PAJ2014 Materia Completa Negocios e Carreira Exame no Auge

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capa | carreira

no auge. e de saida Aos 58 anos, Roberto Setubal começa a preparar sua saída do Itaú. Ele se aproxima da idade em que o banco o obriga a se aposentar. Num mundo em que o envelhecimento é um dado da realidade, como as empresas devem aproveitar executivos como ele?

o

giuliana napolitano e lucas amorim

banqueiro Roberto Setubal está no auge — e está de saída. Aos 58 anos, desde os 39 na presidência do Itaú, Setubal é responsável por um

período de crescimento espetacular na história do banco. Em seu mandato, o valor de mercado do Itaú cresceu 40 vezes. Em 2008, costurou, com habilidade ímpar, a fusão com o Unibanco — criando o maior banco privado do país e encerrando um reinado de 62 anos do arquirrival Bradesco. Hoje, o banco tem 15 milhões de correntistas, quase 4 000 agências e pouco mais de 121 000 funcionários. Com esse tamanho todo, vive um momento particularmente complicado. Está em meio a um penoso processo de corte de custos, executivos acabam de ser trocados e, com a taxa de juro em seu patamar historicamente mais baixo, ganhar dinheiro está ficando mais difícil. É justamente nessas horas que executivos como Setubal têm mais valor para uma em-

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no auge. e de saida Aos 58 anos, Roberto Setubal começa a preparar sua saída do Itaú. Ele se aproxima da idade em que o banco o obriga a se aposentar. Num mundo em que o envelhecimento é um dado da realidade, como as empresas devem aproveitar executivos como ele?

o

giuliana napolitano e lucas amorim

banqueiro Roberto Setubal está no auge — e está de saída. Aos 58 anos, desde os 39 na presidência do Itaú, Setubal é responsável por um

período de crescimento espetacular na história do banco. Em seu mandato, o valor de mercado do Itaú cresceu 40 vezes. Em 2008, costurou, com habilidade ímpar, a fusão com o Unibanco — criando o maior banco privado do país e encerrando um reinado de 62 anos do arquirrival Bradesco. Hoje, o banco tem 15 milhões de correntistas, quase 4 000 agências e pouco mais de 121 000 funcionários. Com esse tamanho todo, vive um momento particularmente complicado. Está em meio a um penoso processo de corte de custos, executivos acabam de ser trocados e, com a taxa de juro em seu patamar historicamente mais baixo, ganhar dinheiro está ficando mais difícil. É justamente nessas horas que executivos como Setubal têm mais valor para uma em-

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germano lüders

roberto setubal, presidente do itaú: novas regras para que ele permaneça mais dois anos à frente do banco


capa | carreira presa: com o conhecimento técnico acumulado pelos anos à frente do banco, a expe­riência de vida necessária para evitar erros simples, o jogo de cintura de quem domina a estrutura da companhia de cima a baixo. Mas Setubal está de saída. Segundo o estatuto do Itaú, ele logo chegará ao ponto em que é velho demais para liderar: 60 anos. Em fevereiro, para adiar um pouco o processo, o Itaú anunciou uma ex­traor­dinária mudança nas regras. Setubal poderá ficar até os 62 anos à fren­te do banco (leia mais sobre as mudanças do Itaú na pág. 44). Mas a esticadinha não altera o essencial: em quatro anos, ele perderá qualquer função executiva e terá de passar o bastão. A sucessão no Itaú simboliza um dilema enfrentado por milhares de companhias no mundo. Num momento em que vivemos cada vez mais — e melhor —, faz sentido desperdiçar o talento de gente na casa dos 60 ou 70 anos? Quando um executivo deve se aposentar e passar o comando à geração seguinte? Em países em que há escassez de trabalhadores qualificados, como o Brasil de hoje, não vale a pena aproveitar o conhecimento de quem tem décadas de experiência? São perguntas com as quais cada vez mais empresas lidam, e que afetam a vida de milhões de executivos que, hoje na casa dos 50 anos, sentem que está chegando a hora de dar, compulsoriamente, um passo atrás na carreira. Pesquisas a que EXAME teve acesso mostram que existe uma clara tendência nas companhias: a de aposentar, sim, os mais velhos — só que cada vez mais tarde. Segundo a consultoria de recrutamento Spencer Stuart, 73% das empresas americanas aposentam altos executivos de forma compulsória. Em 2002, o percentual era de 55%. Mas o número de empresas em que o teto é superior a 75 anos passou de 2%, em 2002, para 22%, atualmente (veja quadro ao lado). No Brasil, 41% das companhias adotam essa prática e o limite é mais baixo — varia, em geral, de 60 a 65 anos, de acordo com um levantamento exclusivo feito pela consultoria de recursos humanos Höft com 230 empresas.

