Amor Imperfeito An Imperfect Love
Leigh Michaels
A paixão, quando acontece, não conhece barreiras! Com o coração descompassado, Laura vê Justin se levantar para reavivar o fogo na lareira. Então, em vez de voltar para junto dela, ele se deita no sofá, com ar distante, pensativo. Decepcionada, Laura procura uma explicação para o comportamento de Justin. Haviam se casado naquela tarde e, depois de jantar num restaurante francês, voltaram para casa e se amaram no tapete da sala. De repente, Laura se dá conta de que, no auge do prazer, gritara o nome de Clay, o marido de sua irmã!
Digitalização: Tinna Revisão: Cassia
CAPÍTULO I
Sabrina nº 639
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"Será que nunca vou chegar?", pensou Laura. Naquela manhã, em especial, o trânsito estava muito lento. Pouco mais tarde que de costume, estacionou o carro diante do suntuoso edifício que abrigava a Justin Abernathy Advogados. Saiu apressada, ajeitando o suéter que trazia sobre os ombros. Por certo, no início de março o clima em Phoenix era mais agradável do que na maioria das cidades, mas as manhãs e noites eram frias. — Frias!? — Resmungou. "Você desfruta desse clima maravilhoso há menos de um ano e já está mal-acostumada. Em Green Bay, sim, deve estar até nevando. E você... reclamando por usar um suéter de manhã! Adoraria a neve, o gelo e o frio, se pelo menos pudesse voltar para casa", pensou. Endireitou os ombros. "Seu lar agora é aqui", disse a si mesma. "Afinal, lar não é uma cidade, um bairro, uma casa... Mas o lugar onde se é livre, sem fingimentos, desculpas ou falsos sorrisos. No lar se pode chorar sem ter de dar explicações." E Green Bay nunca mais seria seu lar. Não enquanto Shelley estivesse lá. Shelley e Clay. A recepcionista ergueu os olhos da correspondência que separava e sorriu. — Difícil eu chegar mais cedo que você, Srta. McClenaghan. Está aproveitando para descansar um pouco enquanto o Sr. Abernathy está fora da cidade? Laura sorriu. — Não exatamente. Essa é toda a correspondência? A outra jovem espirrou e balançou a cabeça. — Acabo de encontrar outra carta perfumada debaixo dessa pilha. — Juntou o envelope azul às demais cartas do Sr. Abernathy e espirrou novamente. — Começo a desconfiar que seja alérgica a perfumes. — Bem, nem todas as cartas do Sr. Abernathy chegam impregnadas de perfume barato. — Oh, não — concordou a recepcionista de imediato. — Algumas mulheres preferem perfumes franceses. É impressionante que sejam capazes de gastar preciosas gotinhas em cartas para o advogado. Laura não pôde conter o riso. — Dê-se por feliz que elas se limitem a escrever cartas. Já pensou se viessem aqui pessoalmente? — Deus me livre! Eu passaria o dia todo espirrando! Mas você não acha incrível! Essas mulheres mal saem de um casamento falido e já estão pensando em romance outra vez. — Por que não? Para algumas, este é um modo de vida. Além do mais, você tem de admitir que ele se saia muito bem nesse jogo, quem sabe até goste. A recepcionista pareceu horrorizada. — Acha mesmo que ele tira proveito? — Não, eu não disse isso. Laura estava arrependida do comentário que fizera. Apanhou a pilha de envelopes, atravessou a área acarpetada da recepção e, entrando em sua sala, bateu a porta com firmeza. "Se essa conversa fosse ouvida pela pessoa errada... Você perderia o emprego", pensou. A conduta de Justin Abernathy era correta. Disso não havia dúvidas. Por certo ele usava seu charme e poder de persuasão para que as clientes cooperassem na conclusão da ação do divórcio, mas sabia muito bem até onde ir... Pelo menos enquanto o processo estivesse em andamento. Depois de tudo resolvido... Bem, talvez então algo mais acontecesse. Sabia que um grande número daquelas mulheres adoraria que fosse assim. Ultimamente, ele saía bastante com uma delas. E, afinal, Debbie Baxter sabia como jogar melhor do que ninguém. Laura suspirou e começou a abrir os envelopes. Com agilidade, leu e resumiu cada uma das cartas numa lista em sua agenda. Oito meses atrás, quando começara a trabalhar com Justin Abernathy, separava toda a correspondência com indicação de "Pessoal" ou "Confidencial", a maioria com caligrafia feminina. 2
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Colocava os envelopes fechados sobre a mesa dele, sentindo-se mal como se ao tocá-los estivesse violando sua privacidade. No quarto dia de trabalho, ele esclareceu que toda a correspondência que chegava ao escritório era, por definição, "Não Pessoal" e que Laura tinha permissão para ler todas as cartas. Afinal, era uma secretária de confiança. A princípio, sentira-se constrangida, mas, com o passar do tempo, aquela tarefa se tornara menos penosa. Agora, não fazia distinção nenhuma entre os envelopes. Ele tinha razão... Quase toda a correspondência era comercial, e as raras exceções jamais a perturbavam. Olhou de relance para a lista de "Coisas a Fazer", que enchia uma página inteira de sua agenda. Ao contrário do que imaginava a recepcionista, a ausência de Justin Abernathy significava mais trabalho... E nada de folga! Mas, como ótima secretária, orgulhava-se de saber usar o tempo de maneira produtiva... "Oh, pare de se gabar de sua eficiência!", disse a si mesma, irritada. "Só está inquieta porque é sexta-feira e não tem a menor idéia do que fazer durante todo o fim de semana. Bem, esta noite pode se ocupar planejando algo... Qualquer coisa para preencher todas àquelas horas. Então vai se sentir bem melhor." Apanhou o último envelope e reconheceu de imediato aquela caligrafia miúda. "Sextafeira...", pensou. Toda a manhã daquele dia da semana Justin recebia uma carta de sua tia-avó. A princípio, Laura se perguntara como Louise Abernathy podia ser infalível, considerando a morosidade dos serviços do correio. Mas, à medida que foi lendo suas cartas, a resposta tornou-se óbvia. Ninguém se atrevia a contrariar Louise, a única exceção parecia ser Justin. Mas até mesmo ele aprendera a não insistir em certos assuntos com a tia. O sistema telefônico, por exemplo. Louise acreditava que o telefone era uma invenção do demônio e tinha certeza de que qualquer um que o utilizasse seria fulminado por um raio. Como nem mesmo Justin conseguiria mudar aquela opinião, Laura enviava uma carta dele para a tia toda segunda-feira. Claro que era Laura quem as escrevia e, às vezes, imaginava que ele nem sequer as lia antes de assiná-las. Naquele dia, junto com a carta, Louise enviara também um cartão de aniversário e um cheque de generosa quantia. Laura olhou surpresa para o cartão e riu de si mesma. "O que foi? Pensou que o chefe não fazia aniversário?", indagou-se, divertida. O segredo de Justin acabava de ser desvendado. Ele faria trinta e cinco anos no dia seguinte, e sua tia cuidara para que não se esquecesse disso. Laura mordia distraída a ponta da caneta enquanto decifrava a letra de Louise. Ia precisar de muito tato para responder àquela carta. Ótimo! Assim teria alguma coisa para fazer no final de semana. Usou o horário do almoço para entregar alguns papéis no fórum. Confiava no office-boy, mas preferia entregar pessoalmente documentos de suma importância, como aqueles. Na volta, a recepcionista saudou-a, entregando-lhe uma pilha de recados. — E o Sr. Coltrain está aqui — avisou à jovem, enquanto Laura corria os olhos pelas mensagens. — Disse que você voltaria logo, e ele decidiu esperar. Laura prendeu a respiração ao deparar-se com uma das notas. Olhou para o papel fixamente por um instante e então o colocou debaixo dos demais. Seus dedos tremiam um pouco. — Espero que não tenha permitido a entrada dele em minha sala. — Não. Ele está tomando café na sala de conferência. Você não parece muito bem, Srta. McClenaghan. Há alguma coisa errada? Laura forçou um leve sorriso. — Tudo ótimo — mentiu, seguindo na direção da sala onde Ridge Coltrain a aguardava. "Shelley ligou", dizia o recado. "Pede para você retornar a ligação. Urgente." Lembrou-se daquelas palavras, sentindo o coração disparado. "É Clay", pensava. "Alguma coisa deve ter acontecido a ele" Mas, de imediato, nada podia fazer. Recompôs sua postura e entrou na sala. Encontrou Ridge Coltrain sentado numa cadeira de couro, na cabeceira da mesa. Tinha uma 3
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xícara de café na mão e observava de maneira sonhadora o quadro de arte moderna que ocupava quase toda a parede a sua frente. — Desculpe tê-lo feito esperar, Ridge — disse Laura. — Veio aqui por causa dos documentos de transferência da propriedade dos Gould, certo? Com movimentos lentos, ele se levantou da cadeira. — Não tenho pressa — murmurou. — Gosto daqui, da atmosfera deste lugar. Se for verdade que se pode calcular o sucesso de um advogado pelos móveis caros de seu escritório, Justin não tem do que se queixar. Laura conteve um sorriso. Naquela afirmação não havia nenhum sinal de inveja, apenas bom humor. Ridge Coltrain era um recém-formado advogado, mas de grande autocontrole. Isso o tornaria perigoso num tribunal, dizia Justin, quando adquirisse um pouco mais de experiência. Ela o acompanhou até sua sala e tirou da gaveta uma pasta de documentos. — Pensei que fosse pedir à sua secretária para vir buscá-los. — Não posso contar com minha secretária todo o tempo. A pobrezinha mal dá conta do serviço do escritório... E esses documentos são muito importantes! Tem certeza, Laura, de que não quer trabalhar comigo? É impossível cobrir seu salário, mas deve pensar no desafio! — Ergueu a xícara de café, como se fizesse um brinde. — E você não teria de lavar requintadas porcelanas chinesas... Usamos copos de plástico. — Lamento desapontá-lo, Ridge, mas o pessoal da limpeza é quem lava as xícaras. — "Por favor", pensou, "apenas pegue os documentos e vá embora, Ridge. Não estou para muito papo hoje." Ele sacudiu a cabeça, entristecido. — Vejo que não tem nenhum espírito de aventura, Laura. — Apanhou a pasta. — Vou dar uma boa olhada nisso. Diga a Justin que devolvo na próxima semana. E se mudar de idéia sobre minha oferta... Ela sorriu gentilmente, recusou a proposta uma vez mais e, de maneira delicada, apressou sua saída. Ansiosa, fechou a porta e no mesmo instante pegou o telefone. Ninguém atendia no apartamento de Shelley. Laura checou o recado outra vez; não havia nenhum número de telefone anotado. "Isso é típico dela", pensou, "diz que é urgente e não deixa nenhum número para contato!" Aflita, continuou tentando uma nova ligação a cada meia hora, sem nenhum sucesso. Cada vez que o telefone tocava fazia seu coração disparar... Até descobrir que não era Shelley. No meio da tarde, com as interrupções dos telefones dos clientes de Justin, tinha conseguido cumprir apenas a metade de sua lista de "Coisas a Fazer". Talvez Louise até tivesse certa razão em sua aversão pelo telefone. Para completar, Debbie Baxter invadiu sua sala, balançando os óculos de sol entre os dedos. Usava um uniforme e tênis. Uma minúscula saia-calça exibia suas pernas perfeitas e bronzeadas; a camiseta muito justa realçava o contorno dos seios de modo extravagante; os longos cabelos ruivos caíam-lhe pelos ombros. Laura acreditava que cada detalhe daquele displicente visual de jogadora de tênis fora planejado com cuidado, para impressionar Justin, claro. Os olhos ávidos de Debbie desviaram-se para a sala de Justin. Percebendo que estava vazia, o sorriso desfez-se em seu rosto. Laura prometeu a si mesma que teria uma conversinha com a recepcionista. Não podia permitir que sua sala fosse invadida dessa maneira. — Ele ainda está em Flagstaff — informou Laura, antes que a jovem lhe perguntasse. Debbie enrolou-se como uma gata na cadeira ao lado da mesa de Laura, enquanto suspirava desolada. — Ele não vai ficar por lá todo o final de semana, vai? — Não me disse nada, mas acredito que não — Laura manteve os olhos fixos nas anotações que fazia. — É melhor que não fique mesmo. Temos um encontro marcado para amanhã. 4
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— Tenho certeza de que ele não faltaria por nada desse mundo. Debbie fitou-a por longo tempo, como se suspeitasse de que havia uma ponta de ironia em sua voz. — Bem — prosseguiu —, não tenho tanta certeza. Quer dizer, deixei que pensasse que não era nada importante. Estou preparando uma festa surpresa de aniversário e não queria que ele desconfiasse, entende? Laura ergueu as sobrancelhas. Pelo jeito, o aniversário dele não era nenhum grande segredo. — Ele nem imagina, e não posso ligar para Flagstaff só para perguntar quando ele volta para casa. — Não, nem eu recomendaria que o fizesse. Debbie olhou esperançosa para Laura. — Mas você pode descobrir isso para mim. Laura suspirou. Não seria bom recusar um pedido de Debbie Baxter. — Se ele ligar para cá, vou lembrá-lo de checar a agenda para o final de semana. Debbie hesitou pensativa. — Imagino que vou ter de me contentar com isso, certo? — Lamento, mas é tudo o que posso fazer. — Entendo — disse Debbie, simpática. — Claro que não é da sua conta o que ele faz no final de semana. Mas... Se me fizer esse favorzinho, na próxima chance que tiver, apresentarei você a meu ex-marido. Vocês formariam um casal perfeito. — Obrigada, mas... — Bob sempre gostou do tipo secretária... Eficiente e deselegante. Foi por essa razão que nos divorciamos. — Ela olhou em direção à porta; então um brilho radiante iluminou seu rosto. — Justin! Pensei que nunca mais fosse voltar para casa! Pela expressão dos olhos castanhos, era óbvio que Justin não apreciava ser perseguido por uma mulher... Muito menos em seu local de trabalho. Debbie deve ter percebido isso também. Olhou para o relógio em seu pulso e disse: — Minha nossa, como é tarde! Preciso ir, Justin querido. Só passei por aqui para tentar convencer sua secretária a conhecer Bob. Os dois são tão parecidos, não acha? — Levantou-se, foi até ele e beijou-lhe o rosto. — Oh, nossa partida de tênis para amanhã ainda está de pé, não é? Quase me esqueci. Laura ficou boquiaberta com a rápida recuperação de Debbie. Talvez a ruiva não fosse tão tolinha quanto parecia ser. Justin arqueou as sobrancelhas. — Debbie, eu realmente estou atolado de trabalho... Ela ajeitou a gravata dele. — Justin, querido, não deve trabalhar tanto. Além do mais, não podemos desapontar os Buchanan. Estão contando conosco, afinal só vão ficar aqui por mais uma semana. — Acho que tem razão. Debbie sorriu triunfante e soprou um beijo da porta para Laura. — Lembre-se do que lhe falei sobre Bob, querida. Será um prazer apresentá-los! Laura não sabia se ria ou chorava. Fechou os olhos por um momento. Quando os abriu novamente, Justin já havia acendido as luzes de seu escritório. — Se não estiver ocupada demais sonhando com Bob Baxter, Mac — disse ele da porta, enquanto afrouxava a gravata —, gostaria que desse um pulo até minha sala. Ela suspirou e apanhou a correspondência, a pilha de recados, o lápis e o bloco de anotações. Justin havia passado a chamá-la de Mac logo depois dos primeiros dias de trabalho, e o apelido não a incomodava, exceto em momentos como aquele, quando ele perdia o senso de humor. Justin havia se livrado do paletó e da gravata. Quando ela entrou, estava esvaziando a pasta de couro sobre a mesa. Ergueu os olhos para ela. Laura tentou ser natural diante daquela inspeção, embora as palavras de Debbie ecoassem em 5
