No total acumulado, apesar da subnotificação, temos 1.939 óbitos por milhão, o 12º pior índice. Dentre os 90 maiores países do mundo, apenas República Tcheca, Bélgica e Itália têm índices acumulados piores que os brasileiros, e estes países têm um percentual de população acima de 70 anos, respectivamente, de 11.6%, 12.9% e 16.2%, enquanto o Brasil tem apenas 5% da população nesta faixa etária e, portanto, seria esperado ter um índice de óbitos muito inferior.


A cada dia aumenta a parcela dos mais jovens entre as vítimas Gilberto Calil

Uma das características mais visíveis da pandemia ao longo de 2020 foi a concentração da maior parcela de óbitos na população acima de 70 anos. Nos países com maior expectativa de vida, a imensa maioria das mortes se situa nas faixas etárias superiores. Mesmo no Brasil, cuja população tem uma idade média de apenas de 33.5 anos, mais da metade dos óbitos registrados em 2020 deuse entre pessoas com mais de 70 anos. A letalidade nestas faixas etárias, felizmente, vem diminuindo bastante, em decorrência da vacina. Pelos dados da Semana Epidemiológica 16, observa-se que os óbitos entre pessoas acima de 90 anos, que foram 5.29% em 2020, diminuíram para 3.03%, enquanto que na faixa de 80 a 89 anos, caíram de 19.26% para 10.13%. Esta é uma evidência muito clara da eficácia da vacinação, mais ainda se considerarmos que parte destes óbitos são de pessoas que ficaram longo período hospitalizadas, não tendo chegado a receber vacina, e uma parcela é constituída por dados antigos, retroativamente registrados. No entanto, o que por um lado é uma boa notícia, tem um lado terrível. Parte expressiva da redução de óbitos entre os mais idosos é compensada pelo grande aumento de óbitos entre os mais jovens, em especial na faixa etária de 40 a 69 anos, que já concentram a maior parte dos casos. Enquanto os óbitos entre os que tem mais de 70 anos caíram de 50.59% para 55.98, o peso dentre os mais jovens aumentou de 44.27% para 56.83%, em uma tendência que segue se agravando. Para estes setores não há estabilização alguma, e o risco de morte nunca foi tão elevado.


Não podemos deixar de registrar que, neste momento, em inúmeros estados está em curso a retomada das aulas presenciais, e para além dos já conhecidos efeitos disto na piora dos índices de transmissão e agravamento da pandemia, é inegável que a maior parte do corpo docente e dos pais dos estudantes situa-se na faixa etária que hoje já concentra a maioria dos óbitos. Isto para não falar das 3.971 crianças e adolescentes que foram vítimas de Covid-19, ou de Síndrome Respiratória Aguda Grave – que na imensa maioria dos casos significa basicamente Covid-19 que não foi testada.


#Basta! Miguel Nicolelis Como um gigantesco navio sem capitão, singrando desgovernado por um oceano viral que rotineira e impiedosamente ceifa, num intervalo de 24 horas, perto de 4 mil vidas brasileiras - número equivalente ao total acumulado de mortes reportadas pela China em toda a pandemia -, a combalida nau chamada Brasil sofreu, nos últimos dias, mais uma série de golpes devastadores. Como se não bastasse ter de combater uma pandemia fora de controle, em meio a um colapso sem precedentes de todo seu sistema hospitalar e, no processo, ter se tornado um verdadeiro pária internacional, o Brasil assistiu atônito à escalada vertiginosa do pandemônio político que o assola. Rotulado de forma quase unânime pela imprensa internacional como inimigo público número 1 do combate à pandemia de Covid-19 em todo o mundo, o atual ocupante do Palácio do Planalto deu claras demonstrações públicas e notórias de estar perdendo qualquer tipo de controle - se algum dia o teve - do caos semeado por ele mesmo desde a ascensão ao maior cargo da República. Acuado pela decisão do STF de obrigar o presidente do Senado Federal a instalar uma CPI para investigar a conduta do Governo Federal no combate ao coronavírus, isolado e demonizado pela comunidade internacional, e tendo sua tentativa de interferência nas Forças Armadas repudiada simultaneamente pelos comandantes das três Armas, o presidente da República parece ter achado um novo moinho de vento para chamar de seu inimigo preferido: os cientistas. Numa declaração proferida aos berros numa de suas aparições públicas em Brasília, o gestor e principal responsável pela maior catástrofe humanitária da história da República brasileira vociferou contra toda a comunidade científica brasileira (e mundial, presumese) nos seguintes termos: ‘Cientistas canalhas, se não têm nenhum remédio para indicar, cale a boca e deixe (sic) o médico trabalhar’. Ao indivíduo que transformou imagens de infindáveis fileiras de covas rasas, sendo abertas às pressas por todo o país, no mais visualizado ‘cartão-postal’ do Brasil atual em todo o mundo; ao mandatário que selou o destino de centenas de milhares de brasileiros cujas mortes poderiam ter sido evitadas, levando o Brasil ao ponto em que as mortes em um mês podem superar os nascimentos pela primeira vez;