Aposentadoria obrigatória

O quadro abaixo mostra como as empresas lidam com a aposentadoria de seus profissionais, aqui e no exterior — e o que os funcionários esperam O QUE AS EMPRESAS FAZEM Quantas empresas aposentam seus funcionários de forma compulsória depois de certa idade (% do total) Estados Unidos

Brasil

73%

41%

Entre as empresas que adoTam essa prática, veja qual é a idade-limite, em média (% do total) Brasil

Estados Unidos

De 55 a 59 anos

De 66 a 70 anos

De 60 a 65 anos

De 71 a 75 anos

70%

De 70 a 75 anos

78%

17% 12%

75 anos para cima

22%

1%

O QUE OS PROFISSIONAIS QUEREM As pessoas estão planejando se aposentar mais tarde ­— a maioria a partir dos 65 anos (% do total, média mundial) Menos de 60 anos

De 60 a 64 anos

Aos 65 anos

30% 22%

18%

Acima de 66 anos

36%

26%

16%

16%

7% 2001

2011

2001

2011

2001

2011

2001

Fontes: Economist Intelligence Unit, Höft, Spencer Stuart, The Sloan Center on Aging & Work e AARP Foundation

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2011


O que as empresas PLANEJAM FAZER para aproveitar o conhecimento de funcionários que se aposentam (média nos Estados Unidos) Contratar aposentados como temporários ou como consultores

69% Criar programas de transferência de conhecimento para os mais jovens

53% Formatar planos de sucessão para os veteranos em funções críticas

51% Manter os mais velhos como funcionários em período integral

46% Quão eficientes as empresas acreditam ser Muito eficientes Nada eficientes Razoavelmente eficientes Não sabem Para entender as necessidades de funcionários mais velhos

14%

14% 19%

53% Para transferir conhecimentos de funcionários que estão perto de se aposentar

14%

13%

26%

47%

Não há estudos que mostrem quando um executivo está no ápice de sua capacidade. As pesquisas mostram que, em geral, atingimos a melhor fase do raciocínio matemático dos 20 aos 30 anos. Em 1905, aos 26 anos, o alemão Albert Einstein publicou três artigos acadêmicos que revolucionaram diferentes ramos da física — e começaram a derrubar o castelo erguido 250 anos antes por outro jovem, o inglês Isaac Newton, que aos 24 anos havia descrito a gravitação universal. Nos esportes, obviamente, os jovens imperam. Em outros campos, a relação entre idade e competência é menos linear. Na pintura, o espanhol Pablo Picasso já era um gênio reconhecido aos 20 anos. Pintou uma de suas obras-primas, As Damas de Avignon, aos 26. Mas o francês Paul Cézanne levou décadas até aprimorar sua arte a ponto de ser reconhecido

— em suma, que a fila anda. “A troca de comando precisa ocorrer num momento em que a próxima geração está pronta para assumir o posto, não quando também já está perto de se aposentar, ou cria-se um ambiente desestimulante”, afirma John Davis, professor da escola de negócios da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas em gestão e negócios familiares. Se um daqueles jovens em ascensão vê que os altos executivos da companhia em que trabalha ficam no cargo por décadas, até os 75, 80 anos, tende a achar que a chance de chegar ao topo é pequena — a tentação de procurar um emprego em outro lugar é irresistível. Também segundo os defensores desse tipo de regra, o limite de idade é necessário em função da extenuante rotina de um alto executivo no mundo de hoje. As jornadas no escritório podem chegar

