As greves antes da “grève”: as paralisações do trabalho feitas por escravos no século XIX Antonio Luigi Negro Flávio dos Santos Gomes Dia ensolarado. O italiano Pascoal se aproxima do brasileiro Justino. Apelidado de “missionário”, o italiano usava um desses chapeletes de militante socialista. Com uma pá na mão, o operário — um negro — fez uma pausa no batente para olhar Pascoal nos olhos, ouvindo-o atento. Gesticulando com as mãos, compensando o sotaque carregado, o italiano viera atear fogo: criticou salários, incitou todos a largarem o serviço e a fazer a revolução. “Você, seu Pascoal” — argumentou Justino (também com seu sotaque próprio) — “está perdendo seu tempo. Eu não compreendo a língua estrangeira”. Tal como na charge de J. Carlos (publicada na revista Careta em 1917), imprensa, novelas e textos didáticos divulgaram para o grande público essa — fictícia — figura do italiano anarquista. Celebravam o mito do imigrante radical, uma fantasia em parte utópica e preconceituosa. Utópica porque os trabalhadores europeus não eram em sua maioria rebeldes nem se sentiam italianos. Ou seja, nem sempre eram anarquistas e tampouco se declaravam italianos. Na verdade, uma grande parte era de origem rural, não era composta de artesãos radicais ou trabalhadores de fábrica. Esses imigrantes não traziam consigo, em segundo lugar, uma maciça experiência de envolvimentos com partidos, greves e sindicatos. Havia, em acréscimo, divisões étnicas entre os imigrantes. Consequentemente, a desconcertante conclusão de Michael Hall é a de o nascente operariado industrial de São Paulo de origem imigrante ter contribuído para manter a classe operária em situação relativamente fraca e desorganizada. Muitos abraçavam identidades étnicas antes de mais nada, pois lhes assegurava um senso imediato de comunidade. Outros eram católicos e conservadores. Também aceitaram serviços cuja remuneração os brasileiros recusavam (1). O mito do imigrante radical é também um preconceito porque, entre silêncios e esquecimentos, impede que o trabalhador local (a começar pelo escravo) apareça como protagonista das lutas operárias. Figuras como a de Justino, que aparece trabalhando mas é pintado como alheio à pregação inflamada do italiano radical, personificaram o anti-herói conformista. Enquanto que Pascoal desembarca pronto para lutar, o operariado formado em solo brasileiro deve, nessa ótica, ou aceitar a liderança do imigrante ou ficar de fora; quase um fura-greve. Deste modo, as imagens do trabalhador estrangeiro, branco, anarquista e rebelde, assim como a do trabalhador brasileiro longe das lutas, não passam de uma representação caricata do operariado do início do século XX. Além disso, de acordo com esse mito do imigrante radical, a paralisação coletiva do trabalho seria algo tão inédito no Brasil que sequer haveria um termo disponível na língua portuguesa para nomear o fenômeno. Na falta dessa palavra, éramos obrigados a tomar de empréstimo aos franceses a palavra grève! No entanto, a paralisação do trabalho como forma de protesto e barganha foi sempre uma consequência tão espontânea e lógica da experiência dos trabalhadores que boa parte das línguas europeias possui uma palavra própria para designar o fenômeno. Assim, ingleses fazem strike. Já os espanhóis entram em huelga, enquanto que italianos, quando param o serviço, estão em sciopero. No Brasil do século XIX, as primeiras formas de suspensão coletiva das atividades ficaram conhecidas como paredes. Sem essa, portanto, de um Pascoal rebelde e um Justino que não fala o idioma da luta operária. Para nós, a emergência da classe trabalhadora não pode estar vinculada apenas à imigração.
QUANDO AFINAL SURGIRAM AS GREVES NO BRASIL? Há quem tenha indicado que a greve dos tipógrafos de 1858 foi a primeira greve do Rio de Janeiro. Será? Sabemos hoje que, um ano antes, os trabalhadores escravizados pertencentes ao Visconde de Mauá pararam o serviço da fábrica da Ponta d’Areia. Esta era um dos maiores estabelecimentos da cidade, com cerca de 10 oficinas e 600 operários, sendo 150 deles escravos. Contudo, apesar de noticiada na imprensa, não existem maiores informações sobre as reivindicações dos escravos. Era comum haver cativos e livres no mesmo espaço de trabalho. Dos operários registrados nas manufaturas do Rio de Janeiro entre os anos de 1840 a 1850 — em particular nas fábricas de vidro, papel, sabão, couros, chapéus e têxteis —, 45% eram escravos. Além disso, o recenseamento de 1872 apontou que, no Rio de Janeiro, havia mais de 2 mil cativos empregados como trabalhadores em pequenas fábricas. São várias as evidências de paralisações feitas por escravos. No final da década de 1820, cativos, africanos livres e outros trabalhadores pararam a Fábrica de Pólvora Ipanema, controlada pela monarquia. Reivindicavam melhorias nas condições de trabalho, incluindo diárias e dieta alimentar. No Rio de Janeiro, em abril de 1833, um levante numa caldeiraria trouxe apreensão quando os escravos enfrentaram a força policial, sucedendo tiros e mortes. Em 1854, Joaquim da Rocha Paiva foi testemunha e vítima da ação coletiva dos seus escravos. Tudo aconteceu na terça-feira, 5 de setembro. Foi na Fábrica de Velas e Sabão, sua propriedade na Gamboa. Um grupo de escravos “armados de achas de lenhas e facas” paralisou as atividades e reivindicou sua imediata venda para outro senhor. A decisão deles — ao que parece — não tinha motivo declarado. Há informações de que Rocha Paiva tentou negociar, propondo discutir o assunto no dia seguinte, enquanto alegava ser tarde da noite. Crioulos e africanos, na sua resposta, dirigiram-se ao proprietário “em tom alto”. Esclareceram “que não queriam esperar por que aquilo era negócio de ser decidido logo”. A decisão final do proprietário apareceu não num acordo, mas sim na rápida repressão policial de quase cem homens, que assustou os moradores da Corte, e chamou a atenção da imprensa. Chegando a força policial à fábrica, os escravos se entregaram às autoridades sem opor resistência. Talvez julgassem que, sendo presos, ficariam todos juntos, afastados daquela fábrica por algum tempo e depois poderiam ser vendidos, como desejavam. Em 1858, na rua da Saúde, um outro grupo de escravos que trabalhava num armazém de café se insurgiu contra seu proprietário, Manuel Ferreira Guimarães. Igualmente, paralisaram o trabalho
e se fizeram ouvir: neste caso, não queriam ser vendidos. Sabedores das dificuldades financeiras de seu senhor com o armazém, os escravos não concordavam em ser vendidos, talvez prevendo que seu destino poderia ser as fazendas de café no interior da província. Experientes no trabalho urbano, rejeitavam a venda para as áreas rurais. Permanecer na cidade poderia significar não simplesmente ficar longe dos cafezais, mas manter arranjos familiares e laços de amizade. Queriam permanecer juntos. Por causa disso o armazém parou. Como resultado, os escravos sofreram represália imediata: foram levados para a Casa de Detenção. Quando deixamos de lado a grève e mito do imigrante radical e nos dedicamos, em seguida, à pesquisa, encontramos paredes feitas por trabalhadores escravos ou trabalhadores livres nascidos e crescido em solo nativo. Desse modo alargamos nossa visão e percebemos outras formas de protesto dos trabalhadores. Antes da grève,a parede dos escravos conseguia pressionar por melhores condições enquanto suspendia, temporariamente, os serviços; negociando também o retorno ao trabalho. Por isso mesmo, algumas fugas — inclusive as escapulidas curtas e individuais — eram eficazes como forma de negociação entre senhores e escravos. Aqui e ali, sumindo pelas falhas do sistema, mas deixando suas pistas em anúncios de jornal pagos por senhores que reclamavam o seu retorno, os cativos fugiam. Em tais anúncios, havia informações, que eram fornecidas pelos senhores, sobre a identidade e os costumes dos escravos em fuga (sinais e marcas específicas, os seus hábitos, possíveis paradeiros). Revela-se, assim, a mútua percepção de poderes, deveres e estratégias, senhoriais e escravas, de controle e protesto. Quando calculavam que era hora de parar de trabalhar, os escravos fugiam. Eram, às vezes, escapadas que duravam dias, ou um final de semana. Mesmo provisórias, eram cheias de tensões, castigos, concessões e riscos (para senhores e escravos). Era comum proprietários esperarem alguns dias para anunciar fugidos ou contratar capitães do mato. Tempo suficiente para que alguns fujões voltassem apadrinhados por senhores influentes e vizinhos de seus sinhôs. A um padrinho cabia interceder invocando generosidade e tolerância. Se possível, o escravo ganhava o que desejava: uma melhoria nas condições do cativeiro. No mínimo, o escravo que regressava queria evitar castigos ou vinganças. Políticas dos senhores e políticas dos escravos acabam assim redefinidas: uma relação até pouco tempo atrás bem pouco conhecida.