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sua mente... Deselegante... Será que ele também a considerava assim? Trajava um vestido verdeoliva de corte impecável, mas sóbrio e clássico demais para ser classificado como última moda. Sua maquiagem era delicada, quase imperceptível. Os cabelos loiros, cheios e lisos, caíam-lhe em linha reta sobre os ombros, e os óculos que usava para ler não era um acessório, mas uma necessidade. Ainda assim, não era justo classificá-la de deselegante... De qualquer modo, seu salário jamais lhe havia permitido andar no rigor da moda. Logo, ele não poderia reclamar de sua deselegância. Sentou-se na cadeira ao lado da mesa dele. — Por onde começamos Sr. Abernathy? — indagou rispidamente. — Esqueça meu mau humor, está bem, Mac? Tive um dia duro. — Sinto muito. Não com os depoimentos, espero. — Não... Correu tudo bem. Mas ditei um relatório na volta de Flagstaff e só perto de Phoenix percebi que aquele maldito gravador não estava funcionando. Tinha acabado de trocar as pilhas! — Atirou o gravador na prateleira da estante e sorriu inesperadamente. — Desculpe... Não devia ter descontado em você. Ela retribuiu o pedido com um sorriso encabulado. — Talvez fosse uma boa idéia tentar outra vez, enquanto está tudo fresco em sua cabeça... — Ditar tudo para você? Agora? Depois de uma viagem de quatro horas? — Ele terminou de esvaziar a pasta e colocou-a de lado. — Não. Detestaria obrigá-la a cancelar o encontro desta noite. Vou levar outro gravador para casa e cuidar disso no final da semana. Como não pretendia discutir, muito menos admitir que não tivesse nenhum encontro marcado, Laura passou a ler os recados para ele. Criteriosa, leu primeiro os que envolviam assuntos profissionais. — Isso é tudo? — o indagou. Laura apanhou o último envelope. — Sobre negócios, sim. Mas sua tia Louise enviou-lhe um cartão de aniversário. Ele praguejou baixinho e inclinou-se sobre a mesa para apanhar o envelope. — Ela nunca esquece... — Olhou para o cheque, ergueu as sobrancelhas, passando os olhos pelo cartão e pela carta. — Duvido que outra tia diria essas coisas ao sobrinho favorito, só porque ele ainda não se casou. — Vai ver Louise pensa que é dever dela. — Não sei por quê. Ela mesma nunca se casou. — Virou a página e estreitou os olhos para decifrar a escrita da tia. — E tem a audácia de me dizer que prefere receber a visita de minha esposa no próximo Natal a ganhar outra bugiganga qualquer... — Puxa... — queixou-se Laura. — Escolhi com tanto carinho aquele pássaro de porcelana. Era lindo... E custou uma fortuna! — Nem me lembre. Vi a nota. — Ainda que ela seja sua única tia-avó, tudo tem limite, não acha? Ele baixou a carta e fitou-a com interesse. — O que diria a tia Louise? Já sugeri que tomasse conta da vida dela... Inúmeras vezes nos últimos dez anos... E de nada adiantou! — Não diria exatamente isso. Tentaria outros meios. — Por exemplo? — Oh, explicaria que lidar com tantas separações, todos os dias, o deixou desanimado com a idéia de se casar e que as reclamações dela só servem para lembrá-lo das lamúrias das frustradas exesposas com quem lida... — Até aí, muito bem. — E que a insistência dela em suas queixas só faz com que se sinta cada vez mais feliz em voltar sozinho para casa toda noite. Bem — adicionou, num tom quase zombeteiro —, talvez não tão sozinho, mas não vejo necessidade de revelar esse detalhe à tia Louise... Ele jogou a carta sobre a mesa e recostou-se na cadeira, dando uma gargalhada. 6
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— Tem razão... Devemos nos apegar às lamentações das ex-esposas. A propósito, ouvi certo fervor em sua voz, Mac, ou foi apenas impressão? Você me parece um pouco desiludida com o casamento também. Laura deu de ombros. — Estava só tentando ajudar. Pensei que fosse assim que se sentisse em relação ao casamento. Afinal, vive dizendo que o amor é cego... Ele acenou em concordância. — E o casamento, uma instituição para os cegos. Eu sei. Agora, por favor, chega desse assunto, não agüento mais. Guardou a carta no envelope. — Se você conseguir convencer tia Louise a me deixar em paz, lhe dou um aumento. — Ele correu os dedos pelos cabelos castanhos. — Acho que é só, por enquanto — concluiu distraído, apanhando um bloco e uma caneta na pasta. Laura forçou um sorriso. Ambas, ela e tia Louise, haviam sido relegadas abruptamente ao esquecimento. Juntou o resto da correspondência e deixou a sala, fechando a porta com cuidado. Havia perdido a noção do tempo quando a porta tornou a se abrir. Surpresa ergueu os olhos da máquina de escrever. Imóvel, pasta numa mão e o paletó jogado sobre o ombro, Justin parecia igualmente surpreso ao vê-la. — Pensei ter-lhe dito para não cancelar seu encontro, Mac. Nervosa, ela empurrou os óculos para cima do nariz. — Não era importante. E... Não quero deixar tudo isso para segunda-feira. — Está bem, mas é hora de ir para casa — afirmou enquanto apagava as luzes de sua sala. Laura deu uma olhada no relógio de parede atrás da mesa. — Não sabia que era tão tarde, ainda tenho de terminar essas cartas. Pode deixar; tranco tudo quando sair. Ele pousou a pasta numa cadeira. Parecia um pouco exasperado. — Vá para casa, Mac. Quem quer que esteja esperando por você pensará que a estou escravizando. Detestaria ver minha reputação estragada por tão pouco. Ela se recordou, comovida, do passado, quando alguém a esperava, um tanto enciumado do tempo que seu trabalho absorvia. Sentiu os olhos úmidos. "Não seja tola", ralhou consigo mesma em pensamento. "Clay nunca ficou esperando por você, muito pelo contrário". E tentou convencer-se de que estava pensando tanto nele por causa do telefonema de Shelley. Engoliu as lágrimas com dificuldade. — Realmente — disse com todo cuidado —, prefiro terminar as cartas. Justin inclinou-se sobre a mesa e apanhou um pequeno embrulho colorido. — E suponho que chame isto de jantar — observou, balançando o resto de uma barra de chocolate sob o nariz dela. — Fique sabendo que chocolate e amêndoas não fazem uma dieta balanceada. — Mordeu um pedaço e mastigou-o, pensativo. — Apanhe seu casaco, Mac! Vou levála ao restaurante Emilio's e alimentá-la de maneira apropriada. "Eu devia ir para casa", pensou. Por outro lado, nem mesmo Shelley esperaria que ficasse grudada ao telefone, aguardando sua chamada. Além do mais, havia tentado falar com ela várias vezes. Justin olhou-a, atento. — Por que não? Há alguém à sua espera? — Esta noite, só meu gato — acabou confessando. — Então não discuta comigo. Posso até imaginar o estado de sua geladeira. — Terminou de comer o chocolate e atirou o papel no cesto. — Meia lata de atum para o gato, certo? Laura não conseguiu conter o riso. — E a única coisa que vou encontrar na minha esta noite é o bolor que deve ter surgido durante a semana em que estive fora. Além do mais, detesto ir à restaurante sozinho. 7
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— Sua empregada não mantém a cozinha estocada? — Não tenho mais empregada. — Mas contratei... — Três, não foi? Elas não duram muito tempo — comentou desolado. — Todas reclamam que a casa é muito grande, que sou impossível. Evitei pedir a você para tentar novamente, temendo que apresentasse sua carta de demissão. Posso passar sem empregada, mas... Laura ficou horrorizada. Ele comprara a casa há quatro meses e não sabia de ninguém que tivesse estado lá. Agora suspeitava o motivo. — Todas detestam desordem — prosseguiu ele. — Não entendem que comprei uma casa tão grande justamente para não me preocupar com isso. Agora pare de me distrair e vamos comer. Quando deu por si, Laura estava na calçada, com a bolsa e o suéter nas mãos, enquanto observava Justin abrir a porta do conversível vermelho e jogar sua pasta e paletó no banco traseiro. — Você vem atrás de mim, está bem? Não faz sentido voltarmos aqui só para apanhar seu carro — propôs Justin. Ela suspirou aliviada, apanhando as chaves do carro na bolsa. Chegou a pensar em desistir, mas não havia motivo para isso e afinal precisava comer. Quanto a Shelley... Bem, esperar por mais uma hora não faria diferença. E certamente Debbie Baxter não se importaria por ele levar sua secretária "eficiente e deselegante" para jantar. Claro que, se fosse com Debbie, teria deixado o carro dela ali... Ela se sentaria bem perto de Justin, com seus longos cabelos ruivos ao vento... — E ele diz que detesta ir à restaurante sozinho — resmungou. — Duvido que já tenha passado por essa experiência!
CAPÍTULO II
O Emilio's ficava numa área nada atraente; a rua era estreita e escura. Laura estacionou o carro atrás do conversível de Justin, olhando atentamente para o restaurante. No vidro da fachada havia anúncios em néon de diferentes marcas de cerveja, e uma lousa verde na calçada indicava o prato do dia. Nunca poderia imaginar que um homem como ele freqüentasse aquela espelunca. No momento, entretanto, ele, não estava tão elegante como de costume. Vestia o paletó, sem gravata. Recostado no carro, esperava por ela. Justin notou seu espanto quando, ao passarem pela porta, ouviram-na ranger. — Nunca esteve aqui, não é? — o indagou. — Como adivinhou? — a retrucou rispidamente. — Este é o tipo de lugar do qual manteria distância. Ele riu, divertido. — Sempre me esqueço de que não é daqui, Mac. Espere até ver o que estava perdendo. Surpresa, Laura notou que o restaurante era muito aconchegante. As mesas circundavam uma pequena pista de dança forjada em latão. Numa das paredes ficava o bar e, á seu lado, uma vitrola automática. A decoração era bem simples, mas a limpeza, impecável. E o cheiro que se espalhava pelo ar... Divino! Justin a conduziu para uma mesa afastada. — O Emilio's é um dos nossos segredos em Phoenix — comentou-o. — Uma espécie de conspiração entre as pessoas daqui... Se muitos turistas começassem a freqüentar o restaurante, Emílio ficaria tentado a mudar certas coisas para agradá-los. — E isso o arruinaria para os antigos fregueses? 8
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— Pode apostar. O lugar perderia todo seu encanto. Estava aqui certa noite quando um turista pediu para ver a carta de vinhos. Emílio olhou-o com espanto, como se o rapaz viesse do outro planeta, dizendo: "Temos branco e tinto... quer que eu anote num papel?" Laura deixou escapar uma gargalhada. Vendo a garçonete aproximar-se, murmurou baixinho: — Eles têm um cardápio ou é como a carta de vinhos... Está arquivado na cabeça do Emílio? Justin riu. — Todos os fregueses conhecem os pratos de cor. — Então pode fazer o pedido por mim. Detesto passar por turista. — É difícil. Basta dizer-lhe como quer seu filé... O resto vem automaticamente. Justin sorriu satisfeito ao ouvi-la pedir seu filé ao ponto. Laura notou que a garçonete não perguntara como ele queria o dele. Pelo jeito, não só os fregueses tinham tudo memorizado no Emilio's. — Aqui está — disse ele, depois que a jovem trouxe os drinques e se retirou. — Como não está lotado, a comida não deve demorar. A única coisa que detesto no Emilio's é esse cheiro... Esperar, quando se está faminto, chega a ser uma tortura. — Bebeu um gole e fitou-a com interesse. — Estranho ninguém ter-lhe falado sobre o Emilio's. Com que tipo de pessoa sai Mac? Pelo jeito, não com gente daqui. — Por um bom tempo, pensei não existirem nativos por aqui... Parece-me que a maioria dos moradores de Phoenix é de outras cidades. Justin concordou com um aceno. — Pássaros da neve que migram para o sul, fugindo de invernos rigorosos. Como você. Nem todos têm a sorte de nascer aqui. — Não foi por isso que vim para cá — deixou escapar. — Adoro o inverno. A afirmação parecia não tê-lo convencido. — É fácil dizer isso quando se está aqui, desfrutando o sol, o clima maravilhoso. Já passei alguns invernos no norte e descobri que a neve não é tão deslumbrante quanto parece nos cartões de Natal. — Mas não pode negar que tem seus encantos. Ele deu de ombros. — A coisa mais encantadora que descobri do inverno em Michigan foi á meia elétrica. — Meia elétrica? Que idiota... Desculpe. Ele estava rindo. — Tudo bem, Mac. Esqueça as boas maneiras um pouco — sugeriu divertido. — Oh, claro, outra coisa que adorei descobrir naqueles invernos terríveis foi como era bem mais fácil convencer uma garota a se esquentar comigo quando ela estava quase congelando. Laura pressionou os lábios. — Foi uma descoberta inesquecível — continuou ele. — Mas agora posso desligar o aquecedor e obter o mesmo resultado aqui no Arizona. Ela tentou ignorar aquilo. — O que foi fazer em Michigan? Já que detesta tanto o frio... — Faculdade de Direito. Fui visitar o campus no outono e gostei. Achei o clima muito agradável. Não parei para pensar como seria em fevereiro. Houve dias em que cheguei a acreditar que jamais esquentaria meus ossos novamente. Laura discordou. — Oh, não. Quanto exagero! — Pode ser, mas vamos voltar ao presente. Se não veio a Phoenix atrás de sol, o que a trouxe aqui? — Era hora de mudar. Atirei um dardo no mapa dos Estados Unidos e acertei em Phoenix — mentiu ela. — Há quanto tempo está aqui? — Oito meses. — Laura afastou o copo para que a garçonete colocasse o prato a sua frente. O 9
