Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
A Legislação Trabalhista de Vargas Por Claudio Blanc*
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o início dos anos 1930, como um dos resultados de uma revolução, o governo intervém na questão operária, regulamentando finalmente muitas das questões que minavam as relações do trabalho. Uma das medidas do novo governo foi legalizar e reger os sindicatos.
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Claudio Blanc é escritor e tradutor, autor, entre outros, dos livros O Homem de Darwin, O Lado Negro da CIA e Tempos de Luta e de Glória – A História do Sindicato dos Padeiros de São Paulo
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Getúlio tomou posse, promovendo a anistia dos rebeldes das revoluções de 1922 e 24, modificando o sistema eleitoral e incentivando a policultura. Além disso, para demonstrar que não encarava a questão social como simples caso de polícia, o governo provisório de Vargas criou em 26 de novembro de 1930 o Ministério do Trabalho. Segundo Marcondes Filho, que viria a ser ministro do Trabalho em 1941, “o erro cometido até 1930, quando já era inegável o desenvolvimento do nosso parque industrial e as agitações operárias começam a proliferar, encontra-se no fato de o Estado, como aconteceu na Europa, negar-se a reconhecer a existência do grande problema contemporâneo. Sofríamos, a respeito, de uma (...) insensibilidade jurídico-social”. A partir da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Getúlio Vargas promulgou uma série de leis trabalhistas. Parte delas visava ampliar direitos e garantias do trabalhador: lei de férias, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, jornada de trabalho de oito horas, previdência social etc. O interventor nomeado por Vargas para São Paulo, o coronel João Alberto, instalou imediatamente uma Comissão do Trabalho que elaborou uma circular, distribuída tanto aos operários quanto aos industriais, com quatro itens que pautavam a nova política trabalhista. As medidas do governo revolucionário revitalizaram o movimento dos trabalhadores. Em São Paulo, várias 2
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assembleias de trabalhadores foram organizadas para refundar seus sindicatos e uniões. Contudo, o governo Vargas criou legislações que não só visavam regulamentar as questões trabalhistas, mas que também permitiam controlar os sindicatos. Quando assumiu a direção do país, Getúlio Vargas afirmou que "a complexidade dos problemas morais e materiais inerentes à vida moderna alargou o poder de ação do Estado, obrigandoo a intervir mais diretamente como órgão de coordenação e direção nos setores da atividade econômica e social". Vargas propunha com isso um "pacto social": a colaboração entre capital e trabalho através da mediação do Estado. Os órgãos de representação operária, que até 1930 tiveram vida e organização autônomas, passam a ser regulamentados pela nova legislação sindical. Eram novas regras. Em dezembro de 1930, pela Lei de Nacionalização do Trabalho, toda empresa deveria contar com pelo menos dois terços de empregados brasileiros. Em março de 1931, com o Decreto 19.770, conhecido como a Lei de Sindicalização, regulamentou-se a existência dos sindicatos patronais e operários. Esse decreto lançou as bases do que seria a estrutura sindical brasileira. O funcionamento dos sindicatos passou a ser condicionado ao reconhecimento do Ministério do Trabalho e a cumprir uma série de exigências que diminuía sua autonomia, como, por exemplo, o cumprimento da Lei de Nacionalização, com a nítida intenção de afastar os
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estrangeiros – mais politizados que os operários brasileiros – dos sindicatos. É o início da tutela dos sindicatos pelo Estado. Controlar, regulamentar e enquadrar os conflitos trabalhistas e a atividade sindical foram as diretrizes seguidas pelo Governo. "O Estado não compreende, nem permite, antagonismos de classe nem explosões violentas de luta; para este fim, criou órgãos reguladores, que não só coordenam as relações, como dirimem divergências e conflitos entre as diferentes classes sociais”†, afirmou Getúlio Vargas. A lei estabelecia, entre outras coisas, que "terá o Ministério (...) junto aos sindicatos, às federações e confederações, delegados com a finalidade de assistir às assembleias gerais e a obrigação de (...) examinarem a situação financeira dessas organizações"‡. Criava-se o embrião da futura burocracia sindical com sua legião de pelegos. O reconhecimento dos sindicatos pelo Ministério era indispensável para que pudessem usufruir da legislação social. Estabeleceu-se apenas um sindicato para cada profissão de uma mesma região, que deveria reunir pelo menos trinta trabalhadores. A sindicalização era facultativa, por isso os resultados iniciais do Decreto 19.770 foram medíocres: em 1931 são reconhecidos apenas 39 sindicatos em todo o país. Em 1932 já surgem 116 oficialmente reconhecidos. A Lei de Férias, † ‡
