Objetivos do Milênio

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de Jornalista

Univali|Julho|2009

Palavra

Objetivos do Milênio Exemplos de cidadania e respeito à diversidade são atitudes simples que podem mudar o mundo



Sumário 05 11 18

Até quando esperar? A vida simples do morro encontra dificuldades que já poderiam ser passado

Computador, um sonho para poucos Popularização do PC e da Internet ainda não garantem o ideal digital

Unidos pela pedra Moradores de rua têm um ponto em comum que os agrega: o vício do crack

25

Artista plástico de Itajaí busca nos restos de cada um a inspiração para seu trabalho

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Restos de cozinha domiciliar, do comércio e da indústria podem ser reaproveitados

40

Poder público investe na padronização em busca de qualidade

48 52 59 65 70 76

Recicloarte: lixo é arte

Óleos ecologicamente tratados

Merenda escolar terceirizada

Meu corpo me pertence Educavida ensina meninos e meninas a amar e preservar a vida

A periferia está mais próxima do que imaginamos Centro de bairro combate violência contra crianças e adolescentes

Dos jogos de azar às salas de aula Computadores de caça-níqueis são reformados para serem usados nas escolas

Afastar o fantasma do morte Redução de doenças em recém nascidos melhora os números de SC

A vida após a mastectomia Mulheres reaprendem a viver após o câncer de mama

Nove meses antes da hora Adolescentes fazem parte do grupo que mais colabora com o crescimento populacional

3 Palavra de Jornalista Julho 2009

2009/1 08 14 22 28 36 44 50

Profissões masculinas? Mulheres ocupam posições tradicionalmente dos homens no mercado de trabalho, mas o contrário também acontece

Três famílias em busca de um sonho Entre lixo, esgoto a céu aberto e omissão, famílias vivem em áreas públicas

Existe Justiça para todos? Defensoria pública é um direito garantido a quase todos os brasileiros, catarinenses ainda ficam de fora

Água de reuso: enxugamento de custos com apelo ambiental

Desafio das empresas para conciliar a busca pela competitividade com a necessidade crescente de preservar os recursos naturais

O peso do que é jogado fora Comparação entre o que se consome e o que se leva ao lixo mostra um retrato do desperdício em SC

Na onda do mar Alunos da rede municipal descobrem o surfe

Vontade de mudar Solidariedade e amor ao próximo geram projetos que levam conhecimento à comunidade

56

Escola em Penha forma artistas para o palco e para a vida

62

A mãe tem direito, o Estado tem o dever de garantir, mas nem todas fazem o pré-natal

68

O teste positivo para o HIV não é mais necessariamente uma sentença de morte

72

O circo possível

Saúde de mãe para filho

Aids: pior que a doença é o preconceito

12 horas pela vida O trabalho na UTI neonatal é cuidar do fio delicado que divide a vida e a tragédia

Expediente Palavra de Jornalista é uma publicação do Curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Trabalho realizado na disciplina Jornalismo de Revista do 6º periodo. Editora responsável: Professora Laura Seligman. Projeto Gráfico e Direção de Arte: Professor Sandro Galarça. Diagramação: Agência Integrada de Comunicação – acadêmica Cibele Plácido de Córdova. Arte da Capa: Cibele Córdova e Sandro Galarça.


Oito objetivos, um só coração A turma do sexto período de Jornalismo da Univali de 2009/1 decidiu arregaçar as mangas em favor de uma sociedade mais justa. Para tanto, em vez de pintar paredes, arrecadar alimentos ou qualquer outra ação de assistência, fez o que melhor sabe – afinal de contas, estão a poucos semestres da formatura. Nesta edição da revista Palavra de Jornalista estão reportagens sobre os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. São metas comuns estabelecidas para que a sociedade busque, em suas ações, um mundo mais justo, mais humano. São elas: 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome 2. Atingir o ensino básico universal 3. Promover igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres 4. Reduzir a mortalidade infantil

Como é chato não saber escrever uma crônica Diorgenes Pandini Primeiro você quer porque quer escrever sobre uma coisa bem banal. Sei lá, algo como o vento do ventilador. Tenta fazer uma abertura interessante, legal e vem sempre uma coisa do tipo “o vento do ventilador mexe os cabelos das pessoas”. Depois, vem aquela criatividade que só se encontra nas frases de banheiros públicos e você pensa em escrever sobre… é… sobre… sobre os tais dos sentimentos. Nessa parte é que fico com vergonha. Prefiro nem comentar as frases bregas do estilo tele-mensagem-romântica que acabei digitando. Se alguém lesse aquilo, diria que baixou em mim o espírito da Ana Maria Bra… Não! Acho que na minha terceira tentativa de crônica o buraco foi mais fundo ainda. Na verdade, esse sim foi um texto “autoajudístico” perfeito para Ana Maria Braga ler. Consegui deletar antes que o auto salve do word registrasse o fracasso. Acho que esse negócio de escrever crônica é pra quem tem dom mesmo. Não pra mim. Quando a professora de Jornalismo Opinativo propôs escrever um texto nesse estilo e deu o exemplo da crônica da velha contrabandis... Pera aí. E se eu escrevesse uma crônica continuando a crônica da velha contrabandista? Sei lá, poderia falar como ela se juntou ao PCC e começou a transportar droga no saco que era de areia. Afinal, o fiscal da alfândega nunca mais iria para-la. Ou então, poderia fazer uma crônica apenas sobre a palavra alfândega. A primeira vez que li o texto da velha contrabandista, lá pelo meio dos anos 90, não fazia idéia do que era alfândega. Até hoje, na

5. Melhorar a saúde materna 6. Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças 7. Garantir a sustentabilidade ambiental 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Até 2015, todos os 191 países membros das Nações Unidas assumiram o compromisso de lutar por esses ideais. Nós, do Jornalismo da Univali, acompanhamos esses movimentos aqui em Itajaí e em seus arredores. Acompanhe as histórias de coragem e as idéias criativas que nossa gente têm para contar. Laura Seligman Editora da Palavra de Jornalista

minha cabeça, ainda vem um alfajor misturado com almôndegas. É uma visão nada apetitosa, isso eu garanto. Talvez o mais difícil de escrever a crônica é saber se ela vai ter aquele toque gostoso e engraçado naturalmente. Nada forçado. E engraçado é uma coisa que eu também não sou. Salvo quando, sem querer, acabo me atrapalhando em alguma coisa. Como quando eu estava na segunda série do ensino fundamental e a professora explicava que as formigas captavam o ambiente através das antenas em suas cabeças. Mongo como sou, levantei a mão e na inocência perguntei: - Professora, as formigas podem ver televisão então? Se eu tivesse ficado um pouco mais vermelho enquanto todos riam da minha cara, teriam que amputar minhas pernas. E juro que isso não é história não. É passado, e vergonhoso. Pior que essa gafe foi quando eu já era maior. Estava no primeiro ano da faculdade e estagiava em uma livraria no shopping da cidade. Trabalhar em shopping é movimentado ou parado, depende do dia. E aquela terça era um dia assim, parado. Enquanto o único cliente que estava na loja registrava no caixa sua compra, descobri que uma colega de trabalho tinha em sua bolsa um spray de pimenta. Para o caso de ser assaltada algum dia. E eu, que sempre quis saber como é levar uma “sprayzada” na cara, não reparei que o cliente ainda estava na loja quando joguei no meu próprio rosto o famoso spray de pimenta (maldita curiosidade). Confesso que se eu não estivesse ocupado me debatendo no chão com a dor, ficaria vermelho de vergonha do cliente. Ele, o cliente, junto aos funcionários da loja, gargalhava abertamente. O melhor de tudo é que joguei o spray só em um olho. Fiquei o resto do expediente com um olho parecendo uma bola de bilhar vermelha. Pois é, acabei esquecendo que eu estava contanto para vocês como é ruim escrever uma crônica, quando não se sabe sobre o que escrever. Acho que vou tentar escrever outro dia, e se ficar legal, eu mostro a vocês. Palavra de Jornalista Julho 2009

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AtĂŠ quando esperar?

A vida simples do morro encontra dificuldades que jĂĄ poderiam ser passado

Marlon Beltrami

Todos pelo desenvolvimento

Marlon Beltrami


Todos pelo desenvolvimento

A

A cada manhã, pessoas acordam cedo para dar conta dos afazeres diários. É rotina tomar café, ler jornal, tirar o carro da garagem, deixar os filhos na escola e ir ao trabalho. Com sono, nem sempre é fácil levantar da cama quando se dorme numa casa confortável ou num condomínio seguro, protegido das adversidades climáticas e de qualquer violência urbana. Quem mora no alto do Morro da Nice, encontra dificuldades reais para sair de casa. Josiani Bento Quindota, 19, não é malabarista de circo, mas precisa ter equilíbrio para trabalhar, ou melhor, para fazer qualquer coisa fora da casa onde vive com o ex-marido, a mãe, o padrasto e os seis irmãos. Há um buraco com mais de meio metro de diâmetro no caminho de barro que liga sua residência ao resto da cidade. Lá foi feita – pela metade – uma obra a fim de levar água encanada morro acima. A água sobe, entretanto, a erosão causada pela chuva deixou à mostra boa parte do cano e abriu a fenda na qual os moradores freqüentemente tropeçam e caem. “Fizeram muito

raso e a força da água cavou um buraco enorme. Agora quase não temos mais passagem,” lamenta a diarista. A família de Josiani mora num dos pontos mais elevados do bairro. Chegar até a casa dela à noite é quase impossível, pois não há iluminação pública. E mesmo de dia, é necessário escalar os degraus de terra esculpidos pelos próprios moradores e gastos também por conta da chuva. Aliás, é a chuva que sempre vem para tornar mais árduo o dia de quem mora no morro. Os adultos vão trabalhar e as crianças precisam ir à aula. Aí, o único jeito é enfrentar a lama. Pior é quando as três irmãs mais novas de Josiani saem da escola e na volta começa a chover. Stefani, Agatha e Silvana têm, respectivamente, 12, nove, e sete anos de idade e às vezes precisam ser carregadas no colo. “Na última chuva que deu, tivemos que descer lá embaixo buscar as crianças, porque a força da água era tanta que elas não tinham como subir. Quando chove aqui é a mesma coisa que subir uma cachoeira de escada. Não tem condições, inclusive nós que somos adultos chegamos a cair. É até engraçado, mas acabamos tendo que levar a vida assim mesmo”, reforça a moça sem perder o bom

humor, apesar das dificuldades. Um projeto da Prefeitura Municipal de Itajaí prevê a remoção dos habitantes daquela área para um local próximo. Porém, a população está descrente de que a idéia saia do papel. Financiado com verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), repassadas pelo Governo Federal, o plano se baseia na reurbanização do bairro Nossa Senhora das Graças. Aliás, nem bairro é, mas uma localidade onde fica o Morro da Nice (leia o box). Segundo alguns moradores, a construção de novas casas e condomínios foi prometida há quase dois anos, quando Volnei Morastoni era prefeito. Vizinho de Josiani, Joselito Mateus da Costa vive no morro desde que nasceu e diz que todo o mundo quer sair de lá. “Moro aqui neste morro há 46 anos. O pessoal fala em tirar, mas só em época de política”, protesta. “Quem é que vai querer morar trepado aqui em cima, igual cabrito? Não tem como a gente passar, nem uma escada decente. As mulheres, pra levar as crianças à escola, de vez em quando caem morro abaixo”, denuncia. “Não sei se vão fazer ou não. O Seu Volnei (Morastoni, exprefeito) deu o começo ali, mas agora que o Jandir (Bellini, atual prefeito) já assumiu a prefeitura,

não sei se ele vai continuar”, diz, com poucas esperanças, o senhor que mal sabe escrever o próprio nome. “Vamos esperar que o Seu Jandir faça alguma coisa”.

Uma Pedra no Caminho Desde o anúncio da obra, a Secretaria de Habitação realizou várias reuniões com a população no Parque Dom Bosco. A mais recente aconteceu no dia 14 de abril, quando foram apresentados alguns encaminhamentos relativos ao projeto e a nova equipe da Secretaria, da qual faz parte a assistente social Melina Cabral Paulino, 24. Segundo ela, as casas, quando prontas, terão aproximadamente 40 m² de área e serão compostas por dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Melina garante que mesmo as mais numerosas das 219 famílias beneficiadas ficarão satisfeitas, pois a qualidade das construções será superior a das moradias atuais. “O projeto já foi pensado em virtude do histórico daquela comunidade, que já foi removida outras vezes e acabou voltando”, diz a assistente social. Ela se refere ao Promorar, bairro criado durante o mandato do ex-prefeito

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Todos pelo desenvolvimento

Amílcar Gazaniga, nos anos 70. Hélio Floriano dos Santos, professor da Univali, conta que a intenção na época da ditadura era frear a favelização do Matadouro, como é conhecida a localidade. “Mas as pessoas acabaram vendendo as casas no Promorar e voltaram para o morro, porque, apesar da precariedade das residências, é uma facilidade morar no centro da cidade”, explica. Atualmente, a única barreira

ao prosseguimento dos trabalhos é uma formação rochosa que deve ser dinamitada. A máquina de terraplanagem ficou parada por semanas no local das obras e despertou suspeita na população. Para Melina, o desconforto está resolvido. “Foi encomendado um estudo hidrogeológico e já está encaminhado à Fundação Estadual de Meio Ambiente – Fatma, que tem o prazo de trinta dias para dar o parecer”.

O peso do nome A localidade Nossa Senhora das Graças, no bairro Ressacada, é mais conhecida por Matadouro. Trata-se de uma comunidade carente, porém, pouco violenta, como o antigo nome sugere. Este foi o tema do Trabalho de Conclusão de Curso da jornalista Ana Paula Bazi, formada pela Univali. Ana Paula produziu um documentário em que conversa com nove moradores do local. Gravado em setembro de 2007, O Peso do Nome mostra o cotidiano de gente simples, mas feliz. Um dos entrevistados desmistifica a origem do nome. Ele conta que havia ali perto um Matadouro de gado no século XIX, e de criminosos matadores de verdade houve só três, todos traficantes. Contudo, “as pessoas adquiriram o hábito de se referir ao bairro por Matador”, diz Ana Rosa Vitorino, 44, historiadora nascida e criada no bairro. Fotos: Marlon Beltrami

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Profissões Masculinas? Mulheres ocupam posições tradicionalmente dos homens no mercado de trabalho, mas o contrário também acontece

Joecy Henings


Joecy Henings

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Quem imaginaria, antigamente, uma oficina onde as mulheres chefiam no setor de peças, dirigem no atendimento e se destacam entre os homens? É esta a realidade da oficina Maquinária Chapeação e Pintura, na cidade de Itajaí, onde dos 22 funcionários, oito são mulheres. Ali, elas são diferenciadas pelo conhecimento, não pelo gênero, e fazem de tudo um pouco: do orçamento aos clientes à preparação das tintas. Carros de todas as cores, modelos e estilos, graxa por todo lado, uma martelada daqui, outra dali. Entretanto, quando um barulho bem lá do fundo chama a atenção e começa a se aproximar, revela, na verdade, uma mulher bem arrumada em cima de um salto alto. Ela é Carla Stock, uma das proprietárias da Maquinária. Do outro lado, outra mulher atende um cliente que havia acabado de chegar. Nos fundos da empresa, mais uma funcionária surpreende ao tirar, de caixas enormes várias peças diferentes de carros.


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Deisi Galm, que trabalha no leva e traz, revela com muito humor que a primeira vez em que determinado cliente foi à Maquinaria, falou sem querer: “Estou me sentindo em um salão de beleza, e não em uma oficina”. A proprietária Carla explica que o diferencial da Maquinária é a qualidade no atendimento, independente dos funcionários serem homens ou mulheres. Segundo ela, muitos clientes têm aquela desconfiança inicial, porém, ao

perceberem que as mulheres realmente entendem do assunto, ficam mais tranqüilos. Apesar disso Carla percebe que o maior preconceito é quando chegam as próprias mulheres em busca de atendimento. Uma vez, uma cliente chegou a falar – Quero ser atendida por um homem, mulher não entende dessas coisas. Na opinião de Alexandre Dias, cliente da oficina, o que importa não é quem realiza o serviço, seja ele homem ou mulher, o que

importa é o resultado de qualidade. Carla assegura que depois de perderem o medo, os clientes até preferem as mulheres por serem mais cuidadosas e observadoras. Genésio Luiz Kist, também cliente da Maquinária, confirma. Segundo ele, “ser atendido por mulheres é até melhor, por que elas são mais pacientes, escutam o que temos pra falar, além do fator mais importante: são caprichosas e detalhistas, o que para a qualidade do serviço é essencial”.

Apesar das mulheres estarem cada vez mais ocupando seu espaço no mercado de trabalho, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2005 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revela que dos homens entre 25 a 49 anos, apenas 54,2 % realizam afazeres domésticos. Em contrapartida, o mesmo estudo mostra que, na mesma faixa de idade entre as mulheres, 94,5 % realizam afazeres domésticos.

Mercado mais competitivo A mulher vem ganhando cada dia mais espaço no mercado de trabalho. Uma prova disso foi o acréscimo de 25 milhões de trabalhadoras no mercado de trabalho entre os anos 1976 a 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Levantamentos feitos pelo IBGE mostram que as mulheres desempenham um papel mais relevante que os homens no crescimento da população economicamente ativa. Enquanto as taxas de atividade masculina mantiveram-se em 75%, a feminina ampliou de 28% em 1976 à aproximadamente 50% em 2002. Em conseqüência, o mercado está mais competitivo. Correndo atrás prejuízo, alguns homens, pela necessidade, passaram a ocupar papéis que antes eram exclusivamente realizados pelas mulheres. É o caso de Valdemar de Souza, que há 15 dias trabalha de faxineiro e manutenção geral no Edifício Neptuno de Balneário Camboriú. Segundo ele, os homens estão deixando de ser machistas.

