Philip Cabau
PH 5.0 ENSAIO PRÁTICO SOBRE UM NÃO-OBJETO
PH 5.0
para a ThCS e a sua geração: que aprendam a unir coisas que não costumam ir juntas
Missão Impossível The I Ching told me to continue what I was doing, and to spread joy and revolution. John Cage
De quando em vez surge uma ideia que nos entusiasma. Olhamos à volta para ver o que dizem dela e por vezes nada encontramos. Esgravatamos então também por baixo e à volta – sempre com a ilusão de, com os meios hoje disponíveis, a nossa procura ter esgotado todas as possibilidades. É então que, por vezes, confirmamos que realmente a ninguém lhe ocorreu pensar sobre a questão. Ainda perplexos, voltamos prudentemente atrás e verificamos se a formulação era sustentável e se a nossa intuição tinha algum fundamento. Com sorte, ela aguenta-se e começamos a trabalhar. O assunto deste pequeno livro foi um desses casos. Tenho, confesso, alguma resistência ao terreno ortodoxo do design. Ou pelo menos aos arquivos que ele, do mundo e das suas coisas, tende a produzir. Isto porque, enquanto professor, considero que para um
jovem à saída da adolescência, aceder às coisas e às suas formas exclusivamente através dos objectos que constituem o grande catálogo do design, constitui uma experiência empobrecedora. É preciso um horizonte mais complexo. Foi assim que o PH’5.0 começou. Eu andava à procura de algo que permitisse fixar esta problemática numa forma pedagógica e que, ao mesmo tempo, mantivesse a sua inscrição no universo do quotidiano. Um objecto que tivesse efectivamente conquistado uma presença – pela eficácia da sua forma e pela banalidade na nossa vida – mas que admitisse, ainda assim, o desafio de uma postura projectual. Que fosse privado – na nossa relação com ele – mas que fosse também o mais transversal possível. Que fosse, à vez, subjectivo e objectivo, abstracto e concreto. Que fosse tecnicamente rudimentar – permitindo assim compreender os processos dos seu fabrico – , mas implicasse alguma elaboração, nem que seja no uso que dele fazemos. Que fosse, de certa forma, atemporal e neutro, mas que pudesse ser estudado por diversas áreas do saber, das técnicas aos estudos culturais, abordando as problemáticas contemporâneas mais prementes sobre sustentabilidade (económica, social, ecológica, etc.). E, sobretudo, que essa coisa – essa entidade – incorporasse uma espécie de dom de invisibilidade. Sujeita a obscuros termos contratuais a coisa desapareceria debaixo de um secreto véu de silêncio. Isto é, que ninguém falasse dela – apesar de muitos terem certamente opiniões robustas e teorias inabaláveis sobre
o assunto. Em suma, que a coisa configurasse, de certo modo, um não-objecto, pois só assim o exercício estaria verdadeiramente distante do território saturado das imagens do universo do design. A formulação era ambiciosa, excessiva mesmo. Até aparecer o papel higiénico. A partir daí foi só construir o exercício pedagógico. Trabalho braçal, como costuma dizer-se.
PH 5.0 um exercício à volta do desenho, dos objetos e do papel higiénico
enquadramento São vários os objectos que se foram diluindo no nosso dia a dia. Damo-los por adquiridos, são parte de nós, integram as nossas rotinas. Mas, por silenciosos que sejam, é sempre dramático quando não estão lá no momento em precisamos deles. Estes objetos encontram-se disseminados no nosso quotidiano, conforme a natureza e hábitos de cada utilizador: lápis, lenços, copos, isqueiro, canivetes, tesouras... Objetos que, se os esquecemos, podemos sempre pedi-los a um desconhecido – que logo se disponibilizará, empaticamente, a emprestá-los. Ou por essa ação se encontrar mais próxima de um gesto natural de partilha do que uma transação. Contudo, apesar de impercetíveis esses objetos existem, são relevantes, podemos falar sobre eles e até integrar comunidades de consumidores, participar em fóruns e debates. E mesmo contar histórias ou acidentes engraçados, discorrer da nossa relação com eles, ou o modo como os nossos avós os concebiam e o que esperamos virá a ser o seu futuro, às mãos das gerações vindouras. Em suma, podemo-nos tornar especialistas instantâneos, reflectindo, testando e opinando sobre esta ou aquela qualidade, preferindo esta versão àquela outra. Em suma, acedemos à dimensão projectual do objeto e, por momentos, somos todos designers.
Mas há um destes objetos que se escapa a todas as abordagens: o papel higiénico. Todos o conhecemos bem e sobre ele todos nós elaborámos já várias considerações e mesmo filosóficas. Mas tudo ou quase tudo o que pensámos sobre ele, questões práticas ou teóricas, mantemo-las em apudorado segredo. É que neste assunto é fácil resistir à pulsão para confidenciar, mesmo quando suspeitamos que uma ideia é realmente inovadora ou mesmo revolucionária. O papel higiénico configura um espaço onde o conhecimento e a experiência são acumulados na solidão, não têm nunca sol para crescer. Mas é preciso cuidado que uma ameaça espreita: todo o conhecimento desmedido, se confinado a um espaço demasiado estreito, ou seca ou transborda. Os efeitos podem ser catastróficos. É preciso resgatar o papel higiénico dos recônditos obscuros onde o aprisionaram e boicotar esta tendência à oclusão temática. Recuperemos pois a problemática do papel higiénico, trazendo-a para o espaço público e, muito particularmente, para a comunidade do design, destino natural do objecto.