Enciclopédia Nosso Século Vol.5 Enciclopédia Nosso Século Vol. 5
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votada em 1925, levaria vinte anos para ser cumprida na íntegra. O ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, empenhou-se na estruturação da legislação trabalhista. Durante sua gestão ainda havia, porém, grande identificação entre o poder público e os interesses dos industriais. Com sua saída, em março de 1932, o novo ministro, Pedro Salgado Filho, assumiu com maior ênfase o papel de verdadeiro árbitro entre as partes: regulamentou o trabalho da mulher e do menor e fixou o limite de oito horas para a jornada de trabalho. Mas, nas fábricas, poucos patrões se dispunham a cumprir a nova legislação. A crise internacional de 1929 provocara o fechamento de muitas indústrias. Demissões em massa eram comuns e os salários sofreram redução generalizada que, em alguns casos, chegou a 40%. Como resultado, greves começaram a surgir por toda parte: reivindicava-se o aumento dos salários, o fim do desemprego e do subemprego. Já em novembro de 1930, 8,4 mil operários paulistas entraram em greve, num total de 31 fábricas, entre as quais a metalúrgica Matarazzo. Em janeiro de 1931, a Confederação Brasileira do Trabalho organiza a Marcha da Fome, no Rio. Mas a polícia reprime a manifestação à bala. Os comícios de Primeiro de Maio são proibidos em 1931. Apesar das proibições, os sindicatos insistem em se manifestar nessa data. Um veterano sindicalista, Amaro Cavalcanti Albuquerque, nascido em 1911, contou em depoimento dado em novembro de 1980 a 5
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Carmem Lucia Evangelho Lopes, relembra essa época: “a comemoração de 1931 me custou tanto pau”. Na celebração de 1º de Maio de 1933, Amaro fez um discurso para os operários. Na época, militava no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Recife. O palanque estava montado em frente à Igreja de Santo Antonio, na Praça Pernambuco, a qual estava lotada. Ao ouvir os protestos do pedreiro reivindicando os direitos da categoria, a polícia desmantelou o comício com violência. “Dizem que foram eles [que começaram], eu não sei. O que ocorre é que eu apanhei demais. Fui preso, fiquei só dois dias [preso] e me mandaram embora. E aí prosseguimos na luta, tomamos parte em várias greves, principalmente como solidariedade, que eles [os trabalhadores na construção civil de Recife] eram muito solidários, estourava a greve eles iam pra ajudar”. Outro veterano sindicalista e ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, Sinfrônio de Souza Nunes, relatou em depoimento ao autor deste artigo, que “as autoridades queriam que Primeiro de Maio fosse o Dia do Trabalho, mas para nós é o Dia do Trabalhador e não deixar que os trabalhadores não se manifestassem no seu próprio dia é inaceitável”. Em Primeiro de maio de 1955, Sinfrônio lembra uma comemoração onde os trabalhadores tiveram suas faixas apreendidas pela polícia. Em algumas delas estava escrito: “abaixo a carestia que aumenta dia a dia / trabalhador unido jamais será vencido”. “Não tínhamos direito de protestar”, lembra Sinfrônio. 6
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Apesar da repressão, o movimento trabalhista continuava em busca da realização de seus objetivos. Em maio de 1932, São Paulo é paralisada por uma greve geral de cerca de duzentos mil operários. O governo de Pedro de Toledo sufoca o movimento e prende a liderança. Em 1933, a reativação da atividade industrial provoca o arrefecimento das greves. Mesmo assim, elas retomam em 1934: os bancários do Distrito Federal obtêm, após dois dias de greve, o direito à aposentadoria e à caixa de pensões. O corporativismo, proclamado pela Constituição de 1937, é aplicado através do Decreto-Lei 1.402, de julho de 1939; predomina o regime de sindicato único, controlado pelo Ministério do Trabalho e com monopólio da representação legal de cada categoria. No ano seguinte, é regulamentado o imposto sindical, base financeira do sistema, pago por todos os trabalhadores. E também é definido o "enquadramento sindical", segundo as atividades econômicas. Em maio de 1940, foi instituído o salário mínimo, diferenciado regionalmente. Em 1943, o imenso conjunto de normas legais referentes aos sindicatos e às condições de trabalho é sistematizado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que reúne normas gerais, como o salário mínimo, a carteira profissional, a limitação da jornada de trabalho, as férias, normas de segurança e regulamentação da Justiça do Trabalho, criada em 1939. Essas medidas são, na verdade, mecanismos de controle instituídos pelo governo para segurar as rédeas do movimento operário. 7
