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A espécie humana já foi capaz de pousar em um cometa, mas ainda não conseguiu inventar nada melhor do que o churrasco. Entenda por que a força primitiva − e de certa forma incontrolável − do fogo de um braseiro nunca vai encontrar concorrente à altura no arsenal tecnológico da culinária moderna. Por marcos nogueira | Foto Tomás Arthuzzi

produção culinária Carla Ferber

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ada se compara ao churrasco. Não que faltem cardápios alternativos: a humanidade adora brincar com fogo e, assim que o domesticou, pôs-se a inventar jeitos de usá-lo para modificar a comida. Ferveu, fritou, assou e defumou; cozinhou no vapor, no forno combinado e nas micro-ondas; transformou o alimento em purê, em molho, em bolo e em torta; inventou a culinária clássica francesa, a nouvelle cuisine e a tal gastronomia molecular − corrente pirotécnica que se vale de produtos químicos de laboratório e de aparatos hi-tech para transformar o alimento. Mas, na hora do vamos ver, o que fala mais alto ao estômago é uma técnica culinária anterior ao surgimento do Homo sapiens. Para alegrar um humano faminto, bastam um braseiro e um bom naco de carne − no caso dos vegetarianos, cogumelos graúdos, cebolas e pimentões tostados à perfeição devem funcionar. Há dois motivos para que nunca tenhamos conseguido criar algo tão bom quanto o churrasco. O primeiro diz respeito a uma limitação intransponível. O calor da brasa produz transformações químicas e físicas únicas − delas resultam os deliciosos sabores e texturas característicos do churrasco −, que nenhum equipamento moderno de cozinha é capaz de repli-

O calor intenso que as brasas irradiam é crucial para o churrasco: nada em uma cozinha moderna tem o mesmo efeito. 20 /

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car. O segundo motivo é justamente o fato de ele ser tão antigo. O sabor da comida na brasa está entranhado na psique coletiva desde que, mais de 2 milhões de anos atrás, o Homo erectus percebeu que o fogo servia para algo além de iluminar, aquecer e espantar as feras. Em qualquer lugar do mundo, um forasteiro sabe que é bem-vindo quando alguém lhe convida para um churrasco. O programa pode incluir asado de cordeiro acompanhado de vinho malbec na Argentina, barbecue com hambúrgueres e cerveja em lata nos Estados Unidos ou tripas de javali-africano, sem sal nem limpeza adequada, feitas diretamente no fogo pelos povos bosquímanos da Namíbia. O ritual do churrasco varia em sofisticação, mas a simbologia ancestral permanece a mesma. É o momento em que a tribo se reúne em volta da fogueira para compartilhar a comida e celebrar a união do grupo. É a ocasião em que o cacique se embriaga, o pajé fala mais do que deveria e os guerreiros baixam a guarda. É a festa em que a casa fica vulnerável, aberta e exposta aos convidados. Isso quando existe uma casa, é evidente. Porque o churrasco precede a construção civil − esta se desenvolveu já na era neolítica, com a invenção do forno, cuja função primordial era secar a argila para a fabricação de tijolos. Precede também a criação de ferramentas sofisticadas. Em tempos primitivos, a churrasqueira não passava de um buraco no chão ou uma pilha de pedras; em nome do churrasco, o homem urbano regride a esse troglodita sempre que a natureza o chama. Na falta de uma bela parrilla de alvenaria, vale qualquer tipo de gambiarra: tijolos, rodas de caminhão, barris metálicos, cocos vazios encontrados na praia. Todas funcionam quando entregues às mãos de um bom churrasqueiro. E um churrasqueiro só é bom quando consegue fazer uma boa brasa, mora?