ao gestor que impediu a compra de dezenas de milhões de vacinas quando elas ainda estavam disponíveis no mercado internacional; ao propagandista que estimulou a população a usar medicamentos sem nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus; ao presidente que nunca ofereceu uma palavra de consolo ou solidariedade a uma nação ferida e golpeada mortalmente como nunca antes na sua história, e que negou qualquer ajuda digna a milhões de brasileiros que diariamente convivem com a perda irreparável de seus entes amados, enquanto tendo de tomar a monstruosa decisão entre morrer de fome ou de Covid-19, a Ciência e os cientistas brasileiros só têm uma reposta a oferecer: Basta! No momento em que todos nós, brasileiros, testemunhamos a manifestação de uma bifurcação trágica e decisiva, é preciso dar um ‘Basta’ definitivo, decisivo e inequívoco aos inúmeros crimes perpetrados contra os brasileiros de hoje e os que ainda hão de nascer, antes que seja tarde demais. Tarde demais para salvar centenas de milhares de vidas que ainda podem ser salvas; tarde demais para salvar o que resta das instituições e da democracia brasileira; tarde demais para evitar que o país cruze o limiar de um ponto de onde serão precisos anos ou décadas para que dele se possa retornar. Em nome dos 362.180 brasileiros que pagaram com a própria vida pelo maior ato de incompetência e inépcia da nossa história, em nome de todas as famílias das vítimas desta que já é a maior tragédia nacional, em nome da preservação do Brasil como nação e, finalmente, em nome da garantia de um futuro digno para futuras gerações de brasileiros, chegou a hora de remover do posto o carcereiro inominável que nos transformou a todos em prisioneiros, potencialmente condenados à morte, seja de fome ou de asfixia; isolados de todo o mundo e vivendo diariamente à mercê dos delírios e desmandos de alguém que, por atos e palavras, renunciou voluntariamente a suas responsabilidades constitucionais de proteger, a qualquer custo, o povo brasileiro de uma guerra de extermínio contra um inimigo letal. Miguel Nicolelis é médico, neurocientista e professor catedrático da Universidade Duke


Comentários atuais Jacyr Pasternak

Há uma contribuição não suficientemente avaliada que aumenta a mortalidade do SARS-COV 2. É o famoso Kit Covid. Ele não é padronizado, mas compreende hidroxicloroquina, ivermectina, zinco, vitamina D, vitamina C e, provavelmente, tem outros temperos, que variam com os proponentes. As drogas que o compõe seguramente não tem a menor eficacia contra o virus, de modo que tudo que elas possam dar de efeitos colaterais é prejuizo liquido, mas não é este o maior problema. Os usuarios deste kit acham - afinal nosso genial presidente e nosso genial ex ministro da saude, o general, disseram que ele é bom - que usando o tal kit como tratamento precoce evitam a progressão da doença. Ora, a doença não dá a mínima para estes produtos, e se a pessoa achar que mesmo não tão bem pode esperar antes de procurar assistencia médica, pode se dar muito mal. Um dos elementos curiosos da doença é a hipoxia assintomática: a saturação de oxigenio do paciente cai e ele pouco ou nada percebe, até que a coisa fica muito ruim. Não está claro porque isto acontece: um dos sinais de hipoxia, que é o acumulo de CO2, é tardia na doença e a respiração mais rápida consegue eliminar melhor o CO2 que absorver oxigenio. Não temos números para quantificar quantos foram para a entubação e quantos morreram graças ao uso do tal kit covid, com ou sem prescrição médica. Quanto a esta, está mais do que na hora de cobrar aos médicos que usaram ou usam este kit as devidas responsabilidades. As instituições que deveriam zelar pela idoneidade da profissão, como o CFM, se omitiram, ou pior que isto, foram condescendentes quanto a este uso. O CFM é um orgão federal, eleito de uma maneira peculiar: os conselheiros são escolhidos pelos varios conselhos regionais que mandam dois representantes por estado para este sodalicio. São Paulo tem 500.000 médicos, mas sua representação no CFM é igual da de Rondonia, que garanto que tem muito menos. Depois os conselheiros elegem um presidente. Ou


