Vida noturna

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de Jornalista

Univali|Novembro|2008

Palavra

Vida noturna

Trabalhar, praticar esportes ou se divertir ganha um colorido todo especial depois que o sol se pĂľe no Vale do ItajaĂ­



Sumário 05 12 20 28

Aproveite a noite e mexa-se Para quem não tem tempo, uma boa solução é se exercitar depois de um dia cansativo

Avenida Santa Catarina, nº 347 O vai-e-vem da noite não se resume aos ônibus que passam pela rodoviária do balneário mais movimentado de Santa Catarina

Câmeras mais do que discretas O monitoramento 24 horas das câmeras de segurança pública

“Me dá um dinheiro, aí?” Pedintes e mendigos têm histórias parecidas que os levaram às ruas do Vale do Itajaí

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Segurança, zelador, psicólogo – quem fica na portaria de um prédio deve estar preparado para o que a noite traz

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Descubra o que há por trás desta rotina apaixonante e exaustiva

52 60 65

Vida de porteiro

Profissão garçom

Nossas Drags Como é ser colorida em Balneário Camboriú

Prostituta não! Profissional do Sexo Drogas, violência, preconceito e intolerância ameaçam a vida de quem está nas ruas para vender o corpo

Na solidão das máquinas Trabalhadores brusquenses lutam contra o sono, mas garantem melhores condições de vida na indústria

2008/2 08

Requinte e Paladar Bistrôs são alternativas para quem busca um refúgio acolhedor sem abrir mão da boa comida

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Ronda policial na periferia

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PERFIL - Histórias de um homem só

32 40

A criminalidade observada de dentro da viatura do PPT

Apreciador de Edgar Alan Poe, Luiz Carlos de Miranda mora hoje nas ruas de Balneário Camboriú

Os mistérios na noite do Porto de Itajaí Máquinas, containers e muito barulho. A vida e a movimentação em um dos maiores portos do mundo

Se a fila não andar Divertir-se à noite é muito bom, mas enfrentar as intermináveis filas nas festas da região é exercício de paciência

48

Observatório Astronômico de Brusque atrai visitantes e pesquisadores em busca dos enigmas do universo

56

Dançar, namorar, beijar. Nas boates gays, não importa quem você é, vale tudo para ser feliz

62 68

Caçadores de estrelas

A noite da diversidade

O circo do Rock’n roll A realidade de quem aproveita a noite para produzir seu som e se apresentar pela região

Uma noite de plantão As doze horas de quem passa a madrugada salvando vidas

Expediente 3 Palavra de Jornalista Novembro 2008

Palavra de Jornalista é uma publicação do Curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí – Univali. Trabalho realizado na disciplina Jornalismo de Revista do 6º periodo. Editora responsável: Professora Laura Seligman. Projeto Gráfico e Direção de Arte: Professor Sandro Galarça. Diagramação: Agência Integrada de Comunicação – acadêmicas Cibele Plácido de Córdova e Gabriela Beckert. Fotografia da Capa: Eduardo Gomes


Palavra empenhada Por mais elementar que o trocadilho que se faça com o nome desta publicação possa ser, é sempre bom lembrar: palavra de jornalista é palavra empenhada – é de bom tom que se cumpra. Pois bem, a palavra aqui prometida vem de mais de três dezenas de alunos que se mobilizaram pela primeira vez em conjunto para apresentar um retrato interpretativo dos movimentos que se fazem pela noite do Vale do Itajaí. O tema proposto partiu da própria turma, que cursa o 6º período de um curso que tem nove: ou seja, já estão com os pés mais fora do que dentro. A experiência de planejar, viver, experimentar e baixar uma revista conquistou o envolvimento de todos – repórteres afoitos por mostrar o que é que a noite tem. Do menu surgiram pautas recorrentes e ainda as mais inusitadas: das profissões que vivem a noite aos seus habitantes, muitas vezes obscuros. Está de parabéns a turma que oferece leitura consistente e interessante ao leitor – uma amostra do que pretendem ofertar mais freqüentemente daqui a um ano e meio, quando forem jornalistas de fato. Laura Seligman Editora da Palavra de Jornalista

Amigo Frio Ruana Souza

O Frio estava passando por aqui. Ouvi ele bater na minha porta, bem devagar. – Posso entrar? – perguntou. – Espera – eu falei. Deixa que vou ai fora. Vamos ouvir a chuva caindo. – Tá certo. Mas vem logo Peguei um cigarro, um copo de nescau e fui encontrar o Frio. Ele virou pra mim, sorrindo pouco, e disse: – Noite bonita, não acha? – Sim. Está escuro o suficiente. Tão escuro que não se vê a chuva. Quer um trago? – Sim, quero. Ele tragou meu cigarro, olhou para o céu. Virou-se novamente. Me olhava. Sorriso pequeno. Perguntou: – Você colocou o lixo pra fora? – Não. E não sei se colocaram. Vou ver. Me ajuda a levar? – Tá, ajudo. Fui procurar o lixo. Já tinham posto na rua. Daqui a pouco o caminhão passa pra recolher. – As coisas se completam à meia-noite, não acha? Ele queria ouvir minhas opiniões. – É. Elas terminam. Acabam. E logo outras novas começam. Pode parecer ridículo. Mas é mágico. E me diz: o que traz você aqui? – Estava com saudades, querida. Sei que você costuma me evitar, cheia de casacos quentes. Mas também sei que você gosta de mim. Então resolvi aparecer de surpresa. Pensei que talvez você não me ouvisse, mas resolvi tentar. E aqui estamos nós, escutando a chuva e fumando seu cigarro.

– É, esse cigarro. Eu ia parar. Ainda vou, um dia. Alias, estou lembrando uma coisa… viu o Sono por ai? – Vi sim. Ele acabou de passar por aqui, deu oi. Deve ter te achado uma antipática. Você, distraída que é, nem o cumprimentou. – Poxa, que pena. Por que não me avisou? Queria tanto falar com ele. – Eu não sabia que você queria. Se soubesse, tinha chamado. – É. Andamos afastados. Não sei por quê. Na verdade sei, mas… Enfim. – Quer me contar? – Olha, não sei ao certo o que contar. Um pouco talvez seja a agonia de viver na cidade grande. Tudo muito rápido e voraz. Muitas luzes, poucas estrelas. Mas tem outra coisa. Mas sobre isso... deixa pra lá. Não sei se você pode me ajudar. Na verdade acho que você ficaria puto se soubesse. – Não, acredite. Não vou ficar. Conheço você há tanto tempo. Sou tão velho amigo seu quanto você é minha. Mesmo quando a gente briga, na primavera, depois a gente volta a se falar. Eu sei. – É. Incrível isso. E bem lembrado, a primavera… Vou deixar pra te contar na primavera. Sem brigas até lá, então. – Vai mesmo? – Vou. Desculpa. O Frio fechou os olhos, balbuciou qualquer coisa que eu não entendi; sorriu, ainda de olhos fechados. Depois falou: – Vou tentar imaginar o que é. Esperarei ansioso pela primavera, viu. Sei que você vai me contar algo bom – olhou para mim e deu uma piscadinha. – Certo – concordei com a cabeça. – Vou embora. Você já acabou seu cigarro e o seu nescau. Não precisa mais de mim. E vou aproveitar que a chuva parou. Até mais. Me abraçou com força e beijou minhas mãos. – Nos vemos? – Sim, nos vemos. Entrei para casa. Tomei um banho quente. Depois tentei dormir.

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foto: sxc.hu

Ana Paula de Sousa e Felipe da Costa

Aproveite a noite& mexa-se

Para quem não tem tempo, uma boa solução é se exercitar depois de um dia cansativo


Quando o homem começou a se aglomerar em grandes cidades e a trabalhar em locais fechados, desenvolveu uma doença que até então era desconhecida. Você mesmo, provavelmente, já sentiu sintomas como cansaço físico, mau humor, perda de memória, diminuição da produtividade, ou pelo menos, já ouviu aquela frase: “como estou estressado hoje”. Para contornar esses sintomas, uma boa maneira é mexer o corpo. Enquanto você chega em casa reclamando porque teve um dia péssimo, há quem se prepare para eliminar do sistema nervoso os malefícios que o dia trouxe. O engenheiro mecânico Marcus Mannrich tem 27 anos e há cinco meses corre durante a noite--. De duas a três vezes por semana, a partir das 20h30min, ele divide seus passos com outras tantas pessoas que vão se exercitar no parque Ramiro Rüdiger, em Blumenau. Mannrich conta que, após muito tempo, voltou a praticar esportes para sair do sedentarismo e melhorar a saúde. “Comecei a correr para reduzir o nível de estresse que estava acumulando no trabalho”. De 1992 a 1996, jogava basquete durante a tarde, mas agora, com o trabalho, o engenheiro diz que a noite é o melhor horário para praticar atividades físicas.

O especialista em Ciência do Movimento Humano, Jairo Vieira Pereira, é dono de uma academia em Blumenau que oferece ginástica, hidroginástica, natação e musculação aos clientes. Segundo ele, a maioria das pessoas dispõe de mais tempo durante a noite e a atividade mais procurada é a musculação, por promover resultados mais rápidos. “Para este tipo de atividade, temos um movimento razoavelmente maior que nos demais períodos”. Este é o caso de Eric Comenale, 36 anos. O administrador faz musculação das 21h às 23h, de quatro a cinco vezes por semana, em uma academia de Itajaí. Comenale até já tentou trocar de horário, mas disse que não deu certo. Ele prefere malhar, tomar um banho, fazer um lanche leve e dormir. Comenale tem um problema cardíaco que exige o desenvolvimento da musculatura do peito para não se agravar. Na década de 1990, ele fez quatro anos de musculação e depois parou. Mas ao refazer um exame, foi recomendado que voltasse à atividade este ano. Apesar de fazer apenas quatro meses que retornou à academia, sua mulher, Lia Domingues, já percebeu a diferença. “Até o humor dele melhorou”. Os metabolismos de Mannrich

e Comenale respondem bem à prática noturna de esportes porque se sentem relaxados com a liberação de endorfina. Mas nem todos são assim. Pereira diz que há clientes que ficam excitados depois do exercício e isso acaba prejudicando o sono. Por isso, o especialista lembra que é importante organizar as atividades em horários bem definidos “para que o organismo possa se adaptar de maneira saudável”. Isso porque, segundo ele, o corpo humano se adapta bem às rotinas que impomos. Outro cuidado importante para quem pratica esportes à noite é a alimentação. Este elemento pode se transformar em um grande vilão se não for bem cuidado. Pereira afirma que a maioria da população se alimenta de forma pouco saudável e geralmente, quando chega o final do dia, a última refeição realizada foi no horário do almoço. “Por isso, é importante que os atletas que vão à academia no período noturno façam, com 40 ou 60 minutos de antecedência, um lanche leve e rico em carboidratos como sucos, frutas, bolachas, entre outros”. Isso garantirá energia suficiente para a prática de exercícios. “A nutrição e a hidratação aliadas à atividade física, são a chave para a saúde”, continua o especialista.

Para começar um exercício físico, é sempre recomendado o acompanhamento de um profissional. Pereira lembra que é importante utilizar os serviços de um professor de Educação Física. “É ele quem vai ajudar na escolha do horário e da atividade física, levando em conta todas as variáveis do cliente”. Além da ajuda dos professores da academia, Comenale tem acompanhamento médico. Foi a partir dessa orientação que ele começou a praticar atividade física em 1990 e retornou neste ano. Já Mannrich foi orientado por um fisioterapeuta para a obtenção de um treinamento adequado com o sedentarismo em que se encontrava. Realizar atividades físicas à noite traz muitos benefícios para quem se adapta bem a este horário. Além disso, praticar esportes em estações quentes no período noturno se torna mais prazeroso e menos desgastante, pois a temperatura é mais agradável. “No entanto, o importante para o ser humano não é apenas o momento em que se exercita, mas se a pessoa encara isso como um hábito de higiene e o mantém para assim garantir saúde, bem-estar e longevidade com qualidade de vida”, finaliza Pereira.

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Esporte em praças públicas Há muitas oportunidades para quem pretende praticar esportes no Vale. Além dos clubes e academias, que são pagos em mensalidades, alguns lugares públicos já se tornaram muito populares e qualquer pessoa pode freqüentar. Basta ter vontade de realizar atividades físicas. O Ramiro Rüdiger, em Blumenau, é um parque de 42mil m² que contém em sua estrutura, diversas opções de lazer para todas as idades. O local é mantido pela prefeitura e tem um lago de quatro mil m², pistas de corrida e caminhada, vôlei de areia, quadra poliesportiva e de tênis. As crianças podem aproveitar a ciclovia e o playground, além de curtir um ambiente cercado por verde. O parque, localizado ao lado da Vila Germânica, onde ocorre a Oktoberfest, no bairro da Velha,

conta ainda com sanitários, lanchonete, iluminação completa e segurança 24 horas por dia. Em Itajaí, algumas praças também oferecem opções de lazer. Além das quase 20 quadras poliesportivas localizadas em diferentes pontos da cidade, outra novidade é a academia popular. Há três unidades, que possuem aparelhos que simulam os profissionais e estão ao ar livre. No total, são dez modalidades de exercícios que trabalham, por exemplo, os músculos da perna e do braço. Estes ambientes estão localizados na Avenida Beira-rio, bairro Fazenda, na praça Santos Dumont, localidade do Costa Cavalcante e no parque Alessandro Weiss, no bairro São João. Os aparelhos estão à disposição 24 horas por dia e qualquer pessoa pode utilizar.

Laura Seligman sxc.hu

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Requinte & Paladar Bistrôs são alternativas para quem busca um refúgio acolhedor sem abrir mão da boa comida

Júlio Schumacher e Pedro Machado


Julio Schumacher

D

epois de um dia intenso de trabalho, tudo o que Simone Venske, 38 anos, mais quer é aproveitar a noite e relaxar. Proprietária de uma loja de calçados, a empresária combinou de se encontrar com uma amiga para, entre um bom prato e uma boa bebida, colocar a conversa em dia. Enquanto espera a companhia chegar, procura o melhor lugar para se acomodar. O local escolhido para o encontro soa tão acolhedor e agradável que Simone parece se sentir em casa. Ela está, na verdade, em um bistrô, tipo de estabelecimento que ganha cada vez mais a simpatia de clientes que prezam a boa comida e um atendimento diferenciado.