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filé era enorme, acompanhado de rodelas de cebola, pimentão verde, além de uma generosa porção de batatas sauté. Apanhou a faca; a carne era tão macia que bastava o peso da lâmina para cortá-la. — Todo esse tempo? Puxa... E só tem um gato a sua espera quando volta para casa? — Por que acha que deveria ter mais alguém? — Não cancelou um encontro esta noite, não é, Mac? A pergunta repentina a surpreendeu. — Não, não cancelei, mas isso não significa... — Interrompeu-se de repente ao perceber que estava sendo examinada. Justin balançou a cabeça lentamente. — Pensei que já tivesse se esquecido daquele imbecil de Green Bay. Laura pousou a faca cuidadosamente. Sua mão tremia um pouco. — "Imbecil de Green Bay? — repetiu com frieza. — O sujeito que partiu seu coração. Jeff me contou... — Jeff? — indagou num tom de voz alterado. — Sim. Jeff, seu antigo patrão. Não se esqueceu dele, não é? — Jeff contou-lhe... — Ela pressionou os lábios com força. "Tarde demais para negar o óbvio", concluiu antes de adicionar, furiosa: — Devia processá-lo por trair minha confiança. — Não poderia, a menos que fosse sua cliente. Mas não o culpe por isso. Jeff não teria dito nada se não fôssemos tão amigos. Fomos colegas de faculdade. Logo, quando... — Grande consolo! — ironizou ela. — Pensei que ele quisesse ajudar me indicando a você para o emprego... — Mas é verdade! Disse que se tivesse de perder a melhor secretária que encontrara, eu seria o beneficiado. Perguntei por que uma secretária tão eficiente o estava abandonando, então soube que você havia se magoado muito num caso amoroso e precisava sair de lá para se recuperar. O que aconteceu; se apaixonou por Jeff? — Claro que não. Jeff é meu amigo ou, pelo menos, era... Antes de sair por aí falando da minha vida desse jeito! — Não se zangue com ele. Para ser honesto, não teve outra escolha... — Oh! — Laura começava a pressentir perigo naquela situação. — Bem, mulheres como você não largam um emprego seguro com alguém como Jeff e se mudam para uma cidade tão distante só por diversão. Tinha de haver um motivo, e queria descobrir antes de contratá-la. — Quer dizer que sabia disso esse tempo todo? — Ele não me contou os detalhes. Mas mesmo que não tivesse dito nada sobre você, eu teria desconfiado, agora que a conheço melhor. Tinha certeza de que sua partida não envolvia problemas com dinheiro ou com a polícia. Nesse caso Jeff jamais a teria recomendado. Por exclusão, sobravam os homens... Ou melhor, o homem. Não creio que seja do tipo de ter um monte deles. As palavras lhe faltaram. Ela levou alguns minutos para se recompor. — Essa é uma descrição fascinante dos meus problemas pessoais. Mas não acho que lhe digam respeito, Sr. Abernathy! — Por que ficou tão zangada com isso? — Porque é um assunto particular, droga! Ele ergueu as sobrancelhas. — Que linguagem, Mac — disse gentilmente. — Pois fique certa de que qualquer coisa que afete seu desempenho profissional não é totalmente particular... — Isso não tem nada a ver com meu trabalho. — Se não se apaixonou pelo patrão, o que aconteceu então? Um divórcio desastroso? Considerando sua opinião sobre casamento, Mac... — Não foi um divórcio. A propósito, por que está tão interessado? — Curiosidade profissional — retrucou de imediato. — Bobagem! Se for tão curioso, por que esperou até agora? Por que nunca me perguntou 10
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nada antes? — Já tinha esquecido essa história — admitiu. — Até falar com Jeff esta semana. Perguntou se você estava bem, se já havia superado a desilusão amorosa. Respondi que não sabia, mas procuraria me informar. — Vou enviar uma carta-bomba para ele — resmungou ela entre dentes. Justin a olhava, esperançoso. — Tudo bem, se não foi um divórcio, o que aconteceu? Para ter desistido de se envolver com homens para sempre... — Não disse que desisti de nada para sempre, Sr. Abernathy. Apenas que não tinha cancelado um encontro esta noite... — Do jeito que diz isso, é capaz de convencer qualquer um que desistiu dos homens para sempre, Mac. — Meu nome não é Mac! — explodiu ela, furiosa. Por um momento, Justin pareceu assustado. — O meu não é Sr. Abernathy, também — disse mansamente. — Me parece que o título de senhor não combina com uma conversa tão amigável como esta... — Ah, então é verdade que essa é uma conversa amigável? — Bem... Sim, tão verdadeiro quanto à carta de vinho do Emilio's. Pensando bem, se pode chamar Jeff pelo primeiro nome, não há razão para insistir em ser formal comigo. — Nunca me sugeriu que agisse de outro modo. Ele sorriu. — Pois estou fazendo isso agora. Sabe, o fato de relutar em me contar o que aconteceu só aumenta minha curiosidade... Laura. Ela suspirou, resignada. Bastava que Justin ligasse para seu antigo patrão e ficaria sabendo de tudo... Tudo! Jeff era, antes de tudo, um amigo. Conhecia bem a história de seu romance com... Clay. — Tudo bem, só para evitar que repita esse interrogatório; vou lhe contar o que aconteceu. O homem que eu amava se casou... — hesitou por um segundo, então murmurou:... — Com outra. Justin olhava para ela, decepcionado. — E isso foi tudo? Adoraria ter-lhe dito que para qualquer pessoa sensível seria o bastante. Mas não o fez. — Sim foi tudo. Pobre de mim, não é; ficar magoada com uma coisa tão boba? — Acho que Jeff não vai gostar de saber que ainda está se escondendo, Laura. — Não estou. — Pode ser, mas oito meses de luto me parece... — Luto! Só não quero me envolver com outro homem por enquanto... Ou talvez nunca mais! Devia aplaudir minha atitude; afinal, depois de anos lidando com divórcios, não pensa, que todos nasceram para o casamento, não é? Ele sorriu. — Bem, o desejo universal de se encontrar a alma gêmea tem me garantido êxito profissional. Não posso reclamar. Mas... Foi por isso que ele se casou com outra? Você não se sentia pronta para o casamento? Laura empurrou o prato e apanhou sua bebida. — Devia ter desconfiado que nossa conversa sobre meus problemas pessoais ainda não tinha acabado, Sr... Ele franziu a testa. — Ia me esquecendo... — e acrescentou, docemente —... Justin. — Tem uma coisa que ainda não entendi. As mulheres... E devo admitir que seja um expert em tipos femininos... — Claro; todos os tipos — murmurou ela. — Está sendo, sarcástica, Mac? Desculpe... Laura. As mulheres que são contra o casamento 11
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em geral abraçam carreiras promissoras. Querem ser; advogadas, não secretárias. — Não disse que era contra o casamento. Acho que teria me saído bem. — Notou, desapontada, o tremor em sua voz. Então tentou brincar: — Sempre gostei de cozinhar. Justin calou-se, pensativo. Rompeu o silêncio com um comentário inusitado. — O verdadeiro amor raramente tem um final feliz. E a procura dele causa estragos irreparáveis na vida das pessoas. — Concordo. E uma vez que o amor não dura, qual o sentido dessa busca? Isto é um fato consumado e deve ser aceito como tal. Foi o que fiz. — As coisas podem mudar — retrucou-o, distraído. — O tal rapaz pode... Ela negou com a cabeça. — Não há a menor chance. Acha que vou aceitar um homem que deixou a esposa por minha causa? Já presenciei casos desse tipo, que nunca acabam bem. E tenho mais amor-próprio do que pode imaginar. "Nem tanto", dizia a si mesma, lembrando que Clay nem mesmo lhe contara sobre seu casamento. — Por outro lado — admitiu —, gostaria de ter filhos... Muitos filhos, cuidar deles enquanto fossem pequenos. É preciso sacrificar alguma coisa por uma família... Por exemplo, deixar o emprego por um tempo, pelo bem das crianças. Lembra-se dos Abbot? Ele acenou positivamente. — Não culpo a Sra. Abbot pelo que aconteceu, mas estava tão ocupada como executiva de sucesso... Que o marido se apaixonou pela babá. — Cuidado, Laura, o movimento feminista pode querer queimá-la na fogueira. — Não sei por quê. Lutam pela liberdade de escolha das mulheres, não é? Para mim, ficar em casa e educar os filhos são uma escolha válida. — Quando vai pedir demissão para colocar esse plano em prática? — Não vou pedir demissão — afirmou convicta. — Esse plano é o que gostaria de ter feito... Não o que estou planejando fazer. — E o que planeja então? — Bem, também não pretendo cursar a faculdade de Direito. — Sorriu, — E pode dizer a Jeff que estou muito feliz aqui. — Diga você mesma. Não acho que acreditaria em mim. — Claro que sim! Sendo tão amigos, Jeff sabe que você descobre qualquer coisa... Mesmo que tenha de apelar para meios de tortura. Justin riu. — Sempre fui muito persistente — admitiu. — Más é bom saber que não está pensando em ir embora. — Apanhou a conta que a garçonete deixara sobre a mesa. — E nem precisei prometer-lhe um aumento de salário para convencê-la — zombou ele. — Estou orgulhoso de mim. Lá fora, tomou-lhe as chaves da mão e abriu o carro para ela, observando tudo por dentro com atenção. Laura se irritou, até perceber que ele apenas checava se realmente estava vazio antes de deixá-la entrar. Uma atitude gentil, tendo em vista o lugar onde estavam. — Até segunda — disse ele, saindo em direção ao conversível vermelho. Já dentro do carro, Laura baixou o vidro e gritou: — Ia me esquecendo. Feliz aniversário! Justin sorriu e voltou para junto dela. — Nem me fale nisso. A propósito, já que vai escrever para tia Louise, devolva-lhe aquele maldito cheque e diga-lhe que o melhor presente para o ano que vem seria não me dar nada. Nada de cartão, de dinheiro... E nada de me lembrar que estou ficando mais velho e ainda não atendi as expectativas dela: — Não acho que ela vai concordar com isso. Afinal, trinta e cinco, anos são tão pouco comparados aos... Quantos anos ela tem? Oitenta? — Deve ter cem anos desde que a conheço. 12
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— Além do mais, poderia magoá-la devolvendo o presente. Seria muito indelicado. Ele hesitou pensativo. — Tudo bem. Então, diga-lhe que comprei algo que sempre quis e agradeça-lhe por me proporcionar o melhor aniversário que já tive. — E o que vai comprar? — indagou timidamente. Sob a luz fraca do poste, Justin parecia ter dezesseis anos. Rindo, respondeu: — Um telefone para meu carro. Assim que for instalado, ligarei para ela... Nunca mais vai falar comigo e terei todos os meus problemas resolvidos! Foi um longo trajeto de volta ao apartamento. Laura sentia-se exausta. Aquela fora uma semana estressante e, Justin piorara tudo investigando seu passado. Qualquer um adoraria ter um final de semana tranqüilo, dormir até tarde, ficar de pijama o dia todo. Laura, no entanto, pensava nos fins de semana como uma espécie de ameaça. Não dormia bem, detestava não ter o que fazer... Dois dias de descanso a angustiavam. Um apartamento tranqüilo, nessas circunstâncias, não era um santuário, mas uma prisão. E a liberdade de ignorar o telefone nada significava, uma vez que o aparelho quase não tocava... O telefone! A única vantagem daquele convite para jantar tinha sido esquecer Shelley. "As coisas podem mudar", dissera Justin. E se Shelley tivesse ligado para dizer-lhe que... Ela e Clay estavam se separando? Para contar-lhe suas mágoas? Bem, de qualquer modo, ela não tinha nada a ver com isso. Ou talvez Shelley tivesse ligado para acusá-la... Não! Shelley jamais soubera nada e nem ia saber... Abriu a porta do apartamento; no mesmo instante seu gato apareceu como que para acusá-la de negligência. Estava na cozinha, abrindo uma lata de atum para o gato, quando o telefone tocou. — Onde esteve? — indagou uma voz ofegante, inconfundível. — Deixei um recado para você há horas. Aposto que teve um encontro, não foi? — Shelley, eu tentei falar com você, mas não deixou o número de onde estava. Houve silêncio, então uma risada. — Não deixei? Que cabeça... Ligou para minha casa a tarde toda e não me achou? Pobrezinha! Laura suspirou, irritada. — Disse que era urgente Shelley — lembrou-a. — O que aconteceu? — Oh, é urgente... A coisa mais maravilhosa do mundo! Mal podia esperar para lhe contar! Estou grávida, querida. Você vai ser tia no próximo outono. Não é fantástico? Laura precisou sentar-se. "Minha irmãzinha vai ter um bebê", pensou. "O bebê de Clay! O bebê que devia ser meu." Esforçou-se para recuperar o controle. — E Clay? Como está se sentindo? — Oh, está nas nuvens! Devia vê-lo. Até parece que foi ele quem inventou os bebês. Não está feliz por mim? Você me pareceu um pouco... — Claro que estou Shelley. É maravilhoso. — E isso não é tudo. Disse a papai que queria muito ver você... É tão importante para mim. E... Ele nos presenteou com as passagens de avião. Laura, nós vamos estar em Phoenix na próxima quinta-feira. E vamos ficar aí por duas semanas inteirinhas! No mesmo instante o coração de Laura disparou. — Não é fantástico? Vamos poder ficar acordadas até tarde, conversando e dando boas risadas, como nos velhos tempos... — Como nos velhos tempos — concordou, desejando que tudo fosse como antes de Clay aparecer em suas vidas. Mas era impossível. Tudo agora era diferente, tinha de receber Shelley... E Clay... Em sua casa, conviver com eles e... Esconder sua dor. "Não posso fazer isso", concluiu. "Não vou suportar." Por outro lado, Shelley era sua irmã. Como podia recusar-se a hospedá-la sem uma boa desculpa? E a verdade... Bem, era melhor 13
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que Shelley jamais suspeitasse. Ainda mais agora, com a chegada do bebê. — Que bom — disse Laura gentilmente. — Vou buscá-los no aeroporto na quinta-feira, certo? Combinado, então. Desligou o telefone, cobrindo o rosto com as mãos. "Por que Clay não a impediu de vir?", indagou-se, furiosa. "Por que ele tem de me fazer passar por isso?" No fundo sabia que nada nem ninguém, era capaz de deter Shelley quando ela punha uma idéia na cabeça. Quanto a Clay... Não devia esperar nada dele. Afinal, apaixonara-se por sua irmã e nem se dera ao trabalho de lhe dizer. "Está sendo injusta com Clay", ralhou consigo mesma. Ele nunca prometera coisa alguma. "Na verdade, eu é que fui idiota." Porém, a consciência de seus próprios erros não diminuíra a dor de vê-lo casar-se com Shelley. E tampouco fugir de Green Bay aliviara sua agonia. Ela ergueu a cabeça, enxugou as lágrimas e respirou fundo. "Tudo isso pode ser bom para mim", concluiu. "Talvez a melhor coisa que pudesse acontecer. Para curar uma ferida, devemos antes limpá-la. ”Por mais que doa, tem de ser feito." Uma vez que os visse juntos, felizes... Com certeza seria capaz de livrar-se da velha mágoa... E compartilhar a alegria da irmã. Claro. Seria assim. De qualquer modo, não lhe restava alternativa.