Uma pesquisa mostra que 88% das empresas apontam o conflito de gerações como um risco na hora de contratar e manter veteranos como um dos maiores da história. No caso de executivos e empresários, é igualmente difícil encontrar um padrão. Há empresas que precisam da fúria jovem do empreendedor: as grandes inovações e a ruptura em setores carcomidos virão dele. Em outras, a experiência é fundamental para, por exemplo, lidar com conflitos, fazer rees­truturações, colocar companhias numa rota de crescimento estável. Há, inclusive, aqueles que passaram dos 70 anos, mas têm vontade de garotos. Pergunte a Jorge Paulo Lemann, Abilio Diniz ou Warren Buffett. Se não existe uma regra, por que cada vez mais empresas dizem a seus funcionários quando eles precisam parar de trabalhar sem levar em conta se estão indo bem ou mal? A lógica por trás dessa política é mostrar aos jovens que há espaço para crescer na empresa

a 15 horas, as viagens são frequentes: quando uma empresa decide abrir o capital, por exemplo, alguns de seus principais executivos passam uma semana numa maratona de oito a 12 reuniões por dia com investidores estrangeiros, em dois ou três países. Mas isso justifica mandar um executivo para casa aos 60 anos? Como costuma acontecer, a solução talvez esteja no meio. Nem dispensar quem chega aos 60 nem impedir a fila de andar. É o que cada vez mais empresas, no mundo todo, vêm tentando fazer. Uma pesquisa da consultoria americana AARP, especializada em aposentadoria, mostra que 69% das companhias instaladas nos Estados Unidos planejam usar os serviços desses antigos funcionários — geralmente, na forma de consultoria ou em postos que não requeiram dedicação exclusiva. A 20 de março de 2013 | 39


capa | carreira fabricante alemã de autopeças e ferramentas elétricas Bosch tem um programa global em que funcionários podem se tornar consultores após a aposentadoria compulsória, aos 60 anos. O projeto existe há dez anos e tem 3 000 cadastrados. No Brasil, passou a funcionar no fim de 2010 e tem 40 profissionais, que já realizaram 80 projetos. Segundo a Bosch, quando possível, é melhor usar os serviços desses profissionais do que os de uma consultoria externa, porque eles conhecem melhor a companhia e, em geral, são mais baratos. “Vou à Bosch de duas a três vezes por semana e no restante do tempo fico em casa”, diz Edgar Garbade, que, após sete anos como presidente da empresa para a América do Sul, hoje é consultor. Aos 67 anos, ele afirma que não está mais disposto a enfrentar a rotina e a pressão típicas de um alto cargo executivo — mas não é por isso que quer passar o resto de seus dias jogando golfe. “Uma pessoa não precisa ficar até os 80 num cargo executivo. O ideal é que ela mude de função e continue contribuindo de forma diferente”, diz Betania Tanure, consultora especializada em gestão. No Grupo Votorantim, dois ex-presidentes que se aposentaram nos últimos dois anos se tornaram consultores: Carlos Aguiar, da Fibria, subsidiária de papel e celulose do conglomerado, e João Bosco Silva, da Votorantim Metais. Eles não trabalham exclusivamente para a Votorantim — podem prestar serviços para outras companhias, desde que em setores diferentes. “Manter executivos aposentados no grupo não pode ser um prêmio de saída. Queremos ficar com os que efetivamente possam contribuir”, diz Gilberto Lara, diretor de recursos humanos do grupo. Reter os mais velhos é imperioso para empresas que atuam em setores com carência de mão de obra. E, no Brasil de hoje, quem não se encaixa nessa categoria? Um exemplo é o que está ocorrendo na construção civil. Esse mercado ficou praticamente estagnado durante uma década, em razão da falta de crédito e do menor 40 | www.exame.com

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A fila tem de andar?