O bistrô tem origem na palavra francesa bistrot, uma adaptação ao vocábulo russo býstro, que significa rápido, depressa. Historiadores contam que, na França do século XVII, durante a investida da Rússia contra o imperador Napoleão Bonaparte, militares russos que ocupavam Paris invadiam as tabernas francesas aos gritos de “býstro, býstro”, exigindo um atendimento imediato. Os taberneiros viram uma oportunidade no grande movimento gerado pelos soldados rivais. Passaram a fixar na porta de seus estabelecimentos uma placa com a palavra “bistrot”, que sugeria um local onde se oferecia comida rápida, pronta. A idéia correu o mundo e logo já estava consolidada em outros países. O Brasil, como sempre, tratou de dar a sua própria conotação ao novo tipo de negócio. Por aqui, um bistrô é considerado um “restaurante de elite”, explica José Eduardo Vaz, proprietário e chefe de cozinha de um

bistrô em Balneário Camboriú. O empreendedor, entretanto, faz questão de apontar as diferenças entre os dois tipos de estabelecimento. “Os bistrôs se diferenciam dos restaurantes pelo tratamento oferecido. O próprio dono ou o chefe de cozinha atende o cliente, que aprecia esse tipo de abordagem. Além disso, os pratos são mais bem elaborados e o número de refeições servidas por dia é bem menor”, diz. A comida servida tem como base a culinária francesa, mas os pratos podem ser mesclados com outro tipo de gastronomia. A originalidade, a qualidade e o sabor da refeição vão depender da inspiração e da experiência do chefe de cozinha. “É ele quem dá o toque especial à comida”, diz Guilhermo Zonta, responsável pela cozinha de um dos maiores bistrôs da cidade. Outro detalhe característico é o ambiente familiar simulado pelo bistrô. Os móveis, a decoração e

o som ambiente proporcionam uma sensação de aconchego que lembra o conforto do lar, muito diferente da correria e do barulho dos restaurantes a la carte. “Me sinto muito bem aqui. Sempre saio com a vontade de retornar”, diz Simone Venske. O casal Gilberto e Margit Todt destaca outros motivos que os levam a freqüentar bistrôs. “É uma área mais reservada, ideal para um jantar romântico ou para levar a família”, conta Margit, 53 anos. “Você pode ligar para o bistrô e reservar a sua mesa”, complementa Gilberto, 58 anos.

Onda francesa

O crescimento do número de estabelecimentos que se apresentam como bistrôs não impressiona José Eduardo Vaz. Para ele, muitos empresários que estão investindo no setor desvirtuaram a proposta desse tipo de empreendimento. “Tem gente que abre um estabelecimento e o

chama de bistrô só para atrair a clientela, mas tecnicamente eles funcionam como restaurantes”, reclama. Para Thiago Vaz, filho de José Eduardo e que eventualmente ajuda o pai no negócio, o que existe é uma falsa impressão de que o número de bistrôs está aumentando na região. “Isso não é verdade”, afirma. O chefe de cozinha Marcone Righi acredita no contrário. De acordo com ele, houve uma onda de “bistromania” no Brasil nos últimos dez anos. “Muita gente formada em Gastronomia, após alguma experiência de mercado, decidiu transformar a sala de sua casa em um bistrô”, conta Righi, que ao lado do uruguaio Damião Rodriguez, é responsável pela cozinha de um bistrô na Avenida Atlântica, a mais movimentada de Balneário Camboriú. As esposas dos sócios recebem os clientes e ajudam no atendimento das mesas. A gestão em família é uma das características dos bistrôs.

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Falta especialização Assim como em outros segmentos de mercado, os bistrôs sofrem com a falta de mão-deobra especializada. De acordo com José Eduardo Vaz, a grande dificuldade no setor é encontrar pessoas capacitadas para exercer a função de garçom. Para ele, mais do que um “carregador de garrafas”, o garçom de um bistrô deve ser eficiente para prever a atitude do cliente. “Se o cliente for se levantar, ele tem que estar lá para puxar a cadeira”, exemplifica. O bom garçom também deve ter a noção do limite de conversa e intimidade entre ele e o cliente. “Ele tem que ser um amigo que transforma o ambiente ainda mais especial. Só precisa tomar cuidado para não extrapolar”, ensina a garçonete Ticiane Mira. Para ela, a principal função do garçom não é só atender, e sim servir. “O atendimento não pode ser robotizado.

Deve ser o mais natural possível para deixar o cliente à vontade”, acrescenta. Outro ponto importante é o conhecimento dos garçons sobre os tipos de vinhos que acompanham determinado prato. Otávio Siqueira, que trabalha no bistrô comandado por Righi e Fernandez, lembra que antes de se tornar garçom, trabalhou como representante de vinhos. A experiência ajudou a conquistar o emprego. O caso de Siqueira é isolado. A maioria dos bistrôs oferece treinamentos específicos nessa área. Mesmo assim, a recomendação é não interferir no pedido e deixar a escolha a cargo do cliente. “Boa parte do público que freqüenta os bistrôs integra as classes A e B. São pessoas que entendem de vinho e escolhem o que querem beber depois de analisar a carta de opções”, explica Vaz. Fotos: Júlio Schumacer e sxc.hu

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Avenida Sant nº 347 O vai-e-vem da noite não se resume aos ônibus que passam pela rodoviária do balneário mais movimentado de Santa Catarina

Larissa Guerra e Larissa Tietjen


ta Catarina,

E

Fotos: Eduardo Gomes

m Balneário Camboriú, é uma noite de glória para um candidato-pássaro. A cidade está há horas sob o ensurdecedor barulho das buzinas, dos jingles eleitorais e de fogos de artifício. A noite está morna, com pouco vento, um céu de raras estrelas e calçadas ainda úmidas pela chuva intensa dos dias anteriores. Se não existem vampiros para dar vida às noites, não há dúvidas de que os bichos-humanos também se revelam com o pôr-dosol. Ainda mais neste lugar que, ao mesmo tempo, é tão cheio e vazio.


Inaugurada em 20 de julho de 1988, a Rodoviária de Balneário Camboriú recebe diariamente passageiros de todas as regiões do país e também estrangeiros: saem na frente os argentinos e uruguaios. Conta com uma estrutura física razoável: 17 plataformas de embarque/desembarque, sanitários pagos — um real para fazer xixi, quatro reais para uma ducha rápida — e outros gratuitos, guarda-volumes, caixa de correio, lanchonetes, posto de informações turísticas, banca de revistas, três telefones públicos, 190 assentos de plástico amarelo e, entre eles, há diversos vasos grandes com plantas de folhas verde-escuro. Um homem velho passa a enceradeira no chão cinza do prédio, bem próximo de dois caixas eletrônicos — que ocasionalmente estragam porque alguém coloca uma moeda onde diz insira seu cartão. O cheiro de pastel frito é permanente e dá a impressão de entranhar as paredes daquele local. “Porque uma cidade como esta precisa ter na rodoviária certo conforto para quem está chegando, não é mesmo? Estamos abertos 24 horas, mas levo prejuízo toda

noite, gasto a mais com tudo”. Ingo, grisalho, 63 anos, usa óculos quadrados e fala o tempo todo enquanto limpa a máquina de café. Ele conta que é do interior do Estado e, junto com sua esposa, administra a pequena lanchonete de mesinhas redondas. Certo de que as pessoas precisam de algo para acolhê-las quando desembarcam ali, enfrenta as noites solitárias, para oferecer uma bebida quente e algo que sacie suas fomes. Os guichês das empresas de transporte rodoviário estão todos com as luzes acesas, mas com um número reduzido de funcionários, que aparentam tédio contagiante. Entre meia dúzia de palavras, arriscam emendar uma conversa qualquer para passar o tempo. Entre eles está Arlete, desenho de flores nas unhas, jeito de moça jovem do interior. Há três anos trabalhando numa dessas janelinhas, afirma com um tom nervoso que fica meio louca de trabalhar ali, o tempo todo emitindo passagens. “Tem hora que não dá mais!”. Ela conta que levou um tremendo susto quando um homem transtornado invadiu a sala de espera da empresa dando socos na porta de vidro. “Não tem qualquer

tipo de policiamento ou segurança aqui depois das 20 horas. Dependemos da sorte e da torcida por dias de calmaria”. E a segurança — ou a falta dela durante a noite, é tema permanente entre os taxistas. Um deles, antes de pegar uma corrida com seu carro branco tipo sedan, confidenciou que “a segurança aqui é Deus”. Seu ponto é ali. Isso desde 1988, o ano da inauguração do prédio. Natural de Camboriú, ele tem um gosto extravagante, a camisa vermelha e o relógio de ouro no pulso chamam atenção. O bigode grisalho é bem penteado e entrega a sua idade, que certamente já passou dos 50. Há um amontoado de turistas e malas perto da plataforma 14, que aguardam o ônibus para retornar às suas cidades. Enquanto um rapaz fala ao telefone e outro arrasta os chinelos pelo corredor, o motorista se despede de um colega da empresa, alguém assovia para chamálo e ele exclama com as mãos para cima: “amanhã!”. Das 18 às 23 horas daquele dia, em média 50 ônibus partiram para os principais destinos dos estados do sul e do sudeste. Não há idéia de quantos

chegaram de outras localidades ou apenas fizeram uma parada para algum passageiro embarcar. No andar acima, ficam a administração, um restaurante às moscas, o Juizado de Menores e as Polícias Militar e Federal, ambas com as portas fechadas e sem qualquer sinal de profissionais a trabalho. Os banheiros grátis também estão no segundo andar. “Xixi de graça? Tem que subir a escadaria!”, avisa a senhora que cuida da catraca dos sanitários. São limpos, mas nem tanto. Nas três portas, as tradicionais frases eróticas e algumas inusitadas como a do chileno que afirma ter feito suas necessidades ali, com uma seta próxima aos escritos de uma uruguaia, confirmando o que fez também. Na porta do meio há frases ressentidas com a cidade: “Balneário Camboriú, a ilusão do Atlântico Sul”, e um “concordo” ao lado. Estão escritas igualmente cantadas baratas por toda a parte. Sem contar as declarações de amor e letras de músicas da banda Jota Quest. As mulheres se olham no espelho, lavam as mãos, arrumam o cabelo e vão embora. Mesmo nos sanitários, o ritmo é de chegadas e partidas.

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Atenção, senhores passageiros Desde 2006, uma mulher é quem repete as mesmas frases todos os dias: “Atenção senhores passageiros da empresa tal, com passagem marcada para as X horas, carro procedente de Balneário Camboriú, com destino a Y lugar. Embarque no portão Z. Façam todos uma boa viagem”. Se necessário, ela anuncia o mesmo ônibus inúmeras vezes, sem estresse, até que o cidadão distraído lembre-se que a partida está atrasada por sua causa. Essa mulher, que na verdade é uma moça descolada — para quem alguns cavalheiros telefonam para contar seus fetiches –, chama-se Pâmela, tem 25 anos e comprova que já fez de tudo nessa vida, com um sorriso estampado no rosto. Com um copo de café na mão, ela conta que parou de fumar no início do ano, assim como em agosto largou sua outra

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profissão: moto-taxista — que exercia com satisfação há sete anos. Ela é morena, tem os cabelos presos em um coque simples, brincos pequenos, camiseta verde escura, calça larga e, o tênis preto está um pouco sujo de lama. “Desculpe a sujeira, mas eu vim direto de uma mudança de casa, aí tava aquele barro por causa da chuva”, explica com seu jeito de moleca. Pâmela é mãe de uma garotinha de 4 anos, Ellen Vitória, e diz com a típica corujisse materna, que a pequena é “marrentinha”. A jovem trabalha na locução da rodoviária das 18 horas até a meia-noite. Durante o dia, ela é faz-tudo: “Avon, Natura, lingerie, o que vocês me derem pra vender, eu vendo”. Quando o telefone de número 3367-2901 toca, às 23h50min, seu sorriso desaparece e a voz fica mais consistente, profissional. Ela faz o papel de telefonista e

repassa na ponta da língua, os números de três empresas para o interlocutor, como em um telemarketing. Fala pausadamente: trêstrês-meia-sete-zero-um-três-meia. Ela não se contenta com a sua entediante tarefa na rodoviária. “Eu queria mais agito, aqui não tem nem um sonzinho, nem o plim plom funciona mais!”. Pâmela também reclama da falta de internet, o que é recorrente entre outros funcionários do local. Para matar tempo, ela lê. É fã de Paulo Coelho, e não gosta muito da Bíblia. Para a locutora, ela deveria ser mais simplificada, “são muitas interpretações”. Ela anuncia uma nova partida e, perto da hora de ir embora, agradece a nossa companhia. Para quem quiser visitá-la, basta subir as escadas, passar por duas portas chaveadas e preparar-se para um bom papo.


Ronda Policial Periferia Uma visĂŁo da criminalidade por dentro da viatura do PPT

FĂĄtima Catarina Barbi e Fernanda Faust Favreto


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Arte sobre fotos de sxc.hu e Fernanda Favreto

I

tajaí é a segunda cidade mais violenta de Santa Catarina. Fica atrás apenas da capital. São vários os fatores que colaboram para este crescimento, como o Porto, o Aeroporto de Navegantes, sua localização às margens da BR 101, além de ter ao seu lado o balneário de maior fluxo turístico do sul do país. Para conhecer de perto a realidade dos bairros mais perigosos, embarcamos junto com o Pelotão de Patrulhamento Tático da Polícia Militar, o conhecido PPT, em uma de suas rondas pelo município. A ronda estava marcada para as 19h. No horário previsto, estávamos no 1º Batalhão da Polícia Militar. Ao sinal do soldado Célio Brugnago, motorista da viatura do PPT, às 19h30 iniciou a ronda policial que parecia cena de filme americano. O Batalhão da PM fica no centro da cidade, na Rua Felipe Schimidt, o que favorece o clima calmo durante o trajeto. Entramos na Avenida Joca Brandão em direção à Contorno Sul. Durante o caminho, a viatura não passou dos 30 km por hora, velocidade ideal para analisar o que se passa nas ruas da cidade. Acompanhamos em outro carro o movimento dos policiais.


Após um breve período, os policiais autorizaram nossa entrada na viatura. A sensação de entrar no carro da PM pela primeira vez não é a das mais agradáveis, já que as pessoas olham com indiferença e curiosidade para quem não usa a farda e se encontra com os outros três soldados, entre eles uma mulher. Mal deu tempo de nos acomodarmos e o carro parou bruscamente para abordar dois adolescentes que andavam de bicicleta com uma sacola na mão. A conversa durou em torno de 10 minutos. Os policiais conferiram os dados através do rádio com o a Central de Operações da Polícia Militar, COPOM, que informou: os meninos têm ficha limpa e podem ser liberados. A polícia seguiu com atenção. O Promorar, onde estávamos, é um bairro que faz parte da lista dos mais violentos da cidade, embora a impressão seja outra, pois, as ruas são iluminadas e algumas asfaltadas. No mesmo bairro, passamos pelo loteamento Invasão. Perguntamos para os policiais se a incidência de tráfico de drogas é constante. O soldado Almir Barcelos nos confirmou rapidamente, “em muitos daqueles barracos ali, se pratica o tráfico de drogas”. Durante a ronda, os policiais conversam sobre acidentes,

abordagens que resultaram em prisões, assuntos cotidianos da vida de um policial como férias, e fugas. Quando passamos em frente ao Centro de Internamento Provisório (CIP) de Itajaí, ainda no bairro Promorar, os soldados comentaram sobre a fuga de 12 menores. Por isso, naquela noite, o alvo eram adolescentes. Fomos em direção ao bairro Rio Bonito que, também é conhecido pela violência. A soldada Lauriane Tertile, única mulher que atua no PPT da cidade, conta que “existe no bairro muita boca, muita gente armada, muita criminalidade. Mas esse bairro melhorou muito nos últimos anos devido à expansão da cidade para essa região”.

