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LITURGIA: CULMEN ET FONS

Por: Padre Jorge Ferreira

Respondendo ao convite que me foi dirigido pela Direção da Academia São Tomás de Aquino, lembreime de apresentar a problemática de como podemos compreender a Liturgia como “cume” e “fonte” e que consequência traz este axioma ao estudo da espiritualidade cristã.

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Com a preocupação de evitar um certo “panliturgismo”, o Concílio tem a preocupação de referir que a «liturgia não esgota toda a ação da Igreja» (SC 9). Contudo, pretende também dizer que apesar disso, «a liturgia é cume e fonte da ação evangelizadora da Igreja» (SC 10). Ação esta que se dirige tanto aos crentes como aos não crentes. A liturgia não é a primeira ação da Igreja, mas pode ser considerada cume e fonte se compreendida à luz do mistério de Cristo e da Igreja. Contudo, não se pode pensar em Liturgia sem a Eucaristia, que constitui o seu centro e o vértice. Assim, deve-se ter em conta que as duas imagens de culmen et fons estão em relação íntima com a ação apostólica da Igreja. A Liturgia é cume e fonte da ação da Igreja, enquanto a Eucaristia é o centro da vida da Igreja.

Compreende-se que a expressão culmen et fons não foi criada de novo por ocasião do Concílio, mas preparada por todo o percurso do Movimento Litúrgico, que tinha uma preocupação pastoral e refletia também sobre a espiritualidade cristã. Circunscrevendo o argumento apenas aos crentes, podemos constatar que a Liturgia transforma o cristão. Não se pode pensar num verdadeiro cristão que não participe na Liturgia. A experiência litúrgica é pessoal, subjetiva, mas vivida objetivamente em comunidade. Ao celebrar os sacramentos, o cristão aceita entrar num contexto comunitário, deixa-se envolver pelo ambiente que o rodeia e é moldado pelas palavras e pelos gestos passando a uma experiência de recetividade convicta e inteligente. Desta forma os fiéis são levados a viver de forma autêntica em perfeita união uns com os outros de modo a “exprimir na vida o que celebram pela fé”. Podemos facilmente concluir que a liturgia faz o cristão na medida em que quando se entra numa igreja para celebrar, se aceita livremente o que é proposto: as leituras, as orações, o calendário. A finalidade da liturgia, dos ritos litúrgicos, é forjar a espiritualidade do homem e determinar os princípios de sua ação. Por isso, podemos falar da liturgia como um método verdadeiro e próprio de vida espiritual. A partir daqui compreende-se que não podemos seguir em frente sem nos preocuparmos, tal como os pais do Movimento Litúrgico, em fazer com que os crentes possam participar de forma mais profunda na Liturgia. Visto isto, não se admite que a participação na Eucaristia seja tida como aborrecida, rotineira e sem sentido renovado. A Liturgia é cume e fonte da vida espiritual, na medida em que permite ao fiel cristão de celebrar o mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo como ação santificadora, aceite e apropriada de forma a santificar-se e a glorificar Deus.

Há também uma outra reflexão a ser feita. A constatação de que hoje as nossas celebrações litúrgicas não tocam mais a experiência real das pessoas que delas participam, revela um sinal evidente de algo maior, como afirma Keith Pecklers: “A crise atual na presença da Igreja e na participação litúrgica é, na realidade, muito complexo e representará um desafio cada vez maior para os ministros e pastores do futuro”. Dizer liturgia, dizer espiritualidade, de facto, significa dizer igreja porque não se vive em compartimentos estanques e então o discurso deve ser colocado de forma mais ampla: quem é a Igreja hoje? Como se apresenta a Igreja hoje? A liturgia é epifania da Igreja, do ambiente eclesial que os crentes vivem hoje. E muito do afastamento da liturgia e a busca de outras coisas talvez possa ser atribuído ao lugar ocupado e ao papel desempenhado pela Igreja na nossa sociedade.

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