Os benefícios e os riscos de voltar a contratar funcionários e executivos já BENEFÍCIOS Flexibilidade

Funcionários e executivos aposentados podem ser contratados como consultores ou convocados apenas para ajudar em novos projetos Quem faz O Grupo Votorantim contrata alguns executivos aposentados como consultores

Relacionamento

Trabalhadores mais velhos são apontados por especialistas como ideais para cargos focados no relacionamento com clientes e fornecedores Quem faz Nos Estados Unidos, o Walmart contrata veteranos para as áreas de atendimento a clientes

Treinamento

Em vez de mandar seus aposentados para casa, um grupo crescente de empresas contrata-os para treinar os recém-chegados Quem faz A Embraer contrata os funcionários com mais de 65 anos como professores dos engenheiros recém-chegados


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crescimento da renda. Há cerca de dez anos, quando o setor renasceu, não havia engenheiros, arquitetos nem pedreiros em número suficiente para fazer frente à demanda. A solução encontrada pela incorporadora Tecnisa, que acaba de lançar o maior empreendimento do país, um conjunto de 30 prédios localizado na zona oeste de São Paulo, foi contratar mestres de obra e engenheiros aposen­ tados. Atualmente, 10% dos 3 500 funcio­nários têm mais de 60 anos. Em al­gumas companhias, a falta de gente é tão grave que é preciso voltar atrás e reescrever as regras de aposentadoria. No ano passado, a fabricante de aeronaves Embraer decidiu acabar com a idade-limite de 65 anos para a apo­sentadoria, prática que havia sido instituída em 2006. “Treinamos mais de 1 000 engenheiros recém-formados na última década, mas percebemos que isso não seria suficiente. Não podemos abrir mão da experiência”, afirma Daniela Sena, diretora de recursos humanos da Embraer.

aposentados, de acordo com especialistas e as próprias empresas riscos Conflito de gerações

Colocar aposentados para trabalhar com chefes mais novos pode trazer problemas. O ideal é criar uma relação de igualdade Quem faz A construtora Tecnisa contrata mestres de obras aposentados, mas evita que eles sejam chefiados por funcionários muito mais jovens Segurar os veteranos em cargos de liderança impede que os mais jovens possam subir na hierarquia da companhia. O recomendável é transferi-los para novos postos Quem faz Na Bosch, os funcionários têm de se aposentar aos 60 anos, mas podem se tornar consultores

Perda de produtividade Para cargos em que agilidade e força são necessários, os mais velhos obviamente ficam em desvantagem. Dá para mantê-los, mas com adaptações Quem faz A BMW adaptou mais de 100 fábricas para operários com mais de 65 anos. A produtividade cresceu 10%

brigas e ciumeira

hangar da embraer: por não conseguir contratar especialistas, a empresa desistiu da aposentadoria compulsória

germano lüders

Desmotivação dos mais jovens

As empresas que criam programas sérios para aproveitar funcionários que passam dos 60 anos percebem, na dura prática, como é difícil adaptá-los sem gerar brigas ou ciumeira — e fazendo todos remarem para o mesmo lado. Os especialistas dizem que o maior risco é, justamente, o conflito de gerações: 88% das empresas apontam isso como uma grande dificuldade ao recontratar ou manter veteranos, de acordo com uma pesquisa do professor Peter Cappelli, da escola americana de negócios Wharton. O problema, segundo ele, é que a estrutura organizacional das empresas é pensada para que seus funcionários subam na hierarquia, e não para acomodar quem quer ou precisa desempenhar um papel diferente, como é o caso dos aposentados que voltam a trabalhar em postos menos estratégicos. “Gerir trabalhadores mais velhos requer uma abordagem curiosamente semelhante à que vale para as novas gerações. É preciso comunicar com clareza, dar 20 de março de 2013 | 41