Perigo real

A ronda segue dentro da normalidade. Os soldados recebem um chamado pelo rádio de que moradores viram dois homens armados próximo à balsa, no bairro Barra do Rio. A viatura que andava a 30 km por hora, agora tinha pressa em chegar ao local. A adrenalina sobe, como se fosse equiparar à velocidade do carro. A Blazer apressa-se nas curvas e quando os PMs percebem que algo pode acontecer, a soldada vira-se e fala: “se a bala pegar, vocês se abaixam atrás do ban-

co”. O susto foi grande. Olhamos em volta e os três soldados estavam equipados com pistolas e coletes à prova de balas. Nossa única proteção era o carro. Antes que pudéssemos desistir, chegou a informação de que os dois homens armados não passava de um migué, ou seja, alarme falso. Seguimos em direção ao bairro Cordeiros. Diante da chuva que não deu trégua durante todo o percurso, os PMs falaram que o clima influencia na atitude dos ladrões. “Quando faz frio ou chove, diminui o índice de criminalidade na cidade. Nos dias mais frios, é uma hora da manhã e não tem mais ninguém na rua. No inverno dá muito furto e, no verão muito assalto a mão armada e assaltos a banco. Em Balneário Camboriú, aconteceu muito seqüestro relâmpago no último verão”, ressalta um dos policiais. O rádio não para. Observamos muitas igrejas e bares na periferia. Mais à frente, entramos no Brejo, um loteamento no bairro Cordeiros. Segundo os soldados, essa região melhorou muito depois do asfalto. Eles afirmam que antes era muito complicado entrar no local. É um lugar bastante perigoso segundo a polícia. A ronda pelos bairros mais violentos de Itajaí estava chegan-

do ao fim. O ultimo bairro a ser percorrido pelo carro do PPT foi o Nossa Senhora das Graças. Conhecido como Matadouro, abriga o Presídio Municipal que possui 645 presos, mas, tem capacidade apenas para 190. A soldada explica que os detentos, uma hora ou outra estão soltos pelas ruas da cidade por falta de espaço no presídio, que atende também a cidade de Navegantes. A Blazer do PPT, além de fazer ronda na cidade de Itajaí, quando chamada cobre também as cidades de Balneário Camboriú, Navegantes, Penha, Piçarras e Barra Velha. O Pelotão de Patrulhamento Tático é composto por quatro guarnições, cada uma com quatro policiais. A guarnição que acompanhamos tinha três soldados, pois um estava em período de férias. Nesse ano de 2008, os dados da Polícia Militar apontam 58 mortes no município. Deste número, 50 foram executados pelo tráfico de drogas. As oito restantes foram mortas por PMs em serviço. Os soldados são incisivos quando falam que “o povo que está em casa, nem imagina o que acontece na cidade no início da noite e durante a madrugada. A criminalidade toma conta das periferias nesses horários”.

Palavra de Jornalista Novembro 2008

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google maps

Fernanda Favreto

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Luiza Baraúna

O monitoramento 24 horas das câmeras de segurança pública

Juliana Paiva e Luiza Baraúna


Câmeras mais do que indiscretas

S

anta Catarina possui um dos melhores índices de qualidade de vida do Brasil. Cidades bem estruturadas, limpas e seguras são os principais fatores para que o estado seja um dos mais procurados para se morar ou conhecer. Balneário Camboriú é famosa por seu clima badalado e requintado, assim como Blumenau, conhecida por seus aspectos germânicos e sede da Ocktoberfest, segunda maior festa do chope do mundo. As duas cidades oferecem uma garantia a mais para a população e turistas que a visitam.


Para proporcionar maior tranqüilidade, 23 câmeras de segurança foram instaladas nos principais pontos de Blumenau em 2003 e para tornar ainda mais eficaz o sistema de monitoramento, em 2006 outras oito câmeras foram adquiridas. Para monitorar as 32 câmeras instaladas em 13 ruas, a Polícia Militar de Blumenau conta com oito policiais militares que se revezam em turnos de 12 horas. Em Balneário Camboriú, foi necessária uma campanha de mobilização social que arrecadou mais de 12 mil assinaturas em um abaixo assinado encabeçado pelo Conselho de Segurança – Conseg, para que um ano depois, fossem instaladas 40 câmeras de segurança. Essa foi a primeira etapa, que se concretizou em 2006. Visto que a criminalidade na cidade, apesar de ter diminuído, ainda apresentava preocupações à sociedade, este ano foram instaladas mais 11 câmeras. Para o Presidente do Conselho de Segurança de Balneário Camboriú, que também é Presidente da Federação Catarinense dos Conselhos de Segurança, Valdir de Andrade, os resultados têm sido satisfatórios na medida

do possível, já que após a colocação das câmeras, os roubos e delitos diminuíram 30%. “Para a diminuição significativa de crimes em Balneário Camboriú, seriam necessárias mais 200 câmeras de segurança. Começando pelas entradas da cidade, nos bairros periféricos, na Barra Norte e na Barra Sul, nos arredores da Praia dos Amores, enfim, ainda há muito que se fazer’’, desabafa o Presidente do Conseg. Segundo Altamir Osni Teixeira, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas - CDL de Balneário Camboriú, as câmeras são uma ferramenta a mais para que os policiais possam expandir suas possibilidades em ações preventivas e investigativas. Para Teixeira, o funcionamento destes equipamentos é de fundamental importância não somente para os lojistas como também para a sociedade em geral. “Ainda reivindicamos melhorias na estrutura e na ampliação, pois a maioria das câmeras está instalada no centro e os pontos comerciais nos bairros continuam vulneráveis”, afirma o presidente. Na cidade de Balneário Camboriú, se for traçado um paralelo entre o número de pontos comerciais, que chega a

quase seis mil lojas, com o número de câmeras, que hoje é de 51 em todo o município, pode-se dizer que a demanda ainda é muito grande.

Em Blumenau, problema complexo Paulo César Lopes, proprietário do Supermercado Central, é também Vice-Presidente do CDL de Blumenau e afirma que o assunto na cidade é complexo, pois sempre haverá mais locais sendo ameaçados. Lopes diz também que a estrutura nunca será totalmente suficiente e não resolverá o problema por completo, já que como prevenção, as câmeras de segurança apenas servem para afugentar os marginais para outros locais. “Os assaltos acontecem com capacetes, toucas e fora da área de cobertura. Mas por outro lado, a instalação das câmeras oferece uma proteção a mais para os comerciantes, sem dúvida”, esclarece Lopes. Policial militar há 30 anos, Alexandre da Silva, monitora há cinco as câmeras em Blumenau. Ele atua como policial militar desde antes da instalação das câmeras e afirma que os atos de

violência diminuíram bastante, principalmente à noite. Porém, a diminuição da violência nos locais monitorados gera outro problema. “Os criminosos sentemse inibidos pelas câmeras e por conta disso, tendem a agir fora da área de monitoramento o que muitas vezes dificulta a ação da polícia”, diz o policial. São gastos aproximadamente R$ 25 mil por mês com toda estrutura blumenauense de câmeras de segurança. Apesar do custo alto, o policial militar Antônio Leal que atua há quase dois anos no monitoramento das câmeras, confessa que os equipamentos poderiam ser mais eficazes. “As câmeras filmam vários quadros por um curto tempo, não focam de forma automática e se o caso não for percebido na hora, detalhes como placas e até mesmo rostos podem não ser identificados pelo arquivo”, explica. Em Balneário Camboriú, o capitão da Polícia Militar Marcelo Egídio Costa é quem fiscaliza todo o serviço de monitoramento e conta com cinco policiais que trabalham em regime de escala. “Todas as câmeras são programadas pelos policiais militares para um monitoramento automático,

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Delitos são mais freqüentes à noite É durante a noite que as pessoas mais temem a violência. Assim como o escuro e a falta de movimento costumam facilitar atos de violência, as câmeras ficam menos visíveis e muitas vezes despercebidas. Em 19 de abril de 2005, os prédios das Lojas Sulamericanas e Papelaria Koerich, localizados na rua XV de Novembro em Blumenau, foram criminosamente incendiados. As câmeras de segurança registraram o crime e através dessas filmagens foi possível identificar o suspeito, um andarilho que alegou ter causado o incêndio por estar sendo discriminado e assim chamaria a atenção da sociedade.

ou seja, cada câmera tem uma seqüência de ângulos filmados no seu raio de 360º de visualização, independentemente da intervenção humana fazem o monitoramento”. Proprietário de três lojas na rua XV de Novembro em Blumenau e uma mais afastada do centro localizada no bairro da Velha, José Aloncio da Silva, 48, garante que realmente houve diminuição da violência nos locais

Um caso recente de vandalismo seguido de roubo em uma loja de fantasias no centro da cidade de Blumenau foi registrado pelas câmeras de segurança durante a madrugada. O crime não foi percebido na hora e após a denúncia dos proprietários, pouco pôde ser resolvido pelo arquivo de filmagens. “No primeiro quadro, a câmera filmou somente as pernas do indivíduo que estava debaixo da marquise, quando retornou ao mesmo ângulo a vitrine já estava estilhaçada e no tempo em que a câmera percorreu os 360º, ele já havia fugido com apenas uma máscara de terror”, conta o policial militar Alexandre da Silva.

monitorados. Há mais de 25 anos no comércio blumenauense, o empresário fala que a iniciativa da instalação das câmeras partiu da Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL junto à Polícia Militar de Blumenau, devido aos roubos e vandalismos cometidos. “Atos de vandalismo que eram muito comuns antigamente principalmente à noite, hoje com as câmeras não existem mais”, diz

Silva. Apesar do investimento, para ele a atual estrutura de monitoramento ainda não atende completamente as necessidades dos comerciantes, pois além de falhas técnicas, existem poucos policiais para a quantidade de câmeras. Luiza Baraúna

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Renan Accioly Wamser e Ant么nio Augusto Massoquete Fol

PERFIL

Hist贸rias de um homem s贸


Renan A. Wamser

L

uiz Carlos Miranda nasceu há 43 anos em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Simpático, joga xadrez e já ganhou vários campeonatos brasileiros. Miranda possui uma inteligência que muitos não conseguem ver. Apreciador de boa literatura e cinema, começou a ler Edgar Allan Poe aos 14 anos. Já aos nove, ensinava Matemática e Física às primas, que já estavam num colegial mais avançado. Filho de família humilde, Miranda ajudou seus pais porque tinha facilidade de aprendizado e caráter cativante. Miranda hoje mora nas ruas de Balneário Camboriú.


Com uma sacola de plástico às costas, carrega os seus poucos pertences: um conjunto de roupas usadas e a disposição para enfrentar a vida ao relento. Sua casa não é um lugar fixo, mas toda a cidade. Cada esquina, praça, rua ou avenida pode um dia vir a ser o lugar onde vai passar a noite. Parentes próximos, somente sua mulher. Quem faz as vezes de seus amigos são os comerciantes locais, principalmente os donos de bar, o pessoal do xadrez e quem mais estiver disposto a ouvir suas histórias. Foi através de um pedaço de papel que conhecemos Miranda. Era uma lista de filmes feita por ele a um amigo, anotada em um guardanapo amassado, em que descobrimos um pouco de cinema e os gostos daquele morador de rua. E seu conhecimento não se limitava somente à sétima arte, passava pela literatura e se estendia às artes plásticas. Mas foi em uma visita esporádica a um sebo, à procura de fitas cassetes, que lhe vi pela primeira vez. Miranda estava ao balcão discutindo algo com a vendedora, que já parecia conhecê-lo há algum tempo. Viu seu amigo que estava

conosco e o abordou perguntando de forma afetuosa como estava a vida do garoto e se gostaria de trocar umas idéias, nos convidando também. No cumprimento de mão estendido, percebia-se uma série de calos e feridas em sua mão, que era dura como uma rocha. Então saímos da loja e partimos em busca de um lugar melhor para conversar entre camaradas. Mesmo que a diferença de idade entre nós fosse de quase 30 anos. Caminhamos pela calçada em direção à praia, àquela hora da manhã o sol já havia se erguido e ardia em nossos rostos. Neste momento, podia-se perceber a fisionomia clara de Miranda. Atrás de uma barba falha, levemente grisalha, se escondia um rosto cansado, porém bastante conservado. O cabelo liso, também grisalho, combinava com sua fisionomia. Parecia bastante apresentável. Já no primeiro contato, escancarou a boca cheia de dentes amarelados, já manchados pela falta de higiene e disse. “Hoje ninguém pode falar que estou fedendo, tomei um belo de um banho na casa da minha mulher”, soltando uma gargalhada em seguida.

A simplicidade, notada também nas roupas – uma camiseta de botão em xadrez azul e uma calça jeans que aparentava pequena para seu tamanho –, se estendia a sua personalidade. Levantava os braços e procurava em pequenas demonstrações irônicas, esbanjar uma cativante primeira impressão. Longe do que imaginava, usava uma linguagem complexa, carregada de simbolismos e expressões de pouco uso nos tempos atuais. Desta maneira, se sentou em um banco de madeira na beira do mar e com um furioso vento batendo às costas, começou a nos contar parte da sua história. Dias atrás, Miranda havia passado por sérios apuros. Como não possui lugar fixo para dormir, geralmente cai em qualquer lugar que lhe ofereça o mínimo de segurança e fica por lá até o clarear do dia. Em uma dessas freqüentes vezes, bebeu demais da cachaça que costuma levar em uma embalagem de água mineral e acabou por ficar em um lugar pouco habitual. Deitado em frente a um hotel, encostou sua sacola de objetos e puxou dela uma coberta para que pudesse se cobrir do frio de inverno que

teimava em penetrar por entre os buracos de sua manta. A cachaça ainda diluída em seu organismo, parecia ser o único método eficiente de espantar o frio. Acordou assustado com um empurrão. Era o mensageiro do hotel que de forma severa, pediu que o morador de rua se retirasse da frente do hotel, pois estava atrapalhando o trânsito dos hóspedes que já nem circulavam em tal hora da noite. Sem pestanejar, pegou suas coisas e se moveu para outro canto da cidade, onde pudesse passar o resto da noite. Um segundo empurrão, agora mais parecido com um ponta-pé, o fez acordar. Pensou por um instante que a história estava se repetindo e seria apenas mais uma das centenas de vezes em que teria que se mover para um lugar onde sua presença fosse desconsiderada. Ao apoiar os braços no frio concreto para se levantar, sentiu uma pontada em seu peito. Era uma lâmina pontiaguda bicando o seu tórax por entre seu casaco. O homem que a segurava ordenou com um tom de voz ameaçador que Miranda ficasse quieto enquanto ele e seu comparsa leva-

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vam o pouco que possuía. Viraram a sacola de cabeça para baixo e foram derrubando todas as coisas ao chão. Levaram a jaqueta, sua manta e alguns dos pertences da sacola para então sumirem na escuridão, deixando-o atordoado e totalmente indefeso perante a situação. Ao contar essa história, não demonstrou raiva ou indignação, apenas continuou a observar a paisagem e pediu um pedaço de papel. Rabiscou um poema pouco coeso e continuou falando de alguns trechos que marcaram sua vida. Disse não ter feito nada quanto às ações dos criminosos, pois estava muito bêbado e pelo que havia aprendido no exército, poderia derrubá-los. Segundo ele, serviu o PELOPES, Pelotão Especial do Exército há cerca de 20 anos, e apesar de não ter se adaptado à disciplina da corporação, conquistou grandes amigos naqueles anos. Pouco se sabe da vida de Luiz Carlos Miranda, suas histórias geralmente remetem ao passado de um cidadão comum que por motivos desconhecidos, abdicou de um estilo de vida normal. Não gosta que perguntem muito sobre

Poema o seu passado e quase sempre desconversa quando o interrogam sobre tais assuntos, prefere a naturalidade de uma conversa entre amigos. Sabe-se que se mudou para Balneário Camboriú há alguns com sua ex-mulher e que não se sabe bem porque, se separou e começou a viver nas ruas. Por não conhecê-lo, muitos tratam Miranda com inferioridade, como um ser miserável, mas bastam alguns minutos de sua atenção para descobrir o quão incrível uma pessoa pode se tornar quando tratada com respeito. Poderiam nomeá-lo como louco, vagabundo ou desesperançado. Melhor chamá-lo de amigo.