seja, eleição indireta muito pouco representativa. Acho quase inacreditavel que existam formados em medicina cujo conhecimento seja comparavel a Jair Bolsonaro ou Eduardo Pazuello...com aval do nosso querido CFM… Politicos não tem conhecimentos de tudo que acontece no mundo e no seu pais: as vezes eles são os ultimos a saber o que está ocorrendo debaixo de seus narizes. Politicos sensatos se cercam de gente que entende - até o Trump se valeu do dr. Anthony Fauci . Mas alguns lideres populistas, como nosso amado presidente e o primeiro ministro da India resolveram dar palpite em epidemiologia e até em terapeutica. Na India foi indicado o consumo de urina de vaca, e aqui o nosso querido lider assessorado pelo Osmar Trevas, perdão, Osmar Terra e outros do mesmo teor primeiro achou que tudo estaria com a imunidade de rebanho, ou seja, quanto mais gente se contaminar melhor. Até porque a cloroquina, a Ivermectina, o zinco, o uranio, a vitamina D e a vitamina C - tem tudo isto no kit covid distribuido por fãns incondicionais do senhor presidente - iriam resolver os sintomas e evitar a progressão das doenças. Como todo mundo já percebeu, a eficiencia do kit covid é igual a da urina de vaca. E a imunidade de rebanho não se estabeleceu nem aqui, nem na India, nem em lugar nenhum...


Em defesa do SUAS e de uma renda emergencial Daniele Brandt e Juliana Cislaghi

As repercussões da face sanitária da crise do capital nos exigem pensar que, para além das ações no campo da saúde, são necessárias outras medidas de proteção à vida da classe trabalhadora como, por exemplo, a garantia de assistência social àqueles que dela necessitam. Dentre as várias ações nesta área, uma delas é a garantia de uma renda mínima, mediante programas de transferência de renda, tais como o Programa Bolsa Família (PBF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e os Benefícios Eventuais previstos na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). De acordo com os dados da PNAD COVID-19 (IBGE, 2020)1 , são muitos os brasileiros que necessitam de políticas públicas desse tipo durante a pandemia: dos 170,7 milhões de pessoas em idade produtiva, 84,7 milhões estavam ocupados (dos quais 29,2 milhões considerados trabalhadores informais). Foi a ação política, especialmente popular e parlamentar que, em março de 2020, exerceu a pressão necessária para derrotar a proposta do governo, de concessão de um “voucher” de R$200, e garantir um auxílio emergencial de, pelo menos, R$600 (R$1.200 para família chefiada por mulher). Entre golpes e contragolpes, tais como o revés da financeirização da política de Assistência Social, com a criação do maior banco digital do mundo, porta da frente para a privatização fatiada da CAIXA (BRANDT & CISLAGHI, 2020)2 , foi esse auxílio, pago durante cinco meses, e sua extensão de R$300, paga durante os meses de setembro a dezembro de 2020, que garantiu o pão para aproximadamente 70 milhões de brasileiros. Entretanto, na pior fase da pandemia, em meio ao aumento exponencial do custo de vida, impulsionado pela alta do preço dos alimentos em torno de 15%, quase o triplo da taxa de inflação do país, esses trabalhadores permaneceram abandonados à sua própria sorte e, somente em março de 2021, o governo publicou Medida Provisória criando um auxílio emergencial, no valor de 1 IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD COVID19: novembro/2020: resultado mensal. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge. gov.br/visualizacao/livros/liv101778.pdf. Acesso em 05/05/21. 2 BRANDT, D. B.; CISLAGHI, J. F. Desmonte e financeirização da Seguridade Social em tempos de pandemia. In: MAURIEL, A. P. O.; KILDUFF, F.; SILVA, M. M. da; LIMA, R. S. (Orgs.). Crise, ultraneoliberalismo e desestruturação de direitos. Uberlândia: Navegando Publicações, 2020. Disponível em: https://www.editoranavegando.com/livro-crise-e-ultraneoliberalismo. Acesso em 05/05/21.