capa | carreira desafios, envolvê-los nas decisões, reconhecer suas contribuições. E, acima de tudo, valorizar seu conhecimento. É essa, afinal, a principal vantagem de colocá-los para trabalhar ao lado dos mais jovens”, diz Cappelli. Por enquanto, poucas empresas conseguem fazer isso. Uma pesquisa da consultoria Economist Intelligence Unit mostra que apenas 14% delas dizem entender claramente as necessidades de funcionários mais velhos. Ou seja, embora haja uma espécie de consenso em torno da necessidade de aproveitar o estoque de experiência de funcionários mais velhos, as empresas ainda patinam na hora de decidir o que diabos eles devem ou não fazer. A discussão sobre a idade certa para parar de trabalhar é recente. Até o século 19, não havia nada remotamente parecido com seguridade social. Ou as pessoas trabalhavam até morrer, ou eram sustentadas por seus parentes. Em 1883, o chanceler alemão Otto von Bismarck criou o que ficou conhecido mais tarde como aposentadoria. Quando completavam 65 anos, os trabalhadores da indústria, do comércio e da agricultura tinham assegurado o pagamento de uma pensão. Os que chegavam até lá, porém, podiam considerarse afortunados — a expectativa de vida na Europa na época não chegava a 50 anos. Os Estados Unidos, mais tarde, copiaram a ideia para pagar um salário aos veteranos de guerra. No mundo corporativo, a grande mudança ocorreu nos Estados Unidos na década de 50, quando começou a ser instituída a aposentadoria compulsória. Numa época de expansão no pós-guerra, as companhias americanas perceberam que seus executivos mais velhos relutavam em treinar os mais jovens com medo de, ao primeiro deslize, perder o emprego. A varejista Sears resolveu esse problema ao determinar uma idade-limite para seus funcionários — 65 anos, coincidentemente, a expectativa de vida dos homens americanos na década de 50. Como sabiam que teriam de deixar o cargo de qualquer 42 | www.exame.com

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Trabalhar até morrer

fábrica da bosch na rússia: 3 000 aposentados foram contratados como consultores da empresa no mundo desde 2003


Um novo equilíbrio? O contingente de pessoas com mais de 65 anos cresce mais que a população mundial desde os anos 60 — e cada vez mais rápido Participação das pessoas com mais de 65 anos na população mundial (% do total)

5%

7%

9%

14%

20%

1970

1990

2010

2030(1)

2050(1)

Países com maior proporção de idosos (% do total)

30%

26%

26%

25%

24% 10%

1º Japão

2º Itália

3º Alemanha

4º Suécia

5º Bulgária

79º Brasil

(1) Previsão Fontes: US Census Bureau, ONU e Boston College

Em 1833, foi criada a aposentadoria para os que passavam dos 65 anos. A expectativa de vida na Europa era de 50 anos forma, os que estavam perto de se aposentar passaram a pensar, pela primeira vez, em treinar funcionários para substituí-los. Na teo­ria, a idade-limite ajuda a empresa a ter sucessores preparados — na prática, claro, a coisa é mais complicada. No caso do Itaú, a aposentadoria compulsória foi alterada de 62 para 60 anos logo depois da fusão com o Unibanco. Portanto, não era novidade para ninguém a necessidade de treinar um sucessor para Roberto Setubal. Mas a falta de um nome para sucedê-lo forçou o banco a propor uma mudança nas regras. A mudança

foi bem recebida — suas ações subiram 8% nos quase 20 dias que se seguiram ao anúncio —, mas o fato é que o problema da sucessão continua (procurado, o Itaú não deu entrevista). Adaptar-se a uma força de trabalho mais velha será um dos grandes temas para as empresas no século 21. O motivo, aqui, é a demografia, e não há nada a fazer senão aprender a lidar com ela. Projeções da Organização das Nações Unidas indicam que a quantidade de pessoas com idade entre 15 e 55 anos na população mundial cairá de 61%, em 2010, para 55%, em 2050.