contexto PH5.0, em inglês TP5.0, é a sigla de um programa das Nações Unidas, no âmbito do Sustainable Planet U.N. Unit /SPUN UNIT e que teve início a 24 de Outubro. O propósito deste grupo, composto por uma equipa multidisciplinar, é criar, gerir e implementar um think tank para repensar e reequacionar o papel higiénico enquanto conceito operativo. Num planeta que tem hoje mais de sete biliões de pessoas com trato digestório funcional e uma classe média em crescimento exponencial que tem cada vez maior acesso a este produto, a sobrecarga sobre o ecossistema é colossal. Em suma, definir as linhas de desenvolvimento capazes de fixar uma estratégia ajustada à resolução do problema. O nome, PH5.0, remete para aquilo que a iniciativa refere como sendo uma 5ª geração do papel higiénico. As gerações anteriores correspondem, respetivamente, à era anterior ao uso generalizado do papel (a 1ª geração), à introdução do papel como o material de eleição nesta tipo de higiene pessoal (a 2ª geração), à época da patente do papel disposto em rolo, sendo esta denominada de 3ª geração e, finalmente, à inserção de um picotado no rolo que permite destacar dele pequenos pedaços da mesma dimensão idêntica, as folhas (a 4ª geração). As inovações concebidas para o aperfeiçoamento do produto, sejam elas centradas na progressiva sofisticação do material (como as folhas duplas, as texturas do papel, a cor ou as componentes
decorativas) não são ali consideradas significativas na evolução do produto, não constituindo, por esta razão, uma alteração de paradigma. Também certas alternativas já existentes consideravelmente mais dispendiosas e formuladas no contexto de um consumo de luxo, não podem também ser consideradas como a 5ª geração – o caso do papel higiénico previamente humedecido ou dos dispositivos de lavagem localizada com jacto de água quente e secagem com essências perfumadas. Em suma, uma 5ª geração (PH:5.0) do produto deverá considerar como prioritárias as problemáticas associadas à equação demográfica que exerce hoje uma insustentável pressão sobre os recursos planetários. Nos termos descritos no documento da ONU o projecto consiste, muito concretamente, no: (...) desenvolvimento de soluções de sustentabilidade ecológica que respondam ao paradigma resultante do crescimento exponencial do acesso (...) da população mundial ao uso de papel no âmbito das funções higiénicas sanitárias (...) o que, nos últimos 20 anos, decuplicou o consumo de papel nesta área. (...) Considerada a escala da sua utilização (estão estimados atualmente 5 biliões de utilizadores quotidianos) a sua produção - que consiste não apenas na elaboração da matéria prima mas também nas introdução das componentes químicas associadas ao branqueamento e amaciamento do produto resultam, o assunto é absolutamente prioritário.
simulacro O projeto final da disciplina de Desenho do Mestrado em Design de Produto consiste em identificar o quadro da formulação propedêutica deste projeto PH:5.0. Isto é, o trabalho consistirá em inventariar os assuntos e as problematização que deverão, necessariamente, figurar no dossier inicial mencionado atrás. Para o efeito, o trabalho deverá identificar, de forma sistemática, todas as dimensões do problema e da sua representação gráfica que não possam ser ignoradas nesta abordagem prévia. Para o estudante o quadro situacional é o seguinte: no seu trabalho enquanto designer coloca-o(a) numa situação precisa: encontra-se atualmente integrado numa equipa que desenvolve um novo produto na área do papel higiénico em colaboração com uma entidade exterior que pretende repensar e renovar o seu olhar sobre o conceito e a produção deste produto. O seu interlocutor é um quadro superior técnico, funcionário da ONU e membro da comissão coordenadora da SPUN UNIT. O seu objetivo primeiro consiste na compreensão das representações que o seu interlocutor faz do território onde o projeto está inserido, com vista ao trabalho que se irá desenvolver posteriormente, nomeadamente:
O enquadramento teórico e as principais problemáticas em causa; As questões técnicas relevantes para o seu interlocutor; O modo como o seu interlocutor representa a realidade – através de imagens, diagramas, desenhos (por outras palavras, como vê ele o(s) objecto(s) em questão). Na sessão final de apresentação será entregue um documento síntese, elaborado a partir dessa exposição oral. Esse texto deverá seguir o mesmo modelo de apresentação fornecido para a estrutura da exposição oral, acompanhado das imagens consideradas úteis para clarificação deste (com uma extensão máxima de duas páginas A4). O trabalho pode ser (apenas) realizado e apresentado em grupos de dois a quatro alunos. A duração da exposição final deve situar-se entre os 15 e os 20 minutos. A apresentação de cada investigação deverá estruturar-se de acordo com o seguinte modelo: Introdução: tema principal; principal tese ou teses defendidas; três palavras-chave. Apresentação mais desenvolvida da argumentação: estrutura interna, quadro da referências mobilizadas e principais ideias, articulação entre os dados empíricos e o ponto de vista do aluno. Conclusão: síntese geral.
O objetivo da exposição oral é, perante a comunidade envolvida no desenvolvimento do projecto: Sintetizar, criticamente, essa informação. Comunicá-la, através de notas escritas e dados diversos, mas sobretudo através do desenho, essa visão que o interlocutor faz do objecto e do seu problema. Apontar uma primeira estratégia ficcional de abordagem para o desenvolvimento do projecto. Algumas palavras-chave para auxílio da investigação prévia para o trabalho (via internet, em inglês): toilet paper, paper history, personal hygiene, recycling, sustainable industries, toilet design, water closet design.
problemáticas
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A e r ial a espon sabilidade político-soc terinv in ve isibili dade dos agentes e tênn s ci iente i x sn a ine us ef de u o processo. A s se o o m ei t ri debate sobre rá os no ambiente e no e ção i scr : público. A in jeto ob ? política do ncial e s s e Os i- um bem s as fic efeito s do uso global e m bia ta lid do do n e produto e a sust oje a h o de d o mesmo tal como da c s so onceb emos. Os problema nas b di recarg e t v a para o ambien do pr ersas c da omponentes da vi ção od e uto: o za . i ae fabrico, a comercial os) limi du í s nação do mesmo (re
os essenciais os dados
back to basics: os fundamentos
posição
variações consideráveis
o destino
a última fronteira?
utilidades
os usos paralelos, à volta e fora do corpo
as gerações* PH1.0
PH2.0
PH3.0
PH4.0
o paradigma anterior ao papel: mundo rural, idade pré-moderna, Roma, Japão.
a introdução do papel na higiene corporal
a adoção do dispositivo em rolo
a sofisticação: plissar, picotar, a folha dupla, decorações
* no contexto europeu, pois na China o papel é usado para esta função desde o século II a.C.