R$150 (R$250 para família e R$375 para família chefiada por mulher), a ser pago durante quatro meses, a partir de abril. Cabe destacar que esse valor corresponde a menos de ¼ do salário mínimo nacional (R$1.100) e menos de 5% do salário mínimo necessário (R$5.315), calculado pelo DIEESE. Além disso, será pago ao público que recebeu o benefício em 2020, sem permitir novos cadastros, por exemplo, daqueles que perderam seus empregos durante a pandemia. Diante desse cenário, nossas análises sobre o tempo presente devem servir a um projeto, alimento do estômago e do espírito, rumo a uma práxis de resistência ao projeto genocida em curso no país que, se não nos mata pelo COVID-19, o faz pela fome. A proteção da classe trabalhadora requer mais que vacina no braço, também comida no prato e, neste sentido, é fundamental que nossa luta defenda a retomada da centralidade do Sistema Único da Assistência Social, na condução das ações de transferência de renda, bem como a garantia de uma renda emergencial aos trabalhadores brasileiros durante a pandemia. Vacina, pão, ação!


Vacinas e suspensão das patentes Boris Vargaftig

Adaptamos, abaixo, um texto provindo da emissora francesa FranceInfo, que retrata as posições dos dirigentes das multinacionais que possuem vacinas contra a Covid-19. O Próprio Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, advogou publicamente alguma forma de suspensão das patentes, e foi criticado. As patentes representam as garantias dos capitalistas (e, no caso, raramente dos próprios inventores individuais) para o que denominam “retorno sobre investimentos”. Trata-se da consagração do direito de propriedade individual, o mesmo vigente para todas mercadorias produzidas no mundo, um código de boa conduta capitalista que pode, e é, frequentemente objeto de disputas nos tribunais. Um dos argumentos levantados, segundo um dos entrevistados, seria a relativa inoperância de uma interrupção da validade de uma patente quando não acompanhada por garantias à parte beneficiada, de fornecimento de insumos e transferência de tecnologia. Embora, para efeitos da polêmica, haja um exagêro no comentário, é bem verdade que sem tecnologia detalhada, fornecimento dos insumos, eventual apoio logístico, seria uma operação relativamente longa, que não satisfaz a urgência do momento. Por isso, parece-me que, no caso, a pressão deve ser por um fornecimento das vacinas a baixo custo, através de organismos teoricamente idôneos, como o pretende ser a Organizacao Mundial da Saúde (OMS). Ao mesmo tempo, combate pela suspensão das vacinas. Nestas condições, trata-se de uma operação em duas partes, e não duas etapas, pois simultâneas: a compra do produto final, e a suspensão real, em prazo prolongado, da vigência das patentes. Não esqueçamos que, no caso, somos os clientes, sem nós não há venda, o mercado abstrato tem um condicional - a existência do comprador. Isto, enquanto a estrutura que garante o lucro, o capitalismo, não é eliminado. Os laboratórios se opõem ao levantamento de patentes?1 O apoio dos EUA ao levantamento dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas Covid-19 é criticado pela indústria farmacêutica. A estimativa dos laboratórios é de que a medida pode desacelerar a produção de doses. A ideia de levantar patentes de vacinas anti-Covid ganhou força, após o apoio dos Estados Unidos à medida. Mas este projeto é rejeitado globalmente pelas empresas farmacêuticas. “O impacto de longo prazo é perigoso.” argumentou com a emissora FranceInfo o PDG de Moderna, Stéphane Bancel. O Presidente da Pfizer, Albert Bourla 1 Adaptação France Info, https://www.francetvinfo.fr/sante/maladie/coronavirus/ vaccin/vaccins-contre-le-covid-19-pourquoi-les-laboratoires-s-opposent-ils-a-une-levee-desbrevets_4614409.html .Tradução Lídia Codo.