No mesmo período, o grupo de pessoas­ com mais de 65 anos deverá saltar de 9% para cerca de 20%. Na metade do século, o grupo de brasileiros com até 14 anos será igual ao de maiores de 65 anos. No Reino Unido, já há mais pessoas com idade acima de 60 anos do que abaixo de 18 anos. É uma transformação que afeta, claro, as empresas, mas transformará sociedades inteiras. O exemplo mais óbvio é o do buraco nas contas dos sistemas de previdência, que obrigará governos a aumentar o limite de aposentadoria. Quem colabora com planos de pensão privados terá de refazer as contas para que as contribuições mensais resultem em benefícios para a vida inteira. Em muitos casos, continuar trabalhando, mesmo que menos, será fundamental para garantir a renda nas últimas décadas de vida. “É preciso encorajar os idosos a permanecer empregados e saudáveis pelo maior tempo possível”, escreveu, num artigo publicado recentemente por EXAME, o demógrafo e economista americano David Bloom, professor na escola de saúde pública de Harvard. Finalmente, há uma crescente multidão de pessoas que continuarão trabalhando não porque precisam de dinheiro, mas porque não concebem a ideia de parar tão jovem. No Brasil, a expectativa média de vida está em 70,6 anos para homens e 77,7 para mulheres — mas, segundo as seguradoras, quem chega aos 60 anos tem grande chance de viver pelo menos mais 21. A explicação é que o risco de morrer em consequência de acidentes, violência ou consumo de drogas diminui com a idade. As pesquisas com executivos mostram que oito em cada dez deles estão dispostos a continuar trabalhando após a “aposentadoria”, desde que tenham horários flexíveis. Para eles, a hora de liderar talvez tenha passado — mas estão, sim, dispostos a se encaixar. E, tenham ou não percebido isso, as empresas terão de encontrar um lugar para eles. n Com reportagem de Ana Luiza Leal e Guilherme Manechini

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começou a sucessão

O que está por trás da mais recente reestruturação interna anunciada pelo maior banco privado do país

n

o fim de 2008, o banco Itaú costurou um acordo que seus maiores concorrentes haviam tentado, por quase uma década, sem sucesso: fechou a fusão com o Unibanco e criou o maior banco privado do país. Para chegar a esse desfecho, o Itaú abriu mão de poder. Embora tivesse cerca do dobro do tamanho do Unibanco, aceitou criar uma holding em que as principais decisões estratégicas são compartilhadas pelos acionistas dos dois bancos. De forma geral, houve um equilíbrio, nos cargos de chefia, entre executivos das duas instituições. Grupos de trabalho foram criados para aproveitar o que dava certo em cada banco. Do ponto de vista dos clientes, a integração foi um relativo sucesso. A união das agências ocorreu em tempo recorde. Mas, internamente, a integração foi bem mais complicada — e, pelo que EXAME apurou com profissionais do banco, ex-funcionários e executivos de mercado, ainda não terminou. O Itaú está na terceira rodada de reestruturações desde a união com o Unibanco. O vice-presidente Marcos Lisboa e o diretor executivo Sérgio Werlang deixaram seus cargos no início do ano. E vem mais mudança por aí. Um exemplo é o que está ocorrendo no departamento responsável por crédito e serviços a empresas. Na prática, ele deixará de existir. As empresas de menor porte passarão a ser atendidas pela equipe de varejo, nas agências, e as maiores serão transfe-

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ridas para o banco de investimento Itaú BBA. Já se sabe que nem todos os profissionais da área afetada — cerca de 800 — ficarão no banco. À equipe, um dos diretores do departamento disse que estava “implícito” que haveria “desligamentos”. Executivos do banco e de mercado dizem que outras áreas, como a de gestão de investimentos e controle de riscos, também estão passando por rees­truturações — e podem anunciar demissões ou troca de funções em breve. Até o fechamento desta edição, as mudanças estavam sendo discutidas. Procurado, o Itaú não deu entrevista. A primeira tentativa de Schettini, Marino e organizar a estrutura do Bracher: três Itaú Unibanco ocorreu logo executivos que depois da fusão, quando foestão à frente de ram definidas as novas viceáreas estratégicas do banco Itaú presidências. Mas, inicialtante diferente. No Itaú, mente, pouco foi mexido na as principais áreas de base. Com o país crescendo, negócios funcionavam o consumo aumentando e a demanquase de forma independente. No da por crédito explodindo, o banco Unibanco, ocorria o inverso: havia decidiu manter os funcionários. Em áreas centrais que prestavam serviço junho de 2011, de acordo com dados a outros departamentos, um procesdo Banco Central, o Itaú chegou a so conhecido como “horizontal”. “No ter mais funcionários do que o BanItaú, os chefes de cada área eram forco do Brasil, que é maior e tem mais tes. Eles é que decidiam como as coiagências. Naquele ano, foi iniciado sas iam ser feitas. No Unibanco, as um programa de demissões que coráreas eram mais importantes do que tou 14 000 empregados. os executivos”, diz um funcionário. Dessa vez, escolher quem demitir Após a fusão, foi adotado o modelo não é o único objetivo da reestrutudo Unibanco. A expectativa era torração. Outro é tornar os processos nar os processos mais ágeis, mas, em mais ágeis. Quando se fundiram, Itaú alguns segmentos, aconteceu o cone Unibanco operavam de forma bastrário. “Uma senha de acesso para