Porém ele se entristece ao relatar um episódio pelo qual passou na sua primeira semana de trabalho. “Estava na frente do prédio, quando um morador desceu rindo e me falou: coloca logo uma saia nele, isso é serviço de mulher. O cabeleireiro Roger Santos é outro exemplo desta mudança no cenário profissional entre homens e mulheres. Antigamente, salões de beleza costumavam ser comandados exclusivamente pela mãode-obra feminina. Os barbeiros apenas cortes masculinos. Roger, além de cabeleireiro, também é proprietário do salão onde trabalha e admite que já enfrentou o tabu de que todo o cabeleireiro é homossexual. Hoje em dia, porém, explica que não sofre mais com esse tipo de preconceito. “Muitos clientes até preferem os homens para este tipo de serviço. Mas o que importa é a qualidade no atendimento e no resultado, pois os dois gêneros se profissionalizam da mesma maneira,” afirma. Joecy Henings

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Computador, um sonho para poucos Popularização do PC e da Internet ainda não garantem o ideal digital

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Ricardo Aoki


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o computador seria o caos na minha vida”. Carlos Henrique Goulart e Gilda Linhares Goulart, advogados e pais da jovem Mariana, acompanharam a evolução tecnológica. Hoje com 40 anos de idade, o chefe da família confessa que se tornou impossível viver sem um computador. Ele e a esposa dividem um espaçoso escritório de advocacia no centro de Florianópolis que, com apenas uma secretária, possui cinco computadores. “Temos dois laptops e três computadores de mesa. É um exagero, afinal somos apenas três pessoas no escritório. Mas assim nunca ficamos na mão”, explica o advogado. A família Goulart faz parte de uma pequena parte da população brasileira que tem acesso à Internet e poder aquisitivo para adquirir um computador. A pesquisa do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br) feita em 2008 mostra que 89% dos domicílios da classe A possuem computador. De outro lado, os brasileiros das classes C, D e E, na mesma pesquisa, praticamente inexistem quando o assunto é um computador em casa. Já é possível comprar uma boa máquina por muito menos de mil reais. Porém, em um país de desigualdades sociais, existem pessoas com idade produtiva e que nunca operaram ou tiveram acesso a um computador. “Dependendo da situação, não tem como a família comprar, no meu caso,

U komt zie je de rust van de dageraad, Onderneming in de mars en shout unisono De demonen van wraak heldhaftige Wat als u streven Stalingrad. Provavelmente você não entendeu o que está escrito no texto acima. Então, tente se imaginar em um lugar onde você não consegue entender a escrita e o idioma das pessoas. Sentir-se como analfabeto, mesmo que por alguns instantes, não é uma sensação estranha? O analfabetismo ainda é uma realidade no Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE estima que 10% dos brasileiros com mais de 15 anos não sabem ler e escrever. Esse problema tem sido superado nos últimos anos. Porém, com o surgimento da Internet e a popularização dos computadores, criamos outro tipo de limitação: o analfabetismo digital. Para uma parte da sociedade, que tem computador em casa e acesso à grande rede mundial de computadores, talvez seja difícil imaginar um dia sequer sem acessar o site de relacionamentos Orkut. É nesse contexto que vive a adolescente Mariana Goulart de 15 anos. Filha de um casal de advogados de Florianópolis, ela não sabe o que é viver em uma casa sem computador. “Hoje faço tudo pelo computador, falo com meus avós que moram em São Paulo, com amigos, faço pesquisas, trabalhos escolares. Viver sem

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existem outras prioridades”, diz o estudante de Administração Gustavo Amaro Schilitz, de 19 anos e bolsista do Programa Universidade para Todos. O preço ainda é a principal reclamação das pessoas que ganham até cinco salários mínimos. Schlitiz sabe da importância do equipamento, porém confessa que a família não tem condições e que por isso passa boa parte do dia nos laboratórios de informática da universidade onde estuda. A família do estudante está entre os 71% dos brasileiros que não têm condições financeiras de adquirir um computador segundo a pesquisa da CGI.br. Foi no bairro Imaruí, em Itajaí, que encontramos a coletora de material reciclável Loreni Davis. Com 38 anos, casada e mãe de dois filhos menores, ela trabalha diariamente em uma cooperativa de reciclagem. Por mês, recebe pouco mais de R$ 500 com o rateio do lucro da venda dos materiais recicláveis. Por alguns instantes, a coletora mostrou a pilha de computadores descartados no lixo de Itajaí. “Não compreendo como as pessoas podem jogar isso no lixo”. Loreni Davis nunca mexeu em um computador dos que funcionam e ingenuamente confessa que ficou feliz quando encontrou um monitor ainda em bom estado. “Quando vi, levei para casa, mas foi uma decepção porque aquilo sozinho não funciona, nem dá pra assistir a novela”, lamenta. A Cooperativa dos Coletores

de Material Reciclável da Foz do Rio Itajaí (Cooperfoz) tem 46 associados, todos moradores do bairro do Imaruí. Eles compõem a parte da sociedade brasileira que não tem acesso aos bens tecnológicos. O presidente da Cooperfoz, Jonatas de Souza, relata que apenas um sócio possui computador em casa e que, apesar da baixa nos preços, o equipamento ainda é um sonho distante para a maioria das pessoas. “Todos sabemos da importância da informática, mas entre colocar comida na mesa e ter um computador, as famílias carentes vão fazer o óbvio”. A Cooperfoz recebe cerca de 100 computadores por mês. Todos sem condições de uso. Souza calcula que a sucata de um computador custa cerca de um real no mercado de reciclagem. “Diversas empresas e a própria Universidade do Vale do Itajaí (Univali) nos enviam a sucata. Infelizmente, nunca recebo um computador que funcione”. A Cooperfoz funciona em um grande terreno e a sede administrativa foi assaltada. Os ladrões levaram o único computador que funcionava e era utilizado para a administração da cooperativa. A inclusão digital é um desafio a ser superado pelo país. Os filhos de Loreni Davis, de nove e 11 anos, já aprendem informática em uma escola pública de Itajaí. “Tenho fé que eles aprendam a mexer no computador, porque eu não quero que eles cresçam e tenham que trabalhar como catadores de lixo”.

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Proporcionar acesso e conhecimento tecnológico para as comunidades carentes é o papel do Comitê para Democratização da Informática (CDI) que existe desde 1993 no Brasil. Em Santa Catarina, existem 20 Escolas de Informática e Cidadania (EIC), todas montadas com equipamentos doados. Os cursos oferecidos pelo CDI são de informática básica e já formaram quatro mil pessoas no estado. Os professores, na sua maioria, são voluntários. A experiência funciona desde 1997 em Santa Catarina. O presidente do CDI estadual, Otávio Ferrari Filho, diz que não faltam doações, porém o grande problema é colocar os computadores em condições de uso. “Tenho um gargalo na manutenção, são apenas três voluntários para um estoque muito grande”. Praticamente todas as EIC ficam na grande Florianópolis. “Ainda temos muito que fazer porque a inclusão digital é um dos grandes problemas do novo milênio e muitas empresas ainda não entendem o que é isso”, diz Ferrari. Em Itajaí, um dos maiores consumidores de computadores é a Univali. No campus de Itajaí há um parque tecnológico de 3400 computadores com um público usuário de aproximadamente 14 mil pessoas por dia. Cerca de 10% desses computadores são alugados e o restante de propriedade da universidade.

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Segundo o gerente de TI, professor Gilberto da Silva Luy, é uma ilusão imaginar que inclusão digital se faz com computadores usados. “Utilizamos nossos computadores até que não tenham mais condições de uso, por isso, falar em reutilizar esses equipamentos para dar acesso aos menos favorecidos não é uma boa idéia”. O professor Luy leciona a disciplina de Redes de Computadores para o curso de Ciências da Computação. Ele entende que é preciso fazer a inclusão digital de pessoas carentes, mas isso deve ser feito com equipamentos de boa qualidade. “A vida útil de uma máquina é de três anos em média. Temos computadores na Univali com mais de sete anos de uso. Depois que ele pifa de vez, não vale a pena arrumá-lo e doar para alguém, por isso vira sucata”. A opinião do professor Luy não é compartilhada pelo presidente do CDI-SC. Para Otávio Ferrari Filho, mesmo que a máquina seja antiga, é possível reaproveitar suas peças. As Escolas de Informática e Cidadania do CDI estão padronizando o sistema operacional dos computadores para o Windows XP. “Quando não é possível fazer o upgrade da máquina, instalamos o sistema que for possível e doamos para famílias

carentes”. A filosofia da entidade é oferecer à oportunidade da pessoa ter acesso à informática, mesmo que isso seja feito com um computador antigo. Quando um computador não tem mais conserto pela manutenção da Univali, são doados para a Cooperfoz. Porém, com o projeto de locação dos computadores, muito em breve, 100% dos computadores da Univali serão alugados e a cooperativa não terá mais esse lixo tecnológico. Apesar disso, o presidente da Cooperfoz, Jonatas de Souza, espera que alguma empresa se interesse em montar um projeto de inclusão digital com a cooperativa. “Hoje em dia tudo é e-mail, Internet, etc. Espero que grandes empresas nos ajudem com a inclusão digital das famílias e não doem apenas lixo para nossa cooperativa”.

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Cursos promovem acesso à tecnologia

Montagem sob foto de sxc.hu


Três famílias em busca de um sonho Entre lixo, esgoto a céu aberto e omissão, famílias vivem em áreas públicas

Sheila Cardoso


sxc.hu

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Olhar triste, rugas bem destacadas no rosto, boca quase sem cor. Nas palavras, sentimentos de dor e indignação. Natural de Itajaí, Maria Goreti Coelho já viveu no loteamento Rio Bonito, bairro São Vicente. Há seis anos sem condições de pagar o aluguel, ela e os filhos Rafael de cinco anos; Miriam, de seis e Alexandre de 14 anos, fazem parte de números assustadores de pessoas que moram em áreas públicas.


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Nas mãos de Goreti, como prefere ser chamada, estão as marcas das lutas diárias. Cada novo dia é um desafio para a mulher que mora em uma meia água, com estrutura de madeira, a sala/ cozinha e o pequeno quarto se misturam sem divisórias. Cercada de lixo, eles convivem com animais peçonhentos. Sem banheiro, a família faz as necessidades diárias atrás das pedras, no fim da rua. Os banhos são tomados em uma bacia ou na casa de vizinhos. Sem esgoto, a água se acumula debaixo das casas e quando vem a maré, as fezes ficam na rua até que os moradores possam limpar. Na outra rua, bem no final, próximo ao beco, Simone prepara a comida, lava as roupas e orienta a filha Jenifer de seis anos, que mais tarde vai ser levada pelo pai Jean até a escola. Na mesa vai ser posta a comida simples, porém saborosa. Grávida de cinco meses do quarto filho, já com dificuldades ela desempenha as atividades domésticas. As outras duas filhas, Gisele de quatro anos e Joelma de dois ficam durante o dia no centro de educação infantil. Assim, a mãe consegue fazer os trabalhos de casa. Natural de Guarapuava no Pa-

raná, Simone veio ainda criança para Itajaí com a família. Aos 16 anos, Simone Florentina Soares conheceu Jean Carlos da Silva e casou. A vida não é fácil para a família que mora dentro de um velho contêiner, na rua Pedro Teixeira de Melo, na área de invasão, do bairro Imaruí. Apesar de morar em um contêiner, a família de Simone e Jean tem um bem que Goreti não tem: um banheiro. Improvisado, precário, o velho banheiro é uma conquista nestes locais. “E é assim que vamos vivendo, com dificuldades, mas sempre na luta”, garante Jean, que é natural de Camboriú, e veio para Itajaí com a família no ano de 1982. O pai trabalhava em uma sacaria e viu no município a oportunidade de melhorar de vida. História parecida, mas um pouco melhor vive a vizinha Patrícia. Itajaiense de nascimento, Maria Patrícia Gallizer de 35 anos, estudou até a 2ª série. Casada pela segunda vez, ela tem cinco filhos. Nicole de 17 anos, Emerson de 15, Cleverson de 14 anos, Lucas com nove e Paola com apenas sete anos. O marido Gilberto Lima e Silva não é o pai dos filhos de Maria Patrícia, mas é o único da família que conseguiu trabalho. Com 900 reais, as sete pessoas que moram na pequena casa

de madeira sobrevivem. A família morava de aluguel no bairro Espinheiros, mas devido ao alto custo, foi difícil se manter. “A gente pagava R$ 350,00, mas vivíamos

endividados, não que agora sobre muita coisa, vivemos apertados do mesmo jeito, mas pelo menos se falta alguma coisa, é menos do que era antes”, relata Patrícia.

Triste realidade Sem saneamento básico, creche, policlínica ou transporte público, a realidade destas famílias é cruel. Para viver, os moradores fazem gatos, como é conhecido o desvio de energia elétrica e de água. Em meio ao lixo, eles dividem espaço. Entre as casas, a água da maré fica presa e ratazanas são animais mais do que comuns que correm entre as crianças. O bairro Imaruí é um dos mais pobres de Itajaí. E essa pobreza é percebida na estrutura das casas, nos escassos móveis dentro de casa, na pouca comida dentro do armário. Quem vive neste local tem poucas oportunidades e eles parecem esquecidos. “A gente não sabe mais o que fazer, só visitam nós na época de eleição, aí lembram que o povo do Imaruí existe”, diz Goreti indignada. Essa afirmação não é só dela. “Já veio Jandir, Volnei, Jandir de novo e tudo continua do mesmo jeito, a gente fica só na promessa”, garante Jean. E de promessas eles estão fartos. “Um dia dizem pra nós que vão nos tirar daqui, depois dizem que vão urbanizar, mas na prática ninguém faz nada”, afirma Patrícia.

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A cada amanhecer, Jean e Simone, Patrícia e Goreti vivem à espera da tão sonhada casa própria. “A gente aguarda que a notícia da nossa casinha nova chegue por alguém, mas só o que ficamos sabendo é que a terraplanagem esta parada, que não tem empresa pra construir as

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A espera de um futuro melhor

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casas, isso desanima, já pensei em tomar veneno, mas aí lembrei dos meus filhos”, diz ela entre emoção e repúdio à forma como estão as obras no loteamento São Francisco de Assis, bairro Espinheiros. O local é para ser o futuro destino dos moradores desta área.

Reurbanização Planejada Invasão em áreas públicas são um problema histórico de Itajaí que não foi combatido por nenhum governo. Agora as proporções chegam a números assustadores. Os dados das Secretarias de Urbanismo e Habitação são de que cerca de 7 mil pessoas vivem em doze áreas de invasão. As piores condições registradas são dos moradores do Imaruí, Canhanduba e Nossa Senhora das Graças. Nestes locais se concentra a maior parte da pobreza do município. Além disso, muitos deles não são contemplados com políticas públicas, como bolsa família e cartão cidadão.

O Secretário de Habitação, Wagner Lúcio de Souza, explica que as obras no loteamento São Francisco estão paradas pela burocracia, “a empresa que fez a terraplanagem diz que terminou o serviço, mas a gente sabe que não, vamos chamar a segunda empresa colocada na licitação para dar continuidade às obras”. Depois disso, a secretaria pretende buscar uma empresa para construir as 310 casas e os seis lotes urbanizados para que estes moradores possam mudar de endereço. “É claro que nos preocupamos com as áreas de invasão, estamos até coibindo novas invasões, agora é proibido e quem fizer vai ter

a casa derrubada”. Esta iniciativa foi tomada pela secretaria de urbanismo e já tem resultados. “No início do ano nossos fiscais já derrubaram alguns casebres em áreas públicas, estamos de olho, nossa meta é reurbanizar as áreas que já existem e não deixar que novas invasões aconteçam”, diz Roberto Marqueti, Diretor Técnico da Secretaria de Urbanismo. Mas a burocracia muitas vezes impede o trabalho de novos loteamentos e de reurbanização. O poder público alega falta de recursos, os moradores dizem que é falta de vontade e enquanto isso, eles vivem um sonho que não sabem se vai ser realizado. sxc.hu

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sxc.hu

Lucas Bezzi Negr達o


Unidos pela pedra

Moradores de rua têm um ponto em comum que os agrega: o vício do crack

A

A falta de informação é grave. O poder público não sabe quantos são e nem quem são, mas eles estão a nossa volta. A maioria não tem um lugar fixo devido ao medo da polícia e da assistência social. É preciso andar muito pelas principais avenidas, praças, viadutos e terminais rodoviários para localizá-los. Grande parte deste grupo social não nasceu nas ruas. Muitos já tiveram trabalho remunerado e ainda têm família – inclusive filhos. A mendicância, a incerteza, e o perambular pelas ruas de Itajaí são comuns a todos, todavia não é o que os une por aqui. Nos fundos do restaurante Vovó Carola, na Rua Uruguai, o ponto de união entre três homens de idades diferentes é o crack.


Todos pelo desenvolvimento

Sentado à sombra num caixote de madeira, Valdemar Costa, de 38 anos, é morador de rua há cinco anos. Após a morte dos pais – a mãe vitimada por um derrame cerebral e o pai pelo câncer – foi expulso de casa por quatro de seus onze irmãos. Valdemar conta que a vida nem sempre foi assim. Natural de Itajaí, foi pescador durante 14 anos, mas foi um derrame que paralisou o lado esquerdo de seu corpo e o afastou das redes e do mar. “Pescar era minha paixão”. Depois do incidente que o invalidou, acabou se rendendo ao mal das ruas, as drogas. “Já estive em uma casa de recuperação, mas esses lugares não ajudam em nada, pelo contrário, deixam a gente com uma sede ainda maior pela droga”. Valdemar passou quase dois anos em tratamento. “Saí forte e bonitinho, mas três meses depois já estava igual a um passarinho magrelo”. Usuário de crack há 15 anos, o pescador afastado confessa que troca um prato de comida pela “pedra”, como os usuários chamam a droga. Valdemar Costa faz parte do grupo que está na rua por opção. Todo mês, ele recebe uma pensão referente a sua invalidez, dinheiro este que é queimado em crack. “Tô tentando alugar um quartinho, mas

a droga fala mais alto”. Perambulando pela cidade, descobriu lugares que o ajudam a sobreviver nas ruas. “Os bombeiros dos Cordeiros me dão uma força. Me deixam dormir por lá. Já aqui na Vovó Carola, filo um rango todo dia”. Quando indagado sobre o que mais sente falta, o pescador não titubeou. “O conforto. Não sabe como é duro não ter onde tomar um banho”. Não cheguei nem a desconfiar, mas à medida que conversávamos, descobri que Valdemar já foi casado. “Tenho três filhos, um de três, outro de quatro e um com cinco”. O contato com a família a cada ano diminui. Sem tomar banho há dias, e trajando uma bermuda azul e camisa de futebol – ambas surradas – tinha sua residência no Jardim Progresso, no Bairro Cordeiros. O odor dos dias sem tomar banho pareciam algo como carniça misturado às bergamotas que descascava. E quanto ao preconceito, ele nega. “Não sinto preconceito. Quer saber ainda mais? Se eu te contar que os pobres são mais solidários, vais ficar de queixo no chão”, completou Valdemar ao contar sobre a dificuldade em se conseguir um prato de comida nas portas das casas. “Os ricos além de negar, ainda chamam a polícia”.