Episódios aparentemente sem maior expressão como fugas temporárias, bebedeiras, desordens, ofensas físicas talvez escondam aspectos decisivos da cultura escrava, guardando expectativas relacionadas ao ritmo do trabalho, ao controle senhorial, à disciplina e ao lazer. Em épocas que
antecediam as festas religiosas, aumentava a incidência das fugas. No emaranhado da polêmica definição sobre a criminalidade escrava, podemos ver a gestação de uma identidade grupal coletiva. Numa amostra de cativos recolhidos na Casa de Detenção em 1863, podemos verificar, entre suas motivações, a prisão tanto “a pedido” quanto por “insubordinar-se”, ou mesmo “queixar-se”. Estamos, talvez, diante da formação de uma cultura de classe urbana entre os escravos, haja vista o alto número de cativos domésticos, cozinheiros, lavadeiras etc. Podiam ser cativos que se insurgiam, no âmbito doméstico, contra seus senhores (e assim eram remetidos à Detenção). Mas também podiam ser cativos que procuravam as autoridades policiais para defender o costume de alguma relação de trabalho, que consideravam desrespeitado. A lavadeira crioula Ludovina, por exemplo, procurou as autoridades policiais três vezes no mesmo ano. No registro prisional feito, está marcado seu crime: “queixar-se”. Reclamar, no caso de Ludovina, poderia ser a tentativa de protestar contra o seu senhor ou seus clientes. Isto era crucial, em particular no caso de escravos urbanos, muitos dos quais “ao ganho”, isto é, aqueles que, por si mesmos, alocavam os seus serviços no mercado. E recebiam por isso, transferindo uma parte de seu ganho ao senhor, que nada fazia. Eram os carregadores, as quitandeiras e os vendedores ambulantes. Depois de trabalhar, tinham de dar ao seu senhor uma parte de seus ganhos. Entre aqueles presos por “queixar-se” (certamente acusados de insolentes), temos um grande número de mulheres lavadeiras. Incluindo africanos, índios, brasileiros e imigrantes, juntar as experiências de trabalhadores livres e escravos é o melhor caminho para contornar preconceitos. Podemos chamá-las de invenção da liberdade, num mundo marcado pela escravidão. GREVE NEGRA Com certeza, os motivos das queixas, protesto e negociação dos escravos iam além do ambiente e da lida domésticos. Estudando revoltas e movimentos sociais em Salvador, João Reis revelou uma greve de carregadores em 1857. Em resposta a mudanças legais que interferiram nas relações entre senhor e escravo e na forma de organização do trabalho, o que estava em jogo era uma intensa disputa com o poder público: o controle das práticas e costumes do trabalho urbano de escravos e libertos ao longo do século XIX pela administração municipal. Não por acaso, João Reis a chamou de “greve negra”. Centenas de africanos “ao ganho” — a maior parte africanos ocidentais: os “nagôs” — paralisaram por duas semanas o porto e o setor de abastecimento e transporte. Lutavam não por salários nem pelo fim de castigos. Opunham-se a uma legislação que visava controlar sua lida, com dispositivos que interferiam na organização de seus espaços de trabalho — os cantos. Os grevistas se opunham à determinação da Câmara Municipal que exigia o uso de chapas de identificação individual. Estas, com certeza, foram vistas como mais uma estratégia de controle sobre seus costumes, seus valores, suas vidas, seu trabalho. Foram duas semanas de tensões e expectativas, com os senhores inclusive divididos. Amplamente acompanhada pela imprensa, a parede foi marcada pelo recuo das autoridades (2). PROTAGONISTAS NA LUTA DE TRABALHADORES Se havia greves antes da chegada dos imigrantes, também não foram um fenômeno urbano apenas. Na verdade, não só houve paralisações na área rural como também podiam dar continuidade a lutas anteriores, que prosseguiam sob novas formas — e em novas condições — sem para isso depender da militância de imigrantes europeus. Em Pernambuco (em 1919), mesmo submetidos à mais aguda exploração, os trabalhadores da zona açucareira sustentaram uma greve maciça. Ainda que não existam referências às suas identidades, eram descendentes de escravos e libertos, mestiços e negros. Sobre essa corajosa iniciativa, o jornal Clarté publicou a notícia «O trabalhador agrícola em Pernambuco». Nesta, afirmou que, embora detratado como indolente e estúpido, o trabalhador rural era «o primeiro fator das fortunas dos usineiros». A greve mostrou a força desses trabalhadores sofridos e humilhados. Trabalhavam em farrapos, tinham dívidas com o armazém dos engenhos, sua dieta alimentar era pobre e praticamente não recebiam assistência dos poderes públicos. Queriam jornada de oito horas de trabalho, aumento salarial, reconhecimento sindical e fim de punições. Os usineiros fecharam suas associações à mão armada (3). Fica claro assim que nem só de italianos viveram as primeiras lutas operárias do Brasil. Os negros vieram, antes de mais nada, para trabalhar e podiam possuir ou adquirir ofício. Eram vitais em seu local de trabalho, no campo ou na cidade. Sua rebeldia, igualmente, era crucial para mobilizações e protestos da classe trabalhadora. Além das manifestações culturais pelas quais são conhecidos (como a arte e a religiosidade), os trabalhadores negros e seus descendentes pro-
tagonizaram experiências de greve que, felizmente, são cada vez mais reveladas pela pesquisa histórica. Antonio Luigi Negro é historiador, professor associado do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Flávio dos Santos Gomes é historiador, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Hall, M. “Immigration and the early São Paulo working class”. In: Jahrbuch für geschichte von staat, wirtschaft und gesellschaft Lateinamerikas, 12, 1975. 2. Reis, J. “A greve negra de 1857 na Bahia”. In: Revista USP, 18, 1993. 3. Arquivo Edgard Leuenroth. “O trabalhador agrícola em Pernambuco”. In: Clarté, 1, 1921, p. 2123. Esta matéria encontra-se transcrita no livro de Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, A classe operária no Brasil. Vol. 2. São Paulo, Brasiliense, 1981. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Castellucci, A. Industriais e operários baianos numa conjuntura de crise (1914-1921). Salvador, Fieb, 2004. Gomes, F. dos S. Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995. Mattos, M. B. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro, Bom Texto, 2008. Negro, A. L.; Gomes, F. dos S. “Além de senzalas e fábricas: uma história social do trabalho”. In: Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, 18, 1, 2006. Negro, A. L. “Rodando a baiana e interrogando um princípio básico do comunismo e da história social: o sentido marxista tradicional de classe operária”. In: Revista Crítica Histórica, 5, 2012. Hall, M. “Entre a etnicidade e a classe em São Paulo”. In: Carneiro, M. L. T.; Croci, F. (Org.). História do trabalho e histórias da imigração. Trabalhadores italianos e sindicatos no Brasil (séculos XIX e XX). São Paulo, Edusp, 2010.
Textos de apoio: História do movimento sindical Texto I: O surgimento dos sindicatos1 Os sindicatos surgiram na Inglaterra como resultado de uma dura experiência de luta da classe operária. A Inglaterra foi o primeiro país industrializado do mundo. Os operários não entendiam porque produziam toda a riqueza da sociedade e tinham uma vida miserável. A primeira forma de reação à exploração se deu através do roubo, que foi o primeiro e inconsciente protesto individual à ordem social capitalista. Com a introdução da maquinaria em grande escala, os operários passaram a destruir as máquinas e a perseguir os inventores. Essa forma de luta também se mostrou limitada e a sociedade se colocou contra os operários. O gesto de revolta foi considerado crime, punido até com a pena de morte e muito operários foram enforcados. A Revolução Francesa de 1789 abre um novo período histórico mundial. Na Inglaterra surgem as primeiras sociedades secretas de operários. Suas lutas não deram muitos resultados, mas foram as primeiras experiências de luta coletiva da classe operária. Em 1824 é aprovada uma lei reconhecendo o direito de associação dos trabalhadores. Surgem então as uniões operárias, que foram os primeiros sindicatos que se tem notícia. Na medida em que surgiam as associações sindicais, os capitalistas começaram a pressionar e obrigar os operários a renunciar à luta sindical. Assim, várias associações foram extintas. Isso demonstra como foi árdua a luta dos operários pela sua organização nos sindicatos. O capitalismo entrou na segunda metade do século XVIII numa nova fase de expansão conhecida como Revolução Industrial. Até meados do século o capitalismo apoiava-se na produção manufatureira. A manufatura significou um grande avanço frente à produção artesanal. No estágio manufatureiro, os capitalistas exploravam os operários numa escala mais ampla, utilizando uma oficina ampliada, reunindo centenas de homens sob uma aperfeiçoada divisão do trabalho. No entanto, nesse estágio técnico da produção ainda não se utilizavam máquinas ou mecanismos automáticos. Por volta de 1760, na Inglaterra, se começa a modificar as bases técnicas da produção. As antigas ferramentas dos artesãos começam a ser substituídas pelas máquinas. Esta inovação se efetua primeiro na indústria têxtil. Em 1785 é inventada a máquina a vapor, que começa a ser utilizada como força motriz em diversos ramos industriais. Isso permitiu que as fábricas – até então instaladas à beira dos cursos d’água que forneciam a energia necessária – passassem a ser instaladas nas cidades. A produção concentra-se cada vez mais. As pequenas oficinas de tecelagem e fiação não suportaram a concorrência e foram desaparecendo progressivamente; os artesãos são substituídos por um número cada vez maior de proletários, trabalhadores assalariados. No início do século XIX, já estavam desenvolvidas as duas classes fundamentais e antagônicas 1
Texto baseado nos artigos do Jornal Opinião Socialista, 2.006, Série “Luta Operária”.
que vieram a compor a sociedade: de um lado os capitalistas, que são proprietários dos meios de produção, tais como máquinas e matérias-primas, e que vivem da exploração da grande massa da população; e, de outro, os proletários, que se encontram privados da propriedade dos meios de produção e que só dispõem de sua força de trabalho, isto é, da sua capacidade de produzir. Sob o capitalismo, essas classes passaram a travar uma luta permanente. Sem ter nada mais do que dispor a não ser sua força de trabalho, os operários encontram-se atados a uma relação completamente desigual perante o capital. A princípio, não dispõem de nenhum meio de resistência eficaz a essa pressão. No entanto, a grande força social que possuem é, em contrapartida, o número. Mas essa força numérica é anulada pela desunião, que tem sua origem e é mantida pela concorrência dos operários entre si na busca pelo emprego e por melhores salários. Os capitalistas, por sua vez, embora em número reduzido, encontram-se sempre unidos e coesos na defesa da propriedade privada e dos lucros. Os operários serão forçados a encontrar um meio de resistência eficaz contra essa pressão constante pela baixa de salários. Os sindicatos nascem justamente dos esforços da classe operária na sua luta para impedir que os níveis salariais se coloquem abaixo do mínimo necessário para a manutenção e sobrevivência do trabalhador e de sua família. Os operários unidos em seu sindicato passam a se colocar de alguma maneira em pé de igualdade com os capitalistas no momento da venda de sua força de trabalho, evitando que o patrão trate com eles de forma isolada. Os sindicatos surgem, portanto, como associações criadas pelos operários para a sua própria segurança, para a defesa contra a exploração incessante do capitalista. O sindicalismo não se limitou à Inglaterra. Junto com o desenvolvimento do capitalismo industrial e do proletariado, já na segunda metade do século XIX, alcançou importantes países como a França, Alemanha e os EUA.
Texto II: O surgimento do movimento sindical no Brasil2 A classe operária no Brasil começa a se desenvolver no final do século XIX, resultado das transformações econômicas, sociais e políticas da época. A mão-de-obra escrava negra foi sendo substituída pela europeia, atraída para trabalhar nas fazendas e nas indústrias que se desenvolviam nas cidades. Os primeiros núcleos operários surgiram principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, formados em sua maioria por imigrantes vindos da Itália, Espanha e Portugal. As condições de vida e de trabalho eram extremamente difíceis. Os salários eram baixos e a jornadas de trabalho eram de 12 a 15 horas por dia, sem direito ao descanso nos finais de semana e feriados. Sem contratos de trabalho, as demissões aconteciam verbalmente e a qualquer momento. Os patrões não se responsabilizavam por doenças ou acidentes de trabalho. Nas fábricas, os operários recebiam ameaças, castigos e multas. Quando alguém ficava doente era socorrido por meio de listas. Os aluguéis eram caros e vivia-se em cortiços sem água, luz e esgoto, geralmente perto 2 Texto baseado nos artigos do Jornal Opinião Socialista, 2.006, série “Luta Operária”; “O Movimento Sindical de 1930 a 1945: Fim do sindicato independente e montagem da estrutura sindical corporativa”, Apostila do Sind-Rede-BH e Caderno de Resoluções do CONAT.