Ouçam os soluços de um nascer, Vida que rompeu o clitóris, Amanhecer existo, Sopra o vento, e me abençoe E no meu entardecer serei sol cansado Adormecerei quieto ao lado de um riacho

Renan A. Wamser

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“Me dá um d

Pedintes e mendigos têm histórias parecidas que os levaram às ruas do Vale do Itajaí

Luana Fachini Lemke e Carina Carboni


dinheiro, aí?” “

Fui assaltado e preciso de um real pra ajudar na passagem de volta para casa.” A cena se repete. “Só algumas moedinhas pra completar o remédio da netinha, que está doente.” Eles mal esperam o sinal fechar para bater no vidro do carro. São muitas as histórias contadas pelos pedintes que vagam pela noite de Itajaí. E a ousadia vai bem além dos faróis. Bilhetes manuscritos e gastos pelo uso passam de mão em mão. A presença de erros ortográficos é gritante. “Não sou ‘vagabumdo’, preciso comer”, diz o papel amarelado e imundo. Os rostos, as esquinas e abordagens são as mais variadas. Mas a súplica é a mesma: dinheiro.

sxc.hu


A.R.T, 35 anos, não quer ter o nome divulgado, pois teme que a família o encontre aqui. Mas quem anda pela cidade já o conhece bem. Usa roupas bem cuidadas e seus cabelos compridos sempre estão amarrados. Costumeiramente permanece nas sinaleiras do Liberty e do supermercado Xande. Há oito anos, por causa de uma briga com os irmãos, deixou Curitiba e seus pais para trás. Durante esse tempo, não procurou saber mais nada de sua família. Queixa-se muito do desprezo da família. “Eles preferiram as mentiras dos meus irmãos. Tenho saudade mesmo é da minha mãe. Ela não queria que eu fosse embora”. O homem conta que perambulou por várias cidades, até chegar aqui. Ganhou carona de caminhoneiros, mas a maioria do tempo andou a pé. Enfrentou chuva, sol, até chegar a Itajaí. Na verdade, queria mesmo chegar a Porto Alegre. Queixa-se ainda da falta de oportunidades. Disse que tentou arranjar emprego, mas o dinheiro acabou antes que isso acontecesse. E depois disso, ficou muito difícil. “As pessoas vêem o cara

sujo e ficam com medo. Acham que a gente é bandido e que queremos fazer o mal”. Sob a noite estrelada ou debaixo de chuva forte, C.S., 26 anos, também mantém o posto. “Não precisa ter medo não, moça”. C.S. não quer revelar o nome. Depois de muitas explicações, aceita informar as iniciais. Ela atravessa a rua depressa. Nesse dia, está montada em uma bicicleta e mantêm os cabelos presos como de costume. As roupas sujas não escondem mais a barriga que cresce a cada dia. – Você tem filhos? – perguntamos. “Só este aqui”, e aponta a barriga. Grávida de seis meses, ela é uma velha conhecida de quem circula de carro, ou mesmo a pé, pelas proximidades das avenidas Contorno Sul e Marcos Konder. “Por acaso você não tem dois e vinte cinco, aí?” – já chega perguntando. A jovem, que se diz sergipana de Aracaju, revela ser moradora das ruas de Itajaí há mais de dois anos. Ela afirma ter um companheiro e hesita antes de responder sobre a possibilidade de um emprego. Disse que não teve uma oportunidade e que é vítima do

preconceito. O coordenador do Programa de Orientação ao Migrante do município (POM), Célio Eugênio Benthien, nem precisou de muitos detalhes. A descrição o fez reconhecer a pedinte e relembrar suas passagens pela Casa de Apoio mantida pela Secretaria de Bem-Estar Social de Itajaí. A história é bem diferente. Durante os quatro anos em que está à frente do POM, esta é a terceira gestação de C.S. Segundo o coordenador, ela foi devolvida diversas vezes à casa de familiares na praia do Gravatá, em Navegantes, aqui bem perto e muito longe de Aracaju. Mas, a mulher insiste em voltar às esquinas da cidade em busca de dinheiro. De acordo com Benthien, os indivíduos recolhidos nas ruas são levados à Casa de Apoio, localizada no bairro Rio do Meio. Após receberem comida, vestimenta, corte de barba e cabelo, assistência médica e psicológica, são submetidos à avaliação de um assistente social. Este profissional avalia caso a caso, sendo que a maioria permanece no local até uma semana. A casa também

oferece cursos e momentos de recreação a fim de reabilitá-los à vida social. “Alguns destes mendicantes tornaram-se colaboradores da própria casa. Mas, a maioria é devolvida ao lar, na cidade de origem. Mesmo assim, em pouco tempo estão de volta”. Fatores como a localização geográfica do município e a presença do porto são apontados como atrativos para mendigos e moradores de rua. Além disso, Itajaí sofre com a falta de atuação dos municípios vizinhos, que sem estrutura para atendimento aos migrantes, “despejam” estes indivíduos nos limites da cidade. A Kombi do POM percorre cerca de trezentos quilômetros diários. A maioria em atendimento às denúncias da população que fica incomodada com a presença dos moradores de rua instalados à frente da porta. A temporada de verão é reconhecida por Benthien como a mais atrativa, pois costuma reunir grande contingente de flanelinhas, catadores de latinha e mendigos. A viatura da instituição, que normalmente percorre Itajaí durante 24 horas, tem seu efetivo redobrado durante este período.

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Um processo histórico

Luana Lemke

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O professor de Políticas Públicas da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Eduardo Guerini, explica que a situação dos pedintes, em cidades de médio e grande porte é resultante da aceleração desordenada da industrialização e do êxodo rural iniciados no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. Na luta desesperada pela sobrevivência, essa parcela da população entra para a chamada “cripto economia” que inclui o tráfico, roubo, prostituição, ambulantes e mendicância. Guerini afirma que essa população enxerga as cidades maiores como sinônimo de oportunidade. Mas sem a qualificação profissional necessária, passa então a sobreviver de pequenos biscates, esmolas e serviços sazonais. “Atualmente, a sociedade cria políticas de repressão e não de solução para a pobreza. Estigmatizamos a pobreza como se fosse problema do próprio indivíduo e não da sociedade”. O professor sugere uma Lei de Responsabilidade Social (LRS)

como solução efetiva para o problema. Para ele, essa classe de indivíduos poderia obter maiores conquistas sociais se estivesse reunida em grupos organizados. Porém, admite que essa organização só poderia ser viabilizada através de uma política social mais eficaz. Essa consolidação se daria através da ampliação de recursos que, por sua vez, seriam baseados nos dados apresentados pelos conselhos setoriais de políticas públicas (Conselho de Direito da Criança e do Adolescente, conselhos de Saúde, da Educação, da Mulher ...). Somente através do diagnóstico destes conselhos seria possível planejar e executar projetos de programas sociais, visando principalmente a empregabilidade formal. Enquanto isso, C.S. volta para a esquina da avenida Contorno Sul, em Itajaí. Hoje não é dia da Kombi passar. Ela acende mais um cigarro e espera o sinal vermelho abrir novamente. – Você pode me ajudar com algumas moedinhas?


Os MistĂŠrios na noite do Porto de ItajaĂ­ Elton Amorim e Jamile Caroline Tonini


Fotos: Laura Seligman

C

ontainers, caminhões, estiva, prostituição, dinheiro e perigo. Esses são aspectos que geralmente estão ligados à noite dos trabalhadores do porto de Itajaí. Aqueles que não conhecem a rotina no porto e entram no cais pela primeira vez, se deparam com grandes máquinas que giram entre o sobe e desce de containers, uma fumaça escura e sufocante gerada pelos caminhões. Uma confusão de sons que reforça a necessidade de cuidados para se estar ali. É um mundo à parte que salta aos olhos pelo perigo e grandiosidade de cada atividade. Contudo, para os trabalhadores que convivem com a rotina portuária, o cais representa muito mais do que um amontoado de containers e guindastes, é a sua segunda casa; o sindicato representa seu pai, seus colegas de mesma categoria seus irmãos e os demais operários de outros sindicatos, seus parentes.


Para a maioria desses operários, o dia se confunde com a noite, em vista da movimentação constante no cais durante as 24 horas do dia e que não obedece a calendários festivos. Dessa forma, todos seguem o mesmo ritmo acelerado. Apesar da carga horária para a grande maioria dos sindicatos que atuam no porto ser de 6 horas, os trabalhadores geralmente dobram seu horário. Como não podem seguir direto 18 horas, descansam seis e de novo inscrevem seu nome na esperança de que a lista toda “rode” e sobre uma vaga para trabalhar a terceira carga horária do dia, na madrugada. Geralmente, esses são os mais antigos de casa e os mais experientes. Contudo, apesar da exigência constante de esforço físico e da carga horária prolongada, para quase todos os que entram nesse ritmo, é difícil imaginar a vida em

outro trabalho. É caso de Lourival de Oliveira, 76 anos, há 54 no cais do porto de Itajaí. Ele faz parte do sindicato dos consertadores. Com tantos anos de casa, é o trabalhador mais antigo em atividade no porto. Trabalha à noite, o horário em que mais gosta de atuar. Kleber Luiz dos Santos, há onze anos no Sindicato dos Consertadores, diz que os ganhos diminuíram pela metade desde que ele começou a trabalhar no cais. Contudo, garante que não largaria o porto por nenhum outro trabalho do mundo. “O cais é minha vida”. O susto come acidentes não é constante, mas sempre gera uma desordem na rotina. Ele diz que acidentes com navios são raros, os mais comuns são com containers ou caminhões. Os acidentes são raros, mas o risco é permanente. Um caminhoneiro que há minutos havia posado para uma foto, estava na fila à

espera de sua vez para receber o container. Neste momento, outro veículo estava fazendo a manobra para sair, quando o motorista do primeiro caminhão não esperou sua vez e acelerou. Não se chocaram por muito pouco. Outro operário do Sindicato dos Consertadores, Alexandre Heideracheidt, 33 anos, também há 11 no porto, diz que os acidentes sempre ocorrem pela imprudência de alguém, como no caso citado. É difícil acontecer por problemas técnicos. “No cais, temos lugares certos para transitar com segurança, e devemos ter sempre atenção no que estamos fazendo. Em nosso trabalho estamos sempre correndo riscos por lidar com maquinários de grande porte, vai de cada um cuidar de sua vida”. O motorista Sérgio Vitor, 39 anos, trabalha há dois no porto apenas para tirar um extra em algumas ocasiões. Ele diz que o trabalho

é complicado pela falta de infraestrutura, caminhões velhos, esquema de segurança defasado. O problema triplica à noite, quando o cansaço do motorista bate e a atenção, que é necessária para evitar acidentes, fica comprometida. “Navegantes, dá de mil a zero em Itajaí!”. O intervalo para descanso dos trabalhadores é de apenas 30 minutos. Alguns, como os caminhoneiros que ganham lanche da empresa, ficam ali mesmo dentro do porto. Outros aproveitam seu tempo de descanso para desfrutar de um cachorro quente na carrocinha, que fica parada em frente à saída do cais, ou quando decidem saborear outro cardápio se dirigem à lanchonete mais próxima. O garçom conta que o fluxo de trabalhadores do porto ali diminuiu muito, a permanência deles é rápida, justamente porque não podem mais ingerir bebida

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alcoólica durante o intervalo. Na entrada do cais, são submetidos ao teste do bafômetro. Este instrumento foi adotado para reduzir a incidência de trabalhadores alcoolizados. Muitos geralmente ligam as casas de prostituição ao trabalho noturno no porto. Kleber, afirma que essa ligação é equivocada. “Os operários do cais não freqüentam essas casas por vários motivos. O primeiro é fato de serem lugares caríssimos, onde uma long neck custa em média R$ 5,00 e um programa de R$ 100,00 a R$ 200,00 reais. A maioria dos trabalhadores não tem como custear esses valores já que os ganhos diminuíram muito. O segundo é para proteger sua reputação, já que muitos têm parentes que também atuam no cais”. Em frente ao porto, Roberto, 48 anos, não quis revelar o sobrenome. Ele é gerente e proprietário da Master Show, a mais antiga em funcionamento da região do porto. Ele nos recebeu e

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contou a rotina da casa. Roberto diz que realmente os trabalhadores do porto não freqüentam a boate pelos mesmos motivos que Kleber havia contado. “O fluxo da casa depende 98% dos embarcados, geralmente gringos. As garotas quando percebem que é brasileiro, nem dão muita bola, porque os gringos pagam mais”. Roberto afirma ainda que hoje as moças não são exclusivas de uma casa. Quando chega cliente, os proprietários chamam as moças, que em troca, ao término do programa, retornam com os mesmo para que consumam na casa. Muitos aspectos ligados à rotina portuária noturna são mitos, como o envolvimento de trabalhadores com prostituição e salários altíssimos. Por outro lado, é verdade que o trabalho exercido é perigoso e cansativo, mas como diz a assessora de impressa do porto, Patrícia de Barcelos: “O trabalho no porto é igual cachaça, vicia e hipnotiza todos os que o experimentam”.

Para conhecer melhor o Porto O cais do porto de Itajaí possui mais de 700 metros de extensão. Nele, estão situados quatro berços de atracação que, por conta do aumento no tamanho dos navios, hoje chegam apenas três por vez. Estima-se que as atividades portuárias movimentem 95% do comércio brasileiro e o porto de Itajaí seja um dos mais importantes, não só pelo tamanho, mas também por estar num ponto estratégico, facilitando o comércio entre os países do Mercosul.


Fotos: Renara Almeida

Segurança, zelador, psicólogo – quem fica na portaria de um prédio deve estar preparado para o que a noite traz

Renara Almeida e Vivian Santana


Vida de porteiro S

ão quase três horas da tarde e o porteiro do edifício Denise já está a postos. Com um sorriso, o mineiro Alexandro lembra do dia em que fez um passeio à Capital Belo Horizonte, sua vida mudou. Lá, na casa de uma tia, conversou com parentes e recebeu uma proposta de trabalho. Teve três meses para refletir e decidiu aceitá-la. Pediu, então, demissão da empresa de ônibus em que trabalhava. Veio para Santa Catarina e tornou-se porteiro de um edifício. Os três primeiros meses, até se adaptar, foram difíceis. Mas hoje, depois de 13 anos, mantém o cargo de porteiro do Edifício Denise, em Balneário Camboriú. Com direito a uma folga semanal, trabalha das 15 horas às 23 horas, mas às vezes faz o plantão da madrugada. O período da noite é o que menos gosta. Ao dormir de dia, não consegue recuperar totalmente suas forças. Além de ser muito cansativo, há momentos em que o sono vence.