“Vejo minha família quando eu quero” A frase é de um garoto que intrigado com a minha presença, veio logo se aproximando para escutar a conversa. Com 19 anos recém completos, Jônatha Alex Rocha vive nas ruas há seis anos. Nascido em Itajaí, morava junto do pai, a madrasta, e dois irmãos. Assim como Valdemar Costa, o crack tirou Jônatha de casa. Usuário há seis anos, ele não pensa em largar essa vida. “Prefiro o crack, mas uso de tudo”. O rapaz que cursou o Ensino Médio na escola Pedro Paulo Phillipi, na Rua Jorge Mattos, conta que também foi internado em uma clínica para viciados. “Eu sabia que não ia me ajudar, então pulei o muro e fui embora”. Jônatha falava de cabeça baixa, sem olhar nos olhos. A cada duas frases, uma tosse chacoalhava o corpo de baixa estatura e parecia que iria vomitar. Ainda tem contato com sua família? “Vejo minha família quando eu quero”. Como fonte de sustento, disse que recolhe papelão, latas de alumínio além das esmolas. Sua maior preocupação é a famosa Kombi do POM – Programa de Orientação ao Migrante e da Assistência Social, motivo esse pelo qual não fica em um mesmo lugar. Jônatha Rocha, apesar da pouca idade, já é conhecido pela polícia – foi preso quatro vezes. O motivo é a droga. “Vixe, já perdi as contas de quantas vezes levei coça da polícia. Não tão nem aí, sabem que o cara é ladrão, chegam batendo mesmo”.

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Natural de Blumenau, trabalhou como funcionário público na área da saúde. Na carreira profissional, passagem por empresas alimentícias e de pneus. Pediu demissão de todos os empregos. Casado por dez anos, Giovani Furtado, 43 anos, é pai de duas filhas – uma de vinte anos e outra mais nova com dez. Ainda tem contato com a família, mas optou por sair de casa quando a droga assumiu o controle. Trabalhou durante anos ao lado da mãe, mas quando um enfarte fulminante a matou, começou a fraquejar e se entregar às drogas. O pai, de 85 anos, e os sete irmãos, não vê já faz tempo. Vive nas ruas de Itajaí há dez anos. Já tentou voltar para casa, mas não teve sucesso, o vício falou mais alto. Giovani, com os poucos dentes que lhe restavam na boca, disse sorridente que estava limpo há duas semanas. “Sinto-

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me bem até o presente momento”. Ainda na conversa sobre drogas, ele me disse que sempre haverá justificativas para o vício. “Uma vez puxado o gatilho... Bang!”, garantiu. Para o antigo funcionário público, a vida nas ruas é um caminho obscuro a se percorrer. Ele contoume de um episódio que o chocou profundamente assim que deixou sua casa. A história era sobre uma menina de apenas 16 e seu filho, sustentados por um caminhoneiro. Em troca, a garota se prostituía. “Ela não queria mais essa vida e me pediu ajuda. Eu disse que a ajudaria a sair dessa, mas creio que a pressão era grande”. Ela estourou a cabeça com uma espingarda na frente do filho. Giovani descobriu que o caminhoneiro havia viciado a menina em crack. “Onde há droga, há confusão, há miséria e há guerra”, concluiu o morador de rua sem camisa ao apertar minha mão e ir embora.

Solidariedade para com aqueles sem esperança O restaurante Casa da Vovó Carola, localizado na Rua Uruguai, é bastante conhecido em Itajaí. Mas o que poucos conhecem é o trabalho social organizado pela família dona do local. De segunda à sexta, após o expediente normal, Cristina Gonçalves, de 48 anos, serve refeições a um público móvel de trinta moradores de rua. “Um prato de comida não faz falta a quem tem”, lema de Cristina, ajudante geral de cozinha. Ela continua o gesto solidário que a mãe, Dona Jaci, e a irmã, Carolina começaram há dez anos. “No começo, sentíamos certo afastamento dos nossos clientes devido a esta assistência que damos aos moradores de rua”, conta ela. “Mas, logo passou. Eles são sossegados. Ficam no seu cantinho e não mexem com ninguém”, garante Cristina. Valdemar, Jônatha, Giovani e todos aqueles que almoçam por lá demonstram uma enorme gratidão para com a atitude de Cristina. “Eu faço de coração”.

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Todos pelo desenvolvimento

De funcionário público a mendigo


Existe Justiça para todos? Defensoria pública é um direito garantido a quase todos os brasileiros, catarinenses ainda ficam de fora

Christian Schloegel


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I

Imagine você preso por qualquer motivo não muito esclarecido. Agora, considere a impossibilidade de pagar um advogado. Você está ali, esperando para entrar na sala ao lado, onde sabe que vai ficar frente a frente com um juiz, a figura máxima do poder judiciário. Aquele que decide sobre prisão ou liberdade. O advogado chega apressado e vocês entram na sala de audiências para as alegações finais. Você não tem muita certeza sobre o que o advogado escreveu em sua defesa, afinal não se lembra de terem trocado mais do que poucas palavras ou frases. E tudo que ele fala é muito confuso pra você.


Todos pelo desenvolvimento

Observa o ambiente procurando relaxar e pensa: será que existe justiça para o pobre, pois não está colocando muita fé nesse advogado que lhe foi indicado. Você olha novamente para o advogado, que se mostra sereno e tranqüilo, e pensa se ele está realmente interessado em sua defesa ou apenas esperando para receber seus honorários. Eles serão pagos pela Ordem dos Advogados do Brasil, na chamada defesa dativa, em que defensores são indicados e aceitam ou não representar quem não tem meios de pagar. A eficácia e a constitucionalidade das formas de defesa do cidadão de baixa renda em Santa Catarina é polêmica e traz certo desconforto saber que estamos no único estado do país onde não existe a defensoria pública como dispõe o artigo 134 da Constituição Federal. O que falta, segundo o juiz de direito da sétima turma de recursos da comarca de Itajaí, Rodolfo Cezar Ribeiro da Silva, é vontade política. Segundo ele, a defensoria como está disposta na lei, deveria ser organizada em carreira, por meio de concurso público, a exemplo dos promotores de justiça, que também

são pagos pelo estado, mas não pertencem nem ao Executivo, nem ao Judiciário, mas atuam de forma independente. A Defensoria Pública foi criada na Constituição Federal de 1988 para garantir assistência jurídica às pessoas de baixa renda que não têm como pagar advogado, comprovada a insuficiência de renda. A instituição é considerada, ao lado do Ministério Público e da advocacia pública, uma das funções essenciais à Justiça. Cabe ao defensor público, advogado concursado, dar orientações e esclarecimentos às pessoas sobre seus direitos ou sobre ações judiciais; defender direitos das pessoas carentes, como moradia, aposentadoria e saúde; além de auxiliar juridicamente organizações sociais, como associações de moradores, sindicatos e movimentos sociais, entre outros, na defesa dos seus direitos. Mas aqui no Estado, o serviço não existe. A Defensoria Dativa que é disponível em Santa Catarina, por outro lado, presta um serviço que não é completo, no entanto supre uma carência na garantia de direitos. O juiz Rodolfo Cezar compara a eficiência da defesa gratuita ao

Sistema Único de Saúde, SUS, ou a rede pública de ensino. Para ele, é dever do Estado prestar assistência jurídica aos necessitados e não apenas delegar isso a organismos estranhos ao corpo estatal, como a Ordem dos Advogados do Brasil, ou os Escritórios Modelos nas universidades. Para sustentar o que diz, o juiz comenta o processo anulado por ele, feito por um defensor dativo, para demonstrar a fragilidade do sistema atual. Nessas situações, cabe ao juiz responsável garantir que o cidadão não seja prejudicado por uma defesa omissa e deficiente. O advogado e apresentador de programa popular em uma TV local, Antonio Robson Dias Filho, defende que o mais prejudicado por essa deficiência constitucional em Santa Catarina é com certeza o cidadão mais necessitado. É no atendimento às reivindicações do povo que ele percebe a necessidade da criação da defensoria pública no Estado, visto que a maioria das reclamações em seu programa poderiam ser rapidamente resolvidas por uma defensoria. E para que essa defesa aos mais necessitados seja realizada

de forma eficiente, o defensor além de aprovado em concurso público de provas e títulos, deve estar no mesmo nível de independência de outras instâncias como o Ministério Público. O juiz Rodolfo Cezar acrescenta que há uma mobilização positiva tanto no meio do judiciário quanto em entidades de representações de classes, dos direitos humanos, e outras, buscando uma solução junto ao governo. No dia 19 de maio deste ano, dia Nacional do Defensor Público, uma cartilha educativa elaborada por diversas entidades que integram o Movimento pela criação da defensoria pública no estado foi lançada em Florianópolis, onde representantes da sociedade civil organizada de Santa Catarina, como universidades e sindicatos, o Conselho Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) além da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) participaram de uma audiência pública na Assembléia Legislativa (ALESC). O objetivo desse movimento é coletar 40 mil assinaturas visando à elaboração de um projeto de iniciativa popular a ser apresentado ao Parlamento. Christian Schloegel

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Melina Manfredini

Recicloarte: lixo é arte 11 Palavra de Jornalista Novembro 2008

Artista plástico de Itajaí busca nos restos de cada um a inspiração para seu trabalho

Meio Ambiente

Melina Manfredini


Melina Manfredini

Meio Ambiente

A

A produção de lixo é inevitável e crescente. Cada brasileiro descarta no lixo, a cada ano, em média 90 latas de bebida, 107 frascos de vidro, 70 latas de alimento, 45 quilos de plástico, 10 vezes o seu próprio peso em refugo doméstico e, o equivalente a duas árvores é gasto com papel. Somente cerca de 40% do lixo produzido diariamente por cada indivíduo é reciclável, pois o descarte é realizado de maneira incorreta, sem a separação e limpeza adequadas na fonte, seja em casa ou no trabalho. ‘’O lixo inorgânico, como plástico, papel e papelão, metal e vidro, incluindo embalagens provenientes desses materiais, deve ser limpo e separado do lixo orgânico, resultante de restos de seres vivos, animal ou vegetal’’, explica a engenheira ambiental e professora da Univali, Sonia Portalupi. O vocábulo reciclagem surgiu na década de 1970, quando as preocupações ambientais passaram a ser tratadas com maior rigor, especialmente após o primeiro choque do petróleo, quando reciclar ganhou importância estratégica, explica a engenheira. Para se ter uma idéia, a cada

Palestra ministrada no Colégio Nilton Kucker, em Itajaí, no mês de abril deste ano

100 toneladas de garrafas PET (polietileno tereftalato) recicladas, uma tonelada de petróleo é economizada, e a cada tonelada de papel e papelão reciclados, deixa-se de cortar, em média, 20 novas árvores e economizam-se 10 mil litros de água. Segundo Sonia, a reciclagem no Brasil ainda é uma utopia, pois a falta de consciência ambiental das pessoas é grande. A sociedade consumista atual está longe de analisar e consumir somente o que é necessário. Um terço do consumo do papel destina-se a embala-

gens, e algumas têm um período de uso inferior a 30 segundos. Contudo, a prática de atitudes simples e cotidianas, mas de fundamental importância, possibilitam a redução do impacto em nosso ecossistema. Estas também refletem o índice de respeito e importância que cada indivíduo tem pelo meio ambiente em que vive. Conscientes ou não, ações no presente vão influenciar a qualidade de vida no futuro, completa Sonia.

Reinventando o lixo

Reutilizar e refinar significa

reaproveitar o que já foi usado e tornar mais fino, aperfeiçoar, respectivamente. E é justamente com esses conceitos que o artesão Mauro Sergio Santos trabalha, à medida que a composição estética e funcional de uma futura obra se figura em sua mente. Em seu ateliê, na cidade de Itajaí, materiais reciclados misturam-se com peças de arte, pois o primeiro é a matéria-prima do último. O gosto pelas manifestações culturais ligadas às artes plásticas e a vontade de criar algo novo motiva o artista desde 1992,

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O artesão realizou exposições, oficinas de reciclagem e ministrou palestras sobre arte ligadas à consciência ambiental em quase 50 escolas da região espalhadas por 15 municípios catarinenses. Nos eventos que realiza com reciclagem, o artesão faz uma ligação entre as artes plásticas, o reaproveitamento e o cuidado com o meio ambiente. Segundo ele, todas as informações são transmitidas para que os alunos desenvolvam suas próprias experiências com base no que aprendem nas palestras. “Alguns transformam o que é pro-

duzido em objetos de decoração, e outros, em fonte de renda”. Garrafas e embalagens plásticas, tampas de garrafas PET, papelão e jornais são alguns dos materiais mais utilizados na confecção dos artefatos, e ganham nova forma e aparência nas mãos do artesão, ora com finalidade decorativa, ora lúdico educacional. ``As peças de arte podem ser feitas a partir de qualquer material reciclado e tomar qualquer forma, basta se permitir, observar o mundo e começar``, aponta o artista. A transformação que a arte

provocou na vida de Mauro pode ser expressa em uma palavra. Caelum, que significa céu em latim. A palavra foi encontrada em uma de suas leituras e escolhida para ser assinada em suas obras de arte. Mauro comenta que o desenvolvimento desse trabalho proporcionou uma autorreciclagem espiritual e uma grande paz interior. “Vejo beleza onde muitos não percebem, durante cada trabalho me sinto como se estivesse no céu, na Morada dos Deuses. Por esse motivo faço questão de assinar caelum”.

Poema

Gastando menos Na reciclagem do vidro, os cacos devem ser separados por cor (transparente, verde e marrom). O vidro comum funde a uma temperatura de 1000ºC e 1200ºC, enquanto que a temperatura de fusão na fabricação do vidro, a partir dos minérios, ocorre entre 1500ºC a 1600ºC. Nota-se assim uma economia de energia gasta na extração de minérios que não vão ser utilizados e garante uma maior durabilidade dos fornos. O Brasil só recicla 14% do vidro que consome, o restante fica em algum lugar na natureza por tempo indeterminado.

A reciclagem do papel não exige processos químicos para a obtenção da pasta de celulose, economizam-se os recursos naturais como madeira, água e energia, além de diminuir a poluição do ar. Uma tonelada de papel reciclado economiza o corte de 15 a 30 árvores. O tempo de degradação desse material é de três meses a seis anos, dependendo das condições de umidade do solo em que foi abandonado.

Para cada tonelada de alumínio reciclado é economizada a extração de cinco toneladas do minério bauxita, a matéria-prima do qual é produzido. Se for descartado no meio ambiente, a decomposição do alumínio pode levar de 200 a 500 anos.

A queima do plástico, para o reaproveitamento, quando realizada em incineradores adequados, produz menos fumaça e poluição atmosférica do que a queima do carvão e óleo combustível, matérias-prima para a produção deste material. Os objetos plásticos como garrafas PET, sacos e sacolas, embalagens e outros levam de 100 a 450 anos para se decompor em meio ao ambiente. Melina Manfredini

27 Palavra de Jornalista Julho 2009 Praia de Mariscal. Local onde o lixo não deveria estar.

Meio Ambiente

quando iniciou a produção das peças em sua residência. A arte reciclada sempre esteve presente em sua trajetória de vida, até mesmo quando desenvolvia atividades no setor da construção civil ou na área administrativa. “Ao voltar para casa, sempre trazia sobras que poderiam ser reutilizadas na confecção das minhas futuras obras”, conta o artesão. Anos depois, em 2005, foi convidado a desempenhar oficinas dentro do Departamento de Educação Ambiental da Fundação do Meio Ambiente de Itajaí, a Famai.


Água de reuso: en custos com apelo Conciliar a busca pela competitividade com a necessidade crescente de preservar os recursos naturais, em especial a água. Esse é o grande desafio das empresas no mundo atual, principalmente na indústria, cada vez mais pressionada em indicadores de desempenho e em responsabilidade social e ambiental.

João Henrique Baggio


enxugamento de o ambiental

A

As empresas que adotam o reuso da água em seus parques fabris veem uma boa oportunidade neste momento de turbulência econômica. Além do apelo ambiental, hoje necessário às grandes corporações, essas companhias garantem uma redução de 25% a 50% nos custos com o produto, considerado o principal insumo na maioria dos setores industriais. Prática que vem ao encontro da atual necessidade de redução de gastos nas linhas de produção, quesito fundamental na busca da tão almejada competitividade.

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Meio Ambiente

O engenheiro químico e consultor da Intech Engenharia e Meio Ambiente Jamur Gerloff diz que o reuso da água se tornou uma necessidade cada vez mais presente, baseada nos custos industriais, onde pequenos ajustes promovem um grande resultado nos ganhos de escala. “A principal vantagem é a financeira, que vem associada aos menores custos e, subsequentemente, a imagem da empresa frente à sociedade.” O professor titular do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Ivanildo Hespanhol, informa que em São Paulo o reuso proporciona uma redução no metro cúbico da água de R$ 8,75 para R$ 2. Em Joinville, segundo o líder de meio ambiente da Embraco, Cristiano Sieber, a água de reuso tem um custo aproximado de R$ 2,60 o metro cúbico. “A redução no custo, em comparação com a água da concessionária [no caso a Águas de Joinville] é de 44%.” No entanto, estimativas do mercado apontam de que ainda é muito pequeno o número das empresas fazem algum reaproveitamento do recurso no país. Em Santa Catarina o índice não supera o nacional. “Mas a tendência é que aumente muito a adoção do reuso da água pela indústria e também por

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empresas prestadoras de serviços”, informa o consultor ambiental e membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente [Conama], Roberto Roche. Segundo o especialista, a reutilização da água veio para ficar, não só pelo alto custo do recurso, mas pela necessidade de sustentabilidade. “Até lavações de automóveis e postos de combustíveis já utilizam esse método, além de prédios comerciais. É um caminho sem volta, pois em muitos países um litro de água custa mais caro que um litro de combustível”, diz Roche. Jamur Gerloff destaca ainda a possibilidade de extração de sólidos solubilizados e carreados pelo processo produtivo da água descartada em estações, que podem despertar interesse financeiro. Ele exemplifica com a destinação do lodo das empresas que produzem papel [foco de seu doutorado], que atualmente é enterrado em aterros sanitários [ao custo de R$ 110 a tonelada] e que propicia um material que convenientemente tratado pode gerar um crédito de R$ 640 a tonelada. “O tratamento resulta em uma fonte de matéria prima para processos industriais de alto valor agregado.”