das fábricas. As primeiras organizações que surgiram foram associações de socorro mútuo, que tinham por finalidade as obras assistenciais e a ajuda recíproca nos problemas de saúde, acidentes etc. Foram as primeiras formas de organização da classe operária. Depois vieram as ligas operárias, que começaram a ultrapassar os limites do assistencialismo. Mais tarde apareceram as sociedades de resistência, que eram núcleos mais homogêneos surgidos das primitivas ligas. Nos primeiros anos do século XX, as associações de resistência evoluíram e deram origem aos sindicatos. A Primeira Guerra Mundial (1914) afetou profundamente a economia do país e a vida dos trabalhadores. Começaram a faltar alimentos e produtos industrializados vindos da Europa; a inflação aumentou e os aluguéis subiam de preço. O movimento operário começou a reagir. No início de julho de 1917, a partir de uma mobilização numa indústria têxtil de São Paulo, uma grande greve se alastra pelas fábricas de Itaquera, Cotia e Ribeirão Pires. O governo reprimiu com violência o movimento. Um sapateiro morreu nos conflitos, provocando uma reação imediata. Seu enterro se transformou numa manifestação de revolta, com mais de 10 mil pessoas. A manifestação desandou e começou uma onda de saques. O comércio fechou as portas e os armazéns dos bairros foram atacados. Foi a primeira greve geral em nosso país. O governo não conseguiu vencer o movimento com a repressão. Prometeu um aumento de 20% dos salários, nenhuma perseguição ou punição aos grevistas, cumprimento da jornada de oito horas e proibição do trabalho noturno para mulheres e menores. As promessas não foram cumpridas e os patrões demitiram os grevistas. Mas a greve geral transformou-se num exemplo de luta para a classe trabalhadora do país. O PCB Em 1.922 foi fundado o PCB – Partido Comunista Brasileiro. Formado principalmente por ex-dirigentes anarquistas, o PCB surge como um partido capaz de centralizar e reunir a ação política da classe operária para destruir o Estado e conquistar o poder político, rompendo a visão “economicista” e “apolítica” da ação direta defendida pelos anarquistas. O PCB teve um período breve de atuação legal. Em julho de 1922 em razão das reivindicações operárias e de uma rebelião de tenentes do Forte de Copacabana foi decretado o estado de sítio, a sede do PCB foi fechada e o Partido passou à ilegalidade. Em 1930, uma mudança política importante acontece. Getúlio Vargas, apoiado em setores descontentes do patronato, da classe média e das forças Armadas (o movimento dos tenentes) deu um golpe de estado e, furando o esquema das eleições presidenciais, assumiu o poder. A ERA VARGAS O período 1930 a 1945 foi o período da consolidação da economia capitalista e de criação de um estado burguês forte e centralizado. Foi também o período da destruição do sindicalismo livre e da
criação e consolidação do sindicato corporativo, atrelado e submetido ao governo, que existe até hoje. As leis que começavam a definir uma regulamentação para as relações entre operários e patrões vinham desde antes de 1930, mas foi a partir de 1930, com a chegada ao poder de novos setores das classes burguesas, que elas tiveram um impulso decisivo. A REDEMOCRATIZAÇÃO DOS ANOS 1940 E A RETOMADA DAS MOBILIZAÇÕES Nos primeiros anos da década de 40 o Brasil volta a viver um período de democratização. Em 1943 é criada a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1945 o PCB, novamente legalizado, participa das eleições e tem um excelente resultado, alcançando 10% dos votos, refletindo a retomada das lutas operárias e o prestígio da União Soviética na derrota do nazismo. O PCB elegeu 15 deputados federais, sendo Luís Carlos Prestes o senador mais votado. Em menos de dois anos de vida legal, se transformou num partido majoritário em importantes centros do país, chegando a ter em torno de 200 mil filiados. Após as eleições as greves aumentaram, ultrapassando o sindicalismo oficial e a linha conciliatória do PCB com o governo. Nos anos que se seguiram foram criadas inúmeras organizações sindicais. O GOLPE DE 64 A partir do golpe de 1964 o processo de desenvolvimento do movimento sindical foi interrompido. Ao lado das prisões, intervenção e até extinção de sindicatos, começou a se fazer cumprir toda a legislação sindical, em boa parte deixada de lado no período anterior. Os sindicatos ficaram completamente atrelados ao estado. Logo, proibiu-se o direito de greve (Lei 4.330 de junho de 1964); as negociações salariais entre os sindicatos e patrões foram substituídas por decretos do governo, que passou a fixar os índices de aumentos salariais; a estabilidade decenal (após 10 anos) foi substituída pela lei que instituiu em 1966 o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), permitindo demissões em contraprestação ao pagamento de uma indenização no valor de 40% do FGTS; e, por fim, a reformulação da Lei de Remessa de Lucros, que facilitou o envio dos lucros das multinacionais ao exterior. Somente a partir de 1968 é que o movimento operário retoma a cena política, com a eclosão das greves dos metalúrgicos de Contagem/MG e Osasco/SP. O governo reage e edita o Ato Institucional nº 5 (AI-5), restringindo ainda mais as liberdades políticas no país. O movimento operário passou então a se organizar no chão das fábricas, através de grupos clandestinos e reivindicações específicas. Em alguns lugares, se combinaram com a construção das oposições sindicais, que tiveram um papel de suma importância em todo o período que se seguiu. Em 1977 o movimento estudantil sai às ruas engrossando as lutas contra a ditadura. Vem à tona a denúncia de que o governo vinha manipulando os índices de inflação e começam as mobilizações por reposição salarial. Em 12 de maio de 1978, os trabalhadores da Scania entraram em greve, afrontando a Lei Antigreve. Em junho e julho, outras greves ocorreram. Em outubro, os
metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos também paralisaram suas atividades. Em março de 1979, a onda grevista cresceu, sendo deflagrada a greve geral dos metalúrgicos do ABC. O governo decretou a intervenção nos sindicatos e as diretorias foram cassadas, mas, ao contrário do que se pensava, a greve ganhou novo impulso. Sob a liderança de Lula, o 1º de maio unitário reuniu 100 mil pessoas. Após 41 dias de greve, foi negociada a volta das lideranças cassadas. O SURGIMENTO DO PT, DA CUT E DO “NOVO SINDICALISMO” Em 1980 foi fundado o PT, um partido de trabalhadores independente, já que o PCB seguia atrelado aos setores “progressistas e democráticos” da burguesia (no caso, no MDB – partido burguês de oposição legalizado durante a ditadura). Em 1981, foi realizada a I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), reunindo mais de 5 mil delegados. Na Conferência foram aprovados um plano de lutas e a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o que veio a ocorrer em 1.983. A CUT surge como uma organização democrática e de luta, defendendo a autonomia dos trabalhadores frente ao estado e aos patrões e reunindo os setores mais combativos do movimento sindical, mas, por força de sua direção (a corrente de Lula no PT), já em 1988 a Central começa a se burocratizar. O III Concut, realizado em 1988 em Belo Horizonte/MG, foi o último congresso de massas da Central e o maior da história do movimento operário no Brasil. O congresso se polarizou em torno às questões estatutárias, particularmente, sobre a participação das “bases” nos congressos. No pano de fundo do debate estava a perspectiva de transformação da CUT numa central com perfil negociador e de conciliação. Um salto nessa tendência acontece nos anos 90. Mas, com a vitória de Lula em 2.002, não só aumenta a crescente incorporação de dirigentes sindicais às estruturas de governo, mas a participação direta destes na administração de importantes fundos de pensão e em diretorias de empresas estatais. Aprofunda-se, dessa forma, o distanciamento da Central das estruturas sindicais de base, assim como, na prática, a proximidade a um modelo de sindicalismo anteriormente rechaçado: o sindicalismo de negócios.
APÊNDICE: Veja a seguir as principais leis e instituições cuja criação vieram a influenciar o movimento sindical e a organização dos trabalhadores no Brasil. Antes de 1930 1907 – Lei permitindo a criação de sindicatos profissionais. Não permitia a interferência do Estado (e do governo) nas relações trabalhistas. 1911 – Criação do Departamento Estadual do Trabalho, que na prática, não existiu. Tinha uma co-
missão de Legislação Social para fazer uma elaboração sistemática de uma legislação trabalhista. 1919 – Lei Eloy Chaves. Criação de Caixas de Aposentadoria e Pensões e estabilidade aos 10 anos para ferroviários. A estabilidade depois foi estendida aos portuários e marítimos. Esta legislação, posteriormente, serviu de base à regulamentação de diversos institutos de previdência (industriários, comerciários etc.). 1923 – Criação do Conselho Nacional do Trabalho. 1925 – Lei das férias: previa férias anuais de 15 dias. Os patrões reagiram e não aplicavam a lei. 1926 – Código de menores: regulamentou as condições de trabalho do menor. Após 1930 1930 – Criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Sua função era estudar e racionalizar as questões referentes às leis trabalhistas e cuidar de sua aplicação. Era considerado um instrumento chave para a implantação da política sindical do novo governo. 1931 – Lei dos dois terços – obrigava as empresas a contratarem um mínimo de dois terços de operários brasileiros, isto é, só sobrava um terço para operários de origem estrangeira. A intenção era diminuir a presença da camada mais combativa (de origem estrangeira) nas fábricas. 1931 – Criação do Departamento Nacional do Trabalho (regulamentado em 1934) para a execução e fiscalização. 1932 – LEI DOS SINDICATOS: A Lei estabelecia os sindicatos como órgãos de colaboração de classes e de cooperação técnica com o governo. Estabelecia ainda a subordinação ao Ministério do Trabalho pelos seguintes mecanismos: - carta de reconhecimento; - estatutos submetidos ao Ministério do Trabalho (MT); - relatórios anuais das atividades, das finanças e entrega de listas de sócios; - concessões e contratos coletivos de trabalho; - o delegado do MT podia assistir as assembleias e examinar as finanças de 3 em 3 meses; - multas, intervenções e destituições das diretorias; - MT poderia fechar definitivamente os sindicatos; - MT controla as eleições sindicais.; Pela Lei, só poderia existir um sindicato único por categoria e por base territorial e a organização sindical era vertical (como uma pirâmide): - um único sindicato por categoria e por região (unicidade sindical); - cada três sindicatos ou mais podem formar uma federação (estadual); - cada 5 federações podiam formar uma confederação (nacional); As limitações eram muitas. Os sindicatos não podiam ter funções e fazer propagandas políticas; era proibida a ligação com entidades internacionais; a função do sindicato era assistencialista; obrigava
a ter os dois terços de brasileiros também para os sócios dos sindicatos e era proibida a filiação de funcionários públicos e trabalhadores rurais. É criado o imposto sindical – contribuição compulsória de 3% – para a sustentação dos sindicatos. Com pequenas modificações esta é a legislação que existe até hoje sobre os sindicatos. 1932 – Carteira profissional. Era necessária tanto para que o operário ficasse sócio de um sindicato, como para obter as suas férias ou para apresentar queixas nas juntas de conciliação. Antes, os trabalhadores recebiam carteiras dos sindicatos que serviam para o cálculo de férias. A nova lei desautorizava, tirava o valor das carteirinhas sindicais. A única carteira reconhecida passava a ser aquela emitida pelo serviço de Identificação profissional, do Departamento Nacional do Trabalho. A carteira profissional foi criada, portanto, para enfraquecer os sindicatos existentes, para obriga-los a se submeterem à nova organização sindical. Surgiu, portanto, como instrumento de controle e dominação sobre o movimento operário. 1932 – Criação das Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento para analisar os conflitos trabalhistas e tentar impedir as greves. É a origem da Justiça do Trabalho. 1932 – Juntas de Conciliação e Julgamento. 1932 – Convenção Coletiva de Trabalho, firmada entre sindicatos patronais e de trabalhadores. Em 1.934 é promulgada uma Constituição a partir da reunião de uma Assembleia Constituinte. Os sindicatos continuam sendo “órgãos de colaboração com o Estado” e têm que passar pela peneira do Ministério do Trabalho. 1934 – Participação do governo no sistema previdenciário, ao lado dos patrões e dos trabalhadores. 1935 – Lei de Segurança Nacional. Lei que definia e colocava na ilegalidade todo movimento dirigido para mudar a ordem constituída e que facilitava a repressão ao movimento operário. 1936 – Estatuto-padrão. Todos os sindicatos devem ter um único tipo de estatuto. 1937 – Golpe político de Getúlio Vargas. Constituição do “Estado Novo”. Decretação da lei de greve que colocava na ilegalidade quase todo tipo de movimento grevista. 1939 – Criação da Justiça do Trabalho. 1939 – Exigência de atestado ideológico para os candidatos a cargos sindicais. 1940 – Imposto Sindical – Um dia de salário descontado anualmente de todos os trabalhadores de uma categoria, sindicalizados ou não. Este dinheiro era revertido para o funcionamento dos sindicatos, federações e confederações. Esta medida inundou os sindicatos oficiais de dinheiro, favoreceu o desenvolvimento de uma política assistencialista (dar assistência médica, dentária e jurídica aos associados), permitindo a existência de sindicatos fantasmas (sem associados), a corrupção e o acomodamento dos dirigentes sindicais. A intenção era fortalecer os sindicatos oficiais, atraindo, com o assistencialismo, novos associados para o sindicato oficial. 1940 – Salário Mínimo. Os operários já lutavam há anos por salários mínimos profissionais. Pela nova lei, passava a existir um critério único, determinado pelo governo, de quais seriam as neces-
sidades básicas e mínimas dos trabalhadores. Isto nivelou os salários por baixo e também retirou dos trabalhadores o papel definidor de quais seriam as suas necessidades fundamentais e profissionais. Não é à toa que no cálculo do salário mínimo feito pelo governo não entravam os itens educação e lazer. 1943 – Aparece a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É a reunião de modo organizado e sistemático do conjunto das leis trabalhistas.