ABRASANTE E RADIANTE

A fonte de calor é quase tudo para o churrasco. A quantidade brutal de energia emitida por um braseiro é aquilo que os aparatos modernos não conseguem imitar. É ela que distingue o churrasco da carne cozida, da carne assada e do bife feito na frigideira ou na grelha a gás. Para entender como isso funciona, é necessário retomar algumas noções de física que você já deve ter visto em aula (calma: será rápido e indolor). O calor se propaga de três formas. Na convecção, ele depende de meios líquidos ou gasosos


(em termos culinários, água, óleo e ar); na condução, de um meio sólido (panelas, frigideiras e chapas metálicas). Os meios propagadores sempre roubam uma parcela da energia. Esse “pedágio” varia bastante: a água ferve a 100 ºC e não passa disso, o óleo atinge o dobro dessa temperatura, e o fundo de uma frigideira de ferro chega ao quíntuplo ou mais. A terceira forma de transferência de calor dispensa intermediários “ladrões”: é a radiação, que atua no churrasco, com temperaturas de três dígitos. Nela, a energia liberada pela combustão chega diretamente ao destino − seja ele uma picanha ou uma berinjela − na forma de ondas luminosas infravermelhas. E nada que você possa ter em uma cozinha irradia tanto calor quanto uma brasa. O fogo é só um meio de se obtê-la. Atingido esse fim, ele se torna indesejável, pois pode se alastrar para a comida, transformando-a em combustível − e obrigando o dono da festa a pedir pizzas para os convidados. Por isso, paciência é crucial. O nível máximo de radiação é alcançado no ponto em que as chamas já morreram, quando o centro das brasas emite luz alaranjada. O problema para as populações urbanas é que o fim (a brasa) não somente justifica o meio (o fogo), mas depende totalmente dele. Fazer fogueiras dentro de casa não costuma ser uma boa ideia: você precisa de uma chaminé para dar vazão à fumaça e um ótimo isolamento para evitar incêndios, além de disposição para limpar as cinzas e a fuligem. Instalar uma churrasqueira indoor é muito caro. Ou é muito trabalhoso – quando não é uma impossibilidade arquitetônica. Assim, a indústria investe em substitutos para a churrasqueira a carvão, em aparelhos que possam ficar ao lado do fogão em uma cozinha de apartamento. O principal desses produtos alternativos é a grelha a gás. No manual de instruções da engenhoca, tudo parece uma maravilha. A chama de gás natural queima a cerca de 1.900 ºC, enquanto o carvão incandescente não ultrapassa os 1.100 ºC. Só que temperatura não importa tanto aqui. “O gás queima de forma limpa em chamas que emitem uma luz etérea. Embora a temperatura dentro dessas chamas azuis seja bastante alta, elas realmente irradiam muito pouca energia”, escreve o americano Nathan Myhrvold, coordenador de Modernist Cuisine (“A Cozinha Modernista”, disponível somente em inglês) − um projeto enciclopédico com cinco volumes que busca explicar

Ilustrações davi augusto

COMO A COMIDA SE TRANSFORMA

Da água fervente às micro-ondas, os principais métodos de aquecer e cozinhar alimentos.

Grelhar na chapa ou frigideira

Neste método, a transmissão de energia é feita pelo contato do alimento com o metal. A temperatura vai depender muito da fonte de calor (gás, indução ou fogo de madeira) e da frigideira ou chapa (material e espessura da superfície aquecida). Colocada diretamente sobre brasas, uma frigideira de ferro fundido atinge mais de 800 ºC; materiais antiaderentes não devem ser aquecidos acima de 260 ºC.

Cozinhar em água fervente

Como a água ferve a 100 ºC e se mantém nessa temperatura, este método nunca vai criar as reações químicas necessárias para caramelizar e tostar. Ainda assim, manter o fogo alto acelera o cozimento: com o aumento da turbulência da água fervente, cresce também a eficiência da transferência de calor.

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e ensinar de forma científica todos os processos envolvidos no ato de cozinhar. A solução encontrada pelos fabricantes foi incluir, entre os bicos queimadores e a grelha, uma camada de pedras vulcânicas − estas, sim, irradiam um bocado de calor quando aquecidas. “Pense nisto: quando foi a última vez que você viu as pedras de uma grelha a gás brilhando como brasas de carvão?”, pergunta Nathan Myhrvold. A resposta certa é “nunca”, já que as tais rochas emitem pouca luz e irradiam menos de metade da radiação de uma brasa. Cozinhe com gás e você pode ter um bom grelhado; nunca, porém, um churrasco de verdade.