Fotos: Luis Ushirobira/Valor/Folhapress;germano lüders; ANAPAULAPAIVA/VALOR/FOLHApress

funcionários chega a demorar 15 dias”, diz um funcionário. De acordo com um executivo que deixou a instituição recentemente, o Itaú passou a demorar demais para lançar produtos porque havia pouca integração com a área de controle de riscos, tocada por Werlang, que tinha de aprovar cada lançamento. “Pro­dutos que poderiam ir para o mercado em três semanas levavam três meses. Ficávamos parados nos detalhes”, diz esse executivo, que pediu para não ser identificado. A meta financeira é deixar o Itaú mais eficiente. Quando a união com o Unibanco foi anunciada, a expectativa era que o novo banco passaria três anos difíceis, até conseguir integrar

as operações, e depois cresceria mais gastando menos. Até agora, isso não ocorreu. O índice de eficiência, que mede a relação entre receitas e despesas, está em 45% (é pior que o do Bradesco). Suas ações, que em 2009 chegaram a ser negociadas com um prêmio de quase 35% sobre as do Bradesco, valem 6% menos, segundo um levantamento do analista Mario Pierry, do Deutsche Bank. A necessidade de arrumar a casa foi um dos motivos que levaram à decisão de Roberto Setubal, presidente do banco, de ficar mais dois anos à frente da instituição, de acordo com quem acompanha o processo. A proposta, que tem de ser aprovada numa assem-

bleia de acionistas em abril, é que, após os 60 anos, ele se torne presidente da holding que controla o banco. Nessa fase, o plano é que dois executivos respondam diretamente a ele, o diretorgeral de atacado (que cuida do relacionamento com empresas) e o de varejo. Hoje, os executivos mais cotados são, respectivamente, Candido Bracher, presidente do Itaú BBA, e Marcio Schettini, vice-presidente de crédito ao consumidor, que recentemente englobou as áreas de seguros e financiamento imobiliário e de veículos. Ele tem menos de 50 anos e coordenou uma elogiada reestruturação em seu departamento. Mas a estrutura do banco depois que Setubal fizer 62 anos é uma incógnita. “Uma opção é que os diretores de atacado e de varejo respondam para o conselho de administração, do qual Setubal fará parte”, diz um executivo próximo ao banco. expansão internacional

Arrumar a casa também é condição para que o Itaú coloque em prática o plano de aumentar seus negócios no exterior, área sob o comando de Ricardo Villela Marino, bisneto do fundador, Alfredo Egydio de Souza Aranha. A meta é elevar a participação das operações internacionais no resultado do banco, de 6% para 20% até 2020. O Itaú tem operações de varejo na Argentina, no Chile, no Paraguai e no Uruguai e escritórios nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e no Oriente Médio. Setubal já admitiu ter interesse pelo mexicano Banamex, mas disse que não houve negociações. Pessoas próximas dizem que ele chegou a analisar a compra de uma instituição na Colômbia, mas desistiu porque achou caro. Resolver os problemas internos, preparar sua sucessão e olhar para fora ao mesmo tempo — os quatro últimos anos de Roberto Setubal à frente do maior banco privado do Brasil não serão os mais simples. GIULIANA NAPOLITANO

20 de março de 2013 | 45


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