CAPÍTULO III
Laura passou a maior parte do fim de semana limpando o apartamento. Não que tivesse sujo, mas se não fizesse alguma coisa iria enlouquecer. O gato não gostou muito da idéia. Tinha de interromper seu cochilo sempre que o aspirador se aproximava. No início da tarde de domingo, quando Laura terminou a faxina, o animalzinho, aninhou-se na cama de sua dona sob o travesseiro, como se recusasse a aceitar que ela perturbasse novamente sua paz. Laura não pôde deixar de rir daquela cena. — Bom cochilo, gatinho. Vou ao supermercado. O gato suspirou, aliviado. Ela deixou escapar uma gostosa gargalhada e saiu bem-humorada. Pelo menos, era melhor falar com, um bichinho de estimação do que sozinha. Mas seu verdadeiro problema não era falar sozinha, e sim pensar muito... Demais! Não dormira quase nada desde o telefonema de Shelley. Se a simples idéia de ver a irmã e o cunhado lhe tirava o sono, como sobreviveria a duas semanas inteiras na companhia deles? A melhor solução era ocupar-se de outras coisas. Decidiu apanhar a carta de Louise Abernathy no escritório. Responder à tia de Justin lhe pouparia da preocupação com seus hóspedes. Aos fins de semana não se deve trabalhar, acreditava. Justin, ao contrário, não devia pensar assim. Com freqüência descobria uma pilha de papéis em sua mesa às segundas-feiras de manhã. Mesmo assim, ficou surpresa ao encontrar a porta aberta e luzes acesas no escritório. Havia livros espalhados pelas mesas. Justin, debruçado sobre deles, lia concentrado. — Não esperava encontrá-lo aqui — disse Laura. — Não vi seu carro lá fora. Ele se moveu, sobressaltado, e quase caiu da cadeira. — E daí entrou na ponta dos pés para ver quem era o ladrão? Às vezes não demonstra muito bom senso, Mac. — Ele parecia irritado. "Pelo jeito, foi uma festa e tanto", imaginou ela. 14
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— Não pretendia entrar às escondidas. Ele praguejou baixinho. — Se pretendia ou não, de qualquer forma, conseguiu me assustar. Justin recostou-se na cadeira, olhando-a com atenção. Laura lamentou estar usando um velho jeans, desbotado e justo. Mas isso não era importante; afinal, que diferença fazia a maneira como se vestia fora do ambiente de trabalho. — O que faz aqui? — o indagou. — Vim apanhar a carta de Louise. Queria me lembrar do texto antes de respondê-la. — Oh, claro. — Localizou o envelope sob alguns dos volumes e estendeu-o a Laura. — Já que está aqui, pode pegar o fichário de Bartlett para mim? Não consegui encontrá-lo naquele seu maluco sistema de arquivo. — Está na letra "B" — esclareceu gentilmente. — Acha mesmo que devia tentar trabalhar hoje? — Não estaria aqui se aquele maldito gravador não houvesse quebrado... E se estivesse me lembrado de levar o outro para casa. Obrigado — adicionou com rispidez ao receber a pasta. — Pensei que sob tais circunstâncias... — Que circunstâncias? — interrompeu, irritado. — Bem, depois de sua festa de aniversário ontem à noite... É compreensível que não esteja bem-disposto. Ele atirou o fichário com força sobre a mesa. — Então foi você! Você é culpada, Mac! Quem lhe deu permissão de contar a Debbie sobre meu aniversário? Ela arregalou os olhos, assustada. — Não contei... Nada — gaguejou. — Debbie já sabia. Justin a olhava desconfiado. — Como ela descobriu? — Como vou saber? Com certeza não por mim. Nem sabia que era seu aniversário. Só descobri no dia anterior, com a chegada do cartão de Louise. Ele a encarou por um longo tempo. — Seria mesmo impossível organizar aquela festa abominável num dia só, é verdade. Mas... — Bem, talvez ela tenha contratado um detetive — sugeriu com uma ponta de ironia. — Não abuse, Mac — Justin avisou sério. — Estou com péssimo humor. — Foi tão ruim assim? — Laura encostou-se à mesa. — Ou é só a ressaca que o está incomodando? — Não estou de ressaca! — Oh? Então imita alguém de ressaca muito bem. — Aquela desmiolada convidou umas cem pessoas e conseguiu convencê-los a brincar, como imbecis, de jogo da verdade, espetar o rabo no burro e idiotices do gênero Eu detesto esse tipo de festa! Ainda mais quando sou pego de surpresa... — É... Parece que não gostou mesmo — murmurou. — Podia ter me avisado Mac. Já que sabia de tudo... — É estragar a surpresa? Como ia adivinhar que detestava festinhas desse gênero? Além do mais, ela só me contou na sexta-feira. — Nunca desconfiei que você e Debbie fossem tão íntimas, a ponto de partilharem segredos de... — Não mesmo? — interrompeu cínica. — Imaginei que isso estivesse bem claro quando Debbie prometeu apresentar-me ao ex-marido. Ele balançou a cabeça. — Aquela festa infantil foi à coisa mais ridícula que já vi — comentou. — A decoração... Tiras de papel crepom, balões coloridos e tudo o mais! E, quando os convidados enjoaram de brincar, embriagados, se jogaram na piscina... 15
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— Você devia agradecê-la pelo esforço que fez para agradá-lo — observou, tentando conter o riso. De tanta irritação, Justin estava a ponto de gritar. Laura, percebendo, encaminhou-se para a porta, sem desviar os olhos dele. — Mac, promete que da próxima vez que suspeitar de outra festa surpresa... Vai me contar imediatamente? Ela ô olhava séria. — As complicações éticas dessa questão requerem um considerável estudo... De súbito, ele se levantou da cadeira e caminhou determinado, em sua direção. — Mas, agora que tive a chance de refletir melhor — adicionou a seguir —, "claro que vou lhe contar. Tudo. Imediatamente! Até antes, acredite..." Justin começou a rir. — Oh, por favor, Mac, não fuja. Não sou nenhum monstro! — Não? — Ela deu um grande suspiro de alívio. — Mesmo assim, é melhor sair enquanto é tempo. Estava perto da porta quando ele a chamou: — Mac? Pode ligar a máquina de Xerox para mim, por favor? Ela o fez; então retornou à sala de Justin. — Já usou aquela máquina? — Distraidamente, apanhou o gravador quebrado na estante, retirou as pilhas, colocou-as de volta... Na posição correta... Apertou o botão e... Funcionava! — Não. Qual o problema? É só colocar o original, apertar o botão e pronto! Terei quantas cópias quiser. Laura o estudou com atenção. Ã máquina tinha sido instalada apenas duas semanas antes. Tratava-se da mais nova versão do mercado e operá-la era mais complicado do que pilotar um avião. Levara dois dias para aprender todos os comandos. Deixar que ele fizesse as cópias poderia ser um completo desastre! "Com toda a sua falta de coordenação motora", pensou, "ele seria capaz de cair dentro da máquina e copiar a si mesmo". Se um Justin já era difícil de agüentar... Quinhentos... Nem pensar! Guardou o gravador de volta na estante, colocando a bolsa na cadeira. — Mostre-me os originais. Eu faço as cópias. — Pensei que estivesse com pressa. — O que tenho a fazer pode esperar. Duas horas mais tarde, deixava o último maço de papéis sobre a mesa dele. Justin exibiu um leve sorriso e coçou a nuca. — Você é ótima, Mac. Sinto muito por ter arruinado sua tranqüila tarde de domingo. — Tudo bem. Só estava indo ao supermercado... Posso fazer isso a qualquer hora. — Ah, o gato deu fim no resto do atum? — Não... É que vou receber visitas por duas semanas. — Amigos do norte? — Minha irmã e o marido — resumiu, tentando evitar o assunto. — A propósito, posso ter mais tempo para o almoço na quinta? Vou esperá-los no aeroporto. Ele se espantou. — Às vezes não dá para acreditar que você existe, Mac. Se somasse suas horas extras, daria mais de uma semana de férias. Tire o dia de folga. Daria até as duas semanas, mas no momento é impossível. A idéia provocou-lhe calafrios. — Nem sonharia com isso — afirmou ela, convicta. — Aliás, eles nem contam comigo para distraí-los todo o tempo. — Mesmo assim, não é sempre que você tem companhia. "Adoraria dispensar companhias como essa!", pensou. 16
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— Quer dizer que vai ao supermercado refazer sua despensa? Gosta de cozinhar, Mac? — De vez em quando. Prefiro cozinhar para mais pessoas. — "Ou para alguém que adore comer bem... como Clay", lembrou com saudade. "Pare com isso", ordenou a si mesma. "O que passou, passou. Não desperdice o presente pensando no passado." Justin a olhava, distraído. — Nesse caso, talvez possa me ajudar — disse, com certa hesitação. — Importa-se que vá com você ao supermercado? Meu problema é que nunca sei o que comprar; por isso eu acabo comendo fora. Se soubesse... Não usou o sorriso charmoso para convencê-la, como Laura esperava. Desta vez, seu olhar tristonho a desarmou. E, afinal, acabara de lhe oferecer um dia de folga... Assim, lá estava ela, empurrando um carrinho pelos corredores do supermercado, lado a lado, com Justin Abernathy. Deu-lhe uma breve lição de economia doméstica e a receita de um saboroso frango. No estacionamento, guardaram as compras, e Justin lhe disse, com um largo sorriso: — Obrigado, Mac. Só espero me lembrar de como fazer o tal frango. O que vai primeiro, o pimentão ou os cogumelos? Ela suspirou, desolada. — Nenhum dos dois. E... Oh, venha comigo. Vou lhe mostrar como se faz, depois anoto a receita para você. O sorriso alargou-se ainda mais no rosto másculo. — É muita gentileza sua. Ela entrou no carro e bateu a porta. Só no meio do caminho de volta se deu conta de que não havia lhe dado o endereço. Mas o conversível vermelho estacionou logo atrás dela diante do prédio. Justin desceu do carro. — Estive pensando, Mac. Não acha muito trabalho tirar toda minha compra do carro para depois trazer tudo de volta? Não posso deixar tudo aqui por uma ou duas horas, posso? Laura fechou os olhos e tentou se lembrar do conteúdo daqueles pacotes... Sorvete, vegetais, carne... — Não, não é uma boa idéia deixar as compras no carro — concluiu. — Que tal descarregarmos só suas compras e levarmos a minha para casa? Teremos menos trabalho. E, se der show de culinária na minha cozinha, vou saber que panelas usar e tudo o mais. Fazia sentido. Mas o fato de não ter argumentos para contrariá-lo causou-lhe irritação. — Você realmente tem panelas na cozinha? — a indagou, apanhando alguns pacotes e a chave do apartamento. — A primeira empregada comprou algumas. — Ele carregou o resto das compras. No apartamento, enquanto Laura guardava os mantimentos, Justin brincava com o gato. — É muito bonito, Mac. — E mimado, também. Às vezes até insuportável, mas com um animalzinho por perto não levamos a vida tão a sério. — Qual é o nome dele? — Vibrato... Quando ele parar de brincar e começar a ronronar vai entender por quê. O apartamento inteiro vibra com os miados. Ele olhou ao redor, e Laura apreciou que não fizesse comentários. A decoração era comum. Deixara todos os seus móveis guardados em Green Bay, alugando aquele apartamento mobiliado por um ano. Quando vencesse o contrato, estava decidida a encontrar um lugar mais a seu gosto... Algo que não vibrasse tanto a cada vez que um vizinho batesse a porta... Onde pudesse utilizar sua própria mobília. Por enquanto, havia alguns toques pessoais... Almofadas de crochê, seus quadros prediletos na parede, plantas espalhadas por toda parte. — Não é muito grande, não é? — o comentou finalmente. — Vai ficar um pouco apertado hospedar mais duas pessoas aqui... Por duas semanas! "Eu sei", pensou Laura. "Vamos tropeçar um no outro o tempo todo." Mas não havia como 17
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sugerir a eles para ficarem num hotel. De qualquer modo, Laura não teria dinheiro para pagar as diárias, e Shelley não veria razão para isso, uma vez que o apartamento tinha um quarto extra... — Vamos dar um jeito — disse ela, desanimada. Justin ergueu as sobrancelhas, mas não comentou nada. Atravessou a pequena sala de jantar para ver o minúsculo terraço através da porta de vidro que separava os dois ambientes. — Ali não é o depósito de móveis, é? — Não — ela retrucou, constrangida. — É tão pequeno que os móveis parecem amontoados, não? — É... Grande não é. — E parece menor ainda agora, com o suporte de samambaias que coloquei aí. — Samambaias? — Sim Vibrato pensa que minhas samambaias são saladas. Por isso tenho de deixá-las no terraço. Fora do alcance dele. — Não tem perigo deixá-las lá fora? Ela acenou negativamente. — O lugar é bem vigiado... Uma das vantagens de se morar aqui; sabe! — Bem, pelo menos há alguma vantagem. Ele falava a sério, Laura percebeu. Mas por que apontar os defeitos se podia notá-los por si próprio? Terminou de esvaziar os pacotes em silêncio. Já lá fora, ela abriu o carro, olhando-o por cima do ombro. — Vou ter de parar num posto para pôr gasolina. Sua casa fica longe, não? — Você vem comigo. E não se preocupe, eu a trago de volta. Ainda não viu meu brinquedo novo, viu? — Ele a ajudou a entrar no conversível, então deu a volta e sentou-se ao volante. — O telefone! — disse ela. — Já comprou? — Claro. Foi instalado ontem. — Deu a partida e esperou até que a capota baixasse para trás. — Quer dizer... Que não o comprou só para agradar Louise, certo? — Promete não contar nada a titia? — brincou. — Há tempos que quero esse telefone. Pena que ainda não o tivesse na sexta passada. Senão, seria só ligar para você e ditar o relatório... Em vez de perder tempo com aquele maldito gravador. — Que idéia adorável — resmungou ela baixinho. A casa de Justin ficava ao norte de Phoenix, junto às montanhas que circundavam o Vale do Sol. Ao passar pela guarita acenou para o vigia uniformizado, sem frear o carro. Mas, percebendo que ele queria lhe falar, parou de imediato. — Chegou um embrulho para o senhor essa tarde — disse o guarda. — A Srta. Baxter trouxe — continuou, lançando um olhar para Laura, como se prevendo sua reação ao descobrir que não era a única mulher na vida de Justin Abernathy. Ela desejou se encolher no banco e desaparecer; não era muito difícil deduzir o pensamento do guarda. Justin olhou para o embrulho. Uma fita de seda prateada contrastava com o papel vermelho. — Caso ela volte, Róger, lembre-se... Não me viu o dia todo — avisou-o, atirando o embrulho no banco traseiro. — Entendido, Sr. Abernathy — concordou, com um sorriso malicioso nos lábios. — Como vai explicar o fato de ter apanhado o embrulho? — comentou Laura. — Se Debbie pensar melhor vai pedir o presente de volta e... Tinham chegado a casa dele. O terreno gramado onde se erguia a construção era cercado de um muro alto, entremeado de painéis decorados em ferro. Do lado de dentro, caminhos em pedra cruzavam jardins, entre árvores e diversos tipos de vegetação. Mais próximo da casa uma fonte ornamentava o amplo pátio circular. "Isto não é uma casa", pensou ela, "mas um palácio!" — Considerando-se o porte da cidade — observou —, diria que esse lugar mais parece um hotel. Seria possível construir aqui um conjunto de trinta casas populares! E com piscina! Justin riu. 18
