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A RELIGIÃO E O HOMEM, SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA
A RELIGIÃO E O HOMEM,
SOB O OLHAR DA SOCIOLOGIA
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Numa definição geral, a Sociologia, enquanto ciência social, centra o seu estudo nas relações interpessoais, nas manifestações que decorrem na(s) sociedade(s), e de que modo as normas, leis, regras, os comportamentos dos indivíduos de uma sociedade se padronizam na mesma. A sociedade, enquanto organismo vivo, está em constante transformação. Não é do interesse da Sociologia estudar um indivíduo e o seu comportamento individual, mas sim as relações e os comportamentos sociais que ocorrem entre os seus membros e as respetivas mutações.
Tudo! Porque a Religião se desenvolve na relação social. E, sendo relação social, logo é motivo de estudo da Sociologia, nascendo, assim, a Sociologia da Religião.
O ser humano é, por natureza, um ser eminentemente sociável, ser em relação. Esta relação compreende-se com os seus semelhantes, mas, enquanto ser possuidor de uma dimensão espiritual (para além das dimensões biológica e social), também se relaciona com o transcendente.
Como o próprio termo significa, “religião” advém, etimologicamente, da palavra “religare”, que quer dizer estabelecer relação, comunhão, ligar-se, comunicar… com o transcendente, metafísico, os espíritos, Ser Superior, com o divino, com os deuses, com Deus… ou seja, com o que não vejo, mas sinto e vivo.
Desde os primórdios da humanidade, a fenomenologia da religião esteve presente no pensamento e no agir humano, marcando civilizações e culturas, e, a partir destas, difundiram-se, com novas matizes, novas ideias e perspetivas, novos estilos de vivência religiosa, que vieram influenciar a organização social, política, cultural, económica, ao longo da história das sociedades e do mundo.
Antropologicamente, vemos que, com o passar dos milénios, os seres especiais, espirituais, divinos, vão ganhando cada vez mais proximidade e forma humana. Desde os espíritos incorporados nas rochas, nas nuvens, nos animais (religiões primitivas) até ao Deus que é chamado de Pai, que comunica e estabelece comunhão com a humanidade, como nas religiões abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), vemos que, realmente, com o evoluir da razão humana, o Divino se aproximou do homem, ao ponto de, como acreditam os cristãos, “Ele está dentro de nós, em Espírito e Verdade” e está constantemente em relação com os homens. A religião passou de uma esfera exterior, inalcançável, repressora, para o interior da sociedade e de cada homem, fruto da evolução cognitiva de o homem desvendar o sentido da vida, tendo Deus por seu esteio e meta definitiva.
A relação com o transcendente tem consequências que são entendidas com os olhos da fé, mas também com os olhos da razão. Fé e Razão não se contradizem, mas complementam-se. E isto implica conhecimento, adesão e compromisso: É do conhecimento que vai nascer a religião, enquanto veículo de fé: um caminho de conhecimento de Deus. O homem lê, estuda, é evangelizado e sente-se chamado a responder a este chamamento. Ninguém ama aquele que não conhece. A resposta é a adesão a determinada religião, seguir um Líder, a fazer parte de um determinado grupo de fé e, consequentemente, de acordo com as normas, regras, símbolos, rituais, liturgias, mandamentos, padrões e valores ético-morais, o homem compromete-se a viver, de acordo com este padrão. A moral religiosa cria a coesão social, mas dizer o contrário, que a coesão social, de acordo com a vida social, cria a moral religiosa, também é verdade. O sentido moral de uma religião tem que fazer sentido e ser útil para a vida das pessoas. A forma de vida dos crentes não pode ser suprimida e oprimida pela moral, mas, sim, a moral é um código de valores orientadores que cada crente deve ter em vista a alcançar.
Emile Durkheim, um dos fundadores da sociologia, desenvolveu o estudo da religião com a ordem social, como algo que está intrinsecamente interligado.