Realidade catarinense O técnico da Secretaria de Es-

tado do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, Guilherme Xavier de Miranda Júnior, diz que o reuso da água já é uma constante em muitos parques fabris catarinenses e que a tendência é que cada vez mais indústrias utilizem esse processo. O especialista informa que o reaproveitamento pode chegar a 50% da água utilizada nas indústrias. Índice que varia de acordo com o setor. “Nos setores metalmecânico e têxtil, por exemplo, o reuso pode passar de 50% da água utilizada no processo fabril. Já no setor de alimentos, como nos casos dos frigoríficos, o índice é bem inferior, pois a reutilização esbarra nas questões sanitárias”, explica. Jamur Gerloff ressalta a viabilidade completa de reuso 100% em procedimentos que compõem a linha de produção dos frigoríficos, a exemplo do processo de resfriamento de carcaças de frangos, o que representa uma redução de 30% no consumo de água. “Um abate com 62 mil aves/dia poderá consumir 300 metros cúbicos de água, onde todo o processo consome 2,2 metros cúbicos/dia, o que corresponde a 25% da água utilizada em todo o complexo, diz Gerloff. A Embraco, líder mundial no mercado de compressores her-

méticos para refrigeração [com sede em Joinville e fábricas na Itália, Eslováquia e China], utiliza processos de tratamento de efluentes físico químico e biológico em sua matriz. “Os efluentes do processo fabril e sanitários são tratados, filtrados e desinfetados por raios de UV e cloração. Após esse processo a água é distribuída em rede exclusiva para sanitários, hidrantes, lavação de contêineres, limpeza de piso da fábrica, torres de resfriamento, irrigação de jardins e preparação de reagentes na estação de tratamento de efluentes”, informa Cristiano Sieber. Segundo o líder de meio ambiente da Embraco, o reuso representa uma redução de 50% no volume de água consumido. Na Dohler SA, também de Joinville, o reuso oscila entre 22% e 25% da água consumida, o que impacta na redução de aproximadamente 25% nos gastos com o produto. O diretor técnico da empresa, José Mário Ribeiro, acrescenta que a prática também reduz significativamente os custos com tratamento de adução e despejos. A companhia utiliza água de reuso também nos processos de limpeza de equipamentos de estamparia. “Além da redução nos custos, a utilização do método resulta na promoção e marketing do

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Domínio Público

que sustentabilidade é uma das cinco prioridades estratégicas da empresa e que “os investimentos em meio ambiente e certificações ambientais internacionais, entre outros, também facilitam a boa imagem da empresa perante seus stakeholders.” Jamur Gerloff ressalta a importância de procedimentos como o reuso da água nos processos de obtenção e renovação das outorgas de uso dos recursos hídricos pelas indústrias.

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A outorga é o instrumento pelo qual o poder público concede ao particular [empresa ou pessoa física] a autorização para o uso das águas. Com a Constituição Federal de 1988, as águas tornaram-se de domínio público, isto é, passaram a pertencer ao estado. Assim, foi necessário que o Poder Público estabelecesse um instrumento através do qual pudesse autorizar o uso dos recursos hídricos.

Meio Ambiente

nome da empresa e o desenvolvimento da conscientização com relação à preservação do meio ambiente.” Custo benefício – A reutilização de água proporciona benefícios ambientais significativos, pois permite que maior volume de água permaneça disponível para outros usos e, em certas condições, reduzir a poluição hídrica por meio da minimização da descarga de efluentes. Há também benefícios econômicos, uma vez que a empresa não acrescenta a seus produtos os custos relativos à cobrança pelo uso da água. Ivanildo Hespanhol reforça a importância do reuso na composição dos custos produtivos da indústria. Segundo o especialista, a água está ficando cada vez mais cara, o que faz compensar os investimentos no tratamento para reutilização. Entretanto, ele observa que o Brasil carece de um arcabouço legal para a reutilização da água. Ele entende que é necessário regulamentar o reuso de água nos setores agrícola, industrial, para aqüicultura, usos urbanos não potáveis, recarga gerenciada de aqüíferos, entre outros. Cristiano Sieber, da Embraco, diz que o reaproveitamento é muito importante, uma vez que o consumo de água é um aspecto do sistema de gestão. Ele destaca


Óleos ecologicamente tratados Restos de cozinha domiciliar, do comércio e da indústria podem ser reaproveitados

Bolívar Hetzer Salerno


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Q

Quando se fala em vida humana, e no que é realmente necessário e essencial para a sobrevivência desta espécie, imagina-se logo, comida e água. Há um terceiro elemento, que diz respeito a estes dois, e que está atrelado de modo indissociável

a eles: o óleo. Virgem ou usado, de carro ou de cozinha, cada litro de óleo pode contaminar um milhão de litros de água. E uma quantidade incalculável deste produto é consumida todos os dias, dando à luz um problema também infinito. Não há estimativa mundial sobre o número de litros de óleo utilizados, mas se desenvolve um fim mais produtivo que o de jogar fora. Através de reciclagem, o problema dá lugar à solução, poupando o meio ambiente e gerando empregos.


ao estabelecimento que descartou o óleo, e o resto vendido no mercado. Desperdício zero. Para quem doa, além do detergente que recebe de volta, grátis, fica a leveza do dever cumprido. O proprietário de uma galeteria em Itajaí, Marco Frassinni, assinou em maio deste ano o contrato com uma empresa coletadora de seu óleo e não se arrepende. “Nunca recebemos instrução de qual fim dar ao óleo, e com essa saída ainda economizamos com o sabão para lavar as louças”. Itajaí é o maior porto pesqueiro do país. Um barco de dezoito metros para a pesca de camarão utiliza vinte mil litros de óleo e são mais de duzentas embarcações na frota da cidade. A boa notícia é que todo este óleo também é reciclado, de forma um pouco diferente do óleo de cozinha. O líquido tirado dos barcos por empresas terceirizadas passa por um refino, em que uma parte pode ser novamente usada em barcos como óleo. Outra parte, a borra, é vendida para empresas

Em casa... O óleo consumido nas casas da população ainda não tem destino certo. Em Itajaí, a FAMAI já conta com postos de coleta do óleo de cozinha das casas. Faça uma força, se puder, para ajudar o meio ambiente.

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Meio Ambiente

Em Itajaí, bares, restaurantes e similares já contratam empresas coletadoras para seus óleos saturados. Tonéis vazios são disponibilizados aos restaurantes por estas empresas, e depois de cheios, são recolhidos para reciclagem. O mesmo já acontece em quase todos os estabelecimentos que trabalham com alimentação em Balneário Camboriú, Itapema e Penha. Há dois anos, uma empresa de Balneário Camboriú realiza coleta de óleo de cozinha em restaurantes. “Coletamos cerca de vinte toneladas de óleo “sujo” na alta temporada, e a metade na baixa temporada”, afirma Alsemir Miranda, proprietário da recicladora. O “óleo sujo” a que se refere, é o óleo com resíduos de frituras, que sofre uma purificação. Os pedaços de comida são vendidos a uma empresa do interior do estado e são utilizados para fazer ração para suínos. O “óleo limpo” após o processo é transformado em sabão, sendo dada uma parte sxc.hu

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- Sede da FAMAI - Viveiro Fazenda Nativa - Porto de Itajaí - Centros de Atendimento de Cordeiros e Itaipava - Secretaria de Agricultura - E.B. Pe. Pedro Baron - Centro Infantil Antonieta Moreira dos Santos - C.I. Laércio Mauro Malburg - C.I. Adélia Russi Silva - C.I. Dayana Maria De Souza - Epagri e Colégio Adventista

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casa de moradores e o diesel produzido será usado em ônibus da Rede Municipal de Ensino. No caso dos navios, o óleo também é reaproveitado. Nos portos de Itajaí e de Navegantes, empresas terceirizadas fazem o recolhimento e dão a mesma destinação que recebe o óleo dos barcos de pesca. A administração dos portos apenas faz a inspeção nas empresas, para conferir se está tudo em dia com as questões ambientais. As concessionárias, postos de gasolina, e locais que realizam a troca do líquido em veículos, são obrigados por lei a recolher e encaminhar os resíduos para suas respectivas matrizes. A FAMAI está ainda cadastrando as empresas que fazem a busca em restaurantes. Mesmo sem a regulamentação adequada, neste caso, o fim justifica o meio, pois o ambiente está sendo poupado de toneladas de óleo queimado, e o homem, como sempre, sai lucrando. Ao menos desta vez, através de um meio justo e limpo.

Meio Ambiente

Os postos de coleta em Itajaí são:

que produzem manta asfáltica, e a água é destinada a fins de limpeza da própria empresa que faz a reciclagem. As empresas coletadoras e recicladoras necessitam de licença ambiental para que possam funcionar. Tal licença é concedida, em Itajaí, pela FAMAI – Fundação Municipal do Meio Ambiente de Itajaí. O óleo de cozinha usado tem outra finalidade além de virar sabão ou detergente. É possível produzir biodiesel a partir dele. Em Palhoça, região da grande Florianópolis, a prefeitura comprou e cedeu à Associação dos Maricultores, uma máquina que faz a transformação do óleo queimado em combustível. A intenção de acordo com a assessoria de imprensa da prefeitura é a de conscientizar a população acerca da reciclagem. A máquina que faz a transformação é produzida aqui ao lado, na cidade de Santa Rosa (RS), e pode produzir até mil litros de biocombustível por dia. O óleo será recolhido da


O peso do que é jogado fora Comparação entre o que se consome e o que se leva ao lixo mostra um retrato do desperdício em SC

Camila Raymundi


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No Brasil, 14 milhões de pessoas passam fome, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisas apontam que, a cada cinco minutos morre uma criança em virtude de doenças relacionadas à fome. Apesar dos dados serem alarmantes, o Brasil é um dos países que mais desperdiçam alimentos no mundo. De acordo com pesquisa da Embrapa Indústria de Alimentos, o brasileiro consome 35 quilos de hortaliças ao ano, enquanto joga 37 quilos no lixo. Santa Catarina está longe dos índices de pobreza e desnutrição, mas não dos índices de desperdício. Recentemente, a população nacional se sensibilizou com as enchentes que aconteceram no estado em novembro de 2008, mas ficou decepcionada ao ver a notícia de que caminhões de alimentos haviam sido jogados fora, pois continham produtos fora do prazo de validade ou sem identificação. Mas, outros casos de desperdício acontecem diariamente na região do Vale do Rio Itajaí. É só procurar no lixo doméstico e dos restaurantes.


Meio Ambiente

O desperdício pôde ser observado até nas situações de calamidade. No município de Ilhota, onde grande parte da população sofreu perdas com as enchentes do ano passado, foram registrados os casos mais impressionantes. Os alimentos chegavam a granel, armazenados em saco enormes e sem identificação. Dessa forma, a prefeitura não recebia aval da Vigilância Sanitária para distribuir os produtos. “Eu me lembro de um saco enorme de macarrão que nós tivemos que jogar fora, porque não fomos autorizados a doar”, lamenta a assistente social Rosi Voltolini. Além dos alimentos sem identificação, muita coisa chegou ao município com o prazo de validade por vencer ou já estragada.

Um caminhão inteiro de carne teve de ser jogado fora, pois o produto estragou no caminho. Também foi descartado um carregamento de leite congelado, que estragou no local pois não havia como manter a temperatura do produto. Esses são apenas alguns dos exemplos do quanto se descartou de comida na cidade. E mesmo com tanto desperdício, toda a população de Ilhota pôde ser alimentada com as doações durante vários dias. “Nós não tínhamos mais nem onde guardar tanta coisa”, lembra a assistente social. Ilhota é apenas um dos exemplos dos prejuízos causados pela falta de planejamento e de políticas públicas no sentido de evitar o desperdício na região. O único

município que possui avanços neste sentido é Itajaí, que em vez de distribuir cestas básicas, cadastra as famílias e fornece um cartão de crédito com a quantia equivalente ao preço da cesta, e que só pode ser utilizado em supermercados. Desta forma, o município evita tanto fazer estoque de produtos que podem vir a estragar nas prateleiras quanto fazer doações de alimentos que a família beneficiada não necessitava no momento. “Isso permite que a pessoa compre o que está lhe fazendo falta, sem que receba, por exemplo, outro saco de farinha enquanto poderia estar comprando um saco de feijão”, explica a assistente social Neuza Bottega. Mercados e feiras também contribuem diariamente com

os índices de desperdício. Quase em sua totalidade, estes estabelecimentos deixam de distribuir grandes quantidades de alimentos que serão jogados fora, por medo de serem responsabilizados por qualquer dano à saúde pública ocasionado por algum alimento que não esteja em condições próprias para consumo. Geralmente, os produtos que serão descartados são depositados em lixos conhecidos como “descartes privilegiados”. Nesses locais, as pessoas podem retirar a comida sem que a empresa seja punida caso alguém passe mal devido ao consumo desse alimento. O fiscal de saúde pública Jean Carlo Santos explica que a empresa pode ser responsabilizada por danos à saúde da população,

Dicas para combater o desperdício de alimentos Procure colocar no prato somente o que pretende comer. Repita se necessário

Planeje as compras verificando o que já tem em casa Procure fazer as compras após as refeições

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produtos que vêm desde pequenos produtores da região até de produtores de outros estados, que são comercializados para pequenos mercados e para as grandes redes. “A qualificação dos produtos já vem da origem. Eles chegam até nós embalados e 80% disso são vendidos aos supermercados”. Além das vendas no atacado, a CEASA também trabalha com o varejo, comercializando as mercadorias no próprio estabelecimento. Eleomar Garcia conta que a empresa está cadastrada em um programa do Governo Federal chamado Banco de Alimentos, onde os alimentos que sobram nos estabelecimentos são doados para ONG, creches, asilos e demais entidades filantrópicas. “Na região o andamento do

programa ainda está lento, mas a gente espera conseguir dar seqüência a esse projeto”. Nos restaurantes, o desperdício de comida também pode ser observado diariamente. A maioria deles não faz doação das sobras pelo mesmo motivo dos supermercados: o medo de serem responsabilizados por intoxicações alimentares. Rafael Augusto da Silva, responsável pelas compras do Restaurante da Família, em Itajaí, conta que a postura adotada por eles é diferente dos outros restaurantes. O local serve buffet livre e nas paredes, placas alertam os clientes para que evitem o desperdício. “Sobra muita comida, e para não jogar fora, montamos marmita para doar para pessoas carentes que procuram nosso restaurante”.

Coma primeiro as frutas mais maduras

Siga a lista que preparou no supermercado

Grande parte da comida que se joga fora vem de casa. Basta vasculhar o lixo doméstico para ver o quanto de alimentos é descartado todos os dias. Segundo pesquisa do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, uma casa brasileira desperdiça em média 20% dos alimentos que compra semanalmente. Isso significa uma perda de 1 bilhão de dólares por ano, ou o suficiente para alimentar 500 mil famílias. A telefonista Jeanete Fagundes vem tentando modificar seus hábitos a fim de evitar o desperdício de comida dentro de casa. “Estou prestando mais atenção na validade do que eu compro e cozinhando em menos quantidade. Assim jogo menos comida fora e ainda consigo economizar”.

Prefira produtos da estação. São mais baratos e saborosos

Compre verduras, legumes e frutas semanalmente e não se importe com pequenas imperfeições destes alimentos

No preparo, procure aproveitar integralmente os alimentos, sempre que possível

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Meio Ambiente

mas que não há nenhuma legislação que impeça os supermercados de fazerem a doação dos alimentos que não passarem pelos critérios de seleção. “Para que os alimentos recebam a aprovação da Vigilância Sanitária para o consumo é verificada a data de validade, a rotulagem padrão e a procedência do alimento”. As frutas, as verduras e os legumes também são facilmente desperdiçados. Qualquer amassado, ou mesmo a menor marca de batida já é o suficiente para que o produto seja deixado de lado. De acordo com a Embrapa, o Brasil desperdiça 35% de todas as hortaliças que produz. Segundo o gerente da CEASA de Blumenau Eleomar Garcia, a empresa recebe


Merenda Escolar Terceirizada Poder público investe na padronização em busca de qualidade

Diorgenes Pandini


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A cada 10 ou 15 minutos, alunos de uma turma deixam as mesas enquanto outros entram no ambiente. Cada um pega um prato e vai à janelinha da cozinha esperar para ser servido. A cozinheira, que nesse momento deixa a função e passa a servir a merenda, coloca sua colher em uma grande panela. Pega a quantidade que o estudante quer de comida e coloca no prato. Essa cena é cotidiana na Escola Básica João Paulo II, em Itajaí. Em toda a cidade, a hora da merenda acontece dessa mesma forma, variando apenas os detalhes. A merenda na cidade é terceirizada pela empresa Coan. Todas as escolas recebem o mesmo cardápio, devidamente analisados e certificados por nutricionistas qualificados. Apenas o preparo e a distribuição desses pratos são de responsabilidade das merendeiras das escolas.

Educação

Diorgenes Pandini


Educação

O alimento na escola deve ser equilibrado em vitaminas, minerais e em quantidade suficiente para suprir as necessidades nutricionais durante o tempo em que as crianças permanecerem na escola. Além disso, toma-se um cuidado especial para que a merenda seja segura do ponto de vista higiênico-sanitário, em temperatura, consistência e frequência adequadas. No Brasil, dos 42,7 milhões de estudantes pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em 2006, 32,7 milhões tinham acesso às merendas escolares. Em Itajaí, o município terceirizou esse serviço em busca de qualidade e se tornou exemplo no Estado nesse quesito e chegou a ser apontada em 2007 pelo Instituto Ayrton Senna como referência na merenda escolar. Todas as escolas da cidade seguem o mesmo cardápio, formulado e executado pela empresa Coan, de São Paulo. As diferenças se encontram em pequenos detalhes, como higiene, organização maior, entre outros aspectos. A empresa é responsável pe-

las compras, transporte e armazenamento dos alimentos e demais ingredientes. Também são de responsabilidade da prestadora de serviços o preparo diário e a manutenção de um cardápio balanceado, valorizando o valor nutritivo das refeições. No estado, a Coan atua em Itajaí, Florianópolis, Rio do Sul e São José. Ainda atua em outros 16 estados brasileiros e também no Chile. A vantagem da terceirização do alimento escolar para o município vai além do quesito econômico. A qualidade da merenda passa a ser padronizada, há um investimento maior na qualidade dos nutricionistas e critérios mais rígidos no quesito higiene-sanitária. Além disso, quando houve a terceirização no município, todos os profissionais que trabalhavam com a merenda escolar na cidade passaram por um curso de reciclagem e foram absorvidos pela empresa. Os cardápios das merendas escolares são simples. Porém com alimentos de todos os grupos nutricionais. Proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e minerais estão presentes na

alimentação. As merendas são diversificadas, incluem carnes de todos os tipos, massas, arroz, pães, leites e derivados, feijões, com predominância de frutas e hortaliças. No cardápio deve conter ainda alimentos ricos em ferro (carne vermelha, aves, feijão, hortaliças folhosas...) Para a Nutricionista Claiza Barretta, “a merenda escolar deve promover o crescimento e desenvolvimento adequado à faixa etária em que as crianças se encontram, contribuir para a melhora do desenvolvimento cognitivo e propiciar a adoção de bons hábitos alimentares.“ Ainda segundo ela, o próximo passo que a cidade deveria tomar para melhorar ainda mais a qualidade dos alimentos das crianças seria promover educação nutricional aos pais e alunos, além de aumentar o número de nutricionistas, capacitar merendeiras, melhorar a infra-estrutura da unidade de alimentação das escolas e otimizar a qualidade dos alimentos servidos. Outro ponto importante levantado por Claiza seria a mudança do sistema de merenda

nas escolas estaduais. Segundo ela, o alimento oferecido pelas escolas do governo do estado “ainda deixam muito a desejar, considerando que os alimentos presentes são na sua grande maioria industrializados”. sxc.hu

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A qualidade da alimentação também influencia nas características psicológicas do ser humano. Pessoas seguras, confiantes, podem ter tido essas qualidades desenvolvidas quando eram apenas bebês, ainda na amamentação. Isso porque o bebê passa a ressignificar psicologicamente o momento da alimentação. “Pelo fato de ela estar recolhida ao peito da mãe, amamentar, tocar, acariciar, sentir o frio, o calor, a sensação de ser amado, o bem estar. Isso, mais tarde, influencia na sensação de segurança interior da pessoa” explica o psicólogo Maycon Vieira. Uma boa alimentação na fase escolar de qualquer criança melhora a capacidade de concentração e, consequentemente, o aprendizado. Segundo um estudo de 2006 da Universidade de Alberta, no Canadá, o alimento mais importante é o café da manhã. Entretanto, os outros alimentos ao decorrer do dia também têm fundamental importância para que a criança se desenvolva melhor. No estudo, foram avaliadas as alimentações das crianças na escola e em casa, e percebeu-se que as crianças que comiam mais frutas e verduras e mantinham uma alimentação mais balanceada, tinham mais chances de passarem nos testes. Na adolescência, os momentos de café, almoço, jantar, ou qualquer lanche durante o dia, criam um forte significado psicológico. O jantar, por exemplo, deixa de ser apenas um momento de alimentação e se torna um motivo para um encontro, para tratar de negócios ou para um pedido de casamento. Em outras palavras, a alimentação, além de importante para o desenvolvimento físico, também adquire um valor no relacionamento social das pessoas.