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— Pelo menos já temos a piscina. — Estacionou o conversível em frente a casa e começou a descarregar as compras. Laura apanhou o pacote no banco traseiro. — Deixe isso aí — disse ele. — Se explodir, vai fazer menos estrago do que lá dentro. Ela obedeceu. — Já que pensa assim, por que não o deixou na guarita? — Roger é um bom sujeito. Não gostaria que se machucasse. Laura acenou positivamente. — Claro! Pelo visto, deve ter contado a Debbie o quanto detestou a surpresa. — Sim, acho que fui bem claro quanto a isso. — Talvez ela esteja querendo se desculpar — sugeriu — oferecendo-lhe uma garrafa de vinho. Pelo formato do embrulho, só pode ser isso. Justin deu de ombros. — Ou um coquetel Molotov. Se quiser pode abrir, assim saberemos o que é. — Ah, então é assim! Não quer que Roger se machuque, mas tudo bem se essa coisa explodir na minha cara, não é? Ele riu. — Mac, sabe que não sou nada sem você. Pensando bem, acho que estou exagerando. Debbie não faria isso. Abra e... Se estiver certa, tomaremos vinho durante o jantar. — Obrigada — retrucou —, mas prefiro ficar fora disso. Sou tão inocente quanto Roger, e ela pode ter colocado um pouco de arsênico na bebida. A cozinha parecia nunca ter sido usada. Os armários com visores em vidro estavam vazios, os eletrodomésticos, de todos os tipos... Intactos! Entusiasmado, Justin abriu o gabinete da pia e anunciou: — Panelas! — Muito bem, encontre uma faca bem afiada, lave as mãos e tire o frango da embalagem. — Pensei que fosse me mostrar como se faz... — O melhor jeito de aprender é fazendo você mesmo — esclareceu. Ele parecia atônito. Porém, sua hesitação durou pouco. Para surpresa de Laura, ele arregaçou as mangas e cortou o frango em pedaços com muita agilidade. — Que cozinha maravilhosa — disse ela, enquanto dobrava o último pacote vazio. — Acha mesmo? — Justin demonstrava bastante interesse na opinião dela. — Sempre a considerei grande demais... Um exagero! Para não falar nesses aparelhos todos... A maioria nem sei para que serve. — Então por que os instalou? — Não instalei. Já encontrei tudo aqui quando me mudei. Comprei a casa dos Anderson... Lembra-se deles? Armaram a maior briga por causa da custódia dos filhos. Ela concordou. — Como esquecê-los? Mas não entendo por que comprou uma casa tão grande, com uma cozinha toda equipada. — Bem, foi o único jeito de me certificar que os Anderson teriam dinheiro suficiente para pagar meus honorários. Ela não pôde conter o riso. — Acho que acender o fogo é uma boa idéia — comentou Justin. — Mas o fogão não é elétrico? Basta apertar o botão. — Não, quis dizer o fogo na sala de estar, assim podemos jantar ao lado da lareira. Vou até lá... — E sumir enquanto eu termino o jantar? Não vai escapar tão fácil. Mostre-me o caminho e deixe a lareira por minha conta. — Sabe acender uma lareira? — Claro! Faço isso desde que fui escoteira. 19
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— Como quiser. A sala de estar é por ali... Em frente... Dobrando a esquina. Aquilo não era um exagero; ela atravessou uma despensa longa e estreita, com inúmeras prateleiras; passou por uma imensa sala de jantar... Onde um lustre de cristal parecia inadequado àquele cômodo vazio. Isso explicava o fato de Justin não ter sugerido que jantassem ali. Deixou escapar um assobio ao abrir um conjunto de portas e deparar-se com a sala de estar. Era muito maior do que a sala de jantar. O forro, acompanhando a inclinação do telhado, deixava à mostra largas vigas de madeira envelhecida. A lareira, ornada de belíssimos entalhes, marcava o centro de uma das paredes. A sala ocupava a parte central da casa. Janelas altas, ladeando a lareira, deixavam ver o pátio com a fonte. Tinha do lado oposto, uma acolhedora varanda com a piscina poucos metros a sua frente. Sob os últimos raios de sol, a água ganhava uma tonalidade encantadora. À exceção do tapete e do sofá perto da lareira, o ambiente estava praticamente vazio. Outro conjunto de portas duplas devia conduzir aos quartos. A casa era maior do que se podia imaginar do lado de fora. E ele que dissera tê-la comprado só para não se preocupar com a desordem, imagine! Bem, a julgar pela perfeita ordem da sala, a casa devia ser imensa. Apesar da ausência de móveis, aquele era um ambiente agradável, convidativo... Imaginavase aconchegada ao sofá com um cálice de vinho, um bom livro, o fogo crepitante... Quase cedeu à tentação de ficar ali, hipnotizada pelas chamas. A noite prometia ser fria, e o calor do fogo seria bem-vindo. No entanto, sua consciência a levou de volta à cozinha, para junto de seu aprendiz de cozinheiro. Consciência e, tinha de admitir, fome! O jantar estava muito saboroso, apesar da falta de prática do cozinheiro. Fizeram uma espécie de piquenique em frente à lareira. Ela o cumprimentou por seu desempenho. — Não exagere. Jamais repetiria essa proeza, sozinho. — Vou anotar a receita para você. Assim fica mais fácil. Justin serviu-lhe uma dose de brandy. Laura, estendida sobre o tapete, olhava o fogo enquanto aquecia o brandy entre suas mãos. Bebeu um gole e suspirou, — Maravilha — disse. — Ouça meu conselho, Justin, escolha muito bem seu decorador. Ele deu de ombros. — Qual o problema de deixar tudo como está? — Existe um meio-termo agradável entre entulhar uma casa de móveis ou relegá-la ao abandono — disse ela. Olhando ao redor, ele concordou. — É... Acho que está mesmo um pouco vazia. — Mas não deixe ninguém acabar com esse espaço maravilhoso. Você é um homem de sorte, sabe. Sem mencionar o luxo de ter uma piscina. Quando me mudar para um apartamento maior, quero um prédio com piscina. E, algum dia, quando tiver minha casa... — Ela se interrompeu de repente. Estava indo longe demais. Em sua imaginação, "algum dia" ainda incluía Clay. — O que há de errado com seu apartamento? Não me pareceu tão mau assim. — Não tem nada de errado, porém algum dia gostaria de ter um cantinho só meu, para pintar as paredes de roxo, se quiser. Além disso, detesto ter de pedir permissão ao proprietário para fazer algo tão banal quanto pendurar um quadro. — Entendo. Foi por isso que comprei esta casa. — Ele sorriu. — E, também, pretendo tirar fotos e mostrá-las aos meus amigos de faculdade em nossa reunião, no próximo verão. Quero que vejam o homem de sucesso que me tornei. Laura não acreditou que aquilo fosse sério. Sabia que Justin não era nenhum esnobe. — Já sei! Posso escrever um relatório, testemunhando todo seu sucesso — ironizou. — Obrigado, mas não vai ser necessário, Mac. — Desviou os olhos para o fogo, acrescentando: — Mas deixarei minha esposa contar-lhe sobre o homem maravilhoso que sou. Laura engasgou com o brandy. — Assustada, Mac? — indagou, com calma. — Não devia. Decidi apenas me casar... E não 20
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cometer um assassinato.
CAPÍTULO IV
Laura não estava só assustada, mas em estado de choque. Levou algum tempo até recuperar o fôlego. Justin a estudava atentamente. — Para ser franca, estou chocada — confessou. — Não é você quem diz que Adão devia ter usado a folha de parreira para redigir um contrato pré-nupcial e proteger seus direitos no Jardim do Éden? — Sim, mas nunca disse que não acredito no casamento. Só acho que a maioria das pessoas o interpreta mal. — Oh? E você sabe como interpretá-lo... — Ela quase não conseguia conter o riso. — Que bom. E fico muito agradecida por ter me revelado isso antes de qualquer declaração formal. Mas não acha que podia ter me contado no escritório? O fato de informar sua secretária dessa decisão numa ocasião como essa... — Indicou com a taça a sala ao redor, o fogo. — Bem, sua noiva pode não gostar. Ele tomou, num só gole, o resto do brandy. — Na verdade, não tenho uma. — Uma o quê? — indagou Laura, confusa. — Noiva. Ela ô olhava atônita — Espera aí. Como vai se casar se não tem uma noiva? — Não tenho uma... Ainda. Não me decidi com quem me casar; só isso... Laura não pôde mais controlar o riso. Jogou a cabeça para trás e deixou escapar uma sonora gargalhada. Chegou a se contorcer de tanto rir. Justin arqueou as sobrancelhas. Batia o pé, impaciente, esperando que ela se acalmasse e enxugasse os olhos com o guardanapo. — Desculpe —, disse ela, sem arrependimento. — Mas essa é a coisa mais maluca que já ouvi. — Não sei por quê! Casar-se é uma idéia muito sensata. — Não estou certa de que sensata seja a palavra apropriada. — Percebendo que estava sendo indelicada, adicionou com diplomacia: — Que tal me contar o que o levou a essa decisão? — Me parece ser à hora certa — disse de modo inflexível. — Estou estabilizado profissionalmente, posso sustentar uma esposa. E, me dói admitir, já tenho trinta e cinco anos, portanto... Se pretender ter uma família, devo considerar essa questão. — Oh, uma família, também — comentou-a, surpresa. — Me diga, planejou tudo isso há muito tempo? Formar-se em Direito, estabilizar-se profissionalmente, comprar um conversível, fazer trinta e cinco anos, casar-se, ter uns três filhos... — Qual o problema? — Se é assim que você quer... Nenhum. Mas... Não acha que se esqueceu de alguma coisa? Apaixonar-se, por exemplo? — Apaixonar-se... É aí que começa toda a encrenca — Justin afirmou com segurança. — Em todos os casos de divórcio que conheço, os casais juram que foram apaixonados. O amor é um conceito romântico, ilusório. Quando entra pela janela, o bom senso sai pela porta, por isso é que causa tanto sofrimento. Cegos de paixão, os pombinhos não percebem pequenas diferenças... Nem 21
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mesmo diferenças gritantes, que podem impossibilitar uma união. — Sério, continuou: — Acredita mesmo que o verdadeiro amor pode resolver tudo! Laura exibiu um leve sorriso. — E você? Acha realmente que o amor arruína um casamento? — Não. Às vezes o casal tem sorte e, quando deixam de se amar... — Diz isso como se fosse inevitável! — E é. Não se vive no auge da paixão para sempre. É exaustivo, irreal. A paixão se acaba, as pessoas descobrem que não suportam mais uma à outra, e isso é o fim. Algumas, umas minorias descobrem que, apesar de tudo, conseguem se entender e tornam-se amigas, o que é muito mais seguro e duradouro... Laura balançou a cabeça em desaprovação. — Que frieza... — De modo algum. Só estou tentando ser claro e objetivo. Assim não se perde tempo com um monte de bobagens, nem se corre riscos. Não me surpreende que ache tudo isso um absurdo, Mac. Mas, quando entender meu ponto de vista, aposto que vai concordar comigo. — Não arrisque seu dinheiro nisso. — Vamos tomar você e seu verdadeiro amor como exemplo. — Não, não vamos, não — sentenciou Laura de imediato. — Tudo bem, então; vou dar um exemplo meu — concordou um pouco assustado com a reação dela. — Vamos supor; só para ilustrar a conversa, que me casasse com Debbie Baxter, perdidamente apaixonado por ela. E que, na noite passada, chegasse em casa depois de uma longa e dura semana de trabalho e fosse recebido com uma festa surpresa. Claro que não é um grande problema, mas, acredite... Teria sido o suficiente para pôr fim àquele amor fictício. — Vou me lembrar de anotar essa cláusula em seu contrato pré-nupcial, caso encontre alguém que concorde com essa maluquice — murmurou ela. — Festas surpresas devem ser consideradas pretexto para divórcio. — Não haverá divórcio. Puxa, será que não entendeu nada do que eu disse Mac? Vou me casar só uma vez, vou fazer a coisa bem-feita. Recuso-me a atrapalhar minha vida com uma separação. — Como pode fazer isso? — protestou ela. — Não pode simplesmente anunciar: "Não haverá divórcio", como se fosse uma questão racional. O que fará se ela mudar de idéia... Vai trancá-la na masmorra? — Isso não é uma ameaça, Mac, mas uma garantia. Uma vez assumido o compromisso, não haverá como voltar atrás. Funcionou assim tanto tempo antes de inventarem o divórcio. As pessoas se casavam, tudo que acontecesse depois seria resolvido de algum jeito, mas a união era para a vida inteira. — E algumas pessoas se sentiam miseráveis. — Mas não a maioria. O melhor jeito de evitar problemas é ter certeza de que não há nenhuma falsa expectativa desde o começo. E o amor traz uma expectativa falsa, já que não pode durar para sempre. Prefiro fazer uma... Sociedade honesta, com benefícios para ambos os lados. Vou encontrar uma mulher sensível e lógica que concorde comigo... — Aonde? — a interrompeu. — Vai colocar um anúncio no jornal, ou prefere a televisão? — Bem, posso lhe dizer aonde não vou procurar. Não estou interessado... Aliás, quero distância daquelas mulheres chatas da alta sociedade que, entediadas, sempre encontram um jogo novo para se entreterem... — Isso vai partir o coração de Debbie Baxter, sabia? — Essas mulheres logo enjoam até do casamento e procuram uma nova distração. — Não acha que está se subestimando, Justin? — Não. Vou encontrar alguém que saiba apreciar o que estou oferecendo. — Tenho certeza de que haverá uma longa fila. Ele continuou; um tanto ríspido. 22