A escuridão é conhecida por seu perigo e agitação, mas a noite no edifício é quase sempre tranqüila. Com algumas exceções. Houve uma vez em que um senhor, incomodado com o barulho de uma festa, jogou uma jarra de água no salão de festas do prédio vizinho. Quem se molhou, resolveu se vingar e bater no síndico. Alexandro não deixou ninguém entrar. Revoltados, pegaram uma pedra e jogaram na porta de vidro quebrando-a. Depois, correram e entraram num Bondindinho. “Chamamos a polícia, ela veio e averiguou. Mas, não conseguiu achar quem eram as pessoas que tinham jogado a pedra na portaria.” Há também movimentação com jovens que saem na noite e passam mal quando voltam para casa. “Sempre tem adolescentes que bebem bastante”, confirma o porteiro. Triste mesmo foi o caso de um senhor que passou mal, teve de ser levado ao hospital e dias depois, morreu de derrame cerebral. Assalto nunca acon-

teceu no prédio. A vigilância é constante, a portaria funciona 24 horas. Aos 36 anos, Alexandro Alves Cultinho, se pudesse escolher, optaria pelo turno da tarde. Ao trabalhar de dia, pode aproveitar a noite como todos os outros: ir a festas e dormir mais tempo. Alexandro faz um trabalho que gosta e mesmo com imprevistos, procura soluções para os resolver da melhor forma, sem ter problemas com ninguém. “Eu gosto do serviço que eu faço... das pessoas com quem convivo, do ambiente; nunca tive problemas ou conflitos com ninguém. Graças a Deus”, conclui o porteiro. Já são quase onze da noite. É hora do companheiro da madrugada assumir o posto.

“Meus pais não tiveram condições de me pagar uma faculdade” Mesmo com mágoa pelos anos de estudo que não vieram,

Galdino Duque, zelador há 13 anos do mesmo edifício, releva. “Não fico de mal com eles por isso. Mas espero que meu filho possa estudar”. Esse é seu grande desejo. Edinaldo reveza o plantão noturno com seu colega e acha difícil ficar acordado nesse horário. A partir das 3 horas, o sono chega. Brinca que encontrou no cafezinho um estimulante para se manter alerta, já que nesse período, o organismo costuma descansar. Medo de trabalhar à noite não tem, pois o prédio é no centro, tem vigilância eletrônica, assim como a câmera da Polícia Militar na rua. Apesar da tranqüilidade aparente, há bastante movimentação. “Sempre tem o pessoal corujão”. Confusão, mesmo, acontece sempre no prédio da frente por ter vários estudantes. Geralmente, os universitários saem para beber e perdem o controle. Ocorrem brigas e às vezes, a polícia aparece. Como no Edifício Denise há poucos

estudantes, não há esse problema. É na temporada que o serviço duplica, porém o verão passa depressa. Durante o ano o lugar é calmo, mas alguns episódios, às vezes, acontecem. Como o de um inquilino bêbado que invadiu o apartamento de outro, ocasionou um bate-boca e terminou a discussão sem maiores conseqüências. Depois de tantos anos na portaria do mesmo prédio, os moradores já vêem nos porteiros seus maiores confidentes. “Elas se abrem....e tem que ser que nem um padre: ouvir e guardar o segredo...isso o dinheiro não compra e não consegue de outra maneira a não ser com trabalho”. Dos 38 apartamentos do edifício, Edinaldo conhece todos os donos. “As famílias dos proprietários. Todos os vizinhos e agregados...”, acrescenta. E assusta quando revela conhecer, por esse motivo, cerca de mil pessoas. “É muita gente...Daria para escrever um livro.”

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Outras histórias da portaria A história de Adão Kowalsky, porteiro do edifício Dante Tomio, começa mais perto. Adão nasceu em Lages, morou lá até 2001, quando se mudou para Balneário Camboriú na tentativa de garantir um futuro melhor para sua família. Foi contratado porque já conhecia o zelador do edifício, que é genro de sua esposa. Kowalsky trabalha há sete anos como porteiro e ao contrário dos colegas do outro prédio, gosta de trabalhar à noite. “Pra mim, trabalhar à noite é bem tranqüilo, até porque já estou bem acostumado. Só tenho

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medo é de deixar a família sozinha em casa”. O porteiro já testemunhou vários assaltos nas lojas da redondeza observando as câmeras do prédio. “Já vi os caras quebrando os vidros de uma loja aqui perto. Aí chamei a polícia, que pegou os caras em flagrante, mas aqui no prédio, graças a Deus nunca aconteceu. Kowalsky reveza os plantões da madrugada com outro colega. Não é fácil agüentar o sono e manter a vigilância. Quando ele folga, entra em cena Volmir Pedigoto, que nasceu no Oeste do

Estado, mas há sete anos mora em Balneário Camboriú. Volmir foi contratado através de uma agência de empregos e, logo que fez a entrevista, garantiu o emprego. O porteiro trabalha das 23 às 6 horas. Nunca passou apuro durante o período da madrugada, mas tem muito receio, acha perigoso. Além de porteiro, Volmir também faz consertos em geral para dar conta de todas as despesas. Algumas vezes, a vida de porteiro reserva surpresas. Um dos casos mais marcantes envolveu um grupo de turistas do

Paraguai, que alugou um apartamento no prédio. “Eles vieram ao meio dia, depois jantaram fora e às sete da noite, uma pessoa morreu no restaurante, deu taquicardia nele e tiveram que levar o corpo pro Paraguai. Foi uma coisa que me marcou muito, porque eles vinham todos os anos aqui”. Paredes brancas, uma mesinha de metal e tampa de vidro com uma cadeira grande, estofada e com encosto. A única distração no saguão do edifício é uma TV de 14 polegadas, mas nem sempre dá para assistir. Apesar do ambiente frio e monótono, Volmir afirma que dormiu algumas vezes durante trabalho, mas garante que não é sono pesado. “É mais aquela coisa de apagar por alguns minutos só, mas logo estou de olhos abertos outra vez”, comenta o porteiro. Para Volmir, o que compensa trabalhar à noite é o salário, que neste turno é mais alto.


Se a fila n達o andar...

Luana Martins e Roberson Pinheiro


Laura Seligman

F

ure a primeira fila, quem nunca recebeu um convite inesperado ou já repetiu a frase: e essa fila que não anda! Se divertir é bom, mas quando nos deparamos com filas quilométricas, logo desanimamos. Sair com amigos na balada, para ir a bares e restaurantes tem se tornado um teste de paciência para muitas pessoas. Vira e mexe, encontramos alguma fila. Ou para entrar na festa, ou no banheiro, até mesmo para pagar a conta no caixa. Aliás, você já percebeu que passamos boa parte da nossa vida em filas?


Você vai ao supermercado, passa horas escolhendo os produtos que precisa, vai ao caixa e lá está aquela fila enorme te esperando. Padaria, farmácia, banco, cinema, comprar o ingresso para partida de futebol, pra entrar no ônibus, estamos cercados por elas onde quer que estejamos. Até que ponto as pessoas agüentam esperar em uma fila? Ainda mais quando se trata de entretenimento. A irritação é clara, afinal, estamos pagando e a idéia é não se estressar. Mas na verdade, todos têm alguma história sobre filas para contar. Quinta feira à noite, outubro, mês de festas em Santa Catarina. Meia noite e um minuto. Na fila de uma casa noturna em Balneário Camboriú encontramos Francine Heloíse Josiane, 24 anos e uma amiga. As maiores filas que já enfrentou foram em shows, mas, antes de chegar ao destino, se prepara psicologicamente. Leva diversos CDs no carro, compra algumas bebidas, e se demorar muito, não tem problema, tudo é festa. “Somos de Florianópolis e sempre viemos para Balneário Camboriú curtir a noite”.

O som é house, pessoas bonitas, casa lotada. Idade média de 25 anos, todos embalados pelo DJ da casa. O ambiente é rústico e o espaço pequeno, porém ideais para a ocasião. Frio lá fora, calor aqui dentro. É tarefa difícil se movimentar e dançar livremente. Muitos dizem ser esta a característica que atrai o público à casa noturna. Luzes, barman, pessoas conversam alto, sorrisos para todos os lados. Tudo é propício para conhecer gente nova e interessante. Nesse clima estavam Fabiana Moraes, 21 anos e sua amiga Letícia Lemos. “Já chegamos a ficar quarenta minutos numa fila, na entrada do Porto Santo em janeiro desse ano. Era uma quinta feira também, e tinha ensaio do grupo Sem abuso. Não nos importamos em passar muito tempo na fila, se a festa está boa, vale a pena”. A amiga confirma: “na saída, para pagar a conta, sempre enfrentamos fila também. O Bali-hai sempre é assim também, a fila é enorme, mais vale a pena”.

Demorou, fez cocô No canto da festa, uma mesa reservada, muita bebida e uma roda de amigos. Alberto Hoope Luz, 42 anos, diz que é empresário e muito precavido nesses assuntos. Fiel às quintas, já possui carteirinha e não se preocupa para entrar. “Até já conheço os garçons pelo nome e acho que as filas só acabariam se ninguém deixasse para a última hora. Eu sou uma pessoa que detesta enfrentar filas, não tenho paciência, nem na padaria”. Viviane Matos, 29 anos, também é cautelosa nunca sai de casa sem programação. Compra os convites antes, geralmente no camarote.

Já são duas da madrugada e uma outra fila não diminui. Na porta do banheiro, Dona Marília Ribeiro, 58 anos, assistente de serviços gerais, afirma já ter visto coisa que até Deus duvida. “Aqui no banheiro, as filas de homens e mulheres se encontram, já vi muitas paqueras começarem aqui. Muita gente reclama que tem que trabalhar cedo no outro dia. Mas tá toda semana aqui”. Agora, quando alguém demora lá dentro, a turma reclama. Já é comum o coro para intimidar o sujeito dentro da casinha: “Demorou, fez cocô”.

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O outro lado da fila Embora o incômodo das filas, não há muito o que fazer juridicamente para inibi-las no caso noturno. Os estabelecimentos comerciais justificam-se, atribuindo a culpa da demora ao próprio consumidor que não reservou com antecedência o seu lugar. Ainda há outro porém, em caso de restaurantes ou bares, a vigilância sanitária e outros órgãos públicos limitam o número máximo de pessoas que podem entrar no es-

tabelecimento. Deste modo, e até mesmo para garantir a segurança, esses lugares controlam o fluxo de entrada e saída de pessoas. As restrições quanto a filas existem de modo rígido para instituições bancárias de alguns estados, onde é estipulado um tempo máximo de espera – geralmente algo em torno de 30 minutos. Porém, cabe a cada município definir regras mais claras sobre o assunto.

Aventuras para não perder o lugar “Nossa. Quase perdi o lugar na fila e fiquei muito irritada. Era verão, ia para o Kiwi, em Itajaí, com minhas amigas, elas já tinham entrado. A entrada era free até a meia noite, a fila estava enorme, cheguei às 11h e 40 minutos. Faltando cinco para a meia noite, lembrei que estava sem a carteira de identidade. Só um milagre poderia me salvar aquele instante, ia perder o lugar e quando voltasse, não poderia mais entrar de graça. Liguei para minha amiga, ela saiu da festa, jogou a identidade dela por cima do portão. Incrível foi o segurança não ter visto. Entrei com o RG de outra pessoa e antes da meia noite, foi sim, um milagre, e não perdi meu lugar na fila.”

Flávia de Souza, 19 anos, estudante Fila errada “Isso é o que mais acontece, principalmente na noite. Era um show do Victor e Léo, homens para um lado, mulheres para o outro e área VIP entre as duas filas. Eu, distraído, entrei na VIP, fiquei mais de quinze minutos sozinho e quando me dei conta, não tinha o mesmo convite que todos tinham. Olhei para o lado e lá estavam meus amigos rindo de mim, já dentro do show. Entrei na fila dos homens, que estava enorme por sinal. Mais 30 minutos de paciência e consegui pegar o show pelo começo.”

Leonardo Rangel, 23 anos, vendedor

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Profissรฃo garรง Rotina apaixonante e exaustiva

Marina Kuwahara e Rosana Radke


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hefia, capitão, amizade, camarada. O nome deles ninguém sabe, mas o garçom é amigo de todos, mesmo antes das doses extras. Com uma gíria diferente, um visual distinto, ou uma abordagem peculiar, eles se tornam figuras características dos bares e restaurantes. Atraído pela rotina animada – em que sempre há pessoas novas para conhecer –, o carioca Edinho se rendeu à profissão de garçom. “Em 1997, quando eu trabalhava em uma loja de calçados num shopping de Niterói, fiquei maravilhado com a animação do restaurante ao lado. Sempre havia música e pessoas alegres, eu senti que os garçons trabalhavam com prazer, então pensei: é essa a profissão que quero para minha vida”. Em menos de um ano, Edinho já estava empregado no restaurante.


Aos 28 anos, a vida de garçom parece ter exigido demais do carioca. O rosto desgastado aparenta mais idade. O corpo franzino confirma. Foram quatro anos entre pedidos e gorjetas, até receber o convite de morar no litoral catarinense e descobrir uma nova paixão: a culinária japonesa. Ele conta que foi a um restaurante oriental e se encantou com a beleza dos pratos e a agilidade de quem a preparava. “Eu já tinha comido sushi algumas vezes, mas nunca havia acompanhado o preparo. Quando tive a oportunidade de aprender, não pensei duas vezes, aceitei de primeira”. O sushiman Edinho diz que encontrou a profissão que sonhava. Há dez anos fazendo o mesmo tipo de trabalho, não pensa em mudar de profissão. Para ele, a

única coisa que poderia acabar no dia-a-dia é a falta do respeito de alguns clientes. “Às vezes, atendo pessoas que me faltam com o respeito, pensam que sou trapaceiro por ficar com 10% do valor da conta. Alguns se recusam a pagar gorjeta e uma vez, até me chamaram de oportunista”, lamenta. “Mas as amizades que faço compensam as intrigas. Conheci minha esposa e vários amigos nessas noites de trabalho”. Marcus Vinicius de Souza também tem 28 anos de idade e mesmo que só trabalhe há dois anos como garçom, já demonstra sinais de cansaço e o desejo de atuar em uma profissão menos agitada e estressante. Apesar de não trabalhar na madrugada, Marcus acredita que o emprego

é desgastante pelo ambiente tumultuado, a variação de humor das pessoas que atende e a disputa pela comissão entre os próprios colegas. “Eu considero o trabalho difícil porque nunca sabemos que tipo de cliente nos espera e muitas vezes, a jornada ultrapassa dez horas. Quero encontrar uma profissão em que os horários sejam mais flexíveis”. As situações engraçadas ou embaraçosas são comuns nesta profissão, que também é alvo de assédios, o que exige bom humor, paciência e muito jogo de cintura por parte dos garçons. “Eu já fui assediado algumas vezes, mas tentei me concentrar e levar na brincadeira. Há casos em que as pessoas esquecem que estamos trabalhando e acabam dizendo o que pensam como se fossemos íntimos”.