As religiões transmitem uma panóplia de conteúdos e valores, que passam a fazer parte da vida dos seus elementos. Por meio da socialização, forma-se a estrutura social e toma-se posse destes ensinamentos, pela transmissão de geração em geração, que passam a estar / fazer parte da nossa vida, moldando o nosso modo de agir e nos relacionarmos connosco, com os outros e com Deus. Molda os comportamentos, atitudes, modo de pensar…
A religião exerce um influente controlo sobre a sociedade. Exemplo disso é o conceito de pecado, ou seja, tudo o que não é permitido, ou vai contra aquilo que a religião defende. O pecado está para a religião como o crime está para o Estado Civil: quer o pecado, quer o crime têm que ver com o não cumprimento dos padrões morais e éticos identificativos.
A importância do cumprimento das normas, quer da religião, quer da sociedade, em geral, tem em vista a ordem social, a ordem das regras, de modo que cada indivíduo saiba os seus direitos e deveres no seu contexto vital, para que as funções sejam articuladas, de modo que haja bem-estar, harmonia e paz.
Porém, há quem discorde de uma visão benéfica da religião. Marx, ateu convicto e ativista neste propósito, refere que “a religião é o ópio do povo”, considerando-a como uma ideologia e uma construção, “explicada a partir das condições de produção material dos homens (…), que atua como falsa consciência que objetiva e legitima as relações de dominação de classes.”
Marx entende a religião como um instrumento de manipulação social, como mecanismo de alienação, na qual os homens são moldados de acordo com as ideias e convicções do grupo de pertença. Deste modo, a sociedade é balizada de acordo com a formatação dogmática que a religião produz no indivíduo e na sociedade, impedindo o seu desenvolvimento e inovação.
Do meu ponto de vista, parece-me que Marx tinha, de um modo geral, uma ideia meramente institucionalizada da religião. A religião, particularmente, a Igreja, assume a natureza humana e a natureza divina. Quando se não tem fé, fica-se apenas com uma ideia: a Igreja humana. E, por esse prisma, para quem não é crente, a religião não faz sentido. E efetivamente não fará sentido, porque o sentido está numa pessoa: Jesus Cristo. Não reconhecer a condição divina da religião, e da Igreja em particular, é ficar pela visão do planeta nas horas da noite, isto é, ver a religião como uma associação de crentes, criticando-se os seus erros, limitações, atrasos… No entanto, o âmago está numa dimensão além-humano, a divina, da qual o Homem participa, por intermédio da fé. O sentido da religião está nos olhos de quem busca e não nos olhos de quem analisa: quem busca Deus, encontra-O. Quem analisa, perspetiva.
Ainda numa visão pessoal, as sociedades que foram moldadas a partir do marxismo, fortemente ateias e persecutórias da religião, mostraram dramaticamente que o ateísmo é a maior das alienações. Sem a liberdade, inspiração e experiência religiosas, o ser humano é profundamente amputado de uma dimensão essencial do seu ser: esse diálogo com o transcendente, que lhe permite respirar a plenos pulmões. O marxismo tornado efetivo nos regimes comunistas dos séculos XX e XXI mostra cabalmente que a religião é a pedra de toque da humanização, porque fundamenta no Eterno não só as leis morais, mas a própria sede de uma realidade última que dá sentido à realidade presente.
A arte, a filosofia, a moral, as leis… tornam-se mesquinhas quando a bitola é apenas humana. A degradação evidente do homem na cultura contemporânea, rebaixado a uma mera condição animal, é um fruto amaríssimo de um mundo sem Deus. Também poderíamos aduzir a própria diluição das fronteiras entre o bem e o mal, o ser e o nada, a verdade e a mentira… como resultados de uma destruição dos alicerces de uma grande civilização: Deus. Não por acaso, há um ódio imediato e evidente na reacção pública quando algum político, professor, figura pública ousa invocar o nome de Deus, por exemplo.
Após esta explanação de relação sociológico-religiosa, a afirmação de Napoleão Bonaparte, “uma sociedade sem religião é um navio sem bússola” vem ao encontro daquilo que é a realidade existente na relação entre sociedade e religião.
A religião é, sem dúvida, um grande agente de socialização, que contribui para a ordem social, através de todo um manancial de valores, normas, regras, mandamentos, que não pretendem aprisionar o homem em si nem estagnar a sociedade, mas levar a humanidade a uma liberdade plena que é possível alcançar. Os ensinamentos da religião pretendem ser um sinal que guia e orienta o homem a desenvolver a sua dimensão social. E quanto mais desenvolvida for a sua dimensão espiritual, melhor o homem será com o seu semelhante e melhor será a sociedade.