Texto III O SINDICALISMO BUROCRÁTICO (DE ESTADO) NO BRASIL3 Essa situação, no Brasil, tem peculiaridades que não são secundárias. Diferente da realidade europeia, onde prevalece o sindicalismo social-democrata que surgiu independente do Estado, a experiência de organização operária independente do Estado no Brasil, dirigida principalmente pelos anarquistas e comunistas no início do século passado, foi completamente dizimada na era Vargas. E foi substituída por uma estrutura oficial, instituída pelo Estado, com objetivos declarados de controlar e disciplinar os trabalhadores aos objetivos do capital. Getúlio Vargas, que chega ao governo em 1930, adota como uma de suas metas fundamentais “retirar o Brasil do atraso econômico”, através de um ambicioso projeto de desenvolvimento que, sem abandonar os setores mais fortes da economia até então (agroexportador), buscava privilegiar o setor industrial. Precisava organizar e disciplinar os trabalhadores para permitir o crescimento da indústria em bases minimamente estáveis. E, pela mesma razão, derrotar o movimento sindical até então existente, que era bastante combativo e independente em relação ao Estado. Para isso retoma e desenvolve um processo que já vinha de antes, de consolidar em leis os direitos que vinham sendo conquistados pela luta encarniçada da classe trabalhadora, tratando de fazer parecer que se tratava de concessões espontâneas de seu governo aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, trata de impor um novo modelo de organização sindical, baseado não mais na premissa de independência de classe que caracterizava o movimento anterior, e sim na ideia da colaboração de classes, tendo o Estado como mediador natural dos conflitos surgidos entre elas. Heloisa Martins em “O Estado e a Burocratização do Sindicato no Brasil”, editora Hucitec, faz uma boa descrição de todo este processo. Mostra como Getúlio enfrentou os setores mais atrasados da burguesia daquela época... “Cristalizara-se a mentalidade política, predominante na orientação governamental, que julgava o problema operário, no Brasil, simples caso de polícia. Era natural que, em ambiente tão pobre de visão social, não encontrassem eco as reivindicações trabalhistas, mesmo as mais elementares, que constituíam conquistas incorporadas à legislação da maioria dos países cultos” (Getúlio Vargas, A nova Política do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1938, vol. III, pg. 139 – citado por Heloisa Martins). E mostra também que as autoridades de então tinham uma clara noção de que era preciso intervir para evitar o descontrole da situação da luta de classes... “é preciso atentar nas condições atuais, bem diversas daquelas. A população cresceu; as condições de trabalho se modificaram; iniciou-se um período de vida industrial mercê da política protecionistas começaram a aparecer, inevitavelmente, os conflitos entre o capital e o trabalho. O Governo não podia ficar indiferente a este estado de coisas, perturbador da ordem social. Devia e cabia-lhe intervir” ... “É que a era do individualismo econômico estava definitivamente encerrada”. (“Ministério da Revolução”, Boletim do Ministério do 3
Extraído de “Os Sindicatos e a luta contra a burocratização”. ALMEIDA, José Maria. São Paulo: Sundermann, 2007
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 4, dezembro de 1934, pg. 98-99, idem). Por outro lado, as autoridades mostravam também plena consciência do papel da estrutura de organização que estavam construindo, na defesa dos interesses do capital... “Considerando em seu conjunto e alcance, o programa desenvolvido pelo Governo provisório, em matéria de trabalho e organização social, orienta-se num sentido construtor e fugindo a experiências perigosas. Resultaria absurdo concluir que o inspira a intenção de hostilizar as atividades do capital, que, pelo contrário, precisa ser atraído e garantido pelo poder público. O melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o proletariado em força orgânica, capaz de cooperar com o Estado e não deixar, pelo abandono da Lei, entregue à ação dissolvente de elementos perturbadores.” (Getúlio Vargas, idem, vol. III, pg. 148, idem). Para que não reste dúvida, aí vai trecho de um discurso de Getúlio Vargas em 1931 “As leis há pouco decretadas, reconhecendo as organizações sindicais, tiveram em vista, principalmente, seu aspecto jurídico, para que, em vez de atuarem como força negativa, hostis ao poder público, se tornassem, na vida social, elemento proveitoso de cooperação no mecanismo dirigente do Estado”. Mais claro impossível. Mesmo aquela que aparece até hoje como a principal função do sindicato - negociar e contratar em nome dos trabalhadores - era uma função que já nascia sob este mesmo signo: “o contrato ou convenção coletiva do trabalho não é somente uma conquista moral e jurídica em favor dos trabalhadores; constitui, também, norma imprescindível a toda organização industrial, visto condicionar a luta dos interesses individuais e patronais a um conjunto de regras resultantes de um nível comum estabelecido para as condições da produção.” (Getúlio Vargas, idem, Vol.III, pg. 145). Disciplinar a força de trabalho visando facilitar o processo de industrialização do país e impedir que os trabalhadores fossem tomados por ideias “perturbadoras da ordem”, ou seja, fazer com que se impusesse a ideia da conciliação ao invés do conflito entre as classes. Estes eram os objetivos, aliás bastante explícitos, por parte das autoridades de então, que levaram a adoção de um conjunto de leis trabalhistas, de uma ampla legislação sobre organização sindical e de relações de trabalho (contratação e negociação coletiva) e inclusive à constituição da Justiça do Trabalho, na era Vargas. A legislação sobre organização sindical e relações de trabalho trouxe benefícios e assegurou direitos sindicais importantes aos trabalhadores. Mas instituiu também uma estrutura sindical que separou os trabalhadores de base da sua organização e atrelou os sindicatos ao Estado. Uma estrutura que tende a transformar o dirigente do sindicato em burocrata, que teria como função ajudar o Estado a controlar e disciplinar os trabalhadores dentro das regras definidas pelo capital.
A NEGAÇÃO DA ATIVIDADE POLÍTICA DO SINDICATO Outro componente importante da concepção sindical varguista era a premissa de que os sindicatos se abstivessem de qualquer atividade política, que se limitassem à representação dos trabalhadores em suas reivindicações econômicas. Já no decreto 19.770, de 1931, no artigo primeiro, entre as condições para a constituição de um sindicato, figurava entre as exigências a abstenção de “toda e
qualquer propaganda de ideologia sectárias, de caráter social, político ou religioso...”. Assim foram adotadas, no decorrer do tempo uma série de regras legais para impedir o sindicato de imiscuir-se na arena política, entendido esta como o espaço onde se definiam as políticas econômicas e se estabelecia a ordem econômica e social vigente. Nos períodos de regime mais duro, estas regras eram utilizadas para justificar intervenções diretas do Estado nas entidades sindicais. Veja o que fala Arnaldo Sussekind, Ministro do Trabalho no primeiro governo do regime militar que se instalou no país em 64 “portanto, o sindicato no Brasil, em face do que dispõe a lei (...) não foi feito para realizar atividades político-partidárias, e não poderia (...) participar de qualquer sistema que viesse modificar o próprio sistema jurídico-político brasileiro. Os sindicatos no Brasil, por força de lei de 1943 - não lei de hoje - visam ao estudo, à defesa e à coordenação dos interesses profissionais dos trabalhadores. (...) Dentro deste contorno legal, há, pode e deve haver autonomia, porque autonomia não se confunde com desordem nem com soberania. Soberano só o Estado.” (diário do Congresso Nacional. 23/04/65, citado por Heloisa Helena). As razões desta determinação são óbvias, pois ao sindicato não caberia questionar a ordem política e econômica estabelecida, e sim administrar o conflito do trabalho dentro dela. A ideologia que está por detrás destas regras foi intensivamente difundida pelo Estado (e pelos patrões) entre os trabalhadores. Foi assimilada e reproduzida pela burocracia sindical durante décadas, e isso fez com que ela fosse amplamente integrada ao imaginário dos trabalhadores, surtindo efeito até hoje. Isso faz com que os setores mais atrasados da nossa classe acabem funcionando também como elemento de pressão contra a atividade política dos sindicatos. Houve mudanças neste quadro no decorrer do tempo, mas foram mudanças essencialmente na forma e não no conteúdo desta relação. Em alguns momentos havia mais liberdade, em outros, mais fechamento, a depender da situação da luta de classes e do Regime Político que governava o país. Com as lutas no final da década de 70 e início dos 80 obtivemos avanços importantes. Prevaleceu nos setores mais avançados do sindicalismo a concepção de ação sindical baseada na independência de classe e na mobilização, na ação coletiva dos trabalhadores. Na luta conquistamos mais liberdade de ação ante o Estado (o que foi, em parte, consolidado pela Constituição de 88). Com o chamado “novo sindicalismo” toda uma geração de ativistas chegou à direção dos sindicatos prometendo mudanças profundas em sua estrutura e funcionamento, pois as greves ocorridas naqueles anos haviam demonstrado de forma categórica as contradições e as limitações da forma de organização sindical existente no país. No entanto não houve mudança na essência da estrutura de organização sindical, e o processo político retrocedeu a partir da segunda metade da década de 1980. O processo de mudanças primeiro paralisou-se e depois retrocedeu. A degeneração da CUT, que assistimos hoje, em grande medida é expressão de que os mecanismos de controle do Estado sobre os sindicatos se impuseram por sobre a vontade transformadora dos milhares e milhares de ativistas que participaram daquele processo. Levaram à adaptação e à burocratização de quase toda uma geração de ativistas e militantes que chegaram aos sindicatos embalados pela luta contra o regime militar, e contra a pelegada que era cúmplice daquele regime e dos patrões na direção das entidades.