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— Estou preparado para ser generoso... Posso me dar a esse luxo. — Não seria mais fácil contratar outra empregada? — Mac, está distorcendo minhas palavras. Não quero uma empregada! — Já sei! Está procurando um robô... Lógico, racional, que não tenha nenhuma emoção! Ainda bem que me contou a novidade antes de eu responder à carta de Louise. Sentiria-me uma perfeita idiota, explicando por que você não quer se casar, para na semana seguinte voltar atrás. Mal posso esperar para contar a ela... Vai vibrar tanto! — Eu sei... Com certeza vai achar que o mérito é todo dela — resmungou. — Talvez fosse bom refletir melhor sobre... — Não! — Ele parecia determinado. — Ignorei o conselho de minha tia por dez anos. Estava muito feliz sozinho, mas agora as coisas mudaram. Seria idiotice deixar de fazer o que quero só para contrariá-la. Laura sacudiu a cabeça de leve. — Ainda não consigo acreditar no que estou ouvindo — disse, afinal. — Sabe Justin, não devia concluir que o amor não existe baseado nos casos de divórcio com que lida. — Não foi isso que eu disse. Acredito que haja um tipo de amor que se desenvolve com o tempo. Mas naquele "verdadeiro amor" não acredito, não. É puro fruto da imaginação... Melhor, fruto de um desequilíbrio hormonal. — Impressionante! — Laura comentou com ironia. — Como vê Mac, o amor romântico é um conceito que não tem nenhuma história, nenhuma validade real. É uma invenção do mundo ocidental. O resto do mundo acha a idéia hilariante. Mesmo no ocidente a idéia era praticamente desconhecida há duzentos anos. — Obrigada pela lição de história. Só falta-me dizer que devemos voltar aos casamentos arranjados. — Sem dúvida foi um sucesso na tarefa de promover progresso do mundo, não acha? A sociedade era muito mais estável. — Isso é um caso à parte. Não pode dar mérito aos casamentos arranjados por tudo de bom do mundo. — De acordo. Mas o que há de errado com esse costume? — Já que acha a idéia tão fantástica, por que não consulta Louise? Quem sabe tenha uma garota em mente para você. — Calma lá; Mac. Tudo tem limite. — Quer dizer que não fala a sério? Sim, porque afirmar que deseja encontrar a mulher perfeita para seus planos é o mesmo que... — Não é nada disso. Olhe; os românticos dizem que há um homem ideal para cada mulher e vice-versa. Que nosso nível de hormônios se eleva quando encontramos o amor perfeito. — Ora, Justin, que exagero! — De modo algum. As idéias sobre o amor perfeito são um monte de asneiras. Para cada um existem centenas de casamentos compatíveis, desde que se queira manter a mente aberta e não permitir que as glândulas falem mais alto do que o cérebro. É triste, mas as pessoas insistem em acreditar que se não podem ter aquele ser; perfeito, nada mais deve ser considerado. Como você, quando seu grande amor se casou com outra... — Quer me convencer de que a atração física não é importante? — perguntou ela rispidamente, desviando o assunto. — Não disse isso, Mac. Mas com certeza não é só o que importa. Um belo dia o homem tem de se levantar da cama e acender a luz e se ele não gostar da mulher que vê? Se não quiser mais passar seus dias, bem como as noites, com ela? — Mal posso esperar para ver as caras dessas mulheres quando lhes pedir que preencham uma ficha, listando seus passatempos e interesses! O sarcasmo dela o abalou. — Não acho que será preciso tanta burocracia. 23
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— Oh? Quer que eu as entreviste? — Não! — Ele esticou as pernas e cruzou as mãos atrás da nuca, numa posição mais confortável. Olhava fixamente para o fogo. — Acho que você mesma devia se casar comigo. Dessa vez Laura não sentiu nenhuma vontade de rir. Num impulso, começou um furioso protesto. — E eu que pensei que... — Interrompeu-se. Ele podia estar louco varrido, mas ainda era seu patrão. Para completar, estava sozinha com ele, sem carro! — Acho que quero outra dose de brandy — pediu. Justin foi até o bar, no lado oposto da sala. Quando retornou, Laura já havia recuperado a calma. Ela apanhou a taça e tomou um generoso gole da bebida. — Se importa de me dizer quantas mulheres já recusaram sua oferta? Ele pareceu surpreso. — Nenhuma. Por quê? — Bem, fico lisonjeada que tenha me dado a primeira oportunidade, mas... — Não devia ficar — disse ele, com naturalidade, sentando-se ao lado dela. — É inteligente, organizada e está disponível para um compromisso. Essas são todas as características necessárias para que um casamento dê certo. Some-se a isso o fato de ser uma profissional dedicada, garantir seu próprio sustento... Posso ter certeza de que não vai atirar pela janela tudo o que dei duro para conquistar. E... — Obrigada — ela o interrompeu, esforçando-se para não perder a paciência. Que catálogo de virtudes para acompanhar uma proposta! — Agradeço os elogios — mentiu —, mas realmente é impossível. Não posso aceitar. — Por que não? Seria um casamento perfeito para você. Onde mais vai encontrar um homem que acha maravilhosa a idéia de ter um bando de filhos e uma esposa que fique em casa com eles? Você mesma disse que esse era seu sonho. Encare a realidade, Laura. Homens assim é uma espécie em extinção. — Não estou procurando por um homem — começou ela. — Não estou... — Não mesmo? Nunca mais? Quantos anos têm? — Vinte e seis. — Pode ficar sozinha por sessenta anos. Um longo tempo para chorar pelo seu amor verdadeiro. — Fez uma pausa, antes de prosseguir: — já descobriu por si mesma que o amor romântico não dá certo. Esse foi um dos motivos de lhe ter feito essa oferta. Não quero uma mulher que concorde com a idéia, mas que, no fundo, alimente esperanças de um dia mudar meu ponto de vista sobre o amor. — Bem, eu não teria a menor esperança — afirmou Laura secamente. Justin sorriu, satisfeito. — Eu sei. Suas ilusões foram todas destruídas, certo? É uma pena que tenha se magoado, claro, mas; por outro lado, teve muita sorte. Agora pode ser realista. Não há nada que nos impeça de ficarmos satisfeitos juntos. — Não, obrigada — insistiu ela. — Não é por causa de... — parou antes de deixar escapar o nome de Clay —... Do homem que amei. Mas existem outras coisas mais importantes para mim do que dinheiro, conforto material ou até mesmo filhos. Talvez nunca venha a alcançá-las, mas não terei perdido meu amor-próprio. — Amor próprio é perfeito, Mac, mas descobri que uma atitude honrada não ajuda a tornar mais confortável uma noite de inverno. Antes que Laura se descontrolasse, Justin encolheu os ombros e sorriu. — A escolha é sua, claro. Nada de ressentimentos, está bem? Ele apagou o fogo e então saíram. No caminho de volta ao apartamento de Laura, Justin manteve a conversa num tom ameno... Falando sobre os casos jurídicos do escritório. Aos poucos, ela foi recobrando a calma. Quando pararam diante do prédio, já se sentia relaxada. — Está vendo? — disse ela com um sorriso forçado. — Não quer se casar comigo de verdade, 24
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Justin. Sou valiosa demais no seu escritório. — Isso seria um problema — concordou ele. Então se virou para Laura, estendendo o braço sobre o encosto de seu banco. — Mas obrigado por considerar a proposta. Espero que não tenha se magoado, Mac... Quero dizer, vou me casar do mesmo jeito, logo... Ela o interrompeu, um pouco nervosa. — E espera que eu não diga a sua esposa que me fez a oferta, primeiro? Não precisa se preocupar com isso — garantiu. — Nesse caso, só mais uma coisa... Para satisfazer minha curiosidade — ele sorriu. Sua mão deslizou do banco para o delicado pescoço de Laura, enquanto se inclinava na direção dela. Ainda presa ao cinto de segurança, ela não conseguia se mexer. Tentou em vão protestar, mas não podia fazer mais nada quando os lábios dele cobriram os seus num beijo... "Não seja boba", pensou. "É só um beijo. Não precisa fazer um escândalo." Foi uma carícia agradável, delicada, suave... E casual, como se ele estivesse experimentando um novo sabor de sorvete. Laura tentou disfarçar seu constrangimento. — Então? Satisfez sua curiosidade? — indagou, esforçando-se para parecer tão; espontânea quanto ele. — Oh, sim — Justin respondeu sorrindo. — Até amanhã, Mac. Ela entrou em casa suspirando aliviada. — Se contasse sobre essa proposta maluca — disse ao gato que viera dar-lhe as boas-vindas, ninguém acreditaria. Exceto claro, a esposa dele... Se é que vai achar uma. A melhor coisa a fazer... É esquecer esse dia o mais rápido possível. "Se der sorte", pensou, "só vou levar um ou dois anos." No escritório, o trabalho duplicara pela ausência de Justin na semana anterior. Entretanto, contra todas as expectativas de Laura, o assunto parecia esquecido e nenhuma situação embaraçosa foi criada. Começava a desconfiar que tivera apenas um pesadelo. Na manhã de quinta-feira, Ridge Coltrain trouxe de volta os documentos do caso Gould. Justin recebeu o jovem oponente em seu escritório. Laura deixava a sala quanto Justin a chamou. — Mac? — Sim. — Levaremos ainda duas horas com isso, Mac, mas vamos resolver o caso. Pode nos reservar uma mesa para o almoço, por favor? — Faça reserva para três — sugeriu Ridge — e venha conosco. — Sorriu para Justin. — Com a possibilidade de um almoço na companhia de Laura, resolvo tudo isso num instante. Ela se desculpou. — Lamento desapontá-lo, Ridge, mas tenho de ir ao aeroporto. Justin franziu a testa. — Tinha me esquecido. Não ia tirar o dia todo de folga, Mac? — Não. Como já havia dito, só preciso de um tempinho a mais no almoço. Ele a encarou, pensativo, por um longo tempo. — Podia nos dar licença um instante, Ridge? Ridge Coltrain sorriu. — Se ele a demitir, Laura, lembre-se... — brincou, enquanto Justin o expulsava da sala, fechando a porta. — Mac — disse ele gentilmente —, você não tira um dia de folga há meses. Aprecio muito sua fidelidade, mas saiba que ninguém é insubstituível. Chame uma das garotas do departamento de datilografia para vir atender ao telefone e... Suma daqui. E, é claro, divirta-se! — Mas não é necessário. — Ouça se não quer se casar comigo, tudo bem — comentou com ironia —, mas não quero que sua irmã pense que a escravizo; certo? Minutos depois, em sua sala, Laura refletia sobre a situação. Um homem cuja proposta de 25
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casamento fora rejeitada sem dúvida não agiria desse jeito... "Claro", concluiu, "não se trata de um casamento, mas de uma união contratual." Ligou para o departamento de datilografia e chamou uma das garotas para substituí-la. Então foi para o aeroporto buscar as visitas. Enquanto aguardava a chegada do vôo, não parava de pensar no comentário de Justin. Parecia mais preocupado com a opinião de Shelley sobre ele do que com sua recusa. Como podia ser tão frio assim? — Pouco me importa — resmungou. — Desde que me deixe fora disso, o problema é dele! Não demorou muito e viu Clay entre os passageiros que deixavam o avião. Seu primeiro pensamento foi: "Ele não parece nada bem", então se lembrou de que já se habituara à pele bronzeada dos sulistas e, comparado a eles, Clay parecia um tanto pálido. Ao lado dele, a pequena Shelley, na ponta dos pés, corria os olhos pela multidão. No instante em que avistou a irmã, correu para ela. Falava com tal entusiasmo que Laura resignou-se a abraçá-la. Assim era Shelley! Sempre tagarelando, desde a adolescência, sobre garotos, dança; maquiagem, música. Laura ouvia, guardando para si suas idéias e, às vezes, á invejava. Shelley, quatro anos mais nova... Tão espirituosa; cheia de vida, sempre certa de que conseguiria qualquer coisa que quisesse... E em geral isso acontecia. Como com Clay, por exemplo... Bastou que estendesse a mão para tê-lo junto de si. "Isso não é justo'', Laura disse a si mesma. Em primeiro lugar, Shelley não poderia tê-lo obrigado a se casar, se ele não a desejasse. E talvez até tivesse desistido dele, se lhe tivesse dito o quanto o amava. Sua irmã era desatenta, irresponsável, egoísta mesmo... Mas não maldosa. Não, não podia culpar Shelley. Laura guardara segredo de seu amor por Clay. Nada dissera à irmã na época em que ela fora para Green Bay, há quase um ano. Na verdade, não tinha com Clay um compromisso formal. Tinham um romance... Tantas coisas em comum, muitos sonhos... Laura acreditava que logo se casariam, e que Shelley ficaria feliz com a novidade! Só quando Shelley foi morar com Clay se deu conta do que havia entre eles. Sentiu-se uma perfeita idiota por não ter notado nada, mas tudo parecera tão inocente... Clay fazendo companhia a sua irmã enquanto trabalhava, levando-a para passear pela cidade, entretendo-a... Foram visitá-la algumas vezes depois do súbito casamento; Shelley, entusiasmada e tagarelando mais que nunca, Clay determinado a assumir as responsabilidades de uma união, seguro de seu amor pela esposa, certo de que Laura podia entender. Portanto, a única saída que encontrara foi abençoar aquela união e deixar Green Bay. Não, não fora culpa de Shelley. Nunca ficara sabendo do que havia entre ela e Clay, nem deveria saber. Por mais que sofresse para manter esse segredo, Laura não podia destruir a felicidade da irmã. Por fim, Shelley soltou-se dela e, Clay perguntou: — Bem, Laura, que tal um abraço? Ela se encheu de coragem, virando-se para encará-lo com um sorriso de boas-vindas. Clay passou os braços em volta de sua cintura... Ela não pôde deixar de recordar os velhos tempos... Quando os abraços dele não eram fraternais e seus beijos, apaixonados e ardentes. Não chorar naquele instante foi à coisa mais difícil que tivera de fazer em sua vida, até aquele momento...