acrescentou que “não era a favor de tal proposta”. Contudo, os lucros da indústria farmacêutica não seriam afetados “principalmente nos próximos meses”, garante Ian Gendler, da empresa de pesquisas Value Line. Porque então os fabricantes de vacinas se opõem à suspensão de seus direitos de propriedade intelectual? Porque os fabricantes de vacinas perderiam seu monopólio. Por enquanto, as patentes das vacinas contra a Covid-19 são detidas por alguns laboratórios, especialmente americanos, que as descobriram ou se associaram aos laboratórios de origem. Se essas patentes fossem canceladas, isso significaria que outros fabricantes ao redor do mundo poderiam produzir e comercializar as vacinas, sem que as empresas que as desenvolveram pudessem fazer nada a respeito, explicou o jornal Le Monde. Os fabricantes, portanto, temem ser privados do retorno do investimento significativo que fizeram durante a fase de pesquisa. Mas, “Eles se beneficiaram de bilhões de euros em ajuda pública para desenvolver suas vacinas”, comenta Maurice Cassier, pesquisador do CNRS, Centre National de Recherche Scientifique, francês. Defendemos que nenhuma vacina é puramente o resultado de pesquisa industrial, todos fabricantes se beneficiaram de pesquisas acadêmicas: a sociedade investe e eles embolsam. Por que segundo eles isso não iria acelerar a produção? A retirada de patentes não teria efeito “a curto e médio prazo”, segundo o laboratório alemão BioNTech, porque a proteção de patentes não é o fator que limita a produção e o fornecimento de sua vacina, desenvolvida com a americana Pfizer. “Dar aos países necessitados um livro de receitas sem os ingredientes, garantias e mão de obra qualificada não ajudará as pessoas que esperam pela vacina”, também afirmou Michelle Mcmurry - Heath, dirigente do lobby de sociedades de biotecnologia BIO. “Domine a tecnologia do RNA mensageiro, que é a base das vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna; adquira as máquinas; conduza testes clínicos; inicie a fabricação em larga escala. Isso não acontece em 6, 12 ou 18 meses”, defendeu da MODERNA, Stéphane Bancel. A nova tecnologia de RNA mensageiro pressupõe um processo muito longo e uma grande experiência técnica para montar um local de fabricação, destaca Albert Bourla. Ele enfatiza que, como essas vacinas nunca tinham sido produzidas antes, o problema é que não existem tais fábricas no mundo além das que construímos. Uma expansão da produção exigiria o estabelecimento de todo um regime de colaboração entre os grupos que desenvolveram as vacinas e os laboratórios necessários para reproduzí-las, afirma Anthony Fauci, conselheiro médico e imunologista da Casa Branca: “Isso exigiria inúmeros movimentos de vaivém, com a intervenção de advogados em cada etapa. Isso consumiria muito tempo. Em vez disso, o imunologista defende acordos de cooperação com [novos] centros de produção. Concordamos em que tudo demora, mas em necessária posição de força, os acordos são bem mais fáceis .


Por que isso criaria um precedente? Para o chefe da biotecnologia nova-iorquina Acorda Therapeutics, Ron Cohen, no apoio ao levantamento temporário de patentes: “Joe Biden embarca em uma ladeira perigosa e escorregadia. Quais serão as próximas patentes da lista que não serão mais protegidas uma vez que esse precedente seja estabelecido?”, diz ele ao anotar que o câncer ou o mal de Alzheimer também podem ser considerados “crises globais”. O sistema de propriedade intelectual, tal como existe, não está sendo ameaçado, qualificam especialistas entrevistados pela AFP. O economista Farasat Bokhari, da Universidade Britânica de East Anglia, acredita que suspender patentes para a vacina contra a Covid-19 “abre um precedente para as crises de saúde que virão”. Os laboratórios farmacêuticos, ajudados ou não com recursos públicos, não teriam mais incentivos para investir na próxima vez que houver uma emergência. Por que os laboratórios temem falta de matéria-prima? A Pfizer também destaca o estrangulamento para as matérias-primas dos componentes das vacinas. Afirma Albert Bourla, o chefe da Pfizer: “atualmente, o menor grama de matériaprima produzida no mundo chega diretamente às nossas fábricas, e não fica um dia no armazém antes de ser transformada em vacina. Cada dose, uma vez que a qualidade também não é armazenada por um dia siquer! Isso significa que, se outros lugares começarem a pedir também a matéria-prima, ela pode ficar em seus armazéns até que encontrem uma forma de convertê-la em doses de vacina”. Stephen Ubl, presidente da Federação das Companhias Farmacêuticas Baseadas em Pesquisa Americana (PhRMA), também argumenta que tal decisão: “enfraquece ainda mais as já tensas cadeias de abastecimento e estimula a proliferação de vacinas falsificadas. Como alternativa ao levantamento de patentes, a Pfizer-BioNTech favorece a transferência de tecnologia e a emissão de licenças direcionadas para aumentar a produção de sua vacina”. Ele enfatiza estar em estreita colaboração com mais de 15 parceiros nos laboratórios Merck, Novartis, Sanofi e Baxter. Nossas considerações finais O problema da crise sanitária atual e de outras que virão se insere numa dinâmica mais geral, a da dificuldade, senão impossibilidade, de resolver pontualmente os problemas da sociedade, via de regra, a resolução envolve o poder de classe social. Queremos nos libertar das patentes de vacina, mas surgiriam imediatamente outros obstáculos - os insumos, as tecnologias e as sabotagens. Somente a estatização dos meios de produção, com a instauração de um regime que a promova, mantenha e estenda, permitiria uma política coerente. Esta não existe hoje, se não em poucos países que a mantém, apesar de sua evolução em retorno ao capitalismo. Esse programa de transição contem reformas imediatas, e deve ter projeções futuras. Caso contrário, até mesmo as reformas eventuais obtidas pela luta desaparecerão na próxima virada social. Daí a luta pelo programa de transição, lutas de hoje, que se prolongam amanhã.