O que é uma greve? por Henrique Canary
A onda de greves que tomou conta do país surpreendeu a todos. Nem o governo, nem os patrões, nem a imprensa e nem os burocratas empedernidos de certos sindicatos souberam prever o poderoso movimento que arrastou milhares de trabalhadores em várias capitais e importantes centros urbanos. E muitas outras greves estão marcadas ou ainda podem acontecer. Como sempre, a imprensa tenta colocar os trabalhadores contra a população, mostrando os “prejuízos” provocados pelas greves e o “transtorno” causado à população. Até aí, nenhuma novidade. Mas quanto mais fazem isso, mais colocam eles mesmos em pauta questões de primeira magnitude: O que é exatamente uma greve? Qual o seu significado mais profundo? Por que elas acontecem? Quais seus limites e possibilidades? Se a própria imprensa coloca estas e outras questões, não seremos nós, os socialistas, a fugir do debate. O que é uma greve? À primeira vista, uma greve aparece como um conflito isolado entre os trabalhadores de uma empresa e seus patrões. Este é um aspecto inicial da questão, mas não a esgota. O capitalismo é um sistema econômico onde uma ínfima minoria da população detém quase toda a riqueza social. A outra parte, a imensa maioria, não possui nada, a não ser alguns bens pessoais, e por isso é obrigada a vender sua força de trabalho para poder sobreviver. Ao colocarem seu cérebro, nervos e músculos para funcionar, os trabalhadores movem a própria economia do país e produzem a riqueza nacional. Em troca das 8, 10 ou 12 horas por dia passadas na empresa, recebem um pequeno salário. A diferença entre o salário pago ao trabalhador e a enorme riqueza produzida pelo seu trabalho constitui o lucro do patrão. Por isso não há e nem pode haver “interesses comuns” entre trabalhadores e empresários. Os trabalhadores querem melhores salários; os patrões querem diminuir esses salários para aumentar os lucros. Eis o resumo de toda nossa sociedade, eis a essência desta relação dita “livre” e “democrática”, chamada trabalho assalariado. Assim, o próprio capitalismo, mesmo sem querer, empurra os trabalhadores ao conflito e à resistência. As greves são, portanto, um fato inevitável do sistema. Enquanto houver capitalismo, haverá greves. Mas as greves não são, em geral, a primeira forma de luta dos trabalhadores. Antes de estourar uma greve em uma empresa, o que vemos são rumores de insatisfação e descontentamento, xingamentos escritos nas portas dos banheiros, desleixo e lentidão proposital na linha de produção e até mesmo a destruição de ferramentas, máquinas e mercadorias. Em sua luta pela sobrevivência, os trabalhadores agarram as primeiras armas que encontram, e essas armas são sempre individuais, e por isso ineficazes. Não se pode culpá-los por isso. É um primeiro movimento progressivo feito por uma classe que é explorada, oprimida e alienada, e nele há uma semente de consciência. Sob determinadas condições, essa semente germinará e dará frutos. As greves ensinam As greves, quando comparadas com as revoltas desordenadas ou com a resistência silenciosa individual, representam uma forma superior de luta. Elas são o despertar da consciência do ope-
rário. Em primeiro lugar, porque são ações coletivas. Da mesma forma que nenhum operário pode colocar uma fábrica para funcionar sem seus colegas, também nenhum operário pode parar uma fábrica sozinho. Para isso, é preciso a ação coordenada de todos os trabalhadores da empresa, ou pelo menos de uma parte importante. As greves revelam, então, o caráter necessariamente coletivo da ação operária. Além disso, mostram a possibilidade que os trabalhadores têm de controlar a produção, o poder potencial contido em suas mãos. Inversamente, as greves revelam como é frágil a situação do burguês, como seu domínio é baseado no engano e na ilusão, como seus assassinos fardados não passam de espantalhos descerebrados, como seus rugidos de leão são na verdade lamúrias de covardia e como ele próprio, embora se intitule “o grande mágico de Oz”, não passa de um homenzinho farsante e indefeso, controlando luzes e sombras atrás de uma cortina. A burguesia pode reprimir uma greve. Mas o que ela não pode fazer é colocar a empresa para funcionar sem os trabalhadores. As tentativas feitas às vezes por chefes, encarregados ou até mesmo por policiais militares de substituir os trabalhadores grevistas em suas funções geram situações verdadeiramente ridículas, que são sempre lembradas pelos operários depois de cada greve ao som de enormes gargalhadas. Os braços dos trabalhadores parados podem ser quebrados, mas não podem ser ignorados. E nisso reside a força dos operários; nisso reside a fraqueza de seus inimigos. As greves acarretam enormes sacrifícios para os trabalhadores: corte de ponto, demissões, multas, repressão, perseguições e assédio. Mas elas fortalecem os trabalhadores muito mais do que enfraquecem: ensinam os trabalhadores a controlar a contabilidade da empresa, a enfrentar a repressão; desenvolvem seu instinto de solidariedade para com seus companheiros; estruturam suas organizações; revelam os fura-greves e os traidores, mas também abrem o caminho para os líderes mais honestos e capazes. As greves também mostram a verdadeira face dos dirigentes sindicais, que muitas vezes são burocratas irrecuperáveis e bandidos declarados, e que acabam atropelados pelos trabalhadores em verdadeiras rebeliões de base, que podem ou não retomar o sindicato para o caminho da luta. Os trabalhadores podem perder ou ganhar uma greve, mas este nunca será o resultado principal. O resultado principal será sempre o fortalecimento da união entre os operários e o avanço de sua consciência. Nenhum trabalhador que tenha lutado de peito aberto em uma greve sai dela do mesmo jeito que entrou. Greves e luta política A ampliação ou unificação das greves leva a que o conflito inicial, isolado, se transforme em um conflito mais amplo: agora não é apenas uma fábrica, mas uma categoria inteira que se enfrenta não mais com um único patrão, mas com todo um cartel organizado de empresas. E mais importante ainda é quando as greves se nacionalizam e abarcam distintas categorias. Neste caso, se revela a unidade de todos os patrões contra todos os trabalhadores e a luta adquire cada vez mais as características de um enfrentamento de uma classe inteira contra outra classe inteira. Ou seja, uma luta política. Quando as greves se ampliam e se unificam, entra em cena o governo, que começa defendendo o diálogo e o bom senso, mas depois, diante da negativa dos operários em render-se, oferece aos
patrões toda a ajuda do mundo para reprimir a greve. Assim, o aprofundamento do conflito coloca também para os trabalhadores o problema do Estado, da justiça, da imprensa, da polícia e das leis. Aquilo que para o operário parecia natural, justo e eterno, deixa de sê-lo. O trabalhador muda de opinião sobre a polícia, o prefeito e os deputados; começa a duvidar que as leis contenham alguma gota de justiça; se torna ainda mais próximo de alguns colegas com os quais lutou ombro a ombro, ao mesmo tempo em que despreza e ri daqueles que entraram para trabalhar pela porta dos fundos da empresa, como se fossem ratos entrando por um bueiro, quando a maioria estava no portão de entrada tomando café, escutando as músicas da greve e lendo o boletim do sindicato. Sua consciência corporativa, meramente sindical, começa a avançar para uma consciência política, de classe. A greve geral Mas acima de todas as greves está a greve geral. A greve geral se eleva sobre todos os conflitos – isolados ou unificados, econômicos ou políticos – como uma gigantesca montanha se eleva sobre a planície. A greve geral não é apenas o resultado da unificação das lutas. É muito mais do que isso. A greve geral significa que os trabalhadores dos mais diversos ramos da produção passaram por cima de seus interesses corporativos e chegaram a uma reivindicação única, que eles tentarão impor por meio da ação direta nacional. Ao paralisar o país, a greve geral coloca – queira ela ou não – o seguinte problema: Quem governa a nação? Ou seja, questiona o poder da burguesia. A greve geral é a greve política por excelência. Justamente por isso ela se dirige, em geral, diretamente ao governo e às instituições do Estado, e não mais aos empresários isolados. A greve geral é a expressão de um acirramento gravíssimo das contradições sociais. Porém, diferente das greves econômicas, ela não ocorre espontaneamente. Em uma greve econômica, a ideia de paralisação pode surgir pela manhã, os operários podem se organizar rapidamente, no intervalo do almoço ou na troca de turno, e paralisar a produção já no início da tarde. Muitas vezes, nesse tipo de greve, os trabalhadores primeiro param, e só depois avisam o sindicato, que chega apenas para dar apoio e ajudar na continuidade da luta (ou deveria, pelo menos). Já a greve geral é completamente diferente. Nela, é necessário um alto grau de organização da classe trabalhadora. O elemento espontâneo desempenha aqui um papel secundário. O que predomina é a preparação, a capacidade de análise e previsão, a centralização da ação operária, os serviços de autodefesa e inteligência das organizações de luta. Uma greve geral exige um nível de organização em âmbito nacional que nenhum sindicato isolado, por mais poderoso que seja, está em condições de garantir. A greve geral, para ter sucesso, exige uma central sindical nacional, de preferência com uma forte influência sobre outros movimentos sociais, como o estudantil, o popular, os movimentos de luta contra a opressão, a intelectualidade etc. Na greve geral, todos os oprimidos e explorados do país se erguem sob a direção da classe trabalhadora. A greve geral é o primeiro ensaio da futura insurreição revolucionária. Greve e alienação: o problema dos “transtornos” Uma greve não é importante apenas para aquela categoria que realiza a paralisação ou para o empresário. Toda greve, se é bem sucedida, provoca maiores ou menores efeitos sobre uma parcela da população que utiliza aquele serviço que deixou de ser prestado, compra aquela mercadoria que deixou de ser produzida, passa por aquela via bloqueada etc. A imprensa chama isso de “transtor-
no”. O marxismo chama isso de ruptura da alienação. A sociedade capitalista se caracteriza pelo seguinte fato: ela separa e divide os trabalhadores; destrói a sua unidade, transforma a classe trabalhadora em um amontoado de indivíduos isolados que levam vidas individuais, pensam em seus interesses individuais, agem individualmente etc. Ao contrário do que se pensa, o egoísmo e o individualismo não são um traço “natural” do ser humano, mas sim fruto desta alienação, desta separação do trabalhador em relação aos seus irmãos de classe. Assim, na sociedade capitalista, cada pessoa é mais ou menos “visível” para mim de acordo com a vantagem que eu posso tirar dela para minha existência individual. Por isso, eu vejo meus colegas de trabalho, dou-lhes “bom dia”, tenho relações amistosas com eles. Mas a servente de limpeza é para mim invisível. Eu não a vejo, não sei seu nome, não lhe dou “bom dia”, pois não obtenho nada diretamente dela. O mesmo acontece em relação aos motoristas de ônibus, aos funcionários públicos, aos garis e a todos aqueles trabalhadores que são por mim considerados “os outros”. O que fazem as greves, então? Elas tornam os trabalhadores visíveis uns para os outros. Os comerciários percebem que dependem dos motoristas e cobradores; os operários veem que precisam dos bancários; os professores notam que sem os funcionários da escola sua vida é um inferno. Esse “abrir de olhos” ocorre, no início, sob a forma de um conflito: eu amaldiçoo e condeno os garis ou os motoristas porque sua greve me impede de realizar minha atividade individual. Mas com o crescimento e o fortalecimento da greve, a luta entre o gari e a prefeitura comove toda a sociedade. Com isso, avança não apenas a consciência do gari, mas também minha própria consciência: “E se eles estão lutando por uma vida digna, não deveríamos nós lutar também?” As greves são, portanto, um momento de ruptura da alienação; elas alimentam a intuição dos trabalhadores sobre sua própria unidade e seus interesses comuns. Aqueles que eram invisíveis se tornam visíveis. Os trabalhadores olham uns para os outros e enxergam a si mesmos. Os limites das greves e o socialismo Mas tudo o que dissemos até agora são possibilidades e não necessariamente as coisas acontecem assim. A luta grevista é a luta do trabalhador para vender sua força de trabalho mais caro. Ou seja, é uma luta dentro dos limites do capitalismo. Encerrados dentro dessa luta, os operários não poderão jamais chegar a uma consciência verdadeiramente socialista. A consciência socialista é a consciência dos interesses não apenas da classe operária, mas de todos os explorados e oprimidos, é a consciência da razão e do progresso humano. O socialismo não é o resultado “inevitável” da luta da classe trabalhadora. É uma proposta política e social, elaborada a partir de uma análise científica de toda a história, de todas as classes, de todos os países. Como qualquer proposta, o socialismo pode ser aceito ou não; os trabalhadores podem agir para implementá-lo ou não. Mas se o fizerem, certamente não será por algum “instinto” ou por sorte, e sim porque alguém os convenceu disso, alguém lutou por esta proposta. E aqui entram os socialistas: eles não são jamais meros auxiliares do movimento operário ou sindical, embora ajudem e façam de tudo por este movimento. Mas são muito mais do que isso: são eles que unem, através de um partido político revolucionário, os operários com os outros oprimidos e explorados; mostram os caminhos que já foram percorridos, as experiências históricas; estabelecem
alianças com os operários de outros países; educam os trabalhadores no espírito da desconfiança e do combate para com a burguesia; revelam as manobras do inimigo, seus interesses mais escusos; ajudam os operários a tirarem as lições de cada luta e propõem novos objetivos; fortalecem nos trabalhadores a confiança em suas próprias forças; mostram para os operários as conclusões lógicas de sua própria ação: a necessidade da derrubada do capitalismo, da luta pelo poder e pela libertação revolucionária de todo o povo, ou seja, o socialismo.