os problemas fixar
colocar / fixar / suspender
apresentar exposição e aparência
armazenar
evitar a tragédia: as reservas
aceder
manipulação: desenrolamento, corte e ajuste
os usos vestir
matéria prima efémera (festas e rituais)
comunicar
a superfície do rolo como suporte de inscrições e mensagens
brincar
a dimensão lúdica que resulta do objeto e seus significados
decorar
a componente decorativa da fita, na relação com o preço
referências Não se pode falar exatamente na existência de um acervo de informação sobre o papel higiénico. Uns fragmentos dispersos, informação técnica ou comercial, muitas anedotas, mas nada de consistente ou organizado. Podemos mesmo dizer, sem correr grande riscos, que o papel higiénico é o objeto que dada a escala da sua produção (uns biliões de rolos de papel por ano) é o objeto produzido (e consumido) pelo homem sobre o qual há menos informação, sobre o qual menos se sabe. Nos diversos espaços onde o assunto é mencionado, a incidência resume-se a tentativas de resposta a duas questões: a) Como é que se fazia antes de haver papel higiénico? e b) Como explorar este filão humorístico? Para além disto, quase nada. Daí não existirem publicações sobre o tema em si e na internet este se encontrar albergado em empresas de produtos derivados do papel ou em blogs dos mais variados perfis. O que é curioso é que devido ao facto de o papel higiénico constituir um tema quase tabu, as duas questões tendem a coexistir em todas as abordagens. Os ingredientes do cómico integram o histórico e vice-versa. No entanto, apesar das narrativas sobre e à volta do PH, nunca o futuro do papel higiénico são
parte dos testemunhos. Como se (o que é uma possibilidade) o objeto perfeito do design de experiência tivesse já sido encontrado. Abaixo apresentamos uma lista de links de locais na internet que acompanharam a elaboração deste exercício. http://encyclopedia.toiletpaperworld.com/ Este site é o mais exaustivo arquivo de factos estruturados sobre o papel higiénico disponível. The Toilet Paper Encyclopedia is the pride & joy of SupplyTime.com/Toilet-Paper-World, a subsidiary of Consumers Interstate Corporation, an industrial paper supply company based in Norwich, CT. Kenn Fischburg is the author of the Encyclopedia and President of Consumers Interstate Corporation.
http://nobodys-perfect.com/vtpm/index.html The Virtual Toilet Paper Museum é o único site que possui um arquivo histórico exaustivo dos tipos de papel higiénico em rolo desde os primórdios da sua história, com imagens e ficha técnica.
http://www.toiletpaperhistory.net/ Este site é um bom exemplo de um espaço de divulgação de factos e generalidades sobre o produto com origem num fabricante de papel higiénico.
http://en.wikipedia.org/wiki/Toilet_paper Esta entrada na Wikipédia dá-nos, como é habitual nesta enciclopédia, uma visão geral e uma cobertura temática considerável sobre o assunto, na sua dimensão histórica e técnica.
http://www.ideafinder.com/history/inventions/toiletpaper.htm Este artigo resulta de um site que foi desenvolvido e mantido pela Vaunt Design Group, uma empresa de consultoria na Internet. A construção da página web é desenvolvida coletivamente, na medida da disponibilidade dos seus funcionários e o cujo coletivo assume o pseudónimo Phil Ament.
http://www.mentalfloss.com/blogs/archives/40088 Este é um artigo denominado Toilet Paper History: How America Convinced the World to Wipe que apareceu originariamente no Mental Floss Magazine.
http://ancientstandard.com/2007/05/29/the-dirty-truth Este artigo, com o título The Dirty Truth – A Brief History of Toilet Paper (6th century AD and onward… hopefully), está inserido num blog com o nome Ancient Standard e faz uma breve resenha histórica sobre o tema. Foi publicado originalmente no The Scribe em 29 de Maio de 2007.
http://www.rrnews.org/rd010505.htm Um breve texto de opinião sobre o assunto que apresenta, de forma sintética, as dimensões histórica e social do tema. Editado em 2001, na RRNews.org, em 5 de Maio de 2005 (vol.257). O seu nome, bem sugestivo, é “Toilet Paper Mentioning The Unmentionable”.
http://www.cms.kimberly-clark.com/umbracoimages/UmbracoFileMedia/ProductEvol_ToiletTissue_ umbracoFile.pdf Uma ficha sobre a origem do papel higiénico no site da firma que o definiu nos termos em que hoje o conhecemos.
http://www.cartoonstock.com Como todos os territórios secretos ou muito privados, o papel higiénico ocupa um espaço considerável no humor. Das versões finas às brejeiras, da situação à conceptualização o tabu do objeto que não pode ser nomeado é assunto de milhares de cartoons. A categoria toilet paper deste site é um dos recursos mais vastos.
laboratórios
A proposta dos alunos: Milene Rebuzzi • Soraia Teixeira • Donato Ornelas • José Gomez 2012/2013 A abordagem incide diretamente sobre o problema da tendência para o gasto excessivo de papel por cada utilização. (...) O projeto avança assim com uma proposta de normalização: da dimensão da folha, das características do material, da consciencialização do gasto por via de uma contagem de folhas, do tipo de dispensador. (...) Críticas: quando a folha é demasiado fina o gasto de papel é maior; o espaçamento entre picotados é reduzido. (...) Estratégias: consciencializar para reduzir consumo, folhas mais grossas, maior espaçamento entre picotados, nova apresentação.
A proposta dos alunos: Carolina Sousa • Cátia Santos • Joana Soares • Tito Silva 2012/2013 Há hoje uma crescente preocupação com a higiene (...) e necessidade de, por vezes, utilizarmos outro produto húmido em simultâneo com o papel seco. (...) Este é um produto que não existe até à data e que poderá vir a criar novas oportunidades de negócio. (...) Associa-se ao rolo de papel higiénico, (...) uma solução prática e simples, que não envolve elevados custos tanto a nível de produção como a nível de sustentabilidade. (...) Pensámos em associar este produto aos suportes fixos à parede, mas constatámos que a maioria não utiliza estes suportes. Optámos assim por produzir um acessório que se adapta aos rolos comuns, de forma a abranger mais possibilidades de uso.