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Como, apesar de a lei exigir a oficialização dos sindicatos, até 1934 ter sido pequeno o número de sindicatos que entraram com pedido de reconhecimento no Ministério do Trabalho, a tentativa de disciplinar a organização sindical continuou nos anos seguintes. O Decreto 24.694 de 12 de junho de 1934, que passava a admitir a existência de mais de um sindicato da mesma categoria em uma única base territorial, é um exemplo disto. Assim o princípio que orientava a ação sindical, sob a nova legislação, era organizar-se nos moldes ditados pelo Estado, sujeitando-se ao reconhecimento do Ministério do Trabalho. Essa era a condição essencial à sobrevivência das organizações sindicais. Por conta do Decreto-Lei 1.402, que além de suspender as eleições sindicais e dar aos sindicatos um prazo para requerer a aprovação de novos Estatutos, os sindicatos eram obrigados a ter cooperativas de consumo e serviços médicos. Estes serviços só poderiam ser desenvolvidos com uma fonte de recursos, a qual viria da instituição do imposto sindical, cujo pagamento foi disposto pelo Decreto-Lei 2377 de 08 de julho de 1940. Os Sindicatos sob Dutra A administração Eurico Gaspar Dutra (1946 – 1951) introduziu um viés negativo no jogo das relações sociais ao adotar uma política de repressão ao movimento operário. Isto não inibiu, 8
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porém, a ação do Partido Comunista sobre os trabalhadores e a sua luta pela liberdade sindical, o que culminou em novas intervenções de vários sindicatos e prisões de operários e comunistas. São os primeiros lances da Guerra Fria, que dominou a cena internacional do final da Segunda Guerra Mundial até a queda do Regime Comunista na União Soviética, em 1989. A palavra de ordem dos governos do Brasil e do mundo ocidental era: “combater o comunismo”. Quase sempre isso era feito com repressão. “Houve intervenções. Onde eles souberam que havia direção comunista, eles intervieram”, confirma Amaro. “Todo aquele pessoal [os sindicalistas], eles [as autoridades] achavam que era inimigo de esquerda. Não precisava ser comunista. Se fosse um elemento que não lesse pela cartilha, era afastado do sindicato. A vida sindical veio a tomar um curso melhor depois que o Dutra saiu”. Em 1947, no governo Dutra, o PCB foi cassado e colocado na ilegalidade. Houve novas intervenções nos sindicatos e o PCB adotou estratégias alternativas. “Enquanto permaneceu na legalidade, o PCB atuou como escoadouro das reivindicações trabalhistas e sociais, mas assim que foi posto na clandestinidade abriu caminho para o surgimento de um fenômeno profundamente enraizado nas periferias paulistanas: o populismo ademarista e janista”, observa o pesquisador Paulo Fontes.
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Atuando ilegalmente, o PCB lançou a estratégia do “paralelismo sindical”. Amaro, que era militante do Partidão, como vimos, opinou que o paralelismo sindical “era uma manobra do PCB para se apoderar dos sindicatos direta ou indiretamente e a manobra era dentro da política, dentro da orientação do partido”. Na verdade, o paralelismo sindical foi uma tentativa bem sucedida até certo ponto na formação de novas lideranças sindicais. Para implementar essa estratégia, o PCB criou entidades operárias independentes dos sindicatos, registradas como entidades civis. Com isso evitava-se qualquer controle ministerial e eliminar o caráter pelego que os sindicatos haviam assumido por conta das intervenções do governo. Contudo, o paralelismo sindical dividia, de fato, o movimento trabalhista, como observou Amaro, que participou dessa discussão enquanto comunista: “O paralelismo sindical era uma política que nos parecia boa naquele momento, mas hoje [1980] não é correta. Nós discutíamos que devia se fazer a luta sindical dentro do sindicato, não com sindicatos paralelos, ou oposições que representavam o sindicato, porque isso não constrói nada. Para você lutar ao lado do seu adversário, tem de estar junto dele, dialogando com eles, dando ideias para eles”.
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