A QUÍMICA DO SABOR

Salgado, tostado − às vezes pendendo para o queimado, mas sem amargor −, com um tantinho de fumaça, algo que pende para o doce e uma coisa muito especial, mas que dá um nó nas conexões cerebrais encarregadas de traduzir percepção sensorial em palavras. Assim é o sabor do churrasco perfeito. A coisa difícil de descrever é o umami, uma sensação muito doida descoberta pelos japoneses, que bateram na mesma tecla por quase um século até que a comunidade científica ocidental aceitasse sua existência. Hoje, ele é reconhecido

O “sabor de churrasco” vem dos sucos que pingam na brasa e voltam, em forma de fumaça aromática, para revestir a carne. 22 /

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como um dos cinco gostos básicos, ao lado do doce, do amargo, do salgado e do azedo. Não foi à toa que o umami − “gosto delicioso” − tenha sido catalogado pelos japoneses. Ele está na alga kombu, que condimenta os caldos básicos da culinária nipônica. Está no katsuobushi, o peixe seco que, ralado em flocos finíssimos, dá sabor a uma série de pratos. Está no shoyu. É a essência do glutamato monossódico, tipo de sal largamente utilizado na culinária asiática − Aji-no-moto é seu nome comercial mais famoso. Mas também aparece em várias outras comidas ricas em proteínas, como o queijo parmesão e o jamón ibérico. E, claro, a carne. Além do umami, entram em cena no churrasco uma série de compostos químicos produzidos quando a carne é posta sobre a grelha quente. Parte dessas substâncias surge com a chamada reação de Maillard: ela ocorre a temperaturas acima de 140 ºC em alimentos ricos em aminoácidos (componentes das proteínas) e açúcares. Submetidas ao calor e em condições de baixa umidade, essas moléculas reagem entre si para formar numerosos compostos aromáticos e de cor. É essa reação que forma a crosta dourada de uma maminha na brasa. Ou então a casquinha crocante do pão. Ou ainda o sabor intenso e adocicado das cebolas caramelizadas. Alimentos fervidos não passam por essa transformação pelo simples motivo de que a temperatura de ebulição da água − 100 ºC ao nível do mar − não basta para detoná-la. Se você fizer um bife numa frigideira de ferro bem aquecida, só um vacilo vai impedir que ele fique belo, dourado e saboroso por causa da reação de Maillard. Mas existe algo que só a churrasqueira é capaz de fazer com a carne. O segredo está na fumaça. Como diz Modernist Cuisine: “Um suco carregado de açúcares naturais, proteína e óleos goteja da carne sobre a brasa. Ao catalisar uma miríade de reações químicas, o calor intenso forja esses sucos carbonizados nas moléculas que contêm os aromas da comida grelhada. Essas novas moléculas literalmente viram fumaça e sobem, revestindo o alimento com o inconfundível sabor de churrasco.” Ocorre que essas reações químicas fabulosas valem muito pouco se você tiver um bife queimado ou uma costela dura feito pedra. Para se aproximar do churrasco perfeito, duas coisinhas são fundamentais: a qualidade da comida que será posta sobre a grelha e a habilidade para pilotar a churrasqueira.


AS MELHORES CARNES

Queijo coalho, abobrinha, sardinha, frango, shiitake, camarão, lula, palmito... a lista das coisas que podem ser preparadas na grelha não tem fim. Dito isto, é inegável que a carne bovina desempenha o protagonismo em um churrasco clássico. É dela que vamos falar agora − se você não come, pode pular os próximos parágrafos. Para ser preparada na churrasqueira, uma peça de carne precisa de alguma maciez. Isso porque a grelha é um método de cocção que atua em altíssimas temperaturas, extraindo velozmente a umidade da comida. Qualquer tentativa de fazer churrasco com carne dura resultará em algo parecido com uma pedra ou um toco de carvão. Para romper suas fibras musculares e derreter o colágeno − que vem na forma de tendões e de outros tecidos conjuntivos −, é necessário cozinhar lentamente, em calor brando e com muito líquido. Ou picar tudo muito bem picadinho. Saborosos, cortes como o acém e a paleta são ótimos para cozidos e hambúrgueres. Mas o churrasco exige carnes que fiquem prontas rapidamente, tenras e ainda suculentas. Carnes macias são mais apreciadas, portanto mais caras, portanto a indústria trabalha muito duro (ops!) para que elas sejam também mais abundantes. “Um objetivo essencial da ciência da carne é descobrir como produzir a carne mais macia”, escreve o antropólogo britânico Richard Wrangham no livro Pegando Fogo: Por Que Cozinhar nos Tornou Humanos. “Métodos de criação, abate, conservação e preparação desempenham todos o seu papel.” Animais confinados tendem a ter carne macia, assim como aqueles abatidos jovens e com estresse mínimo. A genética do gado faz sua parte: algumas raças são desenvolvidas para produzir indivíduos obesos, sedentários, cujos bifes exigem esforço mínimo de mastigação. Após o abate, ainda é possível amaciar a carne com a ação de enzimas que digerem as fibras musculares. É a chamada maturação − um processo de decomposição controlada, que exclui os micro-organismos causadores do apodrecimento. O fator mais importante, porém, é a anatomia do animal. Os músculos menos exercitados são menos rijos. As pernas são usadas na locomoção; o pescoço e os ombros sustentam a cabeça. Evite essas partes e prefira as carnes do lombo, das costas e próximas à barriga do boi: picanha, filé, contrafilé, alcatra, maminha, fraldinha.