A proposta dos alunos: André Vieira • Catarina Barbado • Pedro Almeida 2012/2013 Da análise resultou de uma evidência: consideradas todas as alternativas, o papel higiénico não tem, à data, alternativa viável. (...) O papel higiénico é por nós considerado um produto extremamente bem desenvolvido, contudo existe um grande desperdício por parte dos seus utilizadores. Esta proposta pretende alterar a mentalidade do consumidor, levando-o a modificar os seus hábitos de consumo. (...) Um dos grandes problemas é a facilidade com que o utilizador retira um conjunto de folhas para realizar a acção de limpeza. Para isso pretende-se manipular a ideia de rolo, fazendo crer ao utilizador que utiliza uma folha individual ao invés de um conjunto de folhas. (...) Em termos políticos esta proposta pretende implementar uma legislação que permita a regulação mínima e máxima das dimensões do produto, por forma a controlar o gasto excessivo de recursos naturais.
A proposta dos alunos: Diana Marques • Fábio Santos • Marco Balsinha • Rita Frutuoso 2012/2013 A solução assenta numa ideia muito simples e resulta de um diagnóstico preciso: uma das razões do gasto excessivo de papel higiénico resulta da facilidade com que este sai do rolo. É preciso assim (...) introduzir um dispositivo de criação de atrito, uma dificuldade no ato do desenrolamento do papel. (...) A proposta visa atenuar o gasto excessivo de papel. (...) Centra-se no desempenho do produto quando está a ser desenrolado, contrariando a ação fácil proporcionada pela forma cilíndrica existente.
A proposta dos alunos: Vanessa Silva • Gabriel Martins • Matti Pekkanen • Lucas Silva 2012/2013 A nossa proposta pretende de alguma forma consolidar todas as problemáticas que o papel higiénico impõe na sociedade. Este produto está tão enraizado, que se torna impossível uma proposta que solucione tudo rapidamente seria impossível, sendo necessária a criação de uma estratégia que trabalhasse todos os níveis deste problema. (...) As linhas de desenvolvimento do trabalho (...) assumiram a complexidade do problema e mantiveram-se assim abertas em várias frentes, tentando integrar no diagnóstico componentes de natureza antropológica, legislativa, tecnológica e funcional, centrando-se na dimensão analítica da questão.
A proposta dos alunos: Ana Rosa • Marisa Viralhadas • Nádia Santos 2013/2014 Muitas pessoas consomem imenso papel higiénico numa só ida à casa-de-banho. Uma simulou o seu gesto com um rolo de papel, gastando, só na primeira vez, 25 folhas (...) O nosso tema: evitar o consumo exagerado de papel higiénico. (...) juntar as palavras higiene, gesto e dissolução. Chegámos a um resultado que não deixa de ser uma luva de papel, com duas abas, o que nos permite limpar, fechar a mão de encontro à aba da frente, puxando a de trás (como se despe uma luva normal), de forma a não sujar o balde nem a mão. (...) um dispensador com duas colunas, uma de luvas húmidas, como as toalhitas existentes no mercado, que se dissolvem, assim como uma coluna de luvas secas. (...) a pessoa utiliza, em primeiro lugar, uma toalhita húmida, que irá remover grande parte da sujidade e, de seguida, utiliza a seca para terminar. Se não quiser, pode utilizar apenas uma delas.
A proposta dos alunos: Lino Rodrigues • Paulo Santos • Rui Caetano 2013/2014 Posteriormente (...) decidimos abandonar radicalmente a utilização do papel e estudar as outras opções existentes no mercado. Descobrimos a sanita “Lumen”, que consideramos um bom conceito, no entanto, o facto de não ser aplicável em todas as casas de banho e os custos acrescidos, levou-nos a apresentar uma alternativa que pode ser aplicada em qualquer sanita existente em casa. Esta nossa proposta foi pensada para ser adquirida em módulos, de modo a satisfazer a necessidade do utilizador. Oferece a possibilidade de lavagem com o respetivo controlo de temperatura e pressão de água, assim como a secagem, com temperatura e pressão desejadas.
A proposta dos alunos: Davide Mateus •João Aboim • Rui Basílio • Sandro Barbosa 2013/2014 Uma utilização simples de guardanapo de mesa de três fólios e sua reutilização como papel higiénico permite economizar metade do seu material bem como uma folha inteira de papel higiénico. Após a sua utilização como primeiro objeto, a parte suja do objeto é retirada e o restante reutilizado num novo formato de PH. Componentes: Folha 1 – papel com textura de guardanapo, decorado com bordadura de relevo, cor branca ou suave. Folha 2 – intermédia, com textura mais resistente e menos permeável. Função de resistência/estabilidade Folha 3 – Folha com textura de papel higiénico, com cor diferenciada da folha 1, para ser usado como papel higiénico.
A proposta dos alunos: Ana Vala • Laila Ferreira • Marisa Xavier 2013/2014 Como o papel higiénico é um dos poucos que não dá para ser reciclado, a resolução para este problema teria de ser atingida por outros meios. Como as empresas de papel higiénico não estão obviamente interessadas em diminuir a sua produção, o produto a desenvolver teria de ser um aplicativo exterior para um público interessado em economizar papel, seja pelo dinheiro, ou seja, pela preocupação ambiental, reduzindo a quantidade de material utilizado. (...) Apontado o problema, foi pensada uma solução que impeça o rolamento do papel girar com facilidade, para que a pessoa esteja ciente da quantidade de papel que extrai. Ao dificultar o rolamento do papel o consumidor não só se lembra de retirar pouco como vai ter o cuidado de tirar mais de vagar que o normal para que este não abra repentinamente pelo picotado. (...) a solução final (...) é a colocação de um tubo no interior do rolo, colocado na oblíqua, que vai dar um novo movimento ao desenrolar do papel, impossibilitando este de criar o balanço que era habitual.
A proposta dos alunos: Diogo Carvalho •Francisco Salis Gomes • João Margarido • João Pereira 2013/2014 A abordagem tentou uma estratégia singular e radical: tratar o problema a montante e estudar a questão da postura e, consequentemente do dispositivo ergonómico e funcional da sanita. (...) Conjugação de dois processos inovadores de encarar a sanita : Descarga por sucção + Estudo ergonómico: como utilizar a sanita (...) Uma postura adequada para efectuar as necessidades fisiológicas pode ter um impacto significativo na saúde das pessoas. Benefícios: Previne doenças, Proporciona um maior conforto ao utente, Permite uma maior capacidade de concretização das suas necessidades fisiológicas. O simples facto de sujar menos permite uma redução na quantidade de papel gasto na utilização. (...) Um suplemento: Produto Rust-Oleum NeverWet: Aplicação do produto nas tubagens e na própria sanita. Permite uma manutenção mais simples destes elementos. Dispensa o uso de água.