O que é sindicato? O capitalismo entrou na segunda metade do século XVIII numa nova fase de expansão conhecida como Revolução Industrial. Até meados do século, o capitalismo apoiava-se na produção manufatureira. Já não se tratava da produção artesanal em que cada oficina contava com um só dono, o mestre, alguns poucos companheiros e aprendizes, mas já de um modo de produção capitalista. No estágio manufatureiro, os capitalistas exploravam os operários numa escala mais ampla, utilizando uma oficina ampliada, reunindo centenas de homens sob uma aperfeiçoada divisão do trabalho. No entanto, nesse estágio técnico da produção ainda não se utilizava máquinas ou mecanismos automáticos. É somente por volta de 1760, na Inglaterra, que se começa a modificar as bases técnicas da produção. As antigas ferramentas dos artesãos começam a ser substituídas pelas máquinas. Esta inovação se efetua primeiro na indústria têxtil, o principal ramo industrial da Inglaterra, onde se passa a utilizar os teares de fiar e tecer. Em 1785, James Watt inventa a máquina a vapor aperfeiçoada, que começa a ser utilizada como força motriz em diversos ramos industriais. Isso permitiu que as fábricas até então instaladas à beira dos cursos d’água que forneciam a energia necessária passassem a ser instaladas nas cidades. A produção concentra-se cada vez mais. As pequenas oficinas de tecelagem e fiação não suportaram a concorrência e foram desaparecendo progressivamente; os artesãos são substituídos por um número cada vez maior de proletários. No início do século XIX, já havia se desenvolvido com toda plenitude as duas classes fundamentais e antagônicas que vieram a compor a sociedade: de um lado os capitalistas, que são proprietários dos meios de produção, tais como máquinas e matérias-primas, e que vivem da exploração da grande massa da população; e, de outro, os proletários, que se encontram privados da propriedade dos meios de produção e que só dispõem de sua força de trabalho, isto é, da sua capacidade de produzir. Sob o capitalismo, essas classes passaram a travar uma luta permanente. A concorrência capitalista e a Lei dos Salários Foi David Ricardo, economista clássico que inspirou as teorias econômicas de Marx, que lançou as bases para que se pudesse compreender a luta entre operários e capitalistas, ou melhor, entre trabalho assalariado e capital, ao expor a chamada Lei dos Salários. Segundo essa lei, sob o capitalismo, há uma tendência de que os salários sejam cada vez mais rebaixados. Explica que o produto do trabalho, depois de deduzidas todas as despesas, divide-se em duas frações. A primeira representa o salário dos operários e a segunda o lucro dos capitalistas. Dessa forma, aumentar o lucro implica em reduzir a fração correspondente ao salário. Por outro lado, aumentar os salários implicará em reduzir os lucros. Estimulados pela concorrência, cada capitalista tem que aumentar seu lucro rebaixando os salários dos operários. Cada um se esforça por vender menos caro que o outro, a fim de colocar o seu rival em dificuldades, e, se não quiser sacrificar o seu lucro, deve tentar baixar os salários. Deste modo, a concorrência entre os capitalistas aumenta consideravelmente – no interesse de cada capitalista individual – a pressão sobre o salário médio. O que antigamente era uma simples questão de lucro
mais ou menos elevado se torna, nessas condições, uma questão de necessidade imperativa. (Engels, Escritos sobre os sindicatos) O salário pode ser reduzido de forma direta ou indireta, pelo aumento da jornada de trabalho ou da intensidade do trabalho, mantendo a jornada de trabalho, sem que isso implique em aumento do salário. Assim, sob o fogo cruzado da concorrência, os capitalistas exercem uma pressão constante para que os salários se aproximem cada vez mais do mínimo absoluto, até mesmo abaixo das condições necessárias para se viver e reproduzir-se. O papel dos sindicatos Sem ter nada mais o que dispor a não ser sua força de trabalho, os operários encontram-se atados a uma relação completamente desigual perante o capital. A princípio, não dispõem de nenhum meio de resistência eficaz a essa pressão. No entanto, a grande força social que possuem é, em contrapartida, o número. Mas essa força numérica é anulada pela desunião, que tem sua origem e é mantida pela concorrência dos operários entre si na busca pelo emprego e por melhores salários. Os capitalistas, por sua vez, embora em número reduzido, encontram-se sempre unidos e coesos na defesa da propriedade privada e dos lucros. Os operários serão forçados a encontrar um meio de resistência eficaz contra essa pressão constante pela baixa de salários. Os sindicatos nascem justamente dos esforços da classe operária na sua luta para impedir que os níveis salariais se coloquem abaixo do mínimo necessário para a manutenção e sobrevivência do trabalhador e de sua família. Os operários unidos em seu sindicato passam a se colocar de alguma maneira em pé de igualdade com os capitalistas no momento da venda de sua força de trabalho, evitando que o mesmo trate com ele de forma isolada. Os sindicatos surgem, portanto, como associações criadas pelos operários para a sua própria segurança, para a defesa contra a exploração incessante do capitalista. Segundo Lenin, os sindicatos representaram, nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, um progresso gigantesco da classe operária, pois propiciaram a passagem da dispersão e da impotência dos operários aos rudimentos da união de classe. (Lenin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo) Marx, por sua vez, dando uma dimensão histórica ao papel dos sindicatos, explica que eles se constituíram em centros organizadores da classe operária, da mesma forma que as comunas e as municipalidades da Idade Média o tinham sido para a burguesia”. (Resolução da Conferência da Associação Internacional do Trabalho, Genebra, 1866, Passado, presente e futuro dos sindicatos) Cabe esclarecer que o movimento comunal ou das municipalidades foi o primeiro estágio percorrido pela burguesia para constituir-se como classe. Tratou-se de um movimento de independência dos burgos – cidades medievais que desenvolviam atividades de comércio e artesanato –, que se situavam em áreas pertencentes aos feudos. Submetiam-se, portanto, à autoridade dos senhores feudais que cobravam dos burgueses pesados impostos. Esse movimento estendeu-se do século XI ao século XIII, sendo ao final vitorioso. No estágio seguinte, já constituída como classe, a burguesia derrubou o feudalismo e a monarquia.
Assim Marx complementa: Se os sindicatos são indispensáveis na guerra de guerrilhas entre trabalho e capital, são também importantes como meio organizado para a abolição do próprio sistema do trabalho assalariado. (Idem). Sobre isso, trataremos em um próximo artigo. O movimento operário brasileiro No Brasil, as primeiras notícias das lutas operárias remontam a 1858, quando tipógrafos do Rio de Janeiro entraram em greve reivindicando aumento de salário. Nesses momentos iniciais da organização do movimento operário, destacou-se a influência da ideologia anarquista, trazida ao Brasil pelos trabalhadores imigrantes, sobretudo italianos e espanhóis. O anarquismo se definia com um movimento revolucionário que propunha a extinção do Estado, a democracia direta, o fim da propriedade privada dos meios de produção e a igualdade social. Era contrário aos organismos de representação (Parlamento, partido) e defendia a organização autônoma dos trabalhadores em seus locais de trabalho. Sob a liderança dos anarquistas, ocorreu a maior greve de que se tem notícia na primeira metade do século 20 no Brasil. A paralisação, iniciada em junho de 1917, começou no setor têxtil, propagou-se rapidamente e atingiu a área portuária e o interior, envolvendo cerca de 50 mil trabalhadores. As principais reivindicações eram aumento de salários, proibição do trabalho infantil, jornada de oito horas, garantia de emprego e direito de associação. O governo reprimiu o movimento com todos os recursos de que dispunha, mobilizando a polícia, tropas militares e até a Marinha de guerra, mas não foi bem-sucedido. Teve de negociar, e algumas das principais reivindicações foram atendidas. No início dos anos 1920, o espectro da Revolução Russa de 1917 exalava os odores dos novos tempos que começavam a se construir num distante e atrasado país entre a Europa e a Ásia. No Brasil do primeiro quartel do século XX, a influência da Revolução Russa não tardaria a chegar, pois o país vivenciava um substancial incremento industrial provocado, sobretudo, pela onda de expansão capitalista dos fins do século XIX e pela necessidade de se substituir importações em virtude da inversão dos fluxos de mercadorias. Assistiu-se nesse período a um vigoroso aumento da produção industrial que trouxe consigo o crescimento da massa de trabalhadores urbanos. Mas o desenvolvimento industrial não produziu a distribuição da riqueza nem melhorias na vida do proletariado industrial formado por migrantes que partiam do campo para as cidades. Pelo contrário, as condições de existência nos centros urbanos eram extremamente degradadas para a classe operária, com os trabalhadores cumprindo uma carga horária excessiva, em indústrias insalubres e doentias. Tal situação não poderia provocar outra coisa senão a organização de sindicatos e associações e a realização de inúmeras greves pelo país.