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Cozinhar sob pressão

As panelas de pressão têm uma vedação na tampa, o que impede a saída do vapor resultante do aquecimento da água. A pressão no interior da panela se eleva, o que aumenta o ponto de ebulição da água. Assim, ela permanece em estado líquido a temperaturas de até 121 ºC, dependendo do modelo, e cozinha o alimento mais rapidamente.

Cozinhar a vapor

O alimento é mantido em um cesto sobre água fervente − mas sem encostar no líquido. O que o cozinha é a coluna de vapor que sobe e passa pela comida antes de sair pela panela. Técnica adequada para preparar cenoura e outros legumes ricos em açúcares, sais, vitaminas e pigmentos solúveis em água − e que seriam perdidos caso o legume fosse fervido.

Fritar por imersão

O óleo aquecido entre 150 ºC e 200 ºC − mais frio, ele encharca o alimento; mais quente, ele queima − cria uma crosta de carboidratos caramelizados na superfície da comida. No seu interior, a água se expande e sai na forma de vapor (as bolhas que você vê na fritura). O vapor cozinha o alimento e cria uma zona de alta pressão que impede a entrada da gordura.

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Outros dois atributos fundamentais para a carne grelhada são o sabor e a suculência. Ambos dependem do teor de gordura e da irrigação do tecido muscular. (Antes de prosseguir, uma pequena pausa para esclarecer um mito largamente difundido. O líquido que escorre de um pedaço de carne malpassada não é sangue – este é totalmente drenado do animal no abatedouro. É mioglobina, proteína que transporta e estoca oxigênio nas células dos músculos.) Uma peça de carne muito irrigada é mais suculenta porque, obviamente, tem mais umidade; a gordura, ao derreter com o calor, também protege o bife do ressecamento. Quanto ao sabor, há controvérsia. Alguns defendem que a gordura entremeada na fibra muscular define a melhor carne − esta é uma característica genética dos rebanhos de raças europeias, como angus e hereford. Do outro lado do ringue, estão aqueles que dizem que o verdadeiro sabor vem da irrigação muscular – a mioglobina, rica em ferro, é em grande parte responsável pelo gosto que relacionamos à carne de boi. Esse é um argumento usado pelos partidários do gado zebuíno, de matriz indiana, o mais difundido no Brasil. Em raças como nelore e gir, a gordura reveste os grupos musculares − não se deposita entre as fibras. Além disso, muitas vezes esses animais são criados em regime ex-

O brasileiro tem razão em preferir picanha. Ela é um caso raro: reúne sabor, maciez e suculência. 24 /