A proposta dos alunos: Francisca Venâncio •Mafalda Jacinto • Helena Fernandes 2013/2014 Objectivo: Consciencializar os utilizadores para o desperdício do uso do papel higiénico. O nosso intuito não foi criar uma ideia revolucionária, mas sim fazer pensar. (...) Um dos motivos para o papel higiénico ser texturado e com desenhos é para unir as folhas e torna-se mais suave e confortável no seu uso. Partindo disto desenvolvemos três padrões que figuram uma campanha para a sensibilização do uso consciente do papel higiénico e desenvolvemos um mini-rolo com o intuito de o transportar mais facilmente. (...) Pensando em medidas associadas às áreas criativas, foi desenhada uma linha de cota para dar a noção do tamanho ideal para uma utilização regrada.
A proposta dos alunos: João Timóteo •Lorenzo Scodeller • Mirko Pierini • Paolo Martini 2013/2014 A nossa proposta consiste numa estação de reciclagem comunitária em que desenhámos essa estação/máquina definida pela nossa experiência de produção de papel em casa e pela nossa opinião sobre o uso do papel no mundo. (...) Esta máquina comunitária tem em atenção assuntos que são ignorados pela produção industrial: não usar sulfatos, não utilização de recursos energéticos suplementares (todos os dispositivos são mecânicos e não elétricos) produção folha a folha sem acréscimo de nenhum componente químico, bem como uma racionalização do uso da água. (...) A solução cria um espaço comunitário que tem uma dinâmica semelhante com aquela que se verificava nos tanques de lavagem comunitária e que ainda se observam nalguns bairros portugueses; este seria um serviço a funcionar no interior de uma comunidade, onde qualquer pessoa poderia reciclar o seu papel. (...) valorizar cada folha que utilizamos porque fomos nós a produzi-las, para além desta redução quase auto-disciplinar, não existe nada mais a não ser papel neste novo rolo, que é simplesmente furado para ser fixo à parede por apenas um prego ou algo do género.
uma experiência, folha a folha epílogo Não há experiência, saber ou cuidado que salvaguardem, à partida, o sucesso pedagógico de um enunciado, pois a proposta só será confirmada nas tentativas que a defrontem. Este exercício foi ensaiado duas vezes consecutivas, em 2012/13 e em 2013/14, na disciplina de Desenho do Mestrado em Design de Produto da ESAD.cr. Neste caso particular, perante uma formulação tão explicitamente atípica, ou mesmo iconoclasta, que balanço pode ser feito desta experiência? Após a perplexidade inicial produzida pelo insólito do tema, os alunos reagiram bem e começaram a vislumbrar-se algumas possibilidades de sustentação do exercício. Mal a primeira percepção do assunto, que o concebia como uma divertida e despudorada brincadeira foi substituída por outra, mais elaborada, a pertinência pedagógica da formulação começou a tornar-se visível e o processo teve início. A ecologia foi o primeiro caminho, pois a consciência do impacto ecológico resultante de diversos biliões de pessoas no planeta usarem, quotidianamente, papel higiénico é, em si, uma imagem avassaladora. Caracterizada por um tom predominantemente moralizador, estas primeiras abordagens projectuais logo se revelam
contraproducentes, pois a mera impressão de inscrições de alerta sobre a superfície do papel tem custos que, além de financeiros, agravam a própria dimensão ecológica do problema. Mas, uma vez identificada esta contradição, começa efectivamente o projecto do PH’5.0. Surpreendentemente – ou talvez não – as respostas ocuparam uma tipologia semelhante em ambas as edições. São quatro as falácias que assolam as propostas iniciais dos alunos: 1) as soluções prescritivas – que organizam o mundo em procedimentos rudimentares concebidos para assegurar um funcionamento sem desvios; 2) as soluções ortopédicas, que tentam corrigir e rectificar o momento a partir do qual a ideia original – única, verdadeira e legítima – se desviou do caminho certo; 3) as soluções paliativas, que tendem a esconder o cerne da problemática através de estratégias lúdicas ou ingénuas; 4) as soluções à Robespierre, que impõem uma regra radical para lidar com o problema, impondo duras penalidades aos infractores. Correndo o risco, evidente, que é recorrer à metáfora da refeição neste contexto temático, o facto é que o modo como o acesso aos vários estratos da problemática se manifestou no trabalho dos alunos tem algo a ver com uma sequência de degustação, na qual a atenção resulta tanto de cada prova como do espaço entre elas, das ligeiras sobreposições, do modo como os ecos da prova anterior vêm contaminar a seguinte e de como o final de cada passo comporta já uma expectativa para aquele que lhe sucederá.
São várias as tendências que se reconhecem nos trabalhos desenvolvidos neste período, de pouco mais de um mês, em que o exercício ocorre. Elas dependem da natureza da percepção, das articulações entre análise e projecto, de uma capacidade experimental capaz de explodir (ou implodir) as categorias que organizam o mundo do design. O fim do exercício é, ao mesmo tempo, frustrante e revelador. É muito difícil propor a revisão ou a substituição de um objecto que é, à sua maneira, perfeito. Será então esse o sinal que o exercício está construído sobre um falso problema? Sim e não. Sim, porque o papel higiénico é realmente uma entidade ao mesmo tempo simples e complexa, de uma consistência, formal como funcional, invulgares. E não, porque para chegar a este reconhecimento foi preciso, no confronto com o exercício, penetrar em esferas de atenção e problematização até aí desconhecidas. Algumas das soluções conseguem distender a linha projectual ao limite, distorcendo com inteligência uma ou outra categoria. Outras, mais ousadas, conseguem contestar os fundamentos da própria prática onde as coisas são pensadas, alcançando por vezes o limiar dos não-objetos. E o desenho? Onde entra em tudo isto? Importa lembrar que este exercício está integrado numa estratégia pedagogicamente definida e o seu propósito é simples: explorar o papel do desenho no processo projectual do aluno – ao nível de um curso de mestrado. Mas na prática isto é mais difícil do que parece, pois
na documentação burocrática (nos programas e suas intenções curriculares) tudo assume uma imagem asséptica: não há lugar para contaminações. Mas o facto é que por detrás do simulacro e da construção, do desafio projectual e do humor, este exercício cumpre um propósito concreto: a experimentação dos usos do desenho como ferramenta projectual. A diversidade das práticas do desenho que define o perfil dos alunos a este nível pressupõe uma postura pedagógica que deve incidir sobre a agilidade e a invenção nesses usos do desenho, mais do que na sua habilidade e uniformização. Uma dimensão propedêutica e niveladora seria, neste contexto, fútil, o mesmo se passando na aplicação de uma abordagem prescritiva ou ortopédica, que pouco faria no espaço de um semestre. Assim, mais do que incidir neste ou naquele desenho ou forma de desenhar, o projecto proporciona um espaço que explora as ligações entre os desenhos e os modos de o usar. Neste sentido, o exercício PH’5.0, na sua económica idiossincrasia confirmou a sua pertinência. Está legitimada a problemática do papel higiénico: o seu PH não é, efectivamente, neutro.