CAPÍTULO V
— Ela não tem o menor bom senso, esse é o problema — reclamou Justin, irritado. — Uma 26
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cliente ligou para cá ontem perguntando se, poderia jogar os troféus de boliche do marido no lixo, já que ele a abandonou e pediu o divórcio... Laura encostou o fone ao ombro e expulsou o gato do balcão para apoiar o bule de café. Ainda era bem cedo, mas tinha o pressentimento de que ia precisar de muita cafeína. Justin ligando para sua casa àquela hora era um bom sinal. — E aquela maldita garota que veio substituí-la disse-lhe que não! Laura arqueou as sobrancelhas. — Não era isso que você teria dito? Jamais recomendaria que ela destruísse os pertences do marido, certo? — Claro — retrucou-o, impaciente. — Só que nunca iria sugerir que os enviasse ao Exército da Salvação! — "Oh, não! — Seria cômico se não fosse trágico", pensou Laura. — Por sorte, entrei na sala na hora exata e consegui resolver a situação. — Vou ter uma conversinha com essa menina. Não devia tê-la deixado me substituir. Ele resmungou qualquer coisa. — Não vai despedi-la, não é, Justin? Não foi intencional; isso é falta de experiência — acrescentou gentilmente. — Ela só tem vinte anos. — Para o bem dela, é melhor que adquira experiência rapidinha — Justin retrucou. — Você vem trabalhar hoje, não vem? — Ele parecia ansioso. — Claro que sim. — Já estava vestida para o trabalho, uma hora mais cedo que de costume. Mal pregara os olhos à noite e não via à hora de sair do apartamento... — Ótimo. Lamento roubá-la de suas visitas. O que eles vão fazer hoje? — Não sei. Não tivemos chance de planejar nada. — Eles vão alugar um carro? É aconselhável, do contrário, não poderão conhecer muita coisa. É tudo tão longe... — Houve uma pequena pausa. — Tenho uma idéia, Mac, passo aí para apanhála. Assim eles poderão usar seu carro. — Tudo isso só para ter certeza de que não vou fugir do trabalho hoje, Justin? Ele riu. — Te vejo dentro de meia hora, Mac. Sob outras circunstâncias, teria sido muita gentileza dele. Mas não era uma má idéia. Com um carro na mão, Clay e Shelley poderiam passear sozinhos. E, uma vez que dependeria da corona de Justin, teria uma boa desculpa para chegar mais tarde em casa. Tomara que os pombinhos continuassem dormindo. Assim, bastaria deixar-lhes um bilhete, as chaves do carro e sumir dali. Enquanto se servia de café, relembrou a época em que levava para Clay, ao despertá-lo, uma xícara de café fresco. O aroma agradável o ajudava a acordar bemhumorado. Tomou um gole da bebida e virou-se para dar uma olhada no relógio de parede. Quase derrubou a xícara ao deparar com Clay parado junto à porta, com o cabelo em desalinho, descalço e usando apenas a calça do pijama. A visão de seu peito musculoso nu, daqueles olhos azuis fitando-a intensamente, perturbou-a. Ele estava mais bonito que antes. Tê-lo outra vez por perto seria mais difícil do que imaginara, mesmo porque ele não parecia feliz. Talvez a situação também o perturbasse. Ainda tinham duas semanas pela frente... E ele por certo não gostaria que Shelley suspeitasse de nada. Não era só isso. Notou, no almoço do dia anterior, que a tratava com delicadeza, diferente da maneira como se dirigia à esposa. Tentou afastar aquela suspeita de sua cabeça. Devia estar imaginando coisas, na esperança de que ele lhe declarasse que não poderia ser tão feliz com sua irmã como fora com ela. Só podia ser isso. Se não, Shelley já teria mencionado alguma coisa. A não ser que... Nem desconfiasse que houvesse algo errado. Clay passou a mão pelos cabelos loiros, dizendo: 27
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— Mal pôde esperar para tomar uma xícara de café pela manhã, não é? — Sua voz era um sussurro sensual. Na tentativa de disfarçar seu nervosismo, Laura serviu café a ele, acompanhando-o até a pequena mesa da sala de jantar. — Era seu novo namorado ao telefone? — indagou irônico. — Shelley pensa que tem um namorado. Laura imaginava quanto tempo ele estivera parado lá, junto à porta, ouvindo a conversa. — Não me venha com essa você também — retrucou, com um sorriso forçado. — Era meu chefe. Ele acenou positivamente, tomando um gole generoso do café. — Quem liga a essa hora da manhã acredita que vai ser muito bem recebido. — Ou é apenas autoconfiante — retrucou friamente —, como no caso de Justin. Por que Shelley tem tanta certeza sobre meu namorado? — Pelo modo como evita tocar no assunto, é óbvio que tem um romance secreto. — Bem, para mim esse assunto está encerrado. Ela já me amolou demais com essa história ontem. Só por não ter me encontrado em casa quando ligou na semana passada, não é motivo para suspeitar que esteja escondendo alguma coisa. — E você está Laura? O rouco murmúrio a fez estremecer. Será que ele realmente se importava? Cerrou os punhos sob a mesa. — Acho que isso não é da sua conta, Clay — respondeu com calma. Clay sorriu, com uma sombra de tristeza nos olhos azuis... Ou será que estava imaginando coisas? — Das irmãs, sempre foi a de maior bom senso, Laura. "Então por que se casou com ela quando dormia comigo?", pensou. Um ruído na sala de estar alertou-a para a chegada de Shelley. Com um sorriso amável, virouse para cumprimentá-la. Shelley parecia outra depois da noite de sono, muito mais jovem. Tinha um ar inocente, os cabelos ainda despenteados cobriam parte de seu rosto. Usava uma enorme camiseta. Shelley arqueou as sobrancelhas olhando para o conjunto azul de saia, blazer e blusa de seda da irmã. — Vai mesmo trabalhar hoje? — Tenho de garantir meu sustento. — Mas mal acabamos de chegar! Não pode ligar para lá e dizer que está doente, querida? Laura não estava disposta a prolongar o assunto. — Por que não aproveitam o dia para decidir o programa do final de semana? — sugeriu. — E o que vamos fazer hoje? — queixou-se Shelley. — Pode começar preparando meu café da manhã — disse Clay. — Se está com fome, vire-se — Shelley retrucou furiosa. — Não pretendo passar minhas férias na cozinha, nem ficar trancada; nesse apartamento o tempo todo. Não imaginava que morasse tão longe de tudo, Laura. Aquilo respondia a suspeita de Laura. Shelley percebia que havia algo de errado, que Clay não era feliz, mas não parecia disposta a colaborar. Aquela mulherzinha irritante e mimada não era "sua" Shelley. — Podem ficar com meu carro hoje — anunciou, com profundo alívio pela idéia de Justin. — Bem, já é alguma coisa. Onde sugere que inicie minhas compras? Coisas para o bebê... Clay, que abria a geladeira, olhou-a por sobre o ombro. — Ainda é cedo para isso, Shelley. — Só vou comprar umas coisinhas — insistiu Shelley, indo até ele e enlaçando-o por trás — bem pequenininhas — adicionou. — Sou bem mais flexível quando não estou com fome — afirmou Clay. Shelley olhou-o com ternura, tirando algumas coisas da geladeira. 28
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— Lingüiça e ovos; certo? Nem liga para o fato de essas coisas me darem enjôo... Bem, está com sorte. Vejo que Laura compra a marca de lingüiça que você mais gosta. Laura fechou os olhos por um breve instante, engolindo em seco. Doía-lhe a lembrança de todas as outras coisas que ainda comprava por serem as preferidas de Clay. — Que bom que goste. Estavam em oferta esta semana — mentiu, apressando-se para atender a porta. Justin ainda tinha o dedo na campainha. — Achei que os vizinhos não iriam gostar se eu buzinasse a essa hora. — Desculpe. Devia ter esperado você lá embaixo. — Tudo bem. Queria mesmo conhecer sua irmã. Assim, quando reclamar do seu chefe, ela vai se lembrar da minha carinha de anjo e acreditar que você está sendo injusta. Clay e Shelley tinham vindo até a sala de estar. Shelley admirava a elegância do terno cinza de Justin, enquanto Clay o fitava com um olhar inexpressivo. Justin apertou a mão de ambos e, educadamente, ignorou o fato de ainda estarem vestindo suas roupas de dormir. — Espero que gostem de Phoenix — disse ele. — Se precisarem de alguma informação turística... Laura quis morrer ao ouvir aquilo. Shelley arregalou os olhos, animada. — Quanta gentileza! Aposto que conhece os melhores e mais aconchegantes restaurantes da cidade. Justin riu. — Acho que já experimentei todos. Posso levá-los para jantar esta noite? Shelley aceitou de imediato. Laura esperou até estar a sós com Justin no conversível vermelho para fazer seu comentário. — É melhor preveni-lo que Shelley não é do tipo que acharia encantador um restaurante como o Emilio's. — Já suspeitava disso — retrucou sério. — Tem certeza de que são irmãs? — Meia irmãs, na verdade. — Ela olhava a paisagem pela janela. Justin parecia estar com pressa de chegar ao escritório. — Oh, isso esclarece tudo. Não são nada parecidas. Laura virou-se para encará-lo. Não devia se surpreender com aquela observação. Era raro um homem que não admirasse o tipo de Shelley... Cabelos pretos, grandes olhos, um bonito rosto e sensualidade à flor da pele. Na verdade, já estava acostumada. Claro que Shelley não tinha culpa de ser tão perfeita, tudo o que Laura jamais seria. — Vocês têm a mesma mãe ou pai? — indagou Justin. — A mesma mãe. Mamãe casou-se com Matthew Rhodes alguns meses depois de se divorciar de meu pai; Shelley nasceu um ano mais tarde. — Deve ser duro perder o pai e ganhar um padrasto não? — comentou num tom amável. — Mat sempre foi muito bom para mim. Tinha só três anos quando ele se casou com mamãe. Nem me lembro de ter sido diferente. Chegaram ao escritório naquele instante. Laura se sentiu aliviada, não gostaria de prolongar o assunto. Antes de ir para sua sala, Justin parou ao lado da mesa dela. — Você devia ligar para tia Louise hoje — sugeriu. — Ligar para ela? Por quê? — Desviou surpresa os olhos da correspondência. — E por que eu? Oh, não me diga... Encontrou uma mártir para ser sua esposa e quer que eu espalhe a novidade. Ele arqueou as sobrancelhas. — Mártir! Não acha que está sendo um pouco rude? E... Não, não a encontrei... Ainda! — Então por quê? — Vai achar um telegrama dela no meio dessa bagunça — avisou-o gentilmente. — Parece que não enviou minha carta para ela na segunda... 29
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— Puxa! Esqueci-me totalmente. Além dos mais, não sabia o que dizer... Sob tais circunstâncias... — E eu não assinei uma das cartas, então tia Louise... — Que comovente! Ela está preocupada com você. — Não. Na verdade, está preocupada com você! Pelo visto, seus esforços de escrever cartas de acordo com meu ponto de vista não deram resultado. Laura revirou os papéis de sua mesa até encontrar o telegrama, que dizia: "Querido Justin, espero que a doença de sua secretária não seja grave. Aguardo ansiosa a próxima carta dela. Louise." Laura deixou o telegrama sobre a mesa e comentou: — Bem, pelo menos ela aprecia meus esforços. Puxa! Não tem nenhum recadinho para você, Justin. Mas... Você faz por merecer. Afinal, nem se dá ao trabalho de ler as cartas. — Leio todas! — protestou ele. — Eu não a recriminaria se ignorasse seu aniversário no ano que vem, já que você é incapaz de enviar-lhe um simples "obrigado" por um presente tão generoso. Oh, por falar nisso... — Abriu a bolsa, retirando um pequeno embrulho, que entregou a ele. Justin enrugou a testa. — Calma. É só uma lembrancinha. — O que é? — indagou com desconfiança. — Abra e verá. Ele abriu com todo cuidado, como se temesse ser mordido por alguma coisa lá de dentro. — Uma fita cassete para secretária eletrônica? Obrigado, mas... — Achei que essa seria sua próxima aquisição para o carro... Uma secretária eletrônica para tomar recados quando você não estiver lá. — Ela exibiu um sorriso radiante. — Adoraria ter-lhe comprado a secretária... Mas meu orçamento está um pouco apertado esse mês. — Não aceito insinuações quando se trata de pedir aumento, Mac. Passe-me seu pedido por escrito que eu estudo o caso. — E aí recusa meu pedido, suponho. Você bem que merece a garota do departamento de datilografia. Ele lhe sorriu, caminhando em direção a sua sala. — Não me venha com ameaças. Sei que uma boa secretária como você é muito difícil de achar. — Acabo de ter uma idéia maravilhosa! — disse, animada. — Podia se casar com ela! Justin a olhou, horrorizado. — Ora, não queria uma mulher que desistisse do trabalho para ficar em casa cuidando dos filhos? — indagou. — É perfeita! Todos concordam que ela não deve passar toda sua vida num escritório... Ele entrou, batendo a porta. Laura sorriu enquanto colocava papel na máquina para datilografar seu pedido de aumento salarial. Afinal, seus gastos para as duas semanas seguintes iriam duplicar. O restaurante francês que Justin escolheu para o jantar daquela noite ficava na área mais luxuosa de Phoenix. Não era muito grande, mas aconchegante e obviamente caro. Shelley admirava o ambiente elegante. — Ele é o tipo de homem que se deve agarrar com unhas e dentes, Laura — murmurou, apressando-se ao encontro de Justin, que os aguardava à mesa. Laura sentiu pena de Clay ao vê-lo suspirar, desolado. — Minha esposa me acha um caipira. — Não, Clay, não foi isso que ela quis dizer. Às vezes Shelley não pensa antes de falar. Ele a olhou com ternura. — Eu sei. Mas... Há dias, Laura, que chego a pensar que cometi um tremendo erro... E vou ter de pagar por isso pelo resto da vida. 30
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Minutos depois, ocupavam seus lugares à mesa. Conversavam animados enquanto pediam os aperitivos. Menos Laura, que refletia sobre aquela meia-confissão de Clay. Estava irritado com Shelley só naquela noite ou será que havia se desiludido? Shelley parecia tão diferente... Nem de longe lembrava a garota meiga com quem ele se casara. Viver com ela agora não devia ser nada fácil. Se depois de dois dias Laura já estava farta, podia imaginar como Clay se sentia depois de um ano... — Paixão se acaba — dissera Justin. — As pessoas descobrem que não suportam mais uma à outra, e isso é o fim. Seria isso que estava acontecendo a eles? E se fosse? Significava que o homem que amava estaria livre, então... Para sempre, seria vista como uma mulher que roubara o marido da irmã; alguém que, para ter o homem que desejava, destruíra um casamento. Shelley ficaria desolada, a culpa os perseguiria pelo resto de suas vidas. E havia o bebê, uma criança inocente envolvida em tudo isso. Ela, que já presenciara verdadeiras guerras envolvendo custódias de crianças, jamais teria coragem de criar uma situação embaraçosa como aquela. Não, qualquer coisa que acontecesse com o casamento de sua irmã não lhe dizia respeito. Mesmo que Clay tivesse feito a escolha errada, não havia como voltar atrás. Para o bem de todos, só lhe restava cuidar para que tudo corresse bem durante a estada deles em sua casa. E torcer para que esse episódio nunca mais se repetisse. Olhou para Clay por cima da taça de vinho, pensando: "Adeus, meu amor. Não há nenhuma esperança para nós..." — Adoro esse clima — dizia Shelley. — Adoro sair por aí, sem ter de vestir quase nenhuma roupa. É tão quente aqui! O olhar de Justin encontrou o de Laura, enquanto ele concordava com um aceno. Notou a ironia no rosto dele e teve vontade de rir. Para um nativo, aquele era um dia nublado. Só para uma garota nascida numa região muito fria aquele podia ser considerado "um dia de verão". Naquele instante, Laura se deu conta de que já se adaptara por completo ao clima do sul. Mas estaria sendo indelicada se risse da irmã. Shelley às vezes era ingênua, tão inocente... Quanto uma criança. — Em Green Bay não temos nenhum restaurante que chegue aos pés deste — comentou Shelley, deslumbrada ao olhar o cardápio. — Se não fosse tão grande, Phoenix seria uma cidade perfeita. Justin comentou, sorrindo: — Mas tinha de ser grande o suficiente para abrigar todas as coisas maravilhosas que possui. Shelley riu, tocando de leve a mão dele. Laura apenas sorriu. Justin acertara em cheio na escolha do lugar para impressionar Shelley. Sabia perfeitamente como entretela, sem que sua gentileza fosse confundida com um flerte. Se, por um lado, Justin e Shelley pareciam se entender tão bem, Clay, ao contrário, tornava-se cada vez mais calado, bebendo além do que seria aconselhável. Quando, durante o jantar, Justin perguntou-lhe sobre sua profissão, ele respondeu com certa rispidez: — Sou gerente numa fábrica. Mas, por favor, não me lembre disso... Estou de férias. Laura ficou impressionada com a amargura em sua voz. — Clay, não seja rabugento — advertiu Shelley, antes de voltar-se para Justin. — Clay é ótimo para lidar com o público, mas seu emprego atual não lhe dá essa chance. Ele gostaria de ter seu próprio negócio, onde pudesse trabalhar diretamente com as pessoas... — Em vez de lidar com faturas, estatísticas e produção — completou Clay. — Agora, vamos mudar de assunto, está bem? Minutos depois, Shelley se levantou para ir ao toalete. Como demorava a retornar, Laura foi atrás dela. Encontrou a irmã sentada numa pequena poltrona. Perdida em pensamentos, só notou a 31
