Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Memória
Costa e Silva: O Regime Endurece Por Claudio Blanc*
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esde 1965, Castelo Branco já sabia quem seria seu sucessor. Embora relutante de início, Castelo acabou concordando com a candidatura de seu ministro da Guerra, o marechal linha-dura Artur da Costa e Silva, apelidado de “Tio Velho” pelos seus
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Claudio Blanc é escritor e tradutor, autor, entre outros, dos livros O Homem de Darwin, O Lado Negro da CIA e Tempos de Luta e de Glória – A História do Sindicato dos Padeiros de São Paulo
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colegas golpistas. O MDB, o partido que aglutinava a efêmera oposição, convidou o marechal Cordeiro de Farias, um dos líderes da heróica Coluna Prestes, para ser seu candidato. Contudo, com a desistência do marechal, o partido decidiu não participar das eleições. A maior resistência à candidatura de Costa e Silva foi um atentado a bomba ocorrido em 25 de julho de 1966 no aeroporto de Guararapes, no Recife, o marechal deveria desembarcar. A explosão, que matou três pessoas e feriu dezenas, serviu apenas para deflagrar uma grande operação que culminou com mais prisões de militantes de esquerda. Assim, Costa e Silva, candidato único à presidência – um flagrante retrato da situação ditatorial brasileira –, foi eleito pelo Congresso em 3 de outubro de 1966. A oposição compareceu apenas para marcar sua posição contrária à eleição indireta. Em seguida, se retirou do plenário. Artur da Costa e Silva (1902 – 1969) foi veterano dos levantes e revoluções que explodiram no Brasil nas décadas de20 e 30 do século passado. Costa e Silva fez parte do movimento tenentista, e foi punido com prisão, embora tenha sido anistiado em seguida. Dez anos depois, participou da Revolução Constitucionalista de 1932. Em 1964 ele estava à frente da conspiração 2
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que depôs João Goulart. Estava tão bem posicionado que integrou o Comando Supremo, como foi batizada a junta que assumiu o poder depois da queda de Jango e editou o Ato institucional número 1, legalizando o golpe. O segundo general-presidente assumiu o governo garantindo que “nossa meta é o homem”. Apesar de não ter definido qual seriam os homens que se beneficiariam com suas medidas, o slogan alimentou a esperança de que o novo governo conduzisse o país de volta à democracia. Mas Costa e Silva deu mais atenção à economia do que aos direitos civis frustrados com os atos institucionais editados pela administração Castelo Branco. Com seu ministério, o presidente colocou sob responsabilidade dos militares os setores diretamente ligados á execução da política de desenvolvimento – afinal de contas, esse era, junto com a interrupção da influência comunista, o principal motivo de os militares terem tomado o poder. As medidas econômicas tomadas pelos militares começavam a surtir efeito – ao menos em termos do resultado econômico como um todo, uma vez que os trabalhadores e os assalariados tinham seus salários achatados e seu poder de compra diminuído.