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tensivo: por pastar livremente, alimentam-se de grama e se exercitam um tanto. O sabor que a gordura aporta à carne está ligado à dieta do animal abatido. Na Espanha e em Portugal, valoriza-se muito o porco preto (em espanhol, cerdo ibérico), criado solto para alimentar-se de bolota − o fruto de árvores como o carvalho e o sobreiro − que cai no chão para deleite dos suínos. A gordura “temperada” de bolota é o segredo do sabor do jamón pata negra. No caso do gado, o sabor da gordura depende do regime de criação. Animais confinados comem ração à base de cereais. Vem daí a principal crítica à carne dos Estados Unidos: ela é macia e suculenta, porém tem gosto do milho. No Uruguai, Argentina e sul do Brasil, costuma valer o regime misto para as raças europeias. Elas engordam no confinamento, mas também pastam para melhorar o sabor da carne. O papel da mioglobina no sabor do churrasco bovino também é significativo. Só não dá para querer tudo: quando um músculo é muito irrigado, é porque demanda energia; quando demanda energia, é porque trabalha bastante; quando trabalha bastante, não é um campeão de maciez. Existe uma forma de escapar do dilema sabor versus maciez: ela se chama picanha. Esse pedaço do boi tem uma ótima capa de gordura e é bem irrigado. Isso porque o grupo muscular da picanha é o mesmo do coxão duro. O coxão duro, como o nome já diz, fica na coxa e é rijo porque se exercita um bocado; a picanha, ponta desse músculo localizada nas nádegas, quase não se move − mas leva por tabela a cota de oxigênio destinada ao músculo inteiro. Antes que você saia correndo para o açougue, duas dicas: 1) compre sempre a peça inteira, pois a picanha fatiada é muito parecida com o coxão duro fatiado; 2) leve uma picanha pequena. A picanha raramente ultrapassa 1,2 quilo − quem adquire uma peça de 5 quilos põe na sacola quase 4 quilos de coxão duro. Agora que você tem uma bela picanha em mãos, vamos acender a churrasqueira.

DOMINAR A CHURRASQUEIRA

Antes de começar, escolha o combustível. Argentinos e uruguaios vão dizer que madeira é melhor do que carvão. Alguns cozinheiros mais radicais − americanos, geralmente − irão mais longe ao alegar que cada tipo de lenha transmite um aroma específico. O pinho, com sua resina, arruinaria qualquer bife; a macieira, por sua vez, goza de boa


reputação. Nathan Myhrvold, autor de Modernist Cuisine, diz que tudo isso é bobagem. “Carbono é carbono”, escreve. “Quando ele queima, não transmite nenhum sabor próprio à comida.” O manual do bom churrasqueiro manda esperar o combustível − madeira ou carvão − queimar até que as chamas se apaguem, sobrando apenas a brasa incandescente. “Qualquer composto aromático se vaporizou e foi destruído muito antes da comida ir para a grelha.” O tempo de espera varia de 45 minutos a uma hora, a depender da quantidade de carvão, do tipo de churrasqueira e de fatores externos, como o vento. A brasa chegará ao ponto quando estiver revestida por uma camada de cinzas. Controlar a intensidade do calor é o verdadeiro desafio. Mover a grelha na vertical só faz diferença em churrasqueiras grandes, de alvenaria − o nível de radiação absorvido pela comida é praticamente o mesmo se a grelha estiver junto às brasas ou a meio metro delas. Alguns modelos portáteis possuem um respiro inferior que, ao ser aberto, alimenta a brasa com oxigênio e aumenta a temperatura; ao ser fechado, sufoca a combustão. Na maioria das vezes, a paciência é o único remédio: se o calor está forte demais, resta esperar até ele arrefecer; se está muito fraco, ponha mais carvão e espere novamente até o fogo sumir. O chef argentino Francis Mallmann, em seu livro Sete Fogos, ensina um método muito simples para avaliar a temperatura de um braseiro. “Coloque a mão acima dos carvões, mais ou menos à mesma distância da superfície de cocção, e conte em voz alta: um, dois etc. ”, diz. O tempo que você suportar o calor vai indicar a intensidade dele: forte (dois segundos), médio-forte (três a quatro segundos), médio (cinco a seis segundos) e fraco (sete a oito segundos). Sim, o argentino supõe que você esteja disposto a queimar a mão antes de colocar a carne na grelha. Científico? De jeito nenhum. O autor – filho de um físico nuclear – admite que se trata de um quebra-galho para o churrasqueiro novato, que ainda não aprendeu a entender intuitivamente o que a brasa diz. Mallmann faz churrasco desde a infância e começou a trabalhar como cozinheiro aos 14 anos. Ele não escreve isso em seus livros, mas certamente errou muito antes de pegar o jeito. Porque churrasco não tem nada de exato. Porque a experiência molda o bom churrasqueiro. Até adquiri-la, você vai queimar a própria mão e torrar muitos bifes − como a humanidade vem fazendo nos últimos 2 milhões de anos.

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Assar no forno

Um forno é uma máquina de desidratar alimentos. O ar se aquece, se expande e sai do forno, levando consigo a umidade que evaporou da comida. A superfície do alimento, ressecada, tende a ficar crocante; as partes internas cozinham na medida em que a água represada nelas esquenta.