Diorgenes Pandini

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Educação

Um fator da personalidade


Na onda do mar

Alunos da rede municipal de BalneĂĄrio CamboriĂş descobrem o surfe e a escola

Fernanda Ribas


Fernanda Ribas

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Duas tendas montadas na areia da praia, algumas pranchas, camisas de lycra, roupas de neoprene, sol, céu azul e mar. Este é o cenário da aula dos estudantes da rede municipal de ensino de Balneário Camboriú. Característico na cidade, o surfe serve de incentivo para os jovens estudantes das escolas municipais. O projeto é referência nacional no Plano de Desenvolvimento da Educação. A escolinha de surfe foi implantada em 2006 pela Secretaria de Educação para proporcionar o contato dos estudantes com o esporte. Por semestre, são disponibilizadas em média 300 vagas. As turmas são formadas por até 12 alunos e cinco professores. A atividade extraclasse tem duração de uma hora e acontece uma vez por semana no turno inverso das aulas regulares.


Educação

De terça a sexta-feira, quem passa na Praia Central de Balneário Camboriú, na altura da Rua 1101, pode observar as primeiras manobras da garotada dentro da água. “A coisa que eu mais gosto quando chego aqui na Escolinha é pegar a prancha e cair no mar”, comenta Thiago Batista, aluno da 6ª série da Escola Municipal Dona Lili, localizada no bairro da Barra. Para o professor de Educação Física Alysson Lang, o objetivo do projeto é incentivar a prática do surfe e não criar atletas. “Queremos proporcionar a vivência com o esporte entre os alunos, respeitando sempre a individualidade de cada um deles”. Segundo o professor, o esporte é uma maneira de a criança desfrutar uma atividade saudável em contato com a natureza. Alan Marcos, de 12 anos, estuda na 7ª série do Cento Educacional Ariribá e pratica o esporte na escolinha de surfe desde 2007. “Mesmo que eu não tenha aula, eu venho todo dos dias aqui surfar”, afirma Alan, que já tem sua própria prancha e com ela já dá as primeiras rasgadas nas ondas. Thiago Vequi, Alan Marcos e Thiago Batista praticam o esporte não apenas por lazer, mas

também porque sonham em um dia se tornarem surfistas profissionais. Guilherme Ramalho, 19 anos, que já tem o esporte como profissão, destaca que o surfe pode ajudar a manter os meninos de baixa renda na escola. “Muitas vezes, quem não tem apoio da família acaba encontrando no surfe a motivação para continuar os estudos”, afirma Guilherme. O Projeto Surfe, além de desenvolver a técnica, também mantém os alunos ocupados e estimula o convívio com os colegas de classe em contato com a beleza da praia. “Essa foi a primeira vez que tive contato com o surfe. O esporte é bem apoiado pela minha mãe. Ela gosta que eu faça parte da escolinha, pois pelo menos não estou na rua fazendo vandalismo”, comenta Thiago Vequi , 13 anos. Na escolinha, o projeto ultrapassa as barreiras da sala de aula. Porém, os estudos devem estar em primeiro lugar para os participantes do projeto. “Temos três alunos suspensos neste momento por causa de notas ruins”, cita o professor Luiz Meneghelli. Todos os alunos que vão às aulas não vão por obrigação. Eles frequentam porque gostam mesmo de aprender a surfar e de fazer parte das

Improviso: barracas garantem o mínimo de estrutura

atividades de recreação na praia. “Esse projeto é um incentivo para eles melhorarem as notas na escola”, garante o professor. Noemi Severino, 31 anos, mãe coruja de Yuri, acompanha toda a semana a aula de surfe do filho. Sempre atenta aos movimentos do filho com a prancha, ela afirma que por causa das notas de matemática, o menino teve que mudar o dia da aulinha de surfe. “Como o Yuri não estava indo muito bem na matéria, ele começou a ir ao reforço nas terças e teve que passar a aula de surfe para as quintas-feiras”.

Todo o equipamento utilizado durante a prática é disponibilizado pela Prefeitura de Balneário Camboriú, através da Secretaria de Educação. Pranchas, leches (a cordinha que amarra a prancha ao pé do surfista), roupas de borracha, camisas de lycra e parafina fazem parte da lista do material escolar. “No período da manhã, de terça a quinta-feira, vem um caminhão da prefeitura e descarrega todo o equipamento na praia. No final da tarde o caminhão volta e recolhe todos os materiais”, comenta o professor da escolinha Luiz Meneghelli.

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Segundo a Coordenação de Educação Física da Secretaria de Educação de Balneário Camboriú, o Projeto Surfe é um instrumento que dissemina a prevenção de acidentes no meio aquático e amplia a autonomia da criança através das técnicas corporais de movimento na água. Já nas primeiras aulas, as crianças e jovens são conscientizadas da prevenção de afogamento e salvamento aquático. Segundo o professor Luiz, apenas os alunos mais antigos, aqueles que sabem surfar e nadar melhor, aprendem a fazer o salvamento aquático com o pranchão, abordando vítimas conscientes e inconscientes. Já para os menos experientes, o alerta é para os perigos associados ao mar, como identificar uma corrente de retorno, o que eles podem fazer para avisar os outros no mar, os tipos de praia – tombo, intermediária ou rasa e algumas noções de oceanologia. Noemi comenta que os professores são muito dedicados e que fica tranqüila em saber que o filho está tendo conhecimento sobre os perigos e cuidados no mar. “No começo fiquei insegura em deixar meu filho no mar, mas os professores orientam desde a primeira aula, e venho acompanhando isso toda semana”, afirma a mãe.

Fotos: Fernanda Ribas

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Educação

Segurança em primeiro lugar


Meu corpo me pertence Educavida ensina meninos e meninas a amar e preservar a vida

Fernanda Schneider CĂŠzar


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Aclamada pelos movimentos feministas mundo afora nas décadas de 1960 e 1970, a expressão “Meu corpo me pertence” carregava a vontade única de expressar a independência das mulheres. Hoje, o bordão poderia voltar à moda, mas não para levantar uma bandeira exclusivamente feminina, mas masculina também. Vivemos no mundo das doenças sexualmente transmissíveis e é imprescindível que os pequenos de hoje aprendam a ser grandes conscientes, amanhã. O programa Educavida, de Balneário Camboriú, foi criado há oito anos com esse propósito: plantar a consciência de se amar o corpo desde muito cedo. Através de palestras continuadas, educadores e alunos de escolas municipais e estaduais da cidade – algumas particulares – aprendem a multiplicar a importância de se fazer sexo seguro. “Hoje, com nove, dez anos eles já estão beijando na boca. A intenção é que quando iniciarem a vida sexual, já tenham formado o sentimento de amor pelo corpo, não aquela coisa forçada de ter que usar camisinha para

não pegar doença, mas sim por amor ao corpo”, pontuou Rose Mari de Almeida, pioneira do programa Educavida. Em 2006, o programa recebeu menção honrosa no Prêmio de Incentivo à Prevenção e Tratamento do HIV/ Aids, promovido pelo laboratório BristolMyers Squibb e Sociedade Brasileira de Infectologia. A prova de que o projeto vem colhendo bons frutos é a história do estudante Luis Daniel Basílio, 15, que há pouco mais de um ano desenvolve a função de multiplicador na sua escola e em outras, quando é solicitado. “Nunca tive tipo algum de informação, sempre morei com meus irmãos, e tenho uma irmã que teve um filho com 15 anos, porque quando era jovem, ninguém falou com ela sobre isso. Quis que comigo fosse diferente, e hoje sou eu quem dá informações a ela”, conta Daniel. Logo que começou a palestrar sobre sexo seguro, os amigos “tiravam sarro”, mas hoje olham com respeito. “Chego à escola e eles dizem... lá vem o sexólogo, mas me perguntam, querem saber principalmente como colocar a camisinha para não passarem vergonha”. O medo de não saber colocar a camisinha é justamente, segundo Daniel, o motivo prin-

As drogas O Educavida abrange também a questão das drogas, as lícitas, principalmente, cigarro, álcool, o que cabe perfeitamente naquele jargão “meu corpo me pertence”, porque além de trazer malefícios físicos e mentais, as drogas – todas – implica um grande risco das pessoas não se protegerem ao fazer sexo. “O grande problema é que as famílias não se preocupam com o álcool, que é a droga que mais mata no mundo e traz a violência que quase sempre se inicia com ele. Em muitas famílias, a bebida tem até um local de destaque na sala, o bar. Muitos pais estão bebendo e fumando e falam para os filhos quando saem, para não beberem. Esta visão errada de que álcool e cigarro não são drogas deveria ser todos os dias repensada, existe na sociedade a visão de que droga é apenas o que é proibido pelo código penal”, encerra a coordenadora do Educavida, Maria Delicia.

cipal de tantos adolescentes não a usarem. “A maioria deles, com 14, 15 anos não usa o preservativo. Utilizo próteses femininas, masculinas como demonstração e convido eles para aprenderem a colocar, não querem, têm vergonha e eu digo: aqui é de borracha e você tem vergonha.. e quando for de verdade?” A primeira relação sexual de Daniel aconteceu há poucos meses. “Foi muito bom, com uma pessoa que eu gostava bastante, e com camisinha, claro”. Uma das coordenadoras do Educavida, Maria Delicia Heusi, afirma que ainda nos tempos modernos de hoje, poucos pais falam abertamente sobre sexo e drogas com seus filhos. “Nossa sociedade não é educada culturalmente para aceitar uma conversa aberta com seus filhos. Nós, mais velhas, faixa de 50 anos, aprendíamos com colegas, amigas e hoje continua igual, pouca abertura para o tema sexualidade. As novelas, filmes, mostram drogas, beijos de língua, relação sexual, ensinam como se prostituir, enganar marido, casar grávida e dizer que é virgem... a família toda assistindo como se fosse algo normal, mas os filhos não podem perguntar e nem fazer e se perguntarem, ficam as vezes de castigo”, diz a coordenadora. A professora Marilene Garlet, que leciona a disciplina de Estudos Regionais para alunos do Ensino Médio, conta que às vezes sentese impotente, “porque a gente fala, explica e depois as alunas de 15, 16 anos aparecem grávidas”. A disciplina de Marilene é opcional nas escolas públicas de Santa Catarina, e faz um apanhado geral de assuntos não trabalhados a fundo em sala de aula, como por exemplo, a educação sexual – que por lei do Ministério da Educação, deveria ser enfatizada em diversas disciplinas. Ela já participa do Educavida há seis anos, e orienta seus alunos através de palestras informativas. “Muitos adolescentes não buscam o sexo seguro, mesmo tendo todas as orientações. Falo muito sobre a importância da camisinha, mas, além disso, trabalho toda a sexualidade deles, até a forma de se portar, se colocar, a questão da homossexualidade, preconceitos, a família. Mas o grande problema é que eles usam a camisinha durante dois, três meses, aí começam a namorar e colocam uma aliança no dedo, é crucial. A aliança significa para eles, que não precisa mais usar a camisinha”, explica a professora. sxc.hu


Vontade de mudar

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O que leva as pessoas a abrirem mão de seu tempo para ajudar o próximo? Para algumas, a vontade de mudar. Lias Menacho, 53, teve vontade de ajudar quem precisa e há três anos criou a Biblioteca Comunitária Bem Viver. Tudo começou quando a dona de casa teve a idéia de levar um contador de histórias para crianças carentes do Morro da Pedra, uma localidade carente de Balneário Camboriú, e percebeu que todos ficaram encantados com a novidade, até mesmo os mais agitados. Percebendo o interesse da comunidade, mais tarde Lias trouxe um teatro de Natal. Foi nesse evento que ela percebeu o pior – muitas crianças e adolescentes do local não sabiam ler. Até freqüentavam a escola, mas mal sabiam ler e escrever. A partir desse momento, surgiu a idéia de criar um espaço que pudesse atender a essas crianças com reforço escolar e atividades extras curriculares. Mas, havia um problema. Não havia espaço físico para abrigar a biblioteca. Um terreno até foi cedido, mas faltou verba para construir. Junto com isso, a mãe de Lias ficou doente e precisava de cuidados. Para não deixar o projeto morrer, ela destinou uma parte de sua casa para o projeto, que até hoje funciona no mesmo lugar. A biblioteca é uma instituição beneficente e atende em média

Joice dos Santos

Projetos de solidariedade e amor ao próximo levam conhecimento à comunidade

cem crianças e adolescentes entre sete e quinze anos, com atividades complementares fora do horário escolar, fazendo assim com que a criança não fique na rua. São oferecidas aulas de xadrez, capoeira, balé, violão, inglês, espanhol e alemão. Além de uma vasta biblioteca com um acervo de cerca de 1500 títulos entre literatura brasileira, estrangeira, infantil, jornais, revistas e o preferido da criançada, os gibis. O objetivo do projeto não é ensinar, esse é dever da escola, mas sim mostrar à criança que todo mundo é capaz de aprender. As pessoas são muito taxativas, segundo a coordenadora, muitas crianças e adolescentes chegam ali com a auto-estima muito baixa. Por isso, tudo é ensinado de uma forma mais livre, sem a pressão que existe dentro de uma escola. De acordo com Lias, muitos melhoraram na escola e mostram seu boletim com boas notas cheios de orgulho. As aulas de português são um exemplo. Para a professora, o objetivo da aula é fazer com que a criança tome o gosto pela leitura. As regras de ortografia também são ensinadas. Para o projeto, uma criança que gosta de ler se torna um adulto crítico e consegue tomar melhores decisões na sua vida. A maior dificuldade que se percebe nas crianças é a pouca concentração e a falta de interesse dos pais. Muitos não entendem a importância de o frequentar a Biblioteca. Se a criança não tem vontade de aprender, o pai também não tem vontade de ajudar.


Joice dos Santos sxc.hu

Sobrevivência Para que o projeto possa existir, a instituição vive de caridade. Segundo Lias, a prefeitura não contribui de forma alguma. Ela já fez o pedido, mas até hoje não obteve resposta do poder municipal. Algumas despesas chegam a sair do bolso da criadora do projeto, mas a grande maioria é doação. Para complementar as finanças da Biblioteca, Lias vende bolsas e panos de prato, recicla latinhas de alumínio e garrafas PET, mas sempre acaba faltando recursos. Os violões utilizados nas aulas foram encontrados no lixo, a maioria quebrada, sem corda e sem tinta, até que um voluntário apareceu e restaurou todos eles e ain-

da doou mais um. Hoje são oito violões no total. Julia Lopes de Moraes, de nove anos, estudante da quarta série de um colégio municipal, frequenta quase todas as atividades da biblioteca e diz que gosta muito do lugar, principalmente as aulas de alemão. Para a menina, estar ali é melhor que ficar na rua. Para a professora de dança Simone Schlosser, a biblioteca foi amor à primeira vista.Voluntária há quase um ano na instituição, Simone descobriu a biblioteca quase sem querer, passou um dia em frente à casa de Lias e resolveu conhecer o projeto. Hoje, Simone dá aulas de balé e alemão para cer-

ca de trinta crianças. Como sempre foi professora, Simone não vê diferença entre dar aulas na instituição ou em um colégio. Para a professora, é ate mais gostoso e a troca é maior. Para ela, o trabalho voluntário é um aprendizado na vida, um compromisso levado a sério. Com isso, toda a família participa das atividades da biblioteca, seu marido também é voluntário do projeto e dá aulas de violão. Projetos como o de Lias provam que uma boa idéia pode mudar a vida de muitas pessoas. A vontade de mudar trouxe para a comunidade do Morro da Pedra esperança de um futuro melhor.


A periferia está m que imaginamos Centro de bairro combate violência contra crianças e adolescentes

Jônata Gonçalves da Silva


Jônata Gonçalves da Silva

mais próxima do

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Rua das Hortênsias, bairro Cidade Nova. O endereço faz imaginar um lugar moderno, cheio de áreas verdes, árvores floridas, casas sem muro e uma vizinhança amistosa. Porém, a realidade desse bairro residencial da cidade de Itajaí é bem diferente. Quem vive nessa área periférica da cidade enfrenta a marginalidade e o descaso social bem em frente a sua porta. A violência é vizinha daquelas 14.592 pessoas que moram no bairro. A culpa da falta de planejamento urbano não é só da administração pública, mas é somada também a um desenfreado crescimento populacional que a cidade enfrentou por motivos naturais, já que se situa no litoral catarinense e por esse motivo acaba atraindo inúmeros migrantes em busca de uma oportunidade de vida melhor.


Educação

Ao caminhar pelo ruidoso caminho das Hortênsias, chama a atenção um prédio pintado com as cores do município, amarelo e azul. Pode-se deduzir que ali seja alguma extensão da prefeitura da cidade. O Centro de Convivência da Criança e do Adolescente (CCCA) é um órgão da prefeitura coordenado pela Secretaria da Criança, do Adolescente e da Juventude que oferece apoio pedagógico no contraturno escolar. São mais de 200 crianças e adolescentes que frequentam esse estabelecimento. À primeira vista, a maioria das crianças apresenta olhares curiosos e desconfiados.