Para Marcus, a vantagem é a possibilidade de conhecer várias pessoas ao mesmo tempo e fazer com que o público retorne pelo bom atendimento. Mesmo com um bom salário, ele não desiste da idéia de mudar de profissão, pois para ele, o trabalho de segunda a segunda limita o convívio com a família. Em 1987, o cantor Reginaldo Rossi criou a música ‘Garçom’, que expõe a rotina desses profissionais acostumados a ouvirem desabafos, intrigas e casos de amor. A canção remete a uma circunstância familiar, já que é comum as pessoas contarem aos garçons suas histórias. Como diz a música: “garçom, no bar, todo mundo é igual, você já cansou de escutar centenas de casos de amor...’. Marina Kuwahara

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Entre bandejas e fraldas Para as mulheres, ser garçonete é ainda mais complicado. Nem sempre é possível conciliar este tipo de trabalho com a criação dos filhos. Este motivo levou Luiza Sivert, 48 anos, a largar a profissão de garçonete para se tornar dona-de-casa, quando tinha 20 anos e esperava seu primeiro filho. Desde os cinco anos de idade, quando saía acompanhada da mãe para visitar as tias, numa cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, Luiza já gostava de estar rodeada por pessoas. Enquanto ouvia a avó dizer que criança tinha que ser quieta e brincar longe dos adultos, sonhava que quando adulta iria trabalhar com o público. E naquela época, já falava: “eu gosto de bagunça; nada de silêncio!” Conquistou este sonho

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14 anos mais tarde, quando um amigo da família a empregou no único restaurante da cidade. O sonho não durou muito tempo, sete meses depois de iniciar a vida como garçonete, Luiza ficou grávida. O trabalho, na maior parte do tempo realizado à noite, foi trocado por fraldas, mamadeiras e noites em claro, e desta vez, não por causa dos clientes bêbados que insistiam em pedir ‘mais uma’, mas por conta de seu primeiro filho. Com brilho nos olhos, Luiza não esconde a saudade que sente dos tempos em que o restaurante apertado, em frente à praça central, se enchia de clientes. “Era a única oportunidade de encontrar os moradores da cidade. Como eu morava no interior e ficava afastada de todos, meu contato com as

pessoas era somente nas horas de expediente”. Hoje, mesmo com tanta saudade e paixão pela profissão que exercia, ela não pensa voltar à rotina. “Nem que me pagassem muito bem, eu não voltaria a trabalhar lá. Adoro o tempo que passei como garçonete, mas meu marido é ciumento e não me deixaria voltar a essa vida”. Também atraída pela profissão, Angelita de Matos Freittas, 30 anos, não pensa em trocar o ambiente agitado na lanchonete de uma Universidade, que é seu local de trabalho há quatro anos. Com paciência e um sorriso tímido no rosto, ela define a profissão como divertida e proveitosa. E conta que já presenciou várias situações inusitadas durante seu expediente. Entre os clientes que atendeu,

Angelita recorda de uma moça que insistia em preparar o próprio achocolatado para colocar a quantidade certa na bebida. Mesmo insistindo, a jovem não teve seu pedido aceito. Segundo Angelita, situações como essa são comuns na sua rotina de trabalho. O horário do intervalo é o mais agitado, pois além de o tempo ser curto, a fome dos estudantes está maior do que no início da aula e as filas acabam deixando o público nervoso. Angelita confessou que o humor varia. “Tem os educados e os impacientes, que esfregam na cara os pedidos e furam a fila para serem atendidos mais depressa. Estou realizada com a profissão, apesar de ser exaustiva. Cansaço vou encontrar em qualquer área, então, prefiro continuar na minha”.


Caรงadores de estrelas

Camila Guerra e Taiana Eberle


Arte sobre fotos de sxc.hu

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto ...

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A noite foi feita para dormir, para festas badaladas, para trabalhar ou mesmo descansar. Assim é para maioria, menos para os amantes da astronomia, que preferem passar as horas a observar os astros. Este é o caso de Silvino de Souza, 40 anos, que descobriu aos 12 a sua grande paixão: observar o céu. Ele conta que o interesse pela astronomia surgiu após ler o livro Os Planetas, de Patrícia Lauber. “O primeiro contato me cativou. Foi amor à primeira vista”. Na mesma época, por coincidência, uma marca famosa de refrigerantes lançou uma promoção em que vinham nas tampinhas, informações e curiosidades sobre os planetas. Silvino as colecionou e mais tarde, quando enferrujaram, transcreveu as informações para o papel, tamanho o seu interesse. Desde então, costumava sair da aula e ir direto para o Observatório Astronômico de Brusque – sua cidade natal – onde por vezes, ficava até tarde da noite. “Meu pai não gostava, achava que era coisa de doido”.


Sua paixão virou profissão, quando mais tarde foi para o Rio de Janeiro cursar astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já formado, retornou a Brusque com o objetivo de divulgar esta disciplina como forma de aumentar o interesse da população. A partir daí, assumiu as funções de coordenador do Observatório Astronômico de Brusque Tadeu Cristóvam Mikowski e a presidência do Clube de Astronomia da cidade, o qual ajudou a fundar. Atualmente, realiza palestras para estudantes e interessados que visitam o observatório, além de desenvolver pesquisas científicas. A observação consiste em analisar o céu, bem como os elementos que o compõem. Silvino explica que o observador iniciante deve se familiarizar com o céu, a olho nu. Em seguida, pode adquirir um instrumento óptico

simples, como um binóculo, e posteriormente lunetas. Por último, se a diversão virar paixão, vêm os telescópios, que devem ser utilizados em conjunto com o conhecimento que o observador acumulou. Esta prática, além de promover estudos científicos, também provoca uma série de sensações nos amantes da astronomia. “Em 1980, foi a primeira vez que vi o planeta Urano. Chorei!. Ele era verde, parecia uma esmeralda, jamais havia observado algo tão belo”. Silvino acrescenta ainda, que ao observar os astros, sente gratidão e que naquele momento, se tem a noção de que o homem é muito pequeno diante da infinidade do Universo. Desde aquele dia, Urano é seu planeta preferido. A estrela que mais gosta é a Fomalhaut, alfa da Constelação Peixes Austral. Não se encontra em qualquer lugar alguém com seu planeta e

estrela favoritos. Essa paixão fica clara nas palestras que Silvino faz a estudantes e moradores da região. A pedagoga Sinvaldiana Debrassi é outra apaixonada pela astronomia. “Para mim, o maior encanto está no fato de você poder apreciar as maravilhas celestes e sua dimensão infinita que nenhuma mão humana seria capaz de criar ou modificar”. A pedagoga não sabe precisar exatamente há quanto tempo começou a observar os astros, apenas afirma que essa ciência sempre instigou o seu interesse. No entanto, o destino se encarregou de aproximá-la da astronomia. Quando em 1999 ingressou no curso de pedagogia do Centro Universitário de Brusque (Unifebe), foi indicada para trabalhar no observatório da cidade, onde teve a oportunidade de se dedicar amplamente aos astros. Atualmente, Sinvaldiana tra-

balha como professora e sempre que possível, transmite para os alunos, o conhecimento adquirido no observatório. “Não são raras às vezes em que me pego falando sobre astronomia”. Além disso, sempre que possível, costuma ir ao observatório. Em 2009, todos os olhares se voltarão para o céu, pois este foi escolhido o Ano Internacional da Astronomia. A pedagoga considera a iniciativa extremamente positiva para essa ciência, já que é tão pouco difundida e, acrescenta que esta deveria fazer parte do currículo escolar. A escolha do ano vai representar um marco para a astronomia e espera-se que esta mobilização desperte um maior interesse por parte da sociedade. O astrônomo Silvino acredita que este acontecimento motive as pessoas a adentrar neste universo desconhecido para muitos.

Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” Palavra de Jornalista Novembro 2008

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gettyimages.com

E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” Olavo Bilac

Ano dos astros A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2009 o Ano da Astronomia. A celebração tem por objetivo homenagear Galileu Galilei, que há 400 anos fazia o primeiro uso astronômico do telescópio. Este acontecimento foi o propulsor das descobertas astronômicas que se sucederam ao contribuir diretamente para a revolução científica que transformaria completamente a forma do homem ver o mundo.

Tatiane Eberle

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Nossas dra Como é ser colorida em Balneário Camboriú

Ruana Souza e Lucas Schleier


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e você perguntar às pessoas o que é identidade, muitas certamente irão se referir àquele documento, o RG (ou Carteira de Identidade), que traz seus dados de nascimento e de família. Porém, essa palavra tem um significado mais amplo. No dicionário, a palavra identidade também é “o que faz que uma coisa seja da mesma natureza que outra. Consciência que alguém tem de si mesmo.” Portanto, identidade é aquilo que você pensa de si, aquilo que você é para você. O gênero é um modo de identificação. Uma forma de identidade assim como a religião, a etnia ou mesmo o gosto musical. Estamos acostumados com os gêneros mulher e homem, pois faz parte da fisiologia: ou você nasce homem, ou nasce mulher (exceto, claro, nos casos de hermafroditas: pessoas que nascem com os dois sexos). Porém, o mundo identitário vai além da fisiologia. Existem pessoas que nasceram homem, mas que se identificam como mulher, e viceversa. Esse é o caso das Drag Queens. Talvez sejam elas o gênero mais glamuroso dentro desta diversidade. Vestidas com muita cor, plumas, salto alto e maquiagem pesada, elas animam todo tipo de festas por ai.


Edivaldo Antunes, de 40 anos, conhecido na noite como Tina Túnel, diz que, para ser uma drag, “precisa ter muita atitude, alegria, gostar do que faz. Tem que se produzir e querer chamar a atenção”. A personagem Tina Túnel existe há 15 anos, e foi inspirada na cantora americana Tina Turner. “Eu comecei a brincar de imitar ela e todo mundo começou a achar muito parecido. Hoje eu faço show no Brasil inteiro”. Natural de Londrina, Edivaldo veio para Balneário montar um espetáculo para uma casa de show, e ficou por aqui. Hoje em dia, Tina Túnel trabalha na boate Levion. Lá, ela se apresenta nas noites de sexta, sábado e domingo. Nos dias de semana, Edivaldo trabalha como professor de Educação Física. Tina já foi drag residente da London, mas devido a conflitos com um funcionário, resolveu deixar a boate. “Eu sou o tipo da pessoa que não depende disso (o trabalho como drag queen) pra sobreviver. Tenho curso de Educação Física, sou formado, tudo. Ser drag é um trabalho que me ajuda muito financeiramente, mas não é tudo pra mim. E eu não aceito que

alguém mande em mim. Chegou uma fase ali na London que uma pessoa que era funcionário de lá parecia ser o dono, e queria chamar minha atenção. Queria dar uma de bom. Daí peguei minhas coisas e saí”. Sobre trabalhar à noite ela conta – sempre animada, sorrindo e gesticulando - que adora, curte muito, que é “muito da noite”.

Deusdethe, uma Drag mulher. Hã? Quem vê Deusdethe Chesther se apresentando, não imagina que por trás daquela maquiagem de mulher, há mesmo uma mulher. “É o seguinte, sou uma mulher que tem que parecer um homem que quer ser mulher, entendeu? A maquiagem é masculinizada”, explica, a atriz Paula Viena, 28 anos. Paula se “monta” de Deusdethe para animar festas e aniversários. Ela fala que, por causa da maquiagem, muita gente acredita mesmo que ela é homem. “Como eu sou mulher, já me aconteceu várias vezes de homens pegarem nos meus seios achando que eram falsos! (risos)”.

As Drags e a Arte Algumas obras de arte nos ajudam a entender melhor o cotidiano das drag queens. Afinal, pra quem está por fora, não são só garotas de Ipanema e as atrizes de Hollywood que inspiram artistas. As drags, para muitos, são também musas inspiradoras. Andy Warhol, maior nome da pop arte americana, tem, entre suas obras um quadro intitulado “Drag Queen”, uma montagem fotográfica que mostra uma Drag com suas várias cores. Dois clássicos que não podem faltar na cultura drag são o filme “Priscila, a rainha do deserto” que conta as aventuras de três drag queens no deserto australiano, dentro do ônibus batizado de “Priscila” (daí o nome do filme); e a música “I am what I am”, de Glória Gaynor, considerada o hino das drag queens. Mas se você gosta de filmes mais atuais, vale assistir “Para Wong Fu, obrigada por tudo”, filme sobre três drags que ficam “ilhadas” numa cidade do interior por causa de seu carro enguiçado. Lá, as pessoas pensam que elas são mulheres, “moças da cidade”. Para quem gosta de ver vídeos engraçados no Youtube, vale a pena conferir “A Drag a Gozar”, uma paródia feita pelo grupo “Arte Animada” como tributo para “A Velha a Fiar”, música de Humberto Mauro.

Drag passo-a-passo Fotos Renan Accioly e Ruana Souza

Everaldo, antes de se transformar em Tina

Para os olhos, maquiagem colorida e pesada

Contorno na boca para realçar

Longos cílios postiços para dar um ar mais feminino Palavra de Jornalista Novembro 2008

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Drag Queens e travestis: completamente diferentes A atriz Paula Viena, natural de Brasília – onde trabalha de drag queen nas férias - diz que lá, nunca foi confundida com travesti, mas que em Itajaí sim. “Aqui, quando as pessoas ficam sabendo que eu sou drag, elas no mínimo pensam que sou travesti. Acho que é um pouco de desinformação”, comenta Paula. Tina Túnel não escapa. Ela também conta que várias vezes, foi confundida com travesti. E tenta sempre esclarecer as coisas: “Eu digo ‘não, eu sou drag queen’, ou ‘sou crossdresser’. Crossdresser é um homem que se produz de mulher. Quer dizer, não é nem se produzir de mulher, é se produzir exageradamente com maquiagem, com roupas chamativas, porque mulher não

vai usar roupa de drag nunca pra sair. E nem maquiagem. Porque a nossa maquiagem é aquela maquiagem, não fora do normal, mas a maquiagem pra chamar atenção. O travesti é uma pessoa que fica 24h por dia vestido de mulher. Que sai na rua, vai ao shopping. E não usa maquiagem carregada, não usa roupas exageradas. O travesti, ele tenta se parecer o máximo como mulher na rua, quer passar despercebido. E tem peito. Colocam silicone. A drag não. Ela já quer chegar num lugar e chamar atenção, pra todo mundo saber que ela chegou. No outro dia, ela tá normal, como eu tô aqui hoje.” Tina gesticula, mostrando sua roupa: calça de moletom azul e blusa de manga, masculina. “Ando na

rua assim, ninguém percebe. Ninguém sabe que sou eu, só quem me conhece. E a transsex (ou transsexual) é aquela que fez a cirurgia. Que cortou, né. Que cortou fora”, ela completa. A professora de Jornalismo, Valquíria Michela John, explica que tanto os travestis quando as drags são transgêneros, pois essas identidades estão ligadas à sexualidade. “É uma categoria para entender a sexualidade de grupos cuja identidade de gênero não condiz necessariamente com a sua biologia. Então, a idéia do transgênero é o sujeito que, mesmo tendo nascido biologicamente homem ou mulher, tem uma identidade diferente do seu sexo biológico”.