Parar Bolsonaro já! Fagner Torres

Em 25 de outubro de 2018, três dias antes do segundo turno das eleições presidenciais, declarei, na 83ª edição do podcast Lado B do Rio, que o Brasil vivia o momento mais dramático de sua República. O discurso, claro, não tinha o objetivo de apagar a gravidade de tempos anteriores, como os 21 anos de ditadura civil-empresarial-militar, mas traçar comparações entre períodos históricos. Para ficar neste exemplo específico, a nuvem de chumbo verde-oliva que pairou sobre o país entre 1964 e 1985 não fora eleita pelo povo, ao contrário da eleição de Jair Bolsonaro: um legítimo representante do que há de mais podre no esgoto político, uma herança dos porões dessa mesma ditadura. Mas que, àquela altura, significava uma conjunção de clamores depositados nas urnas, fossem eles populares - ainda que difusos e envenenados por uma mídia hegemônica por vezes obscena - ou burgueses - em seus rapinescos interesses de tomada do estado e pelas chamadas reformas. Quase três anos se passaram e o saldo de minha afirmação não apenas se mostra verdadeiro, como mais negativo do que poderia se prever. O Brasil se depara com o caos! Acumulamos 14,2 milhões de desempregados[1], índices galopantes de miséria[2], tentativas de censura a jornalistas[3], de aparelhamento das forças estatais de segurança[4] e de perseguição a opositores[5]; promovemos um desmonte de políticas tidas como consolidadas e de referência mundial, como a externa[6], ambiental[7] e social[8] - o que nos pôs na condição de pária; e choramos mais de 420 mil mortos, em sua grande maioria deliberados[9], pela pandemia da Covid-19, doença subestimada pelo Governo Federal, e que as maiores economias do mundo já combatem com vacinação em massa. Portanto, motivos não faltam para que Bolsonaro seja parado! O Brasil não merece ser a vergonha ou o cemitério do mundo. Nosso povo não pode pagar pela espera do calendário eleitoral com mais desespero, mais sangue e mais lágrimas. Vidas não esperam! Impeachment, vacina, pão e ação é o que precisamos. Já! 1. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/03/31/populacao-de-142-milhoes-de-desempregados-e-recordeaponta-ibge.ghtml 2. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/01/brasil-comeca-2021-com-mais-miseraveis-que-ha-umadecada.shtml 3. https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/bolsonaro-sugere-fechar-jornais-em-novo-ataque-a-liberdadede-imprensa/ 4. https://veja.abril.com.br/blog/radar/delegado-revela-interferencia-de-ramagem-a-mando-de-bolsonaro-na-pf/ 5. https://cimi.org.br/2021/04/governo-federal-persegue-tenta-calar-povos-indigenas-sonia-guajajara-denunciaapib/ 6. https://apublica.org/2021/04/podcast-pauta-publica/brasil-o-paria/ 7. https://economia.uol.com.br/noticias/afp/2021/05/05/supermercados-britanicos-e-europeus-ameacamboicote-ao-brasil-por-desmatamento.htm#:~:text=Supermercados%20europeus%20amea%C3%A7am%20boicotar%20 Brasil%20por%20desmatamento%20na%20Amaz%C3%B4nia&text=Grandes%20supermercados%20e%20 produtores%20de,desmatamento%20maior%20da%20floresta%20amaz%C3%B4nica. 8. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/04/23/sem-previsao-orcamentaria-censo-nao-serarealizado-em-2021-afirma-governo.htm 9. https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-sabotador/



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