PH 5.0 meditações higiénicas
A posição cimeira do Top-Ten do Desconforto: acabar-se o papel higiénico no preciso instante em que mais precisamos dele. Se o papel higiénico fosse, como na China, usado entre nós desde há dois mil anos, teria certamente influído em toda a representação simbólica que opõe a mão esquerda à mão direita. Quantos canhotos não teriam sido poupados a humilhações e segregação. É estranho o uso do papel higiénico. Como se a sua manipulação nos obrigasse à convocar um corpo cuja motricidade (e performatividade) pertencessem a outra época, profundamente arcaica. Com efeito, se quisermos criar uma imagem paradoxal que integre dois universos incompatíveis, nada mais bizarro que um homem sentado numa sanita com um iPad nas mãos. Ah, a flexível resiliência da cultura material! Porque estão os sanitários domésticos sempre repletos de revistas? Serão tantas as pessoas fisiologicamente forçada à demora, colhendo assim tempo para leitura? Ou será simplesmente porque precisamos de um dispositivo que produza uma máscara
que nos permite abandonar o natural estado de vigilância associado a esta função... de modo a deixar o corpo tratar de si. Ou ainda, numa interpretação mais prosaica, serão as revistas apenas um astucioso recurso para o caso do papel higiénico se esgotar? Um dos mais violentos e radicais indícios da alteração do paradigma comercial da última década foi a produção, em grande escala, do papel higiénico fabricado e distribuído mundialmente como ‘marca branca’ em ‘lojas do chinês’. Antes disso a produção mundial do papel era monopólio de uma dúzia de multinacionais. Hoje todos os supermercados apresentam o ‘seu próprio’ papel higiénico. E já com subtilezas de marketing! Apanhou uma grande descompostura da mãe por se ter esquecido do rolo de papel higiénico em cima do sofá da sala depois de concluir o trabalho da escola... logo no dia em que visitas jantavam lá a casa! O que se esconde quando se esconde o papel higiénico? Sabemos da colisão entre as esferas pública e privada, mas que imagens passam realmente na cabeça das pessoas quando, num gesto de repúdio, reenviam o papel higiénico para o seu espaço de reclusão? Que imagens evocam? Serão elas
acompanhadas de desconforto visual? Olfativo? Háptico? Ou resultará essa aflição do facto de, anatomicamente, essas imagens confirmarem o excesso de proximidade com outras áreas confinadas, por sua vez, a uma esfera ainda mais íntima? Num futuro longínquo mas bem mais próximo do que supomos, dois jovens conversam numa casa de banho pública. Um deles tem na mão umas quantas folhas de papel. Diz um: Sabias que este material era usado, todos os dias, para escrever e para desenhar? E que nele se imprimiam os eBooks? Exclama o outro: O quê! A sério? Que nojo. O silencio e o pudor que envolve o papel higiénico sustentou o monopólio económico melhor sucedido e mais protegido da industria contemporânea, pois dispensa o investimento nas proteções à espionagem. É que o produto contém já o seu próprio antivírus. Nisto o Papel Higiénico antecipa o software informático. (...) Mas o papel higiénico é um soft-ware!
Dos mais de sete biliões de pessoas no planeta quantas delas usarão o papel higiénico exatamente ao mesmo tempo? Ou, mais exatamente, qual será o número máximo de utilizadores simultâneos? Haverá certamente sobre o planeta uma janela temporal quotidiana, com escassos minutos, na qual a linha de transição da noite para o dia e – na face oposta do globo – do dia para a noite, incide sobre as zonas demograficamente mais densas... Ainda assim: cem milhões? duzentos? Há entre as duas extremidades do processo digestivo um estranho paralelismo. A cada gesto ou sequência de gestos que organizam o modo como nos alimentamos, correspondem, nos seus antípodas, outros igualmente complexos. Mas, ao mesmo tempo, a assimetria não podia ser maior. Tanto que sobre a primeira extremidade foi construída uma arte e uma cultura repleta de significados e narrativas que atravessaram o planeta em todas as épocas e culturas. E sobre a segunda... o silêncio. É compreensível. O capitalismo tem razão: somos, no fundo, máquinas de consumir! Como as lagartas. Mas sem a promessa da crisálida.
Como qualquer criança sabe, ter a boca suja e não ter um guardanapo para a limpar só não constitui mais do que um ligeiro desconforto porque temos sempre três derradeiros recursos: a toalha, a manga da camisa ou as costas da mão. Mas quando falta o papel higiénico ... Sociologia escatológica: Mas quem é que acabou com o papel higiénico e não o repôs!? Esta é a expressão que se ouve por detrás da porta fechada que testemunha que aquele que falou ocupa um lugar proeminente no ambiente doméstico. Poder dizê-lo, ou melhor, gritá-lo, denuncia um lugar cimeiro na autoridade familiar. Uma classe média de uma escala sem precedentes. Quase dois biliões de pessoas espalhadas pelo mundo fora, segundo a OCDE. Que se dirigem semanalmente à secção do papel higiénico dos supermercados e escolhem uma marca de qualidade. E, todavia, não deixa de ser irónico que essa folha, cuja função é a que se sabe é, para muitos, o mais sofisticado papel que jamais tiveram entre os dedos. No lugar cimeiro produtos como o Kleenex Premium ou topo de gama da Renova. E poucos têm noção disso.