E o preconceito é diferente para drag queens e para travestis? A professora explica que não, mas talvez a drag, por não assumir uma identidade feminina em seu dia-a-dia, sinta menos o preconceito. Entretanto, Valquíria indaga. “Será que é menos preconceito ou é porque as pessoas não sabem? Se as pessoas soubessem, será que tratariam com a mesma condição?”. A diferença está na questão que a drag não entra em contato direto com o choque social, com a questão mais polêmica dos transgêneros: assumir no cotidiano pessoal uma identidade diferente da sua biologia. É o caso do travesti, pois este se identifica como mulher o dia inteiro.

Fomos ao apê de Tina Tunel conferir como se monta uma verdadeira drag. “Prefiro me maquiar em um lugar com menos luz, porque lá na boate é escuro também”. Com maquiagem pesada e bastante chamativa, no estilo “Diva”, Tina arrasa. Nós acompanhamos sua transformação fotografando cada passo.

Pintinha estilo Marilyn Monroe, puro charme

Um retoque na pele com um pouco de pó

Hora do figurino. Tina Túnel ganha forma

Um bom cabelo também faz parte do glamour

55 Palavra de Jornalista Novembro 2008 Fotos- Ruana Souza


A noite da

diversidade Dançar, namorar, beijar. Nas boates gays, não importa quem você é, vale tudo para ser feliz

Ana Maria Leal da Veiga e Chiara Nardelli


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ituada no Litoral Norte Catarinense, Balneário Camboriú é nacionalmente conhecida como a Capital Catarinense do Turismo. Com belas paisagens naturais e paradisíacas praias, a noite de Balneário Camboriú também é afrodisíaca. Com diversas opções em restaurantes, cachaçarias, bares e boates, a cidade atrai um publico cada vez mais diversificado, entre eles o público LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros. Serviços específicos para homossexuais estão cada vez mais presentes na noite de Balneário Camboriú. Os bares especializados e boates destinadas ao público gay estão sempre lotados e o mercado já se mostra promissor. Há menos de quatro meses, abriram dois bares gays, que são ambientes pensados e planejados para atender esse público. Em geral, são bares mais tranqüilos e atraem um público diferente do que costuma freqüentar casas noturnas que tocam música eletrônica. Os clientes são mais velhos e maduros, e é um público com maior poder aquisitivo.


O sucesso da noite gay pode ser um reflexo da mudança de comportamento da sociedade brasileira. Assumir a sexualidade já não é mais um tabu como há 10 ou 15 anos, o que, conseqüentemente tornou as casas noturnas LGBT mais visíveis e acessíveis. Considerado um público exigente, atualmente os gays dispõem de serviços especializados em lojas, hotéis, bares e boates. Mas afinal, o que rola em uma balada gay? Vocês beijam meninos ou meninas? Esta foi a primeira pergunta feita por duas garotas que nos abordaram na fila de uma conhecida boate LGBT de Balneário Camboriú. Greicy* e Camila*, de 24 e 19 anos, são namoradas e freqüentam festas gays há mais de dois anos. Simpáticas e receptivas, as duas tentaram nos deixar à vontade em um mundo até então desconhecido. Greicy*,

bissexual assumida, afirma que freqüenta boates gays desde que veio morar sozinha em Santa Catarina. “Hoje em dia eu prefiro esse tipo de ambiente, pois me sinto mais à vontade. Somos um casal como outro qualquer, que sente vontade de beijar e abraçar a pessoa amada. Infelizmente, em lugares públicos e nas ditas boates hétero isto ainda não é possível”, relata Greicy, mostrando que ainda há certo receio em relação ao comportamento homossexual na sociedade. Para Camila, a boate gay traz mais privacidade à pessoa que ainda não assumiu sua opção sexual. “Como ainda não me assumi para os meus pais, prefiro as boates gays, elas me oferecem mais privacidade. A vibe aqui é muito boa, ninguém fica reparando, falando de ninguém. Todos aqui se respeitam e vêm às festas para se

divertir, curtir numa boa”, conta a estudante de Fonoaudiologia.

Os bastidores de uma balada gay Na fila já é possível notar o clima de descontração. A casa é bonita, com dois ambientes: um com sofás, mesinhas e puffs; o outro com a pista de dança e globos de luz. A princípio não notamos muita diferença entre baladas freqüentadas por héteros, a não ser pelo fato de que havia dois homens trocando carícias, bem próximos de onde estávamos. Aproximamos-nos para sabermos um pouco mais além do podíamos perceber. Rafael Gomes e Eduardo Silveira se conheceram em uma boate gay, em Curitiba, há um ano e meio. Há um ano, namoram. No início, era “um caso”, nada muito sério.

Hoje, planejam trabalhar mais e em 2009 iniciar o ano morando juntos. Rafael é professor de História da Moda, reside em Porto Belo. Eduardo é estudante de Comunicação. “Não vamos mais com tanta freqüência a boates gays, porque aqui o que rola mais é o ficar por ficar, pra se conhecer. Não precisamos mais disso, então ficamos num filminho com amigas ou entre nós dois. Viemos hoje por que estávamos há muito tempo sem sair, queríamos dar uma espairecida”, conta Eduardo, que tem 21 anos. Rafael tem 29, já namorou duas garotas durante um ano cada uma, e diz que sempre sentiu atração por homens. “Namorar mulheres foi uma fase, respeitei elas e hoje as duas são minhas amigas. O que acontece é o respeito. Nenhuma quis visitar uma boate gay, mas já convidei uma

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delas. Tenho amigas héteros que vêm e se divertem”. Hoje, as casas gays se destacam pelo som de qualidade e pelos shows com drag queens e go-go-boys, um diferencial neste tipo de festa. Os espetáculos das drags dão um brilho especial enquanto os dançarinos enfeitam a noite da diversidade. Bruno Almeida tem 20 anos e vários amigos heterossexuais. É gay assumido, mas gosta de se adaptar ao meio em que está. Visita algumas casas gays para conhecer e fazer amigos, mas vai com freqüência a lugares héteros, onde se comporta normalmente. “Sou discreto”, diz o jovem, que estuda Publicidade e Propaganda. Bruno conta que conhece pessoas héteros que freqüentam as boates gays, principalmente mulheres e casais. Para ele, ainda não é nor-

mal encontrar homens héteros nessas festas, possivelmente por conta do machismo existente. Outro fator que tem atraído o público hétero para essas baladas é a questão da segurança. Brigas em boates gays são menos incidentes do que nas tradicionais. “As noites freqüentadas por homossexuais são mais descontraídas, é como se eles não tivessem vergonha de nada. Quando estou a fim de sair para me divertir, vou a uma boate gay. Não tem aqueles caras chatos pegando no pé a noite toda, e quando acontece de alguma menina chegar para conversar eu digo: só vim para dançar”, e ri da própria situação. O preconceito ainda existe fora dos limites das casas noturnas, mas dento dela ele desaparece. Gays e héteros convivem em harmonia, cada um fazendo e se divertindo como gosta.

Um roteiro colorido para o verão Apesar do número de homossexuais brasileiros ultrapassar os 16 milhões, segundo a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, os investimentos para turistas do segmento LGBT só começou a ser explorado há pouco mais de cinco anos, enquanto que nos Estados Unidos, esse nicho de mercado movimenta anualmente 50 bilhões de dólares. Agências de turismo de Balneário Camboriú adotaram um roteiro específico para o público LGBT. Na alta temporada, a região faz parte da rota de cruzeiros LGBT, que passam além de Balneário Camboriú, pela Capital Catarinense e aportam em Porto Belo. Isso explica o aumento do movimento nas casas e bares gays da cidade. No período das férias de verão, triplica a quantidade de público GLS na noite de Balneário. *nomes fictícios a pedido dos entrevistados

“Vocês beijam meninos ou meninas? Esta foi a primeira pergunta feita por duas garotas que nos abordaram na fila de uma conhecida boate LGBT de Balneário Camboriú.”

59 Palavra de Jornalista Novembro 2008 Arte sobre fotos de sxc.hu


Prostituta não! Profissional do sexo Drogas, violência, preconceito e intolerância ameaçam a vida de quem está nas ruas para vender o corpo

Ariella Torres e Pamyle Brugnago da Luz Arte sobre fotos de sxc.hu e Renan Accioly

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E

las saem às ruas, entram em carros de desconhecidos, correm riscos. São as exigências da profissão. Essa é a vida de personagens que surgem ao anoitecer e amanhecem nas ruas do Vale do Itajaí. MP3 no ouvido, salto alto e roupas que valorizam o corpo. Elas estão preparadas para mais um dia de trabalho. Se a pista está molhada, sinal de poucos clientes. Tudo é válido para chamar atenção. Capricham no rebolado e entre negociações, fecham o acordo e vão para o programa. São garotas que escolheram a rua como forma de levar a vida e ganhar dinheiro. A profissão exige muito das profissionais do sexo que se expõem todos os dias em busca de clientes. Entrar em carros de estranhos e ir para um local desconhecido

faz parte do cotidiano destas profissionais que trocam o dia pela noite. Durante o dia, levam uma vida normal, e quando começa a escurecer, se produzem e vão às ruas em busca de mais um cliente, que sabe o que elas oferecem. Procuram sempre o mesmo ponto para ficar, pois assim seus clientes fixos podem encontrá-las facilmente. Entram nos carros e voltam após o programa. Aguardam mais um pouco e outro carro pára. É outro cliente. E, assim é a noite toda. Até que o dia amanheça e elas tenham que ir. A rua oferece riscos. Há garotas que são agredidas e esquecendo-se de seus direitos, não denunciam. Não fazem queixas e viram vítimas do preconceito. Algumas delas são agredidas quando estão fazendo o programa, outras nas ruas escuras do Vale.

Muitos são as profissionais que se arriscam nas ruas. Quando o assunto é o perigo, a prostituta e travesti Ana Paula, 28, critica as garotas desavisadas. “Elas não escolhem os clientes, não tomam cuidado e entram no carro de qualquer um”. As profissionais do sexo relatam que já viram muitas garotas sendo agredidas, mas que isso acontece mais com travestis que são atingidas por passageiros de carros que passam lentamente para acertá-las com latas e outras coisas. Os riscos não são apenas frutos do preconceito. A droga também está presente nas ruas. “Muitas garotas se perdem”, afirma Andréa Wolf, psicóloga da Associação das Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí – APROSVI. O principal problema nas ruas são os vícios que a acompanham nas noites de Balneário Camboriú.

Profissão de risco Os riscos de doenças sexualmente transmissíveis - DST são constantes na vida das garotas de programa. Andréa Wolf critica o fato de campanhas de incentivo ao uso da camisinha, pelo Ministério da Saúde, acontecerem somente no carnaval. Na APROSVI, os preservativos são distribuídos entre os profissionais associados (mulheres, homens e travestis). A pouca quantidade não permite que todos recebam o preservativo. O grupo luta por melhorias e tenta minimizar os riscos das doenças. Alta, cabelos loiros e longos, chama a atenção com seus olhos azuis. Mais conhecida como o loirão dos Bombeiros, Ana Paula, 28, travesti, há mais de quinze anos morando em Balneário Camboriú, é a líder dos travestis que participam da Associação das Profissionais do Sexo do Vale do Itajaí (APROSVI). Enfrenta duplamente o preconceito. Em casa não, os pais sempre aceitaram e encararam a opção sexual dela como algo natural, pois sempre per-

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ceberam algo que a diferenciava dos irmãos mais velhos. “Minha mãe sonhava ter uma menina, realizei o sonho dela”. Foi para as ruas por opção, mas diz que uma hora pretende parar de fazer programas. Ana Paula tem um número limitado de clientes e orgulha-se em dizer que pode escolhê-los. Não sai com pessoas que não conhece ou não confia. Sente que o preconceito vem do próprio cliente que não assume a verdadeira identidade. Ela cuida das travestis e briga com algumas por não saberem a maneira correta de se portar diante das pessoas. Usam roupas curtas ou nem as usam. Mostram-se em qualquer lugar para realmente chocar a sociedade. Ana Paula diz que freqüenta baladas, lojas, supermercados e nunca sofreu algum preconceito, pois sabe se portar adequadamente. “Eles correm riscos, muitos roubam, ou fazem um trato com os clientes e depois voltam atrás”. Agressões físicas e psicológicas são comuns na rua ou “pista”, como as ga-

rotas chamam. “Já jogaram lixo, melancia e até mesmo fezes na gente”. Alguns são preconceituosos porque não aceitam a própria condição. “Quando vou ao supermercado, alguns clientes me cumprimentam, dão uma piscadinha, mas eu nem faço questão”, diz Ana Paula com descaso. Alguns clientes têm mulher, filhos, mas disfarçam e acabam a cumprimentando. Ana Paula diz que ganha bem e que entrou na profissão por opção. Não pretende parar tão cedo. Mora no mesmo bairro em que trabalha e encara com naturalidade as pessoas que a conhecem. Sobre o preconceito com travestis que são profissionais do sexo, Ana Paula afirma que a dificuldade é maior. “O homem tem mais preconceito com o gay hominho do que com travestis na rua, mas quando o assunto é emprego, com certeza, as coisas mudam. Você vê muito gay trabalhando em lojas, mercados. E, travesti é muito raro”.


sxc.hu

Jean Laurindo e Kunimund Junior

O circo do

rock’n roll Palavra de Jornalista Novembro 2008

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s policiais que notificavam os organizadores da festa pareciam nem conhecer o rock setentista do Led Zeppelin. Mas enquanto lá dentro os músicos caprichavam em Immigrant Song, os oficiais tentavam, em nome da vizinhança, fazer valer a lei do silêncio. O show da banda blumenauense Vlad V agitava o público, que se dividia entre as mesas à frente do palco e a área central do bar. Depois de mais de três meses, os músicos voltavam a se apresentar na sua cidade de origem em uma noite fria de sexta-feira. O show foi organizado pelos próprios integrantes da banda. Jean Carlo, vocalista e polivalente instrumentista da Vlad V, divulgou e produziu a festa, que atraiu cerca de 100 pessoas. Esse foi mais um dos desafios enfrentados, comuns a músicos da região. “A gente sabe que é difícil, mas é a forma que temos pra poder se reunir e fazer rock ‘n’ roll”, argumenta Jean. Enquanto Jean faz caretas em um solo de guitarra, o baterista Flávio Theilacker, 35, sua às bicas com a performance. Mas as dificuldades para exercer a função não param por aí. O dono das baquetas revela que as apresentações da banda não são suficientes para pagar as contas. “Ensaiamos quando temos tempo disponível. Além de tocar na banda, trabalho numa empresa com meu pai e dou aulas de bateria. Aqui na região, tu dificilmente vive de música”, sentencia Flávio. Quem já ouviu os trabalhos realizados pela banda pode não conhecer a trajetória já enfrentada pelos músicos. Defensores do rock ‘n’ roll puro e críticos dos modismos, o grupo coleciona 14 anos de estrada e seguidores por diversas regiões do estado. Os fãs, segundo Flávio, se espalham do litoral ao oeste de Santa Catarina. “Todo lugar que a gente vai, tem um pessoal que conhece o trabalho da banda. Na primeira vez que fomos a Joaçaba, por exemplo, muita gente conhecia as letras das músicas próprias da banda”, revela, tentando contagiar com a surpresa.