Linha de tempo - 1858 - Primeira Greve - Tipógrafos do Rio de Janeiro, contra as injustiças patronais e reivindicaram aumentos salariais - 1892 - I Congresso Socialista Brasileiro. O objetivo da criação do Partido Socialista Brasileiro não foi atingido. - 1902 - II Congresso Socialista Brasileiro - 1906 - I Congresso Operário Brasileiro. Um total de 32 delegados na sua maioria do Rio e São Paulo, lançou as bases para a fundação da Confederação Operária Brasileira (COB). Nesse Congresso participaram as duas tendências existentes na época: 1. Anarcossindicalismo, negava a importância da luta política privilegiando a luta dentro da fábrica através da ação direta. Negava também a necessidade de um partido político para a classe operária. 2. Socialismo. Reformista, tendência que propunha a transformação gradativa da sociedade capitalista, defendia a organização partidária dos trabalhadores e participava das lutas parlamentares. A ação anarquista começa a se desenvolver entre 1906 até 1924. - 1913 e 1920 - II e III Congresso Operário, tentando reavivar a Confederação Operária Brasileira. Desde essa época o governo tentava controlar o movimento sindical. Exemplo disso foi o Congresso Operário de 1912, que teve como presidente honorário Hermes da Fonseca, então presidente da República. - A crise de produção gerada pela Primeira Guerra Mundial e a queda vertiginosa dos salários dos operários, caracterizou-se por uma irresistível onda de greves - 1917 a 1920. - 1917 - Greve geral. Em São Paulo, iniciada numa fábrica de tecidos e que recebeu a solidariedade e adesão inicial de todo o setor têxtil, seguindo as demais categorias. De 2.000 trabalhadores parados A influência da Revolução Russa permitiu que uma dissidência anarquista fundasse, em 1922, o PCB - Partido Comunista Brasileiro, atraindo um número expressivo de trabalhadores para o comunismo. O PCB marcou o início de uma nova fase no movimento operário brasileiro. O objetivo do PCB era dirigir a revolução no Brasil. Apesar da ilegalidade imposta ao partido alguns meses após sua fundação, o PCB passou a editar, como órgão do partido, a revista Movimento Comunista, ainda nesse ano. Publicou em seguida o Manifesto Comunista e em 1925 iniciou a publicação do jornal A Classe Operária, com tiragem inicial de 5.000 exemplares, que logo foi aumentada. Em 1929 criou-se a Federação Regional do Rio de Janeiro e no mesmo ano foi realizado o Congresso Sindical Nacional, que congregou todos os sindicatos, influenciado pelos comunistas, quando se originou a CGT - Central Geral dos Trabalhadores. Mesmo assim, o Estado continua tentando cooptar os sindicatos, - 1922 - Movimento Tenentista. Oposição à burguesia do Café - coluna Prestes. - Revolução de 1930 - Conciliação entre os interesses agrários e urbanos, excluindo qualquer forma de participação da classe operária.
- Eleições de 1930. O bloco operário e camponês (PCB na ilegalidade) candidatou Minervino de Oliveira. O eleito foi Júlio Prestes, representante da burguesia cafeeira, no entanto um movimento militar barrou sua posse, resultando a ida de Vargas ao poder. Inicia-se uma nova fase no sindicalismo brasileiro. - 1930 - O Ministério do Trabalho procura conter o operariado dentro dos limites do estado burguês. Política de conciliação entre capital e trabalho. - Lindolfo Collor, 1º Ministro do Trabalho. Lei sindical de 1931 (Decreto 19770) cria os pilares do sindicalismo oficial no Brasil. Controle financeiro do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos. Definia o sindicalismo como órgão de colaboração e cooperação como Estado. Junto com as lutas sindicais cresciam também as mobilizações das massas trabalhadoras. Em março de 1934, é fundada a Aliança Nacional Libertadora, dirigida pelo PCB, já com Luis Carlos Prestes. Foi citado no VII Congresso da Internacional Comunista como exemplo de frente popular democrática - 400.000 membros. No dia 4 de abril desse ano, foi realizado o primeiro comício da ANL. O governo reprimiu e decretou a Lei de Segurança Nacional, proibindo o direito de greve e dissolvendo a Confederação Sindical Unitária. Alguns meses depois, Felinto Müller coloca a ANL na ilegalidade, estes optaram pelo levante armado e foram violentamente reprimidos. Foram criados o Estado de Sítio e a Comissão de Repressão ao Comunismo Em 1939, Decreto-Lei 1402. O enquadramento sindical, que tinha a função de aprovar ou não a criação de sindicatos. Este órgão era vinculado ao ministério do Trabalho. Nesse mesmo ano criou-se o imposto sindical. - 1943 - Manifesto dos mineiros, oposição liberal; - 1945 - O movimento popular, sob o comando do PCB, conquista a anistia ampla e irrestrita, libertando os presos políticos, comunistas que estiveram presos durante todo o Estado Novo. Legalização do PCB. - 1945 - Criou-se o MUT - Movimento Unificador dos Trabalhadores. Objetivos: romper com a estrutura sindical vertical; retomar a luta da classe operária; liberdade sindical; fim do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda; enfim do Tribunal de Segurança Nacional. - Setembro de 1946 - Congresso Sindical dos Trabalhadores do Brasil, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 2.400 delegados. Os comunistas criam a Confederação Geral dos Trabalhadores. - Golpe de 29 de outubro de 1945 - apesar do golpe, nas eleições de dezembro de 1945, o PCB, que em poucos meses de legalidade tornou-se o maior partido comunista da América Latina com cerca de 200.000 membros, conseguiu 10% de eleitorado para presidente da República. Elegeu 14 deputados e um senador, Luis Carlos Prestes, o mais votado da República. Apesar do avanço dos setores operários e populares, a elite conservadora através da União Democrática Nacionalista - UDN e PSD, detinha 70% do parlamento e com isso barrava todas as investidas do PCB que na ação parlamentar fazia alianças com o PTB. - 1946 - Dutra proibiu a existência do MUT e suspendeu as eleições sindicais.
- 1947 - Determina a ilegalidade do PCB, cassando o mandato de seus representantes no parlamento. - 1950 - Último governo Vargas. Novamente o movimento sindical atinge grande dimensão. - 1950 a 1953 - a classe trabalhadora dobra seu contingente. 1.500.000 trabalhadores nas indústrias. As greves tornam-se constantes. - 1951 - Quase 200 paralisações - 400.000 trabalhadores. - 1952 - 300 paralisações. - 1953 - Luta da classe operária contra a fome e a carestia atingiu cerca de 800.000 operários. Só em São Paulo realizaram-se mais de 800 greves. Neste ano realizou-se a greve dos 300.000 trabalhadores de São Paulo (trabalhadores de empresas têxteis, metalúrgicos e gráficos), participação intensa do PCB. Foram movimentos de cunho político, acima das reivindicações econômicas. Reivindicavam liberdade sindical, contra a presença das forças imperialistas, em defesa das riquezas nacionais - campanha pela criação da Petrobrás e contra a aprovação e aplicação do Acordo Militar Brasil - EUA. Foi criado o pacto de Unidade Intersindical, depois transformou-se no PUA (Pacto de Unidade e ação). Criou-se também o PIS (Pactos Intersindicais) na região do ABC. A indústria têxtil estava concentrada sobretudo nos bairros paulistas. Nos anos 1950 e 1960 as grandes greves da região foram resultado de ações intensas dos sindicatos para as campanhas salariais. - 1960 - III Congresso Sindical Nacional. Fundação do CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, para combater o peleguismo, principalmente da CNTI, dominada por Ari Campista. - Governo JK Juscelino Kubistchek - Sem novidades; - Governo Jânio Quadros - 7 meses (1961); - Governo João Goulart - Setembro de 1961 a 31 de março de 1964. Parlamentarismo. Janeiro de 1962, plebiscito, retorno ao presidencialismo. No campo, os trabalhadores iniciaram seu processo de mobilização desde 1955 com o surgimento da primeira Liga Camponesa, no Engenho Galileia. Um ano antes, em 1954, foi criada a ULTAB - União dos Trabalhadores Agrícolas do Brasil. Pouco a pouco foi nascendo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O movimento no campo tinha como bandeira principal a Reforma Agrária. As ligas camponesas eram dirigidas por Francisco Julião, e os sindicatos rurais pelo PCB. - 1963 - Fundação da CONTAG. - 13 de março de 1964 - Comício na Central do Brasil, Rio de Janeiro, 200.000 pessoas pelas reformas de base. - Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. - 31 de março de 1964 – golpe militar -1966 - Acaba a estabilidade no emprego e cria-se o FGTS - 1967 - Cria-se o Movimento Intersindical Anti-arrocho (MIA). Participaram os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, Santo André, Guarulhos, Campinas e Osasco. Só o sindicato de Osasco propunha avanços fora dos limites impostos pelo Ministério do Trabalho. - 1968 - Greve dos metalúrgicos de Osasco/SP, sob o comando de José Ibrahim. Iniciada em 16 de
julho, com a ocupação da Cobrasma. No dia seguinte, o Ministério do Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a intervenção no sindicato. Quatro dias depois, os operários retornam ao trabalho. Em outubro de 1968 estoura a greve dos metalúrgicos de Contagem/MG também contra o arrocho salarial, que também foi reprimida. - 12 de março de 1978. Os trabalhadores marcam cartão, mas ninguém trabalha das 7 até às 8 horas. A Scania do Grande ABC é a primeira fábrica a entrar em greve. - 1979 – primeira grande greve do ABCD - 1981 – nasce o Partido dos Trabalhadores. - Agosto de 1983 - Nasce a Central Única dos Trabalhadores - CUT.