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Com efeito, à frente da nação, Costa e Silva teve sucesso na área econômica. O desenvolvimento na área industrial, a facilidade de crédito e estabilização da inflação garantiram respaldo para o programa de desenvolvimento vislumbrado pelos militares. Com o controle dos recursos econômicos nas mãos, os militares começaram a favorecer os grupos que tinham acesso direto a eles. O nepotismo e o tráfico de privilégios se tornou prática oficial. Conforme observou o historiador e biógrafo Jorge Caldeira, “as decisões econômicas do governo geraram benefícios ao mesmo tempo em que reduziam o número de beneficiados”. Mas a oposição ao governo aumentava no Congresso. Ao mesmo tempo, a linha-dura das Forças Armadas também começava a se indispor com o novo presidente. O fato de Costa e Silva ter nomeado Delfim Netto, um professor de economia da USP, como ministro da Fazenda desagradou sobremaneira a facção ultranacionalista das três Armas. Costa e Silva se viu pressionado simultaneamente pela direita e pela esquerda. E o presidente respondeu da mesma forma que a maioria dos militares – de Floriano Peixoto a João Batista Figueiredo – que governaram o país antes e depois dele: endureceu. E a esperança de redemocratização desapareceu. 4
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A sociedade civil, percebendo que havia entregado a guarda do galinheiro às raposas, começou a se organizar em torno da Frente Ampla. Fundada em março de 1966 pelo ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda (que apoiara o golpe, mas que havia rompido com os militares), a Frente Ampla era formada por estudantes, sindicalistas, setores do clero e donas de casa. Com o franco objetivo de lutar pelo restabelecimento da democracia no Brasil, a frente começou a influenciar o Congresso em suas votações. De fato, a frente Ampla chegou a assumir a verdadeira oposição a Costa e Silva. Respaldados na manifestação da sociedade civil expressada através da Frente Ampla, pela primeira vez os parlamentares votaram contra o parecer do governo e recusaram um decreto presidencial. Encorajados com o movimento, deputados da Arena começam a votar com a oposição. Mas a reação durou pouco. Como se poderia esperar naquele momento da ditadura, em 15 de março de 1968 – dois anos após ter sido criada – o presidente extinguiu a Frente Ampla por meio de uma portaria, calando a vontade da maioria. No entanto, o golpe mais duro contra a democracia ainda estava por vir. Para conter as greves, passeatas e manifestações – e com a justificativa de avançar “a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do 5
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país” – Costa e Silva emitiu, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional número 5. O AI-5 promovia a maior concentração de poder na história do país. Nem mesmo os imperadores Pedro I e II amealharam tanto poder. O ato autorizava o Executivo a legislar “em todas as matérias previstas na Constituição”. Com o AI5, o presidente passou a assumir várias atribuições do Legislativo, pode decretar a intervenção em estados e municípios sem a necessidade de obedecer à Constituição. No plano das liberdades individuais, o presidente podia suspender os direitos políticos de qualquer brasileiro por dez anos; cassar mandatos legislativos; demitir, remover ou aposentar funcionários do governo – inclusive juízes – ou de empresas estatais. Podia, igualmente, confiscar os bens de qualquer funcionário e suspender a garantia de habeas-corpus. A partir da edição do AI-5, ficava proibido protestar no país. Os deputados e senadores – fossem da oposição ou da situação – não podiam sequer discursar no Parlamento. A imprensa passou a ser censurada e a perseguição política se estendeu às universidades. O AI-5 foi a ação de maior relevo de Costa e Silva, o ato que sufocou completamente a esperança de redemocratização que ainda pudesse existir entre os brasileiros. Cientes disso, os mais radicais entenderam 6
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que a única forma de enfrentar o regime era por meio da luta armada. Na verdade, o AI-5 empurrou muitos militantes para a guerrilha. Em agosto de 1969, cerca de oito meses depois de baixar o ato, Costa e Silva sofreu um derrame e foi substituído por uma junta militar. Esse fato – o de o governo ter sido assumido por uma junta – era mais uma demonstração da truculência do regime, uma vez que a Constituição promulgada pelos próprios militares em 1967 determinava que o vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo, assumisse. Isso, porém, foi simplesmente ignorado. Dessa forma, Costa e Silva perdeu a chance histórica de reconduzir o Brasil à democracia e devolver o poder aos civis. Debilitado pela doença, não foi capaz de assinar a reforma constitucional que tiraria o país da sombra do AI-5 e o colocaria nos trilhos que o conduziram de volta à democracia. Costa e Silva foi declarado incapaz de ocupar o cargo de presidente da República. A junta que assumiu em seu lugar ceder o poder à ala mais rígida do Exército. E o segundo general-presidente apenas tornou o regime ainda mais feroz. Costa e Silva faleceu em 17 de dezembro daquele mesmo 1969. Com a reação de alguns setores da 7
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sociedade civil – e até mesmo entre os militares – de pegar em armas para combater o regime, as Forças Armadas se convenceram de que o substituto de Costa e Silva – que ao longo do seu governo havia se afastado da linha-dura – deveria pertencer ao setor mais radical de suas linhas. Era o começo dos Anos de Chumbo.
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