Algumas delas vestem camisetas usadas de colégios particulares e caros de Itajaí. Cruel paradigma. A responsável pelo Centro, Tharen Betina Coelho, 28, explica que no primeiro momento não é só a realidade humilde dos arredores do estabelecimento que impressiona. “Já passei por situações que eu nunca imaginei passar, principalmente quando descobrimos que uma de nossas crianças de nove anos teria sofrido abuso sexual de um vizinho enquanto ela lavava a roupa. É assustador”. O serviço que o Centro oferece à comunidade é de grande valia.

Violência sexual infantil, você pode evitá-la Como proceder quando é detectado algum traço ou indício que a criança ou adolescente esteja sofrendo de abuso? O secretário da Criança, do Adolescente e da Juventude de Itajaí, Pastor Nilson, informa que essa denúncia pode ser feita através de dois métodos. A pessoa comum, parente ou próximo pode ligar para o Conselho Tutelar ou para a delegacia civil da sua cidade. Essas denúncias são encaminhadas ao Sentinela, programa do Governo Federal com assistentes sociais e psicólogos que vão tentar cicatrizar esses traumas psicológicos. Só nesse ano, foram encaminhados 43 casos de abusos a

Vale colocar aqui as palavras de Silmara Telles, 24, uma das moradoras do bairro e que possui uma sobrinha que frequenta o CCCA. “O bairro é bom pra se morar. Na verdade, às vezes é bom e às vezes é ruim. Estando aqui dentro do Centro, está seguro. Aqui dentro eles comem, bebem e podem também tomar banho”, declara Silmara. O reflexo da falta de um acompanhamento pedagógico ou mesmo social fomenta a criminalidade e retira a oportunidade de a criança formar-se um cidadão saudável. Viviane Claudino Texeira, 33, trabalha no Centro como

cozinheira e comenta que as crianças são muito carentes e que muitas delas frequentam o espaço por causa do almoço que é servido. “Algumas comem aqui e a gente sabe que é a única comida que elas têm no dia”. A cozinheira ainda diz que se houvesse mais espaço, com certeza teria mais atendimentos no Centro. “Vejo muitas crianças que se afastaram daqui e outras do bairro mesmo que hoje cuidam da bicicleta e carros no estacionamento. O trocado que eles ganham, só Deus sabe pra que é. É bem triste isso, eu sinto pena delas”.

crianças e adolescentes na cidade de Itajaí. Se a pessoa não quiser ser identificada por medo ou receio, pode ainda fazer a denúncia ligando para o número 100. Essa central de atendimento está situada em Brasília que de lá aciona toda a rede de proteção à criança. Por força de lei, através dessa denuncia, vários órgãos de proteção à criança são acionados para apurar os fatos e tomar as decisões cabíveis. A professora da Rede Municipal de Ensino de Itajaí, Aline de Freitas, relata que já teve conhecimento de casos de crianças que foram convencidas através de doces e guloseimas a cederem aos caprichos do abusador. Quando um professor, autoridade ou alguém ligado ao poder público percebe algo estranho, ele tem obrigação legal de comunicar esses órgãos. “É importante lembrar que o tratamento do agressor é igualmente importante. O tratamento dele é feito para que isso não se multiplique”, comenta. O secretário ainda relata que hoje em dia, sabe-se que essas pessoas que comentem abusos contra a criança ou ao adolescente de ordem sexual ou física, são pessoas que no passado sofreram o mesmo tipo de agressão. “É um tipo de mal que ele se potencializa”.

Jônata Gonçalves da Silva

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Palavrade deJornalista JornalistaJulho Novembro Palavra 2009 2008


Foi durante a Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 20 de novembro de 1959, que representantes de centenas de países aprovaram a Declaração dos Direitos da Criança. Ela foi adaptada da Declaração Universal dos Direitos Humanos. São 10 princípios, e eles são: PRINCÍPIO 1º Toda criança será beneficiada por esses direitos, sem nenhuma discriminação por raça, cor, sexo, língua, religião, país de origem, classe social ou riqueza. PRINCÍPIO 2º Toda criança tem direito a proteção especial, e a todas as facilidades e oportunidades para se desenvolver plenamente, com liberdade e dignidade. PRINCÍPIO 3º Desde o dia em que nasce, toda criança tem direito a um nome e uma nacionalidade, ou seja, ser cidadão de um país. PRINCÍPIO 4º As crianças têm direito a crescer com saúde. Toda criança também têm direito a alimentação, habitação, recreação e assistência médica. PRINCÍPIO5º Crianças com deficiência física ou mental devem receber educação e cuidados especiais. PRINCÍPIO 6º Toda criança deve crescer em um ambiente de amor, segurança e compreensão. O governo e a sociedade têm a obrigação de fornecer cuidados especiais para as crianças que não têm família nem dinheiro para viver decentemente. PRINCÍPIO 7º Toda criança tem direito de receber educação primária gratuita e também de qualidade, para que possa ter oportunidades iguais para desenvolver suas habilidades. PRINCÍPIO 8º Seja em uma emergência ou acidente, ou em qualquer outro caso, a criança deverá ser a primeira a receber proteção e socorro dos adultos. PRINCÍPIO 9º Nenhuma criança deverá sofrer por pouco caso dos responsáveis ou do governo, nem por crueldade e exploração. Nenhuma criança deverá trabalhar antes da idade mínima, nem será levada a fazer atividades que prejudiquem sua saúde, educação e desenvolvimento. PRINCÍPIO 10º Toda criança deverá crescer em um ambiente de compreensão, tolerância e amizade, de paz e de fraternidade universal.

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Educação

A Declaração dos Direitos da Criança


Marluce Caroline Weiss

Marluce Caroline Weiss


O circo possível Escola em Penha forma artistas para o palco e para a vida

O

O relógio marca 14 horas e 30 minutos quando desço do ônibus em direção à rua. Mal começo a caminhar e já é possível avistar o meu destino. Um grande lago, cercado de muita vegetação, algumas casinhas de madeira, um portal guardado por duas estátuas de bobos da corte e lá está ela, a grande lona circular. Lembro-me das poucas vezes que fui ao circo quando criança. Mesmo poucas, foram inesquecíveis e sempre me faziam pensar em como tudo aquilo que eu via era tão incrivelmente impossível. A cada salto, tensão. A cada brincadeira, risos. A cada coreografia, encantamento. Tudo isso sempre pareceu tão impossível. Ao chegar no picadeiro, a lona azul-escura repleta de estrelas brancas foi a primeira coisa a chamar a atenção. Não tinha todas aquelas luzes coloridas, não tinha o brilho da noite e nem o cheiro de pipoca. Mas, mesmo um picadeiro escuro e improvisado, servindo de palco para ensaios de crianças numa tarde quente de outono, consegue me fazer olhar para o falso céu

estrelado e me fazer lembrar da infância. Crianças que flutuam presas entre tecidos suspensos, se desdobram e saltam alturas impensáveis. A magia do circo vista de um ângulo totalmente novo. Não são aqueles seres mágicos, vestidos com roupas brilhantes, maquiados e com corpos esculpidos. São crianças e jovens, de 7 a 18 anos. Não é o circo mágico e impossível de que me lembro. É o circo real. O circo possível, onde qualquer criança pode fazer coisas inacreditáveis. Assim como Leandro Luiz Santos de 16 anos, que mais parece uma pena flutuando entre um pulo e outro na cama elástica. No início, entrou na Escola de Circo apenas para matar tempo. Mas, ao longo dos dois anos e meio em que faz parte do projeto, o amor pela arte circense foi despertando. Apaixonado por acrobacias, ele pensa em se profissionalizar e trabalhar no Parque. Já Bruna Aparecida Miranda da Paz, 14 anos, que entrou no projeto por influência da mãe, ex-artista circense, tem a atividade como seu hobby preferido. A garota simples considera o lugar uma segunda casa, onde faz novas amizades a cada dia.


Educação

Aqui o circo é escola, mas a escola não é apenas de circo. Entre uma acrobacia e outra, lições de solidariedade e companheirismo. No meio do ensaio, ao ouvir o assobio rígido do professor, todos largam imediatamente o que faziam e formam uma fila digna de quartel militar. A disciplina é ensinada ali mesmo, no picadeiro. Apesar da rigidez no ensinamento, Eugueni Smirnov, professor da Escola de Circo, garante que tem um carinho muito grande por todas as 137 crianças e adolescentes que participam do projeto. O Português um tanto atrapalha-

do denuncia sua origem: russo. Artista circense por toda vida, Eugueni Smirnov trabalha na Escola de Circo Beto Carrero desde o surgimento do projeto, há quatro anos. Segundo ele, não é apenas o condicionamento físico que melhora com o circo. O desempenho escolar dos alunos circenses é acompanhado de perto pelos professores e coordenadores do projeto. Grande parte dos alunos apresenta melhoras consideráveis nas notas e na participação em sala de aula. “Nós acompanhamos o rendimento escolar, se tiver nota baixa pegamos no pé, tem que melhorar se não, não pode mais participar do

circo”. A Escola de Circo exige uma média mínima no colégio para que a criança possa participar das atividades circenses. Serguei Smirnov, assim como de costume nas tradicionais famílias circenses, foi iniciado nas artes do picadeiro aos cinco anos de idade. Em seu 5º aniversário, o presente foi entrar pela primeira vez no palco. A partir dos 7 anos passou a dividir sua vida entre a Rússia – sua terra natal – e a Argentina, onde o circo da família constantemente se apresentava. Algum tempo depois, veio ao Brasil e dessa vez pra ficar. Junta-

mente com sua família, foi chamado para trabalhar no Parque Beto Carrero. Atualmente, assim como seu pai, Eugueni Smirnov, Serguei é professor na Escola de Circo. Ao ser questionado sobre algum momento especial que tenha vivido com um aluno, ele hesita por um instante, mas logo seu rosto se ilumina como quem acaba de rever um filme bom. “Quando ajudei meu primeiro aluno a entrar pela primeira vez no palco senti uma satisfação imensa. Depois de tantos ensaios, pude ver meu trabalho concretizado, era a minha criação ali, no picadeiro”.

Só porque sou ruim na escola, vou ser ruim na vida? Com os olhos marejados, Rosiane do Carmo Souza de Souza conta a história de um menino que certa vez veio procurá-la. A coordenadora do Instituto Beto Carrero lembra de cada detalhe daquele encontro que marcou sua vida. Fazia pouco tempo que ela tinha começado a trabalhar no Instituto, quando um garoto simples, com os pés descalços e sujos de barro a abordou: “Já posso fazer minha matrícula para a Escola de Circo?” O garoto já tinha fama de mau aluno e bagunceiro, mas Rosiane resolveu ouvir seu pedido. O menino estava indignado, pois há quase um ano tentava entrar na escola de circo, mas não conseguia por culpa de seu mau desempenho escolar. “Você acha que porque

sou ruim na escola vou ser ruim na vida?” A frase a tocou e a fez dar uma chance ao garoto. Percebendo que ele tinha jeito pra coisa, ela o questionou sobre como nenhum de seus professores nunca tinha notado a habilidade do menino. Ele tinha a resposta na ponta da língua: “Eles querem que a gente fique tudo sentado, quietinho, um atrás do outro. Se alguém questiona, tenta ser diferente, já leva bronca”. Hoje, o menino Luís é um dos mais talentosos artistas que trabalham no parque. Essa é apenas uma das histórias de vida que marcam o trabalho de Rosiane no Instituto. Professora aposentada, natural de Penha – município sede do Parque e do Instituto Beto Carrero – Rosiane trabalha no projeto há 2

anos, tempo suficiente para considerar o local sua segunda casa. Segundo ela, atividades extra-escolares como a Escola de Circo são importantes para uma formação diferenciada da criança. Lá, as crianças aprendem a ser responsáveis, a cumprir horários e a ajudar os colegas, o que se reflete muito no desempenho escolar. “As crianças e jovens que participam da escola de circo são constantemente elogiadas pelos professores. Elas vivenciam experiências que despertam o espírito de liderança, a capacidade de argumentar, questionar, construir opiniões. Aqui o conhecimento é passado através da vivência, uma coisa leva a outra, é muito diferente da escola, onde o conhecimento é segmentado”. Marluce Caroline Weiss

Palavra de Jornalista Julho 2009

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Yana Lima

Computadores de caçaníqueis são reformados para serem usados nas escolas

Yana Lima

Educação

Dos jogos de azar às salas de aula


Educação

Desde que no Brasil foram proibidos os jogos de azar, os adeptos procuraram um jeitinho (e acharam) de burlar a lei. Quem sonha com porco, ainda joga no bicho, os bingos só estão mais escondidos e os caça-níqueis tiveram suas cores brilhantes e as melodias estimulantes encobertas pela ilegalidade. Mesmo sobrevivendo por baixo dos panos, não tem que não conheça ou ao menos tenha ouvido falar no fulano que perdeu tudo o que tinha para a indústria da jogatina. Em Balneário Camboriú, uma das modalidades de jogos de azar agora está mudando de cor, ritmo musical e público. Os caçaníqueis apreendidos estão sendo transformados em computadores educativos. Cerca de 9.600 alunos das 16 escolas municipais vão poder, muito em breve, contar com a tecnologia da informação na sala de aula. A idéia é afilhada do projeto Rede Piá – Reciclagem Digital Educativa Pró-Infância e Adolescências – iniciativa pioneira do estado catarinense. A união do Governo do Estado, do Ministério Público de Santa Catarina e de 66 universidades parceiras foi só começo do projeto de inclusão

digital. No pátio do 12º Batalhão de Polícia Militar de Balneário Camboriú, é possível avistar as máquinas apreendidas, mas não se tem idéia de quantas carcaças de madeira velhas e telas de computadores antigos estão por ali. O Tenente Ricardo Sartori explica que “o interesse da polícia é desfazer-se desses equipamentos apreendidos, não importando como”. Por isso, buscou-se a parceria da Univali para que os caça-níqueis fossem reaproveitados, pois o material é de qualidade e a polícia já não tem mais onde estocá-los. A parte eletrônica do maquinário é separada e guardada numa sala que fica no segundo piso do prédio. As carcaças de madeira ficam no pátio, por falta de espaço, e estão aos poucos se deteriorando expostas à ação do tempo. Com o material disponível, o apoio da universidade e a idéia formulada, a Secretaria de Educação de Balneário Camboriú resolveu investir na continuidade do projeto que amplia o universo das ferramentas educacionais. “O trabalho da prefeitura é o de preparar as escolas para receberem os novos instrumentos educativos”, explica

Lucimar Soranzo Marques, diretora técnico-pedagógica da Secretaria de Educação. Josane de Jesus Cercal, coordenadora de matemática e informática da Secretaria de Educação, contou que soube em 2006 de um projeto que já pretendia transformar essas máquinas na cidade de Criciúma e resolveu trazer a proposta do projeto para o município de Balneário Camboriú.

“As máquinas são apreendidas na cidade e nada mais justo que elas retornem para as escolas do município”, afirma Josane. O projeto começou a ser desenvolvido em 2007, mas não deu muito certo. Faltava o depósito para os equipamentos, não tinham marceneiros para o serviço e segundo Josane, ainda existia muita burocracia com relação à liberação

Equação do projeto Cada máquina de caça-níquel custa entre 2 a 3 mil reais. Com três dias de uso, esse gasto já é totalmente reposto e o lucro vem rapidinho. Na cidade turística de Balneário Camboriú essas ocorrências são ainda mais freqüentes. Só nesses cinco primeiro meses de 2009 foram apreendidas 228 máquinas. As denúncias são feitas pelo 190, diretamente com a Polícia Militar. O custo para reaproveitar e transformar os computadores em máquinas educativas é de 200 reais.

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jogador pode ser penalizado com o pagamento de meio, um ou dois salários mínimos e até mesmo serviço comunitário. Já no caso do explorador, a multa aplicada é de um salário mínimo por máquina. O projeto tem custo zero para a prefeitura, de acordo com Lucimar da Secretaria de Educação. Os recursos para custeio de alguns materiais necessários na reforma dos caça-níqueis vêm do próprio dinheiro apreendido nas máquinas e arrecadado com as multas. O promotor explica que esse dinheiro é depositado em uma conta judicial e o mesmo fica a disposição de projetos sociais que necessitem de verba. Resolvidos os tramites policial e judicial, é hora de botar a mão na massa. As máquinas quando liberadas, são encaminhadas para a Univali. A responsabilidade dessa parte do trabalho é do Professor Fabrício Bortoluzzi, que explicou passo a passo como funciona a reforma das máquinas. O trabalho é desenvolvido juntamente com alunos do curso de Ciências da Computação e Tecnologia de Sistemas para Internet. “O primeiro passo é apagar o software dos jogos de azar”. Para reduzir os custos do processo Fabrício optou por utilizar o sistema

operacional Linux, que é isento de cobranças. Os computadores são então “enxugados”, removem-se todos os demais aplicativos para que a máquina seja usada integralmente para fins educativos. Depois disso é instalado o software francês G Compris, baseado em jogos educacionais. As cores, sons e personagens do software são elementos fundamentais para prender a atenção dos alunos. É possível encontrar atividades para crianças a partir dos dois anos. As atividades são de Lógica, Matemática, Inglês, Física, Geografia entre outras áreas do conhecimento. Fabrício já realizou um treinamento do software com 12 professoras da rede municipal de ensino. A formação aconteceu em 2008, mas o professor acha fundamental que as professoras sejam instruídas também sobre a aplicação do recurso na sala de aula. Quem ganha com isso tudo são as crianças que terão um ensino diversificado. A professora Ângela Moraes Silva fez o treinamento, enquanto era atuava na Escola Municipal Dona Lili. “A aula foi muito gostosa e tudo isso vem a complementar a aprendizagem dos alunos”. Segundo ela a escola

tem o compromisso de apresentar bem os jogos. Outra professora de séries iniciais que também passou pelo treinamento é Maria Cláudia Burger Letzow, da Escola Vereador Santa. Ela salienta que o uso de recursos visuais e auditivos são estimulantes para as crianças. Maria Cláudia explica que muitos de seus alunos já são bastante envolvidos com a tecnologia, “Eles têm Orkut, MSN e etc. Nossa escola começou a conciliar as ferramentas digitais nesse ano de 2009”. Para ela, as crianças vão se interessar pelo software pois estarão se divertindo enquanto aprendem. A integração de todos os segmentos tem como interesse fundamental o desenvolvimento sócio-educativo, combatendo a ilegalidade dos jogos de azar e reaproveitando um material de qualidade que antes era destruído. O professor Fabrício explicou que o projeto tem uma preocupação diferente das falas políticas relacionadas à inclusão digital “Os políticos falam muito do acesso à tecnologia nas escolas, mas esquecem de falar do conteúdo que vai ser utilizado”. A garantia não está somente no uso do computador, mas na qualidade do conteúdo acessado em sala de aula. Yana Lima

7 Palavra de Jornalista Julho 2009 61 Palavra de Jornalista Julho 2009

Educação

das máquinas. Outra dificuldade do projeto é conciliar os quatro segmentos envolvidos na atividade. Atualmente, a maioria desses problemas já foi solucionada e as questões jurídicas que envolvem o processo de liberação das máquinas estão mais ágeis. Do outro lado, o trabalho burocrático é do Ministério Público que avalia, julga e por fim, libera os caça-níqueis para que a Univali comece a desmontagem. O promotor do município responsável pela questão é Américo Abigaton, que assumiu a promotoria de Balneário Camboriú no final de 2008. Ele explicou que antigamente, para serem apreendidas, as máquinas passavam por um processo de minucioso e detalhado de perícia realizado pelo IGP, Instituto Geral de Perícia. A nova lei porém, decretou que todas as máquinas devem ser apreendidas no instante do flagrante. Isso acelerou um pouco o processo judicial, que dá o encaminhamento do material e decide a penalidade atribuída aos contraventores. A multa aplicada varia de acordo com o julgamento e a condição na qual se encontra o contraventor. Segundo o promotor Abigaton, o


Saúde de mãe para filho

A mãe tem direito, o Estado tem o dever de garantir, mas nem todas fazem o pré-natal

Karis Regina Brunetto Cozer


sxc.hu

Saúde

Q

Quem olha para Yago do Rosário, hoje com sete meses, não tem dúvidas de que ele é uma criança saudável e feliz. Com o tamanho ideal para um menino da sua idade, os grandes olhos castanhos contrastam com os cabelos loiros e a pele clara. As bochechas avermelhadas trazem os traços de um sorriso que já faz parte da fisionomia do garoto. Primeiro filho da agente comunitária de saúde Fabiana do Rosário, Yago foi um dos bebês contemplados com um acompanhamento médico desde quando tinha poucas semanas de vida, ainda na barriga da mãe. O Programa Sis Pré-Natal, que hoje atende gratuitamente 70% de todas as gestantes da cidade de Itajaí, é uma iniciativa do governo federal em parceria com as secretarias de saúde de cada município. A realidade de Yago é, também, a realidade de muitas outras crianças.