À procura do público A modesta decoração do local do show e da entrevista da Vlad V abriga um cartaz sugestivo para bandas desse circuito. O título do filme “Profissão de Risco”, com Johnny Depp e Penélope Cruz, pode se encaixar com o trabalho de muitos dos valentes instrumentistas locais. Gian Carlo Genari, 30, vocalista da banda Passanel Rock V 2.0, comenta que em muitas vezes, a banda teve que tocar de graça para mostrar seu material. “Mesmo agora, que já temos música tocando nas rádios e somos uma banda um pouco mais conhecida na região, passamos por situações como tomar calotes nos cachês e ter eventos cancelados em cima da hora”, revela.

A banda de Timbó é entusiasta do rock nacional e dos clássicos dos anos 60 e 70. Com influências como Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso e inspirações como Beatles, a banda está na estrada desde janeiro de 2005 e já passou por diferentes formações. “Hoje, ouvimos e gostamos de diversos estilos, desde o punk, passando pelo blues até o rock ‘n’ roll de fato”, destaca. O destaque da Passanel no cenário de shows da região acontece junto com o trabalho intenso realizado. “Esse ano, já fizemos mais de 25 shows. Em 2007, já foram 24 apresentações. Isso mostra que a banda atravessa uma evolução constante”, assinala Gian.

Divulgação

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Falta de espaço Marcos Annuseck, guitarrista da banda The Zorden, de Blumenau, diz que muitas bandas tocam de graça por falta de opção. “Os donos dos bares não acreditam muito, especialmente nas bandas novas. Aí elas tocam de graça para divulgar o trabalho. Quando muito, recebem cerveja como pagamento”. A estrutura oferecida por muitos organizadores às vezes também deixa a desejar. As condições do local, de acordo com Marcos, muitas vezes são precárias. “Em vários bares não existem camarins. A gente faz a pausa no meio da galera. Não que a gente não goste do público, mas a gente merece descansar em um lugar mais reservado”, afirma. O músico, que já se apresentou com outras bandas, também revela que soube de casos de alguns artistas que passaram apuros por não haver sequer banheiros suficientes no local do show. Gian, da Passanel, reforça o coro dos que consideram a maioria das casas da região desestruturadas para apresentações. “Poucas casas que conheço na região têm a estrutura adequada

para receber esse tipo de evento. A gente sempre destaca algumas, mas em geral é complicado. Isso acaba gerando problemas para os organizadores e para nós”, esclarece.

Divulgação Ao contrário da indústria fonográfica, que tem prejuízos com a rede de computadores, muitas bandas de menor expressão ganharam na internet uma poderosa forma de divulgação de seu trabalho. “Muitos de nossos shows foram conseguidos através de contato por internet. Isso revela a importância desse ambiente pra divulgar o conteúdo”, afirma Gian Carlo. O músico comenta que com as bandas grandes, o dinheiro oferece um suporte para que elas continuem trabalhando. “No caso das menores, normalmente há falta de incentivo, e a internet acaba sendo uma forma de divulgação barata”, opina. A Vlad V, por exemplo, já disponibiliza toda sua discografia para download gratuito em seu website oficial (www.vladv.com.

br). A Passanel é outro exemplo dessa tendência. As músicas próprias e os covers feitos pela banda estão à disposição do público na página da banda (www. passanelrock.com). Além disso, sites como MySpace (www.

myspace.com), PalcoMP3 (www. palcomp3.com.br), redes sociais como o Orkut (www.orkut.com), Last.fm (www.lastfm.com.br) e o YouTube (www.youtube.com. br) ajudam a divulgar o trabalho das bandas com menor inserção na mídia. Estas ferramentas são gratuitas e bastante conhecidas, o que significa menos gasto na propagação de seus sons.

Tendências e modismos Não são poucas as bandas que saem da cena alternativa e alcançam projeção produzindo músicas de estilo diferente, a fim de conquistar maior espaço na mídia. Esse tipo de atitude dos músicos, o baterista da Vlad V considera ridícula. “A gente já está há algum tempo na estrada, mas nunca pensamos em fazer diferente, em mudar nosso estilo pra poder vender melhor nosso som”, destaca Flávio. O vocalista Jean também tem opinião semelhante. “Hoje em dia, alguns estilos conquistam um espaço bem maior na mídia geral. Mas pra gente, isso não interessa muito. Com a gente não tem essa de sertanejo universitário, aqui é rock ‘n’ roll com doutorado”, exclama. Marcos, da The Zorden, manifesta seu descontentamento em relação ao comportamento de muitas bandas que estão início de carreira. “Muitas bandas só tocam para ‘aparecer’ e não têm qualidade alguma. Falta estudo (dos instrumentos)”. O guitarrista também reclama que os músicos não se valorizam. “Ninguém se preocupa em estabelecer um piso, uma tabela com um valor de cachê mínimo” Divulgação

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sxc.hu

Alain Rezini e Joaquim Santos

Na solidão das máquinas Trabalhadores brusquenses lutam contra o sono, mas garantem melhores condições de vida na indústria

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A

s indústrias brusquenses não param um segundo sequer. Quando a noite cai e todos vão dormir, quem dá seqüência à produção de bens e também aos serviços na cidade? Tudo isso acontece durante o terceiro turno industrial, que geralmente compreende o horário entre as dez da noite e as cinco da manhã. Muitos são os obstáculos que um operário da ‘terceira’ tem que superar. Sono, monotonia, folgas indeterminadas, reclamações da família e a obrigação de produzir cada vez mais. O aposentado Arno Bizarri já trabalhou durante a noite nas Indústrias Renaux S/A, e na Industrial Schlösser, ambas do setor de fiação e tecelagem. Ele conta que a maioria dos funcionários não quer trocar de turno, apesar da rotina estressante. “Enquanto trabalhei na ‘terceira’, sempre participei do rodízio 6x2”. Esse sistema nada mais é do que a organização das folgas semanais de cada funcionário. Já que eles não têm datas para ficar em casa, como feriados e finais de semana, cada um trabalha seis dias e folga dois. Bizarri faz questão de ressaltar que enquanto trabalhou durante a noite, apenas a Industrial Schlösser pagava o adicional de insalubridade, direito assegurado aos trabalhadores noturnos. “A única vantagem obtida pelo profissional que trabalha durante esse período é o chamado adicional noturno, que está fixado em 38% do salário, isso aqui no município”, revela o vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Fiação e Tecelagem de Brusque (Sintrafite), Altair Stofela. Ainda assim, o trabalhador tem um limite de horas a ser respeitado.

Direitos e Deveres do industrial noturno Segundo o Ministério do Trabalho, o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT foi instituído em abril de 1976 e regulamentado em Janeiro de 1991, priorizando os trabalhadores que têm rendimentos de até cinco salários mínimos. “O profissional do terceiro turno, após seis horas de trabalho

ininterruptas, tem direito a uma hora de descanso e também direito a alimentação. A empresa cobre 80% no valor da refeição, através do PAT”, garante Stofela. Em Santa Catarina, no ano de 2007, 465.249 trabalhadores receberam esse benefício, 4,62 % do total nacional de 10.066.789 funcionários.

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Terceiro turno X Família São nove e meia da noite e André Francisco Riske, 39, põe os filhos na cama, faz um lanche reforçado, veste seu uniforme e vai para sua jornada noturna. Depois disso, são sete horas de trabalho direto na indústria têxtil Renaux. André é operador de máquina de fiação, em uma penteadeira com rolos de algodão. “A monotonia do trabalho faz com que o sono apareça de vez em quando, mas é preciso estar atento ao serviço”. Ele fala com a disposição nada comum a uma pessoa que se manteve acordada durante toda a madrugada. A noite é cansativa na fábrica, mas André tem ainda outro emprego durante o dia.

Ele diz que só trabalha à noite para poder aumentar o orçamento familiar. “Sou pai, chefe de família, não posso dispensar este dinheiro extra, ainda que minha jornada de trabalho seja estafante. A parte boa em tudo isso é que trabalho seis dias e folgo dois”. André faz questão de lembrar isso com alegria, mesmo consciente de que estes seis dias trabalhados são aleatórios, fazendo com que muitas vezes tenha que estar na fábrica em datas comemorativas como Natal e Reveillon. Assim como André, mais quarenta pessoas trabalham em seu setor durante a noite, o que diminui o tédio e faz com que as horas passem

mais depressa. A compensação financeira proporcionada pelo trabalho noturno, aliado ao turno durante o horário comercial dá melhores condições à família de André. Bizarri também afirma que o tempo em que permaneceu na terceira foi de bom rendimento financeiro. “Consegui trocar de carro e logo após me aposentar, comecei a construir a minha sonhada casa na praia”. Ele conta isso porque quando obteve o direito à aposentadoria, Bizarri continuou a trabalhar em outra fábrica, no mesmo setor. “Todo o esforço que a gente passa durante a noite por vários anos é recompensado quando se vê os

sonhos se realizando e os objetivos que traçamos acontecerem realmente”. Apesar das folgas indefinidas, o trabalho estressante e o cansaço proporcionado pela jornada noturna, existem vantagens em ser funcionário da terceira. Poucos são os trabalhadores que reclamam desse regime de trabalho. Ou seja, o terceiro turno movimenta a economia de Brusque de todas as formas. Aumenta a produção nas indústrias, paga melhores salários aos funcionários, e por conseqüência, movimenta o comércio lojista da cidade. Como diria o poeta: “Olha quem tá fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai”. sxc.hu

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Fotos: Eduardo Gomes

Uma noite de plant達o

As doze horas de quem passa a madrugada salvando vidas

Gabriella Czarnobay e Liana Coelho Palavra de Jornalista Novembro 2008

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ubo de desodorante, cabo de escova de cabelo e até uma cenoura já foram motivos de visita ao hospital. Isso mesmo! Esses são alguns dos casos mais constrangedores que os médicos, enfermeiros, acadêmicos de medicina e recepcionistas já presenciaram em seus plantões noturnos: a existência de corpos estranhos na região pélvica. Situações como essas devem ser tratadas de forma delicada e exigem muito profissionalismo, demonstrando como é difícil a rotina

de quem trabalha no hospital. Acidentes cardiovasculares e traumatismos são os casos mais freqüentes. Somados à demanda de outras causas como febre, infecções, dores e acidentes domésticos, a sala de recepção fica agitada. Só no último ano, o Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, de Itajaí, atendeu 49.517 pacientes na unidade de emergência. Além disso, o que mais é motivo para ir ao pronto socorro? Segundo a enfermeira-chefe do Hospital Marieta, Tatiana Miguel, de 27 anos, as ocorrências mais freqüentes são pessoas carentes. Ela conta que, na maioria das vezes, o paciente quer apenas um pouco de

De coceira a embriaguez Muitas pessoas não têm uma idéia clara quanto aos serviços prestados no pronto socorro, pois em alguns casos, os sintomas não são nada graves. Uma paciente chegou ao plantão do Hospital Marieta reclamando de uma coceira na mão que não cessava. Relatou ao plantonista Lucas Mantovani, 23 anos, estudante de medicina, que há dois dias sua mão não parava de coçar e então foi ao hospital em busca de uma

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solução. Ele explica que a paciente, que convivia com o problema há dois dias, deveria ter procurado auxílio médico em outro horário, pois o caso não se caracterizava como uma emergência. A impossibilidade de prestar atendimento imediato a todos que procuram o pronto socorro é um dos motivos que gera maior desentendimento entre profissionais e pacientes. Renata Waltrick, 22 anos, também estudante de Me-

atenção. São pessoas com uma simples dor de cabeça, um pequeno enjôo, ou até mesmo, cansaço da rotina, do trabalho. Pessoas que não querem ficar sozinhas em casa, que sofrem de carência familiar e estresse emocional. A enfermeira afirma que no verão, os plantões são ainda mais cansativos, pois a região está cheia de turistas. Quando um paciente vai para o hospital, toda a família o acompanha, aglomerando a sala de recepção. Tatiana diz ainda que muitos malandros freqüentam o hospital em busca de um atestado médico. Querem uma folga no trabalho, então correm para o plantão alegando uma dor qualquer.

dicina, comenta que essa é uma das principais dificuldades do plantão noturno, afinal, a ordem do atendimento deve ser de acordo com a gravidade dos pacientes. Quem procura o hospital por casos mais simples e, às vezes desnecessários, acaba esperando um tempo maior para ser atendido. Geralmente, são esses que reclamam. A acadêmica afirma ainda que todos os casos são, de alguma forma, interessantes e estranhos ao mesmo tempo. Como Renata está iniciando na profissão médica, muitas ocorrências são novidade, mas na medida em que as situações se repetem, o estranho passa a não existir mais e é assim que o aprendizado acontece a cada dia.

Já nos finais de semana, o grande culpado por encher o pronto socorro é o álcool. Mesmo com a Lei Seca em vigor, Bruno Cardoso, 25 anos, médico plantonista do Hospital Santa Inês de Balneário Camboriú, comenta que a maioria dos acidentes é causada pela ingestão de bebida alcoólica em excesso. Os mais graves envolvem motocicletas. Grande parte dos pacientes que chega aos plantões noturnos apresenta algum grau de intoxicação em função da bebida, muitos até em coma alcoólico. Além da imprudência no trânsito, as brigas de rua e vítimas de violência doméstica são outras tristes conseqüências que a embriaguez proporciona.


Trocando o dia pela noite Como se não bastasse lidar com casos tão delicados ao salvar vidas, os profissionais que trabalham em hospitais à noite necessitam de uma preparação e programação do seu dia a dia. Os plantões noturnos iniciam às 19 horas e se estendem até as 7 horas da manhã seguinte. Nesse período, os profissionais dispõem de um tempo para descanso e revezam o horário com outros plantonistas. Uma das dificuldades encontradas é o sono, pois o organis-

mo demora a acostumar com a mudança. A biomédica Larissa Pucci, 24 anos, plantonista do laboratório de análises clínicas do Hospital Santa Inês, ressalta que para agüentar a troca de horários, é exigida certa disciplina até que o corpo se habitue à rotina. Há quem não veja problemas em passar a noite em claro. Teodânia Arndt, 36 anos, deixou o trabalho diurno de recepcionista em uma clínica de Blumenau pelas doze horas noturnas em Itajaí. Teodânia diz que à noite o plantão é

tranqüilo e pode dar mais atenção aos pacientes. Como trabalha uma noite e folga na outra, ela aproveita para dormir mais e realizar outras atividades durante o dia. Os profissionais de enfermagem trabalham 12 horas e descansam 36. Muitos têm mais de um emprego e abdicam da folga para complementar o salário no final do mês, diz Carolina Bidel, 31 anos, enfermeira do Hospital Santa Inês. “São pessoas que sacrificam seu sono e qualidade de vida em busca de melhores

condições”, complementa. Já para os médicos, a rotina é bem diferente e mais desgastante. A grande maioria faz plantões noturnos após suas horas de trabalho cotidiano, seja em consultórios ou postos de saúde. Prejuízos no desempenho ideal para as tarefas a serem realizadas e alterações de humor podem ser vivenciados pelos médicos que prolongam demasiadamente suas jornadas. Por isso, esses profissionais devem redobrar sua atenção em nome da saúde do paciente e de sua própria saúde.

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