Em certas culturas, o arroto não só é perfeitamente aceite após a refeição como é considerado um testemunho social de satisfação gastronómica. Não há no entanto registos etnográficos que comprovem que o mesmo acontece para flatulências exteriorizadas por outras vias. Como recordava George Carlin, não só a palavra inglesa fart é proibida na televisão como apesar dela atravessar o nosso quotidiano estas são coisa que nunca se vê ou sequer se menciona. Com exceção, claro, da obsessão que as séries infantis de animação manifestam pelas secreções do corpo. E de algumas comédias de humor duvidoso. Feitas as contas, talvez faça sentido que o único terreno performativo partilhado pelo homem contemporâneo que mais se aproxima de um saber do corpo envolva uma das suas práticas mais arcaicas. Numa época repleta de diagramas instrucionais que penetram todos os recantos do nosso quotidiano e organizam ortopedicamente os nossos gestos, é surpreendente como a aprendizagem do uso do papel higiénico continua a resistir a esta cobertura
obsessiva. Aprender a usar o papel higiénico continua a pertencer a essa esfera privada partilhada entre a mãe e a criança. Mas pode-se sempre conceber um manual de auto ajuda para orfanatos! A eficácia do papel higiénico para outros usos, periféricos, foi tanta que cedo ele extravasou os limites do sanitário, tomando o seu lugar noutros espaços da habitação. Mas o problema do excesso de conotação da imagem do objeto com a sua função original constituía um problema. Cedo os fabricantes o compreenderam, explorando comercialmente esse novo nicho. E assim, alterado o nome, o formato e acrescida a componente decorativa, surge o papel de cozinha. Com um sucesso tal que a componente decorativa introduzida na superfície do papel (padrões, relevos, cores) reverteram ao papel original. Aquilo que é hoje o papel higiénico resultou desse desvio. Sabemos todavia que o papel de cozinha se trata de um mero sucedâneo resultante de uma operação de maquilhagem. E que ao contrário do original ele poderia (e, ecologicamente, deveria) devolver o espaço ao velho trapo da cozinha.
Quanta exasperação à volta do papel higiénico é silenciada todos os dias. Há tanto que pode correr mal no uso do papel higiénico! É o rolo novo que não se consegue abrir porque a cola do remate é demasiado forte. Ou é a folha que não têm resistência suficiente. Ou o papel que é demasiado grosso e não acompanha a topografia do destino; ou é demasiado frágil e mais valia nem existir. Ou então é demasiado liso e escorrega; ou demasiado áspero e magoa. Ou é a capacidade de absorção do papel que não chega e nunca mais se acaba; ou, pelo contrário, é demasiada e melhor era chamar-se esponja. Ou é o picotado que separa as folhas que é insuficiente e o papel rasga-se por outro sítio qualquer; ou então demasiado e as folhas só saem uma a uma. Ou ainda as folhas duplas, triplas, que não conseguem acertar de modo a que o picotado coincida entre as várias camadas. Há coisas a mais que podem correr mal no papel higiénico. One size fits all? É este o nível de elaboração que nós, enquanto consumidores, exigimos do papel higiénico? Temos cremes para cada inflexão da cútis, cada momento do dia, nuances climáticas e angulo de insulação e aceitamos um tipo de papel higiénico
para todos os perfis? A verdade é que numa sociedade de consumo contemporânea e sofisticada deveria haver sempre ao nosso dispor, em cada casa de banho, pelo menos três tipos de papel higiénico distintos – adequados ao diagnóstico efetuado in loco. Experimente-se observar um cão acocorado no ato de evacuação. Nunca a expressão do seu rosto é tão próxima da nossa. O seu olhar suplica-nos: Que embaraçoso, por favor não olhem: um pouco de privacidade! Ou talvez se trate apenas de uma ilusão, da nossa compulsiva antropomorfização do mundo. Mas se assim for...o que nos diz o papel higiénico quando o olhamos ao entrar numa casa de banho? De entre as várias práticas de higiene pessoal, lavar as costas no banho não tem grande história. Não se consegue ver, é certo, mas trata-se afinal de uma superfície quase plana, facilmente acessível com uma espoja de cabo – para os mais zelosos. Ainda assim existiu, em muitas épocas e culturas, toda uma panóplia de auxiliares mais ou menos especializados nesta operação higiénica: familiares, amigos, crianças, criadagem, enfermeiras... Será que a razão pela qual o assunto do uso do papel higi-
énico não é sequer aflorado reside no facto de não existir, para o espaço anatómico em questão, acesso visual direto (ou mesmo indireto)? Ou seja, se o pudéssemos ver não o representaríamos com mais facilidade, admitindo-o enfim no universo das representações elegíveis para os assuntos do mundo? As temáticas que não teriam sido abertas na História da Arte! E que luminosos horizontes para o Facebook! Aumenta exponencialmente o número de touchscreens. O uso do papel, sufocado entre a concorrência das novas tecnologias e o pânico provocado pela imagens de um planeta sem árvores (tudo por causa dos livros...) decresce vertiginosamente. Certo ano chega, de repente, a notícia que a venda de livros em formato digital ultrapassou a do livro tradicional. Mas há muito que o número de desenhos produzido com ferramentas digitais é esmagadoramente superior àqueles feitos sobre papel! Já com o papel higiénico o cenário é o oposto. Esse cresce, sempre, em número de utilizadores e no consumo anual por consumidor. É uma prerrogativa privada, íntima mesmo, na consolidação de uma classe média global. E assim continuará até que descubram uma alternativa, ecológica... funcionalmente credível.
Terá Montaigne, numa das inúmeras revisões dos seus Ensaios, eliminado as considerações sobre a higiene na latrina? Tema truculento para filólogos perjuros! Não fossem as instalações sanitárias tão ostensivamente maquinismos de evacuação de dejetos e já o papel higiénico teria adquirido outro estatuto na cultura material... deixando assim de ser considerado um mero consumível no derradeiro dispositivo fabril das funções do corpo humano. Diz a expressão, geralmente formulada em linguagem vernacular, que há ideias que só nos ocorrem quando estamos sentados na casa de banho. Como toda a sabedoria do género, ela vale o que vale. Com uma exceção: o papel higiénico. Esse só pode ser pensado, com propriedade, no próprio local. Terão nascido ali todos os famosos piaçabas da história do design, de Arne Jacobsen a Siza Vieira?