Sous vide

De toda a pirotecnia criada pela gastronomia molecular, este é o principal sobrevivente. Em francês, a expressão significa “a vácuo”. Trata-se de embalar a comida em sacos plásticos vedados, sem ar, e cozinhá-la em temperatura controlada − geralmente baixa, na casa dos 50 ºC ou 60 ºC − por muitas horas. A técnica preserva a umidade do alimento e dá ao cozinheiro controle total sobre sua textura.

Micro-ondas

As micro-ondas são ondas de frequência menor que as de rádio e maior que as da luz visível. Elas agitam as moléculas de água e de gordura presentes na comida, e é esse movimento que aquece e cozinha o alimento. Como é de se esperar, o método funciona melhor com comidas úmidas e gordurosas.

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A ciência do grelhado

Calor intenso produzido pelas brasas é essencial para um churrasco nota dez. A fumaça é um aerossol: uma mistura de minúsculas partículas sólidas e gotículas dispersas em vários gases invisíveis. Os sólidos tornam a fumaça mais pesada do que o ar: por isso, ela só sobe enquanto está quente. Quando a grelha está próxima das brasas, os pedaços de comida precisam ser relativamente finos para cozinhar bem sobre a radiação intensa do fogo e o ar incandescente. Se for muito grosso, o alimento queimará a parte exterior antes de ficar pronto por dentro. A grelha definitivamente não é uma superfície antiaderente. O melhor jeito de não deixar a comida grudar é passar óleo sobre a grelha e deixá-lo queimar todo antes de preparar o churrasco ‒ vai restar uma fina camada gordurosa sobre o metal.

Uma camada de cinzas deve cobrir as brasas antes de você começar a grelhar o alimento. A cinza diminui o brilho das brasas, moderando o calor que elas irradiam. Ela também reduz o efeito chaminé ‒ a circulação de vento quente ‒, já que isola as brasas do ar.

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A maior parte do calor produzido pela churrasqueira é desperdiçado. Ele passa batido pela comida e literalmente vira fumaça e vai embora. Mas, sem o calor intenso, o churrasco nunca seria tão gostoso.

A fumaça vai para cima com o vento cálido que sai das brasas e passa pela carne. O calor do carvão em chamas aquece o ar, que assim se torna mais leve e sobe, cozinhando a comida. Isso cria um vácuo que suga mais ar para abastecer o fogo.

As chamas que parecem tremular sobre o carvão são feitas de carbono, na forma de fuligem incandescente. O ar superaquecido é turbulento; ele eleva as partículas de fuligem do carvão e permite que elas reajam com o dióxido de carbono do ar, produzindo monóxido de carbono.

Os líquidos que gotejam da carne são o verdadeiro segredo do churrasco. Ao entrar em combustão, essas soluções químicas complexas cobrem a comida com diversos compostos aromáticos e deliciosos.

O carvão incandescente gera temperaturas muito acima dos 700 ºC necessários para emitir luz visível. A luz laranja emitida pelo centro das brasas indica uma temperatura acima de 1.100 ºC. Os vãos entre as brasas são ainda mais quentes: lá, o monóxido de carbono em chamas aquece a fuligem a pelo menos 1.400 ºC.

Outros métodos

No espeto

Sem grelha, o alimento não recebe calor por condução, apenas o que irradia das brasas. Espetos giratórios permitem que a carne seja assada por igual.

Fogo de chão

Uma variante do espeto, assa o alimento em estacas fincadas no chão, próximas a uma fogueira. Costuma ser usado para preparar lentamente animais inteiros ou peças muito grandes de carne.

Rescaldo

Consiste em cozinhar a comida diretamente nas cinzas quentes. Muito usado para preparar tubérculos envolvidos em papel-alumínio.

Planking

Infográfico Fabricio lopes Fonte Modernist Cuisine Ilustrações davi augusto

A comida vai sobre um tábua de madeira que vai sobre o fogo. O cozimento se dá de modo lento, pois a madeira funciona como isolante térmico. Ela também emana fumaça e vapores aromáticos produzidos pela queima de resina – assim, uma carne assada sobre cedro vai ter gosto diferente de uma feita em jacarandá.

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