Marx e o papel da classe operária, das lutas econômicas e dos sindicatos Paulo Agüena Na medida em que a classe operária se desenvolvia e se organizava surgiu, no interior do movimento operário, um intenso debate: qual objetivo da luta dos explorados? Qual o papel da classe operária nestas lutas? Que tipos de organizações deveriam os explorados construir? Qual a função dos sindicatos? Marx e Engels tiveram uma intervenção ativa nesses debates e fizeram a defesa do papel revolucionário da classe operária, da importância das lutas econômicas e dos sindicatos. O debate com Weitling O alfaiate alemão Wilhein Weitling (1806-1871), foi um dos primeiros revolucionários alemães. Em 1844 era um dos homens mais conhecidos e populares na Alemanha. Autoditada talentoso, acreditava que o proletariado não era uma classe especial, com interesses próprios, mas somente uma parte da população pobre e oprimida. Defendia que o elemento mais revolucionário, capaz de derrubar a sociedade capitalista, era o proletariado desocupado, o lumpemproletariado. Atribuía à bandidagem um papel revolucionário. Sua concepção se contrapunha a Marx e Engels que viam no proletariado a classe revolucionária. Os utopistas já tinham fixado seu olhar sobre “a classe mais numerosa e mais deserdada. No entanto, acreditavam que pela sua condição miserável de existência era necessário que as classes superiores e mais cultas tomassem conta dela, ou seja, tinham uma visão filantrópica frente à classe operária. Não viam o fator revolucionário que se oculta na miséria. Marx é o primeiro a revelar o papel ativo, revolucionário, do proletariado na luta contra a sociedade burguesa. Essa ideia que já havia sido exposta por Marx em 1844 é desenvolvida em 1845, na obra A Sagrada Família, escrita conjuntamente com Engels. Nela polemizam com os irmãos Bauer, ridicularizando todas as tentativas dos intelectuais alemães de se afastarem do proletariado ou se contentarem com as sociedades de beneficência destinadas a encontrar a felicidade. O levante dos tecelões da Silésia, ocorrido alguns meses antes de terminar a obra, reforçou em Marx a convicção do caráter revolucionário do proletariado. O que diferenciava Weitiling dos demais utopistas de seu tempo, influenciado pelo revolucionário francês Augusti Blanqui, é que ele não acreditava em chegar ao comunismo pela persuasão, mas pela violência revolucionária. Marx e Engels tentaram uma aproximação com Weitling. Mas logo as diferenças se aprofundaram. Weitling opunha-se ao trabalho preparatório de propaganda no meio operário sob o argumento de que as classes pobres sempre estavam prontas para a revolução, necessitando somente de líderes resolutos. Sob a severa advertência de que “a ignorância nunca ajudou a ninguém, nem tem sido útil a qualquer coisa”, Marx e Engels romperam com ele definitivamente em 1846. Debate de Marx com Proudhon e Weston
Além das correntes que negavam o papel revolucionário do proletariado, surgiram também as que negavam a importância das lutas econômicas e dos sindicatos. Na França essa corrente foi representada por Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Autodidata ainda mais talentoso que Weitiling, era um dos publicistas mais brilhantes da França. Em 1841 publicou a obra “O que é a propriedade?”, em que critica violentamente a propriedade privada e afirma corajosamente que ela é um roubo. No entanto, se por um lado criticava a propriedade capitalista, por outro, defendia a preservação e a consolidação da pequena propriedade do camponês e do artesão como a via para estes prosperarem. Ao mesmo tempo, empunhando a lei de bronze dos salários, defendia a inutilidade da luta da classe operária em defesa dos salários. Afirmava que o aumento dos salários provocaria um aumento dos preços. Para ele as greves só provocavam transtornos. Por sua vez, não via a necessidade dos sindicatos e se contrapunha à legalidade dos sindicatos. Para melhorar sua condição o operário deveria se transformar em pequeno proprietário pela aquisição das oficinas mediante uma poupança. Utópico, foi precursor do anarquismo (tema que trataremos num próximo artigo). Defendia a destruição do Estado, a constituição de uma república de pequenos proprietários, cooperativas de crédito, Banco do Povo e empréstimos sem juros. Ideias semelhantes às de Proudhon referentes às greves e aos sindicatos surgiram posteriormente no interior das trade-unions na Inglaterra. Um de seus dirigentes, Jonhn Weston, passou defender a tese da inutilidade da luta por aumento dos salários com argumentos semelhantes aos de Proudhon. Acreditava que o aumento dos salários era prejudicial aos operários na medida em que supostamente provocava a carestia dos demais. Marx rebateu Weston, na reunião do Conselho da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a I Internacional, realizada em junho de 1865. Demonstrou que a luta pelo aumento dos salários ao invés do aumento dos preços levava na verdade a uma redução dos lucros. Mostrou a importância desta luta para que os mesmos não caiam abaixo do mínimo necessário para o sustento dos trabalhadores. Afirmou, ao mesmo tempo, que o verdadeiro objetivo da luta dos operários é sua emancipação econômica, abolindo todo o sistema de salários. Por fim, defendeu as greves, afirmando que embora não fossem o meio de emancipação completa do trabalhador, era uma necessidade da luta do trabalho contra o capital. As polêmicas com Lassalle Na Alemanha Marx enfrentou as ideias de Ferdinand Lassalle (1825-1864). Este teve o enorme mérito de erguer o movimento operário alemão após o período de reação que se iniciou com a derrota da revolução alemã de 1848 e que estendeu até 1862. Defendeu a organização da classe operária em partido, transformou-se no primeiro organizador do partido operário alemão. Fundou a União Operária Geral Alemã. O centro de seu programa era a reivindicação do sufrágio universal, para cuja obtenção devia-se concentrar todas as forças. Para atingir seus objetivos a classe operária deveria obter maioria no parlamento. Apoiando-se na Lei dos Salários elaborada pelo economista clássico David Ricardo (1772-1823), afirma que é impossível elevar os salários sobre um mínimo determinado. Seu programa econômico defende a organização de sociedades de produção com a ajuda de créditos
advindos do Estado. Dessa forma considerava os sindicatos instrumentos inúteis. Marx e Engels já haviam endossado a reivindicação do sufrágio universal apresentada pelos cartistas. Este movimento surgiu na Inglaterra em 1835. Exigia uma reforma eleitoral. Dentre suas seis reivindicações que constavam na Carta do Povo (1837), redigida pelo dirigente operário Loewtt, exigia-se o sufrágio universal. Para Marx, Lassalle dava uma importância excessiva à luta democrática pelo sufrágio universal. Era uma ingenuidade pensar que a classe operária chegaria ao poder pelo voto sem modificar o regime político e econômico dominante. A mesma coisa ocorria com a proposta de organizar associações de produção. Estas eram importantes para demonstrar que os capitalistas não são, em absoluto, necessários na produção. Mas era um erro considerar que através delas poder-se-ia, lentamente, ir se apoderando dos meios de produção. Para isso a classe operária deveria, antes de tudo, apoderar-se do poder político. Deste modo era um verdadeiro absurdo desprezar os sindicatos e a luta econômica. Se as lutas econômicas eram um primeiro passo dado pela classe operária na luta contra o capital, os sindicatos eram o primeiro centro de organização que buscava unir os trabalhadores em torno de objetivos comuns.
Evolução das relações trabalhistas Da Era Industrial até os dias atuais: o que mudou nos acordos entre empregados e patrões no Brasil e no mundo por Portal Brasil Publicado: 26/04/2011
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, expandiu-se para o mundo a partir do século XIX, alterando profundamente as relações sociais e econômicas no meio urbano e as condições de vida dos trabalhadores. A substituição da manufatura pela maquinofatura provocou um intenso deslocamento rural para a cidade, gerando enormes concentrações populacionais, excesso de mão-de-obra e desemprego. Além disso, as condições de trabalho naquele período eram muito precárias. As primeiras máquinas utilizadas na produção fabril eram experimentais e, em razão disso, os acidentes de trabalho eram comuns. Os operários, desprovidos de equipamento de segurança, sofriam com constantes explosões e mutilações e não recebiam nenhum suporte de assistência médica, nem seguridade social. Neste contexto, começaram a surgir os primeiros protestos por mudança nas jornadas de trabalho. Apontada como a primeira lei trabalhista, o Moral and Health Act foi promulgado na Inglaterra por iniciativa do então primeiro-ministro, de Robert Peel, em 1802. Ele fixou medidas importantes, mas inadmissíveis hoje em dia: duração máxima da jornada de trabalho infantil em 12 horas, além de proibir o trabalho noturno. Com as insatisfações dos trabalhadores em ascensão, ganharam força os movimentos socialistas que pregavam igualdade. Conscientes das condições precárias de trabalho, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista, primeiro documento histórico a discutir os direitos do trabalhador. Temendo adesões às causas socialistas, o chanceler alemão Otto von Bismarck impulsionou, em 1881, a criação de uma legislação social voltada para a segurança do trabalhador. Ele foi o primeiro a obrigar empresas a subscreverem apólices de seguros contra acidentes de trabalho, incapacidade, velhice e doenças, além de reconhecer sindicatos. A iniciativa abriu um precedente para a criação da responsabilidade social de Estado, que foi seguida por muitos países ao longo do século XX. Por todo o mundo, a luta pelos direitos sociais começava a dar resultados. Na América, não foi diferente: a Constituição do México, promulgada em 1917, foi a primeira da História a prever a limitação da jornada de trabalho para oito horas, a regulamentação do trabalho da mulher e do menor de idade, férias remuneradas e proteção do direito da maternidade. Logo depois, a partir de 1919, Após a 1ª Guerrados Mundial, Tratado deconsagravam Versalhes, que garantiu a criação da Organização Internaas Constituições paíseso europeus esses mesmos direitos.
cional de Trabalho (OIT), impulsionou a formação de um Direito do Trabalho mundial. Àquela época, o conflito entre o capital e o trabalho era visto como uma das principais causas dos desajustes sociais e econômicos que geraram a guerra. Brasil O trabalho livre e assalariado ganhou espaço após a abolição da escravidão no Brasil em 1888 e com a vinda dos imigrantes europeus para o País. Mas as condições impostas eram ruins, gerando no País as primeiras discussões sobre leis trabalhistas. O atraso da sociedade brasileira em relação a esses direitos impulsionou a organização dos trabalhadores, formando o que viriam a ser os primeiros sindicatos brasileiros. As primeiras normas trabalhistas surgiram no País a partir da última década do século XIX, caso do Decreto nº 1.313, de 1891, que regulamentou o trabalho dos menores de 12 a 18 anos. Em 1912 foi fundada a Confederação Brasileira do Trabalho (CBT), durante o 4º Congresso Operário Brasileiro. A CTB tinha o objetivo de reunir as reivindicações operárias, tais como: jornada de trabalho de oito horas, fixação do salário mínimo, indenização para acidentes, contratos coletivos ao invés de individuais, dentre outros. A política trabalhista brasileira toma forma após a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar de Direito do Trabalho no Brasil, assegurando a liberdade sindical, salário mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal, férias anuais remuneradas, proteção do trabalho feminino e infantil e isonomia salarial. O termo “Justiça do Trabalho” também apareceu pela primeira vez na Constituição de 1934, e foi mantida na Carta de 1937, mas só foi instalada de fato em 1941. A necessidade de reunir as normas trabalhistas em um único código abriu espaço para Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943. Entre os anos 1940 e 1953, a classe operária duplicou seu contingente. Aos poucos, também iam nascendo os sindicatos rurais. O golpe militar de 1964 representou a mais dura repressão enfrentada pela classe trabalhadora do País. As intervenções atingiram sindicatos em todo o Brasil e o ápice foi o decreto nº 4.330, conhecido como lei antigreve, que impôs tantas regras para realizar uma greve que, na prática, elas ficaram proibidas. Depois de anos sofrendo cassações, prisões, torturas e assassinatos, em 1970 a classe trabalhadora vê surgir um novo sindicalismo, concentrado no ABCD paulista. Com uma grande greve em 1978, os operários de São Bernardo do Campo (SP) desafiaram o regime militar e iniciaram uma resistência que se estendeu por todo o País. Após o fim da ditadura em 1985, as conquistas dos trabalhadores foram restabelecidas. A Constituição de 1988 instituiu, por exemplo, a Lei nº 7.783/89, que restabelecia o direito de greve e a livre associação sindical e profissional.