Se há assunto sobre o qual toda a gente tem uma teoria bem alicerçada na prática, é sobre o papel higiénico. Este poderia mesmo ser usado como tema ecuménico para a recuperação de um pensamento sobre os crafts da performatividade. Paradoxo ontológico do papel higiénico: a sua inexistência não é confirmada na ausência, mas no seu osso, o tubo oco de cartão. O equivalente escatológico da caveira no monólogo de Hamlet. A verdadeira razão pela qual o papel higiénico não ocupa uma maior relevância nas problemáticas culturais? A resposta está no nome. Uma vez cumprida a sua função breve, é levado pelos canos com tudo o resto. Sobre isto não há muito mais a dizer. Um papel higiénico, não um papel importante.
Contradição I: O fragmento de um elogio oriental ao espaço envolvente de uso do papel higiénico... sem o mencionar. Um pavilhão de chá é um local agradável, admito, mas as retretes de estilo japonês, isso sim, é algo que verdadeiramente foi concebido para a paz de espírito. (...) Ao número de prazeres da sua existência o mestre Sôséki adicionava, segundo parece, o facto de ir todas as manhãs aliviar-se, insistindo que se tratava se uma satisfação de ordem essencialmente fisiológica; ora, para apreciar plenamente este prazer, não há local mais adequado do que as retretes de estilo japonês onde podemos, abrigados por paredes muito simples, de superfície limpa, contemplar o azul do céu e o verde da folhagem. (...) Os nossos antepassados, que poetizavam sobre todas as coisas, tinham paradoxalmente conseguido converter num local de extremo bom gosto o sítio que, de toda a residência, deveria por finalidade ser o mais sórdido e, devido a uma estreita associação com a natureza, esbatê-lo numa profusão de delicadas associações de imagens. Comparada à atitude dos ocidentais que, deliberadamente, decidiram que o local era sujo e que era mesmo preciso evitar fazer-lhe a mínima alusão em público, a nossa é infinitamente mais sábia pois, na verdade, penetrámos aí no âmago do requinte. (Junichiro Tanizaki, Elogio da Sombra / Relógio de Água, 1999/v.o.1933)
Contradição II: O fragmento de um elogio ocidental às periferias do papel higiénico... suprimindo a existência do mesmo: Nas casas de banho alemãs tradicionais, o buraco onde o cocó desaparece depois de se puxar o autoclismo é lateral, de tal maneira que o cocó começa por ser exibido aos nossos olhos para melhor poder ser farejado e inspecionado em vista da eventual deteção de alguns indícios de má saúde; no modelo francês, pelo contrário, o buraco fica bem no meio e em baixo, o que significa que a merda deve desaparecer o mais rapidamente possível; finalmente, a casa de banho americana (anglo-saxónica) apresenta uma espécie de síntese entre as duas outras, uma mediação entre esses dois polos opostos – a sanita está cheia de água, de tal maneira que o cocó flutua à superfície bem visível, sem que por isso deva ser examinado… (Slavoj Zizek, O Elogio da Intolerância / do Prefácio à Edição Francesa, Relógio de Água, 2006)
Uma nota sobre a origem do PH5.0 Foi no período em que me encontrava na Direção da ESAD.cr que esta ideia do papel higiénico ganhou forma. Surgiu com um propósito muito concreto: gerar uma publicação que integrasse transversalmente colaboradores de todas as áreas formativas da escola, centrais ou periféricas, materiais ou imateriais. Para o efeito o tema tinha que cumprir uma série de requisitos improváveis: ser reconhecido por todos os possíveis colaboradores como sendo um assunto mobilizador e, ao mesmo tempo, não pertencer a nenhum território pedagógico; ser exterior a arquivos e estruturas discursivas previamente estruturadas e, muito particularmente, ser divertido e capaz de promover testemunhos que revelassem uma pluralidade de pontos de vista. O papel higiénico fixou-se em solução. O projeto, contudo, nunca chegou a concretizar-se. Esta publicação é o seu esqueleto possível, dez anos depois. O material pedagógico produzido pelos estudantes do Mestrado em Design de Produto da ESAD.cr/IPL decorrente do projeto PH5.0 referido no livro – bem como um espaço de diálogo sobre o assunto – encontra-se disponível, para consulta, no site da Associação Palavrão (www.palavrao.net)
Philip Cabau, arquitecto, é doutorado na área do Desenho de Artes Plásticas e Professor Adjunto na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, Instituto Politécnico de Leiria, tendo integrado a sua Direção entre 2004 e 2007. Foi Coordenador do Curso de Artes Plásticas da mesma escola, em cujo curso lecciona actualmente, em simultâneo com a docência na licenciatura em Design de Ambientes e no Mestrado de Design de Produto. É autor de diversos textos sobre desenho, nomeadamente Design pelo Desenho (Ed.Lidel) e O Dispositivo Desenho (Ed. ESAD.cr), tendo apresentado várias comunicações sobre o tema em publicações e congressos internacionais. Integra, desde 2000, a Direcção do Ar.Co, Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa. Paralelamente ao percurso docente realizou diversos projectos de arquitectura, cenografia, desenho de exposições e mobiliário.
O Livro Título Autor Edição Conceito e Coordenação Paginação Depósito legal ISBN
PH 5.0 ensaio prático sobre um não-objeto Philip Cabau Palavrão – Associação Cultural Philip Cabau Rosa Quitério
1.ª edição www.palavrao.net info@palavrao.net Lisboa, 2015
978-989-97559-8-7
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O Código do Direito de Autor estabelece que é crime punido por lei a fotocópia sem autorização dos proprietários do copyright. No entanto, esta prática generalizou-se sobretudo no ensino superior, provocando uma queda substancial na compra de livros técnicos. Assim, num país em que a literatura técnica é tão escassa, os autores não sentem motivação para criar obras inéditas e fazê-las publicar, ficando os leitores impossibilitados de ter bibliografia em português. Lembramos, portanto, que é expressamente proibida a reprodução, no todo ou em parte, da presente obra sem autorização da editora.
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