Saúde

De acordo com a enfermeira responsável pela Unidade de Saúde Familiar e Comunitária de Itajaí, Clarice Maria Specht, o Programa Sis Pré-Natal consiste em uma série de exames e acompanhamento médico das gestantes durante a gravidez e após o nascimento da criança. Quando a mulher descobre que está grávida, deve procurar um posto de saúde, onde irá receber uma caderneta de controle do pré-natal. Além de registrar o andamento da gravidez, a caderneta funciona como uma espécie de inventário sobre o histórico de saúde da mulher. Evolução do peso, transfusões de sangue feitas anteriormente, complicação no nascimento de outros filhos, tudo faz parte do relatório, a fim de garantir a saúde das mães e dos filhos. O Ministério da Saúde determina que cada paciente faça no mínimo seis consultas médicas - mas a caderneta tem espaço para 16 atendimentos com enfermeiros ou médicos -, e todos os exames são requisitados pelo menos duas vezes. Se as mulheres não são imunes aos tétano, recebem vacina. Vale ressaltar que o governo municipal recebe da União um benefício financeiro por cada paciente que é bem acompanhada durante os nove meses de gestação. Clarice ressalta que, em alguns casos, os exames do prénatal detectam complicações no

estado físico da mãe. Quando isso acontece, ela é encaminhada ao Programa de Alto Risco da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), onde é avaliada por uma obstetra especializada em gravidez de risco. A partir do momento em que determinada doença é controlada, a gestante pode voltar a ter atendimento nos postos de saúde.

Mãe sã, criança sã A maior causa de mortalidade infantil na cidade de Itajaí é a prematuridade, quando as crianças nascem antes das 40 semanas de gestação e morrem antes de completarem 28 dias. Atualmente, as Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) Neo-Natais conseguem prolongar a vida dos bebês prematuros para mais de uma semana, mas muitos bebês morrem do 7º ao 28º dia. A pediatra e uma das coordenadoras do Programa Pré-Natal em Itajaí Márcia Gaspari atribui os nascimentos prematuros à não assiduidade do pré-natal e à falta de consultas que diagnostiquem doenças. Infecções urinárias não detectadas ou não tratadas fazem parte das enfermidades que mais levam à prematuridade. Hoje são realizadas várias campanhas que buscam a conscientização sobre a importância deste programa para a sociedade. A enfermeira do Programa SIS Pré-Natal Sandra Eliane

Gesing conta que a SMS de Itajaí tem estrutura e funcionários capazes de atender toda a demanda de nascimentos que acontecem no município, um número que varia entre duas e duas mil e quinhentas anualmente. Além do atendimento

dentro dos postos de saúde, a equipe da SMS faz visitas domiciliares a todos os recém-nascidos na cidade, mesmo às famílias que optam atendimento médico particular ou através de outro convênio, que não seja o municipal.

Importância e consciência Márcia afirma que, se mães fossem mais assíduas e dessem mais importância ao pré-natal, o programa teria maior êxito e melhores resultados. Há, ainda, uma resistência muito grande por parte da população. A pediatra aponta como fator preponderante a questão do trabalho, pois é uma realidade que muitos empregadores não liberam as suas funcionárias para fazer consulta. “Os patrões acreditam que o pré-natal não precisaria existir, eles não têm esse entendimento de que, se eles têm um funcionária que é gestante, e se ela faz um pré-natal adequado, ela vai precisar faltar de uma a três vezes por mês”. A sensibilização dos empresários e empregadores em geral é um dos caminhos que levaria a um maior comprometimento com o pré-natal. Outro motivo que afeta o andamento do programa é a falta de importância dada ao acompanhamento pelas próprias gestantes. Segundo a enfermeira Clarice, muitas mulheres não dão importância para o exames, apesar de enfermeiros e médicos explicarem como isto é imprescindível. Além disso, o baixo nível educacional fazem com que muitas gestantes desconsiderarem a necessidade de certos procedimentos de rotina, enquanto outras não têm disponibilidade de comparecer a um posto de saúde, pela distância ou algum outro empecilho. Dados da SMS revelam ainda que as pessoas que menos aderem ao Programa de SIS Pré-Natal são as mulheres que têm mais filhos, porque, se elas já têm um filho e não tiveram problemas com ele, elas acreditam que não vão ter com os outros. Assim, dispensam o acompanhamento. Também, há aquelas que, se em determinado mês não estão sentindo nada, não fazem os exames e só retornam ao posto de saúde quando têm algum sintoma. Às vezes, pode ser tarde demais. Campanhas de conscientização são sempre muito válidas para incentivar a população. Mesmo assim, Sandra assegura que é preciso uma maior responsabilização da própria pessoa, porque, mesmo quando se tem o melhor serviço de saúde do mundo, se não houver envolvimento do usuário em relação a sua vida, é muito mais difícil conseguir atingir boas metas. sxc.hu

Sala de atendimento às gestantes

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Sarita Gianesini

Afastar o fantasma da morte

Redução de doenças em recém-nascidos melhora os números de SC

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Educação

Marina Liz Dalcastagne


Saúde

De cada mil crianças que nascem em Santa Catarina, mais de 16 não sobrevivem. Segundo o IBGE, esse é o terceiro menor índice de mortalidade infantil no Brasil. Ainda que pareça pouco, o número é ainda superior ao do Rio Grande do Sul, o menor índice brasileiro. Os gaúchos perdem 13 crianças a cada mil nascidas.

Se os índices dos dois estados do sul forem somados o resultado é de 29,60, um pouco mais da metade do de Alagoas. O desenvolvimento econômico de cada região é um dos principais fatores que correspondem a tamanha diferença. De todos os indicadores de saúde, o Coeficiente de Mortali-

Fonte: Óbitos: Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM

sxc.hu

dade Infantil (CMI) é considerado um dos mais eficientes para medir o desenvolvimento social e econômico de uma população. O CMI expressa o risco de um nascido vivo morrer antes de completar um ano de idade. Para se chegar ao índice exato, é necessário dividir o número de óbitos de menores de um ano pelo número de nascidos vivos de uma determinada área e lugar. O resultado é multiplicado por mil. Ao contrário dos Estados da região Norte e Nordeste do Brasil, onde a doença que mais causa morte em crianças é a diarréia, em Santa Catarina os males que provocam mortalidade infantil poderiam ser evitados ainda na gestação. O quadro abaixo aponta as doenças que causam mais mortalidade infantil no estado catarinense: Em primeiro lugar, aparecem as Afecções Originadas no Período Perinatal (próximas ao nascimento) seguidas das Anomalias Congênitas. Durante o ano de 2005, essas doenças representam mais de 80% do total de óbitos menores de um ano. De acordo com o médico pediatra Celso Carlos Emydio da Silva, a mortalidade por essas doenças podem ser reduzidas com ações

que garantam adequado controle na gravidez e assistência de qualidade no momento do parto. No grupo das Perinatais, representando mais de 60% do total estão os transtornos respiratórios. Em seguida, aparecem dentro deste grupo os transtornos relacionados à duração da gestação e ao crescimento fetal e aqueles relacionados a afecções maternas e complicações da gravidez. De acordo com o médico pediatra Emydio da Silva, a única maneira de prevenção atuante que pode ser feita em Santa Catarina é o acompanhamento das gestantes durante o pré-natal. “As doenças que mais causam mortalidade infantil no Estado, e particularmente no município de Brusque, - local onde atua - podem ser curadas quando descobertas ainda na gestação”. O secretário de saúde de Brusque, Eduardo Loos, afirma que o governo cuida da saúde infantil através de dois programas: a vacinação, que acontece nos postos de saúde e serviços como o Saúde na Família. Neste último, uma equipe é formada para o acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica específica. O governo federal ainda possui o programa Saúde na Escola.

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O combate à desnutrição infantil conta com forte aliado, a Pastoral da Criança, uma obra suprapartidária e ecumênica, conforme a descrevem seus mantenedores. A idealizadora e a principal diretora da Pastoral é uma catarinense, a pediatra Zilda Arns Neumann. Em 2000, a médica concorreu com o líder sul-africano Nelson Mandela e ganhou prêmio de Direitos Humanos Internacional. Os meios para combater a mortalidade pela Pastoral são simples e eficazes. Todo mês, os bebês são pesados numa balança igual às usadas por pescadores. Nos dias de pesagem, o trabalho das voluntárias mostra múltiplas atividades. Umas pesam os bebês, outras verificam a situação de nutrição da criança por meio de uma fita-medida passada no antebraço, e outros ainda espalham conselhos e vacinas. Na pastoral, a nutrição é garantida pela multimistura, alimento desenvolvido pela médica Clara Takaki há vinte anos, em Santarém, no Pará. Sua observação sobre o teor nutritivo de certas raízes, frutos e outros vegetais levou-a a combiná-los sob a forma de farinha

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e administrá-la a crianças subnutridas. Deu certo. Elas começaram a ganhar peso e seu estado nutricional estabilizou-se. Em cidades do sul do Brasil, a Pastoral da Criança, apesar de ser atuante, não combate a desnutrição infantil, como nos Estados do Norte e Nordeste. Segundo o médico pediatra Carlos Emydio da Silva, não são raros os casos de desnutrição infantil no sul. “Em Brusque, por exemplo, algumas crianças precisam tomar a multimistura, não por desnutrição ou falta de oferta de comida, mas por possuírem doenças capazes de fazê-las ficarem desnutridas. Em 2007, o índice de mortalidade infantil em Brusque era de 4,7 crianças que não sobreviviam em cada mil que nasciam. A responsável pela Pastoral da Criança em Brusque, Terezinha Andrade Viecelli, afirma que não estão mais fazendo a multimistura na cidade. “Não estamos encontrando folhas adequadas”, explica. A multimistura é feita com ingredientes fáceis de encontrar. Mesmo que a Pastoral não esteja distribuindo, é simples realizar a receita em casa.

Aprenda a fazer a multimistura: -

50 gr de casca de ovo fervida, torrada e triturada (opcional) 50 gr de semente de abóbora torrada ou gergelim 600 gr de farelo de arroz triturado e cozido (sem colocar água) 200 gr de farinha de milho 100 gr de pó de folha de mandioca (aipim) torrada, triturada e peneirada (contém ferro e vit C) Misturar tudo. Pode ser guardada na geladeira por 4 meses. Não deve ser cozida

Saúde

Ação solidária salva vidas


Aids: pior que a doença é o preconceito O teste positivo para o HIV não é mais necessariamente uma sentença de morte

Luís Felippe Floriani sxc.hu


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Há 25 anos era registrado o primeiro caso de Aids em Santa Catarina. Desde o início da década de 1990, Itajaí oscila entre o primeiro e o segundo lugar no ranking nacional desta síndrome, segundo levantamentos do Ministério da Saúde. Uma pesquisa revelou que a visão dos infectados sobre a própria condição pode ser otimista. Usando critérios da Organização Mundial de Saúde para definir qualidade de vida – aspectos físicos, psicológicos, religiosos, nível de independência, relações sociais e meio ambiente –, a enfermeira Fernanda Vieira analisou as respostas de 155 pessoas que eram atendidas no Centro de Referência em Doenças Infeccio-

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sas de Itajaí. Pessoas que se definiram como tendo uma saúde muito boa, vida sexual saudável e boa condição financeira apresentaram maiores índices de qualidade de vida em um ou vários dos seis aspectos abordados. Segundo o estudo, a sensação de estar saudável, a sexualidade e a classe social são fatores determinantes para a qualidade de vida dos entrevistados. “A Aids é uma experiência que gera impacto, mudanças na vida das pessoas. Avaliar a qualidade de vida delas foi uma forma de para aumentar o entendimento da doença para além dos sintomas clínicos. Para nós, ela deve ser vista de maneira subjetiva, dando atenção ao que diz a pessoa e como ela se sente. A qualidade não se baseia apenas na doença e nos exames clínicos”, afirma Fernanda.

Discriminação M*, aposentada de Itajaí, 61 anos, há oito descobriu ser soropositiva. Casada duas vezes e viúva do último marido, não deixou de namorar. Para ela, é o preconceito que mata. A Aids foi descoberta quando ela procurou tratamento para uma tosse, acompanhada de febre. Depois de várias consultas, fez um exame por conta própria. Quando notou queda de cabelo, a suspeita lhe fez lembrar os sintomas que o cantor Cazuza apresentava na década de 1980. “Os médicos que me atendiam não desconfiavam que

eu pudesse ser soropositiva. “Nenhum médico desconfiou que eu poderia ser soropositiva”, lembra. Nos meses seguintes, foi internada para cuidar da tuberculose e chegou aos 48 quilos. Ao final do tratamento, começou a tomar o coquetel antirretroviral. Depois do choque inicial, veio a certeza de que a vida que levaria dependeria da sua vontade. Por isso, ela continuou trabalhando, saindo à noite com amigos e filhas e não deixou a vida amorosa de lado.

M. também concorda que uma boa situação financeira é essencial para manter a qualidade de vida.“Se um nutricionista passa uma alimentação à base de queijo branco e frutas como morangos e ameixas, por exemplo, não vai ser barato de manter”. Para ela, se informar sobre a doença e as melhores formas de conviver com o vírus é um dos segredos para manter uma rotina de vida normal. “Se não tiver preconceito consigo mesmo, qualquer um pode levar a vida tranquilamente”, completa.

Prevenção A psicóloga Mirtes Spinelli, que desenvolve ações de prevenção à Aids na Secretaria Municipal de Saúde de Itajaí, afirma que, termos como “grupos” ou “comportamentos de risco” não devem mais usados. “Hoje, trabalhamos em cima do conceito de população de risco”. Na cidade, cinco programas preventivos são desenvolvidos:

Santa Catarina é um dos estados brasileiros com maior número de portadores de HIV, desde 1996. O Estado só perde para o Rio Grande do Sul em taxa de incidência, segundo Boletim Epidemiológico 2008 de DST/Aids, divulgado pelo Ministério da Saúde,


A vida após a mastectomia Mulheres reaprendem a viver após o câncer de mama

Priscila Fernandes

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Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama é a doença que mais atinge as brasileiras. Na foto ao lado estão duas mulheres que venceram o diagnóstico depois de passar pela mastectomia, a remoção das mamas. Um tratamento complicado que oferece risco à autoestima da mulher. O sorriso sereno da professora Irinéia Aparecida dos Santos (à esquerda na foto), reflete a tranquilidade de uma mulher que supera diariamente as consequências de um câncer de mama. Casada, mãe de três filhos e avó de um neto, Néia, como é conhecida pelas amigas, ignorava a possibilidade de um dia ser diagnosticada com esta doença. Passava longe de consultórios médicos e fingia não saber da importância dos exames preventivos. A luta começou em 2003, quando começou a sentir os primeiros sintomas. Néia começou a perceber que sua mama direita estava diferente, mais dolorida e um pouco inchada. No início, pensou que poderia ser o modelo de sutiã que a incomodava, mas os dias passavam e a

dor permanecia. Foi quando a professora resolveu procurar a ajuda de um médico. Depois de alguns exames, como a mamografia, o médico percebeu a presença de um nódulo benigno em um dos seios. A professora não deu importância ao diagnóstico, optou por continuar sua rotina e faltou à cirurgia que o médico havia marcado. Suas colegas de trabalho ficaram preocupadas e sua família não achou que era algo sério. Néia começava naquele momento a assistir o crescimento do próprio câncer. O tempo passou, e em 2006, a professora foi ao ginecologista fazer um exame preventivo em virtude da idade. Quando a médica viu os seios de Néia ficou assustada e a levou diretamente a um especialista. Não havia mais como evitar o crescimento do nódulo que já era maligno. O tratamento estava limitado e após três meses, o médico optou pela mastectomia, a remoção completa da mama. Néia concordou em tirar um de seus seios para prevenir outro câncer no mesmo lugar. “Não me importo em não ter uma das mamas, pois ando com minhas pernas”, comentou em meio a risadas. Após a cirurgia, a professora ainda precisou fazer sessões de radioterapia e quimioterapia.


Apesar de a Ciência afirmar o contrário, aos 49 anos, Néia acredita que uma das causas de o câncer ter se manifestado em seu seio direito foram os problemas que ela sofre desde sua infância. “O câncer é proveniente de tudo que carrego comigo e não consegui esclarecer”. A doença fez com que Néia começasse a perceber a importância de como vivia

seus dias, sempre ocupada e vivendo os problemas de toda sua família. “A doença foi um ensinamento, agora não penso mais no amanhã, me preparo para o daqui a pouco”, finalizou a professora. Diferente de sua amiga Néia, a dona de casa Cecília Maria Luz Emílio, 54, após o diagnóstico, demorou três meses para fazer a mastecto-

mia total da mama esquerda. Casada e mãe de dois filhos, Cecília era dona de uma lanchonete 24 horas e sobrava pouco de seu tempo para descansar. “A vida passou sem que eu percebesse”. A dona de casa já sabia de casos antigos de câncer em sua família, por isso fazia regularmente exames de prevenção. Em 2002, o câncer de mama surgiu três meses após ter feito uma mamografia. Cecília já sofria com displasia mamária, uma alteração comum da mama feminina. Como as dores no seio eram constantes, ela notou o nódulo em seu seio enquanto trocava de roupa. Quando Cecília foi ao médico o tumor era do tamanho de um grão de ervilha, até o momento da cirurgia ele cresceu até atingir 75% de toda a mama. A vida continuou normalmente até a data da mastectomia. A dona de casa precisou ser forte para passar tranqüilidade à família, que sofreu bastante com a notícia. O momento mais difícil do

tratamento para Cecília foi a depressão após a cirurgia. Ela só conseguiu recuperar sua auto estima quando conheceu outras mulheres que viviam a mesma realidade. “Tenho muitas coisas para contar, aprendi a ajoelhar diante do problema e dizer que tenho um grande Deus”. Cecília começou a perder o cabelo durante as sessões de quimioterapia e radioterapia. Para demonstrar seu carinho pela esposa, o marido da dona de casa foi junto ao cabeleleiro e os dois rasparam juntos os cabelos. “Todos ficaram admirados com a forma com que ele tentou me ajudar”, falou emocionada. A família de Cecília, assim como ela, aprendeu várias lições com o câncer. Infelizmente, a doença voltou no final de 2006, agora localizado acima do seio, entre a pele e o osso. A alegria de viver presente nos olhos de Cecília é misto de luta e paciência. “Antes, eu me atropelava, não olhava o sol, a lua. Hoje percebo como tudo é maravilhoso”.

Sem custos A paciente com câncer de mama que precisar se submeter à mastectomia, cirurgia plástica reparadora e cirurgia de retirada de tumor ou de parte do seio, pode procurar o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme a lei n.º 9.797/99. Os planos de saúde também são obrigados a oferecer estas cirurgias, conforme a lei é nº 10.223/01.

Priscila Fernandes


12 horas pela vida O trabalho na UTI neonatal ĂŠ cuidar do fio delicado que divide a vida e a tragĂŠdia

Sarita Gianesini


Sarita Gianesini

S

Separando a sala de espera da antessala de higienização há uma porta e uma campainha. Depois de água e sabão dos dedos das mãos aos cotovelos, há um corredor. Dali, já é possível avistar as incubadoras. Mas só as incubadoras. Os pacientes são muito pequenos para serem vistos do corredor. São 8 horas e o “salão” - ambiente onde ficam as pequenas redomas - está tranquilo. O plantão acabou de ser passado e médica, enfermeira e auxiliares que trabalharam durante a noite na UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Santa Inês saem para ver o dia em Balneário Camboriú. É preciso entrar no salão para ver os cinco pequenos guerreiros, nascidos há poucos dias ou no máximo, há dois meses. É preciso chegar perto para acreditar que aquelas

criaturinhas, com três ou quatro palmos de comprimento vivem, respiram. Na UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Santo Antônio, em Blumenau, também é horário de passagem de plantão. Neste momento, as informações de cada paciente são passadas detalhadamente pela equipe que estava de plantão para a equipe recém-chegada, que assumirá os cuidados médicos pelas próximas horas. Do lado de fora, uma avó aguarda pelo horário de visitas. Com uma manta que defende as pernas do frio intenso de maio, esta avó mostra a foto da linda netinha num chaveiro. Luana está com dois anos. Nasceu prematura e enfrentou várias dificuldades. Luana tem um sério comprometimento do sistema motor e visual. Agora, a menina se recupera de uma cirurgia gástrica na Unidade de Terapia Intensiva.


Saúde

Às nove horas, os garotos da UTI neo do Santa Inês já passaram pelo “banho de gato” e mudaram de posição. A única menina internada é Lara, que choraminga com o banho dado pela auxiliar de enfermagem Janaína Gomes, mas logo sossega com o afago da mãe. Só na hora de vestir a roupinha rosa e lilás é que se nota a guia para receber antibióticos no bracinho direito da menina. Lara é gordinha, tem cabelos negros e nasceu com sífilis. Para tratar a doença, deve permanecer 10 dias internada, recebendo penicilina. São nove horas e quinze minutos quando acaba a troca de plantão na UTI Neo do Santo Antônio. Há um movimento intenso de técnicas e auxiliares de enfermagem no salão. São sete auxiliares e técnicas de enfermagem, uma enfermeira, um pediatra e uma cirurgiã pediátrica. As incubadoras dão lugares a modernos berços aquecidos. Sobre o aquecedor ou nas prateleiras que cercam os leitos, há brinquedos, objetos que lembrem o lar. A temperatura ambiente é agradável e acima dos bebês, as pequenas lâmpadas fluorescentes não são acesas. Os recém-

nascidos que necessitam de reforço para respirar sozinhos têm o halo, um recipiente de acrílico transparente, parecido com uma bacia com abertura flexível para pescoço, que mantém o oxigênio circulando próximo às faces das crianças. Os bebês permanecem de fraldas que são pesadas antes e depois de usadas, para calcular a quantidade de líquido expelido. Pendurados naquelas pequenas criaturinhas há ainda sensores de saturação de oxigênio, temperatura e freqüência cardíaca. Usam sapatinhos e toucas de tricô, sempre combinando. No leito 1, a pequena Beatriz ouve a auxiliar de enfermagem enquanto é colocada de bruços. Usa sapatos cor-de-rosa, combinando com a tala rosa pink do acesso venoso. A menina nasceu há 17 dias, com 1.579gramas. Quase dez horas e João puxa sua sonda orogástrica. João é o primeiro filho de Marisa, que veio de Bombinhas para Balneário Camboriú dar à luz no dia dois de abril. Quando soube que seu bebê estava na UTI, a mãe entrou em estado de choque. Ainda se recuperando do parto, foi vê-lo. O menino vivia suas horas mais

delicadas, respirava com aparelhos, usava proteção nos olhos, diversos sensores que o monitoram. Com 40 dias de internação, João pesa 1105 gramas e já respira sozinho. Marisa explica que sentia muita falta do contato físico com seu filho. Há seis dias, a mãe pôde pegar João no colo pela primeira vez e com felicidade nos olhos, conta que ficou muito emocionada quando pegou João: “pude sentir a respiração dele mais acelerada”. Enquanto isso, no leito 7 da UTI Neonatal do Santo Antônio, Gustavo chora muito. Ele está de bruços, o monitor apita. O bebê nasceu há três dias com 2110gramas e sofre de um desconforto respiratório. Gustavo parece gordinho perto dos prematuros e tenta tirar o halo do lugar. A auxiliar de enfermagem Izélia logo vai acudir Gustavo, troca sua fralda e arruma o halo, conversando baixinho com o bebê. Ao mesmo tempo, a técnica em enfermagem Merelin faz a higiene do menino do leito 3 e checa seus sinais vitais. Merelin precisa examinar o nível de glicose do bebê. Antes de fazer o furinho no calcanhar, ela conversa com o menino, que

chora com a picadinha. Agora é a recém-nascida Ana que precisa ser aspirada. Ana está internada há um mês e meio e respira com ajuda de aparelhos. A enfermeira Quézia de Ávila e a auxiliar em enfermagem Izélia se preparam para realizar o procedimento, que vai permitir que Ana respire melhor. “A titia vai fazer isso pra você ficar boazinha, tá bom?” Quézia explica que as pessoas que lidam com os bebês internados procuram conversar com os bebês antes de realizar qualquer procedimento. A aspiração começa. A cada sucção, a menina tem pequenos espasmos que a fazem mexer braços, pernas e contrair levemente o tronco. No Hospital Santa Inês é Marcos, internado há um mês e meio, que acaba de receber sua dieta. Como já ultrapassou 1800 gramas, recebeu parte da alimentação por via oral, tomando o leite direto da seringa e parte via sonda orogástrica. Perto do meio-dia, tudo vai se acalmando nas unidades de terapia intensiva. Mas a enfermeira Quézia e a auxiliar Norma precisam coletar sangue de Leonardo, que é tratado de uma infecção no

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Mas haveria mais tensão pela frente. Em visita ao filho nascido há apenas três dias, a mãe de Gustavo passa mal. Com a mão sobre o ventre e lágrimas nos olhos, a senhora senta numa poltrona no canto da sala e conta que não queria deixar o filho sozinho, na UTI. Mas a mãe precisa voltar para casa, para cuidar do outro filho pequeno. Pouco antes do meio-dia, os bebês da UTI neonatal do Hospital Santa Inês terminam de receber as refeições. Willian,agora descansa de bruços na sua incubadora. Ele é o bebê “mais velho” da UTI, com dois meses de vida e de internação. Willian nasceu em casa, e sua mãe, Maria, fez o parto sozinha, com ajuda do motorista da ambulância de Ibirama. De Ibirama, Willian foi transferido para a UTI neonatal do Santa Inês. Até as treze horas, permanecia calmo na UTI Neonatal do Santa Inês. Meia hora depois a calmaria é interrompida por um apito intermitente, vindo da incubadora do pequeno João. A enfermeira Marcela corre até o habitáculo de João e percebe que ele parou de respirar. Com estímulo tátil, os movimentos respiratórios

são retomados naturalmente. A enfermeira Donara Félix explica que João passou por uma apnéia, um acontecimento comum pela prematuridade. Uma hora e meia depois, João repetiria a apnéia e retomaria a respiração com ajuda de massagem. 14horas: A enfermeira Donara prepara a alimentação de Marcos. Uma bolinha de algodão preenche a ponta de um dedo da luva de látex , e com este artifício, Donara estimula Marcos a sugar o leite da seringa. Logo nas primeiras gotas, Marcos engasga. O recémnascido fica pálido, amolece. Procurando manter a calma, Donara massageia Marcos até que retome a respiração e pulsação normais. A neonatologista Fabiane Farina explica que Marcos sofreu uma apnéia por refluxo gastroenterológico e é peciso fazer uma radiografia do abdômen, para verificar se a sonda oroentérica, posicionada da boca até primeira parte do intestino. O recém-nascido do leito 6 perde o acesso venoso, por onde recebe medicações às 15 horas. A enfermeira Quézia e a auxiliar Merelin procuram uma veia para inserir o acesso no pequeno Pau-

lo. Ele está agitado e só na terceira tentativa, com ajuda de uma chupeta com glicose a cânula minúscula é inserida em uma veia na parte superior do pé de Paulo e a medicação pode ser administrada. São 15 horas quando e os pais de Pedro chegam para a visita. Silvia, a mãe, veste a camisola hospitalar e se prepara para pegar o filho no colo. Pedro é o mais agitado dentre os recémnascidos. Nasceu há 17 dias, com 1630 gramas. Silvia conta que antes de Pedro, abortou três vezes. É a quarta vez que Silvia tem contato direto com a pele de Pedro. A tarde na UTI Neonatal do Hospital Santo Antônio segue tranqüila. Até as 17 horas, não ocorre nada além de procedimentos de rotina, como verificação de sinais vitais, higienização e medicação. O silêncio toma conta da UTI Neonatal e os recém-nascidos dormem. Dez dias após este plantão, William recebeu alta. Saiu da UTI com 1 quilo e 900 gramas. Após dois meses e sete dias de internação, vai retornar para a casa onde nasceu, em Apiúna. Sarita Gianesini

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Saúde

leito 9. Leonardo nasceu há quase dois meses, com 965 gramas. É visível seu ganho de peso, mas devido a gravidade do seu quadro clínico, ele não foi retirado do leito para pesagem. Pressionando o dedo sobre o pequeno corpo, Quézia procura alguma artéria para realizar a coleta de sangue. Uma artéria perto do pé esquerdo é escolhida, Norma segura a perninha de Leonardo e a enfermeira insere a agulha finíssima. Mas o sangue não sobe pelo o êmbolo. A segunda tentativa ocorre na parte interna da coxa. Também não funciona. Quase se pode sentir no ar a comoção da enfermeira e de Norma por terem que “picar” o recém-nascido mais uma vez. Quézia procura outra artéria, desta vez na cabeça, próxima a orelha de Leonardo. Verifica o sentido da circulação, e com muito cuidado, coloca a agulha novamente. Ainda não foi desta vez. “Calma bebê, a gente precisa pegar esta amostra. Vamos pedir pro Papai do Céu ajudar”. Uma artéria no topo da cabeça de Leonardo é pulsionada, e, desta vez, o sangue sobe pela cânula e é suficiente para a realização do exame.


Nove meses an da hora Adolescentes fazem parte do grupo que mais colabora com o crescimento populacional

Fernanda Dellagiustina


ntes R

Rosto, corpo e cabeça que ainda deveriam parecer de uma adolescente comum, mas que foram obrigados a se transformar cedo demais. Os olhos transparecem a emoção, misturados com a naturalidade de Shayene Vicente, de 16 anos, que se embaraça quando fala sobre a mudança drástica que teve em sua vida nos últimos dois anos. “Júlia veio para me trazer responsabilidade” foi a frase que repetiu algumas vezes a menina que, desde abril de 2008, já é mãe. Júlia, mesmo que ainda não tivesse esse nome, apareceu na vida de Shayene no começo do namoro dela e de Alexandre dos Santos, 32. No Brasil, a taxa de fecundidade baixa ano a ano, menos na faixa etária da adolescência, que, nos últimos anos, tem mantido ou aumentado o número de casos de gravidez. Santa Catarina acompanha a média do Brasil. Em Itajaí, o índice de adolescentes grávidas é

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de 18% até os dezenove anos. Já dos dez aos quatorze anos, é de 1,8%. A incidência nacional é de 20% de meninas grávidas, mas as regiões norte e nordeste superam os outros estados do país. Aceitar e contar para a família é uma das etapas mais difíceis para essas adolescentes. O pai de Schayene morreu há seis anos e não foi tarefa fácil revelar o fato à mãe, aos dois irmãos e à irmã mais velha. “Eu não tinha coragem de contar, resolvi escrever na agenda que minha mãe sempre abria.” Assim como grande parte das meninas de sua idade, Shayene nunca parava em casa e a mãe, Maria Luci Vicente, 52, afirma que era difícil segurar as rédeas da garota. “Não tinha como segurá-la. Tentava aconselhar, mas às vezes ela fugia do meu controle.” A adolescente lamenta ao relatar que perdeu todas as amigas que tinha na época. “Quando souberam que eu estava grávida, todas sumiram, nenhuma apareceu” .


Saúde

A menina, diferente da maioria das adolescentes, recebeu todo o apoio da família e namorado desde o início da gravidez. Ela descobriu que estava grávida junto ao Centro de Referência São Judas, posto de saúde do bairro onde mora. A adolescente confessa que não entendia o pré-natal, cuidados e consultas que devem ser realizados por toda a gestante. A partir da primeira visita ao posto de saúde, teve todo o acompanhamento com ginecologista e fez os exames necessários periodicamente.

Atendimento público A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) da cidade de Itajaí tem alguns projetos para atender as

gestantes e desde o ano passado, desenvolve um programa exclusivo para as adolescentes grávidas. “Como o número de adolescentes grávidas vem crescendo, no ano passado a SMS nos pediu que fizéssemos um projeto para essas jovens. Aí surgiu o Gama, projeto que pode mudar de nome esse ano”, explica a médica hebiatra, Cinthya Lima Malburg. A falta de orientação, a dificuldade das adolescentes em procurar um posto de saúde para se consultar e procurar algum método contraceptivo e o medo de conversar com os pais sobre o assunto podem ser alguns dos fatores da alta incidência de gravidez na adolescência. Contribui ainda, o famoso pensamento mágico: não

vai acontecer comigo na primeira relação. Shayene conta que não participou dos grupos para gestantes porque na época só existiam turmas com mulheres grávidas de todas as faixas etárias e sentiu medo de ser criticada pelas mais velhas. O Grupo de Apoio de Mulher Adolescente, GAMA, surgiu como projeto piloto em 2008 para prestar apoio às adolescentes grávidas que não tenham uma gravidez de risco, paralelamente aos atendimentos com os ginecologistas. “É uma maneira para as meninas procurarem o grupo e se sentirem à vontade”. No ano passado, oito meninas de doze a dezenove anos participaram semanalmente das oficinas de grupo no bairro Cidade Nova,

em Itajaí. Nas oficinas, eram abordadas questões em relação ao desenvolvimento da gestação, quais os tipos de parto, a alimentação da mãe durante e depois da gestação, os cuidados com o bebê, além de questões relacionadas ao planejamento familiar e ao emocional das garotas. Para esse ano, a idéia é ampliar o projeto. Além das oficinas de grupo, faz parte da proposta fazer com que as adolescentes grávidas até os 19 anos possam ser acompanhadas num único local, desta vez no bairro São Judas. Os atendimentos serão individuais e em grupo. A iniciativa inclui ainda o acompanhamento das meninas durante o pré-natal e pelo menos um ano depois do parto.

alguma adolescente grávida, as escolas municipais atuam como a lei preconiza. Com a dispensa de aulas, são chamados os pais da adolescente, conselho tutelar e assistência social”, esclarece o coordenador de ensino. De acordo a coordenadora Municipal de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Itajaí, Scharline Bergamini, o maior problema é que a maioria das mães adolescentes abandonam os estudos. “As meninas não têm a consciência da importância de continuar na escola e a maior parte delas vira dona de casa.

De vinte meninas que atendi no ano passado, apenas uma continuou os estudos.” Shayene Vicente parou de estudar quando ficou grávida, mas pretende começar a trabalhar e retomar os estudos ainda no próximo ano. “Tentei entrar na Educação de Jovens e Adultos, mas é só para maiores de dezoito anos, vou voltar a estudar, não posso ficar todo esse tempo parada”, lamenta, mas em seguida releva com orgulho: “Minha filha veio para mudar minha vida.”

Período de risco A gravidez na adolescência é arriscada, uma vez que o corpo feminino só está maduro a partir dos dezoito anos. Shayene conta que no começo da gravidez passou tão mal que emagreceu seis quilos em uma semana. “Eu não podia ver nem água na minha frente”. A adolescente teve um parto difícil e uma forte depressão um mês antes do parto. “Eu achava que eu e minha filha fôssemos morrer na hora do parto e ninguém conseguia tirar isso da minha cabeça”, lembra. No último ano, conforme os dados revelados pela SMS, há re-

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gistros de 13 meninas grávidas entre os 10 aos 14 anos e 270 casos dos 15 aos 19 anos. A educação municipal de Itajaí trabalha com questões relacionadas à gravidez na sétima série do ensino fundamental. Conforme o Coordenador de Ensino da Secretaria de Educação de Itajaí, Rafael Moura de Moraes, o professor de Ciências trabalha em sala com os alunos, questões de sexualidade, prevenção, corpo humano e métodos contraceptivos. Antes disso, quando necessário, são passadas orientações aos alunos. “Nos casos em que aparece

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