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presença de Laura quando ela, de leve, lhe tocou o ombro. Ergueu os olhos, forçando um sorriso. — Gosto do seu Justin, querida. Lembre-se do meu conselho: agarre-o com unhas e dentes antes que outra o faça. Claro que é melhor que todas elas, mas... — Shelley... — Laura hesitou. Não tinha nada a ver com seus problemas, mas era tão evidente que havia algo errado... — Quer falar sobre isso? — Sobre o quê, Laura? — Shelley levantou-se, indo até o espelho para retocar a maquiagem. — Sobre o que a está incomodando. Se estiver com problemas... — Oh, é só esse maldito enjôo. Dizem que mulheres grávidas têm enjôo pela manhã. Mentira! Passo o dia todo enjoada. — Pense no bebê — sugeriu Laura com ternura. — Tente não pensar no enjôo... — É fácil dizer isso. Você nunca sentiu enjôo. "E provavelmente nunca vou sentir", concluiu em pensamento. — Concentre-se na felicidade que terá quando o bebê chegar. Todo sacrifício terá valido a pena, só pela emoção de segurar seu bebê no colo! — Às vezes acho que... — ela jogou a cabeça para trás e riu alto — acho que vou ter a gravidez mais longa do mundo... Parece que já dura, anos! O manobrista trouxe os carros depois do jantar. Shelley, maravilhada com o carro de Justin, comentou: — Que luxo! Leva-me para dar uma volta qualquer dia? — Que tal agora? Posso levá-la para casa, se quiser. — Não seja louco! — resmungou Laura. — Meu apartamento fica vários quilômetros fora do seu caminho, Justin... — Depois de morar trinta anos em Phoenix, Mac... — Ele riu e acrescentou: — Tudo bem, trinta e cinco, concluí que tudo fica fora do caminho. — Tomou Shelley pelo braço, ajudando-a a entrar no conversível. — Está vendo? — disse Shelley. — Não disse que Phoenix era grande demais? O conversível desapareceu em meio ao trânsito. Clay e Laura se entreolharam, constrangidos. — Acho que nós dois sobramos — disse Clay, apanhando as chaves do carro de Laura da mão do manobrista. Sem conhecer a cidade, ele dirigia devagar. Ela, por sua vez, limitava-se a informar-lhe as direções a serem seguidas. — Acho que seu amigo não gostou muito de mim — comentou Clay finalmente. — Devo admitir que nem eu dele. Mas é evidente que não sentiu o mesmo por Shelley. Laura fitou-o, surpresa com aquela insinuação. — Clay, não é nada do que está pensando. Ele só quis ser gentil. Além do mais, tenho certeza de que Shelley sabe distinguir bem as coisas. Ele permaneceu calado durante o resto do trajeto. Minutos depois de Justin ter recusado o café e deixado o apartamento, Shelley convidou Clay para dar um passeio a pé pelas redondezas. Laura sentiu-se aliviada, agradecida por uns momentos de paz. Então tomou um longo e relaxante banho quente. Quando voltaram, já estava na cama. Devia ser grata por tudo ter acabado bem entre eles naquele dia. "O bebê" pensou. Naquela noite, chegara a considerar que Shelley talvez abortasse a criancinha, se lhe fosse dada essa chance. Ela lhe parecera tão indiferente à gravidez... Horrorizada com aquele pensamento, sentiu-se tão enjoada quanto Shelley. Daria tudo para estar no lugar da irmã. Acreditava que nunca ficaria grávida, jamais teria o prazer de segurar seu próprio filho nos braços. A menos que... Havia Justin. — Que idéia absurda! — repreendeu-se, cobrindo a cabeça com o travesseiro. Não desejava partilhar aquela experiência com ninguém mais além de Clay. Casamento, um lar, filhos... Tudo isso não tinha o menor valor se não fosse ao lado do homem amado. Mas, se era impossível ter o homem que amava... Então estaria condenada a ficar sozinha para 32
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sempre? Será que era demais querer um filho? Muitas mulheres criavam seus filhos, sozinhas, algumas até por escolha própria. Não ela. Não pretendia que fosse assim. E... Seria incapaz de se casar com um homem sem amá-lo. Seria o mesmo que traí-lo. A menos que esse homem fosse Justin. Ele nunca se sentiria traído, uma vez que sua regra era: nada de amor! Se, se casasse com Justin... — Não! Fora de cogitação! De qualquer modo, ele já teria descartado essa possibilidade, depois da experiência com a garota do departamento de datilografia. Seria mais fácil encontrar candidatas a esposa do que uma secretária eficiente... Ela bocejou. "Agora, trate de dormir", ordenou a si mesma. "O cansaço está fazendo você pensar um monte de bobagens!" Antes de pegar no sono, imaginou o que Justin teria achado de Shelley. Sem dúvida, prestara muita atenção em sua irmã...
CAPÍTULO VI
Na segunda-feira, Laura estava feliz por voltar a trabalhar, apesar do final de semana não ter sido desagradável, sem brigas ou explosões de temperamento. Shelley parecia bem mais calma, até seus enjôos deram-lhe algum sossego. Ou melhor, Shelley decidira não permitir que interferissem em coisas de fato importantes... Como fazer compras. Justin passou para levá-la ao trabalho novamente e, desta vez, chegou a tempo de aceitar uma xícara de café, brincar com o gato e conversar com Clay. Ele, engolindo seu orgulho, agradeceu a Justin pela sua atenção. — Foi bom para nós termos o carro de Laura na sexta. — Ficar preso em qualquer canto de Phoenix sem carro é sempre terrível — afirmou Justin, sério. Segurou-o gato em seus braços, acariciando o pelo macio do pescoço do animal. Vibrato ronronou contente. Laura terminava de lavar a louça da noite anterior. — Vou deixar a cafeteira ligada para que Shelley encontre café quente quando acordar — avisou a Clay. — Mas, por favor, lembre-se de desligá-la antes de sair. — Secou as mãos, vestiu o blazer e apanhou a bolsa. — Desculpe tê-lo feito esperar, Justin. Ele colocou o gato no chão e limpou os pelos da manga do paletó azul-marinho sem comentar nada. No dia seguinte, Shelley estava acordada quando Justin chegou; ela o recebeu na sala de estar enquanto Laura colocava algumas peças de roupa na secadora. Quando ele chegou na quarta-feira, Laura estava trocando os lençóis do quarto das visitas; Shelley e Clay já haviam saído. Clay detestava se levantar cedo, mas mostrara-se ansioso para ver o nascer do sol nas dunas. Shelley reclamou um pouco, mas cedeu... Depois da promessa de almoçarem no restaurante onde Justin os levara para jantar. Na quinta-feira, Laura já estava farta daquela provação. Justin escolheu justamente aquela manhã para recusar seu pedido de aumento de salário. Aquilo á deixou furiosa. — O fato de ter adquirido dois parasitas não é uma razão adequada para me pedir aumento — esclareceu ele, quando a chamou até sua sala para contar-lhe a decisão. — Eles não são parasitas — Laura retrucou nervosa. Ele lhe lançou um olhar incrédulo. 33
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— Não mesmo? Durante esse tempo todo que estão usando seu carro, Clay alguma vez o abasteceu? — Não. — E, pelo que tenho observado, diria que nenhum dos dois ergue um dedo para ajudá-la no apartamento. — Pensei que gostasse... Pelo menos de Shelley! — Não sou cego, Mac. — Endireitou uma pilha de papéis sobre a mesa, acrescentando num tom um pouco mais gentil: — Como pretende passar mais uma semana inteira assistindo à ruína do casamento deles? — Não há nenhum casamento arruinado. Ele ergueu uma sobrancelha. — Não diria que se tornaram bons amigos, diria? — Você e suas malditas teorias! — explodiu, antes de se lembrar que havia um jeito melhor de lidar com Justin. — A propósito — prosseguiu docemente —, como vai sua campanha com a futura esposa? Já selecionou as finalistas? Ele olhou com firmeza em seus olhos verdes, atirando um cartão sobre a mesa. — Obrigado por me lembrar. Pode mandar flores para este endereço hoje, por favor? Laura leu o endereço do cartão e riu. — Vai mandar flores para Ridge Coltrain? — Olhe atrás, Laura. Ela obedeceu. Além do endereço, havia também um nome e um número de telefone. Ergueu os olhos para Justin. — Rosas vermelhas de cabo longo, certo? — Rosas, não. Cravos cor-de-rosa servem. — Só cravo? Para uma garota chamada Desirée? Se quiser que ela esteja disponível da próxima vez que ligar... — Como não vou ligar para ela de novo, é indiferente que ela fique em casa grudada ao telefone ou não. Se não fosse prima de Ridge, nem me preocuparia em mandar as flores. — Ridge é um excelente advogado — disse ela com cinismo. — Agora, esperar que fosse bom casamenteiro... Já é exigir demais do coitado, não acha? Pela aparência de Justin, teria um acesso de raiva a qualquer momento. Laura fechou a porta atrás de si com toda delicadeza. Pelo jeito, colocar aquela teoria maluca em prática estava sendo mais difícil do que ele imaginara. O resto do dia continuou tumultuado. Como dizia o ditado: o que começa mal acaba mal. No meio da tarde, Justin saiu de sua sala com um cliente e encontrou Debbie Baxter a sua espera. Virou-se para Laura, fulminando-a com o olhar. Ela só arqueou as sobrancelhas. — Expliquei a Srta. Baxter que sua agenda está cheia, mas ela insistiu em esperar — esclareceu. Debbie deixou a revista de lado. — Justin, querido! Há dias tento ligar... Mas nunca para em casa, não é? Preciso... Muito... Falar com você! — Mac, marque uma hora para... — Acho que não entendeu Justin. Trata-se de uma emergência. Bob se recusa a pagar minha pensão. Acho que vamos ter de resolver isso no tribunal. — Enxugou no lenço de papel uma lágrima invisível. — Oh, Justin... Tudo isso é horrível! — Tudo bem. Vamos entrar Debbie. — Por trás da cliente, fez um sinal para Laura. Ela acenou positivamente. Cinco minutos depois, ela avisava pelo interfone: — Lamento importuná-lo, Sr. Abernathy, mas me pediu que o avisasse quando o Sr. Johnson chegasse. Em poucos segundos, Debbie era escoltada até a sala de Laura novamente. 34
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— Desculpe Debbie — dizia Justin. — Vamos ter de terminar nossa conversa numa outra hora. Ela olhou para as cadeiras vazias da sala. — Sr. Johnson, hein? — Ele o aguarda na sala de conferência — informou Laura a Justin. — Aqui está a pasta com os documentos que vai precisar. — Estendeu-a a Justin, que a apanhou e seguiu para a outra sala, fechando a porta atrás de si. — Tenho uma entrada sobrando para o concerto desta noite — disse Debbie. — Conhece aquele pianista que é o mais novo fenômeno na música? Caso não tenha nenhum compromisso, querida... Quando afinal Debbie se foi, Justin retornou à recepção, jogando a pasta sobre a mesa de Laura. — Da próxima vez que precisarmos de um cliente fictício, não diga que ele me espera na sala de conferência. Daqui dá para ver lá dentro; se a porta estivesse aberta, estaríamos fritos. — Foi por isso mesmo que a fechei antes de chamá-lo pelo interfone — murmurou. Um leve sorriso iluminou o rosto dele. — Você é uma jóia rara, Mac. Tenho mais algum compromisso para hoje? — Não, isso foi tudo. — Nesse caso, vou até a academia. Talvez um pouco de ginástica me livre de algumas frustrações. Partiu antes que ela pudesse lembrá-lo de que dependia dele para voltar para casa. Na esperança de que ele não se esquecesse da carona, retomou o trabalho. Poderia pegar um táxi, claro, mas do jeito que andava seu saldo bancário não seria aconselhável. Para completar o dia, Shelley ligou para o escritório meia hora antes do final do expediente. Falava tão depressa que Laura não conseguia entender quase nada. — Espere aí! — ordenou Laura. — Vamos devagar! Senão, vou acabar pensando que vocês dois compraram uma loja esta tarde... — E compramos! — confirmou Shelley, rindo. — Uma butique de roupas femininas... O tipo de negócio que Clay sempre quis. Ô proprietário está se aposentando e poderemos pagar em parcelas. Não é maravilhoso? Já estávamos detestando a idéia de voltar para casa, para aquele frio danado, aquele emprego horroroso de Clay... E de repente surgiu esse negócio da China! Como mágica Laura! — Não pode estar falando a sério, Shelley — retrucou desesperada. — Não se pode tomar uma decisão tão importante dessas assim... De uma hora para outra! — Não foi de uma hora para outra — insistiu Shelley, ingenuamente. — Soubemos do negócio na segunda-feira. Estivemos pensando nisso desde então. Claro que ligamos para papai para saber a opinião dele. Vai ser tão bom para Clay! Não vejo a hora de me tornar uma garota do Arizona. "Eles não podem ficar em Phoenix", pensou Laura. "Não podem. Não vou permitir!" Permitir? Quem era ela para impedi-los? — Liguei por outro motivo também — prosseguiu Shelley. — É que... Se tiver um compromisso para esta noite... Bem, não se preocupe conosco. Temos muito que comemorar e se não se importa... — Gostariam de ficar a sós — completou Laura. Havia um tom de cinismo em sua voz. — Sei que isso é um abuso, querida. Afinal, o apartamento é seu. Mas seria tão bom termos um pouco de privacidade... — Está bem se voltar para casa às nove? — indagou nervosa. — Oh, Laura, você é mesmo um anjo — comentou Shelley, rindo com toda naturalidade. Laura ficou ainda mais irritada. Desligou o telefone e, com as mãos tremulas, cobriu o rosto. Talvez não tivesse de vê-los com freqüência. Phoenix era uma cidade grande; eles estariam ocupados com a loja... Havia ainda a 35
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chance de alugarem um apartamento bem longe do dela. Mas quanto tempo levaria para achar um apartamento? Provavelmente, algum tempo, uma vez que estavam empregando todo o dinheiro de que dispunham na loja. O que significava que continuariam hospedados em sua casa por mais um ou dois meses... Não! Não poderiam ficar em Phoenix. Isso não seria justo. Mas... Não havia como mudar aquela situação. Não havia nada que pudesse fazer. Estava de mãos e pés atados! — Droga! — resmungou furiosa. — Srta. McClenaghan? — A recepcionista parecia assustada. — Tudo bem? Passei aqui para ver se queria uma carona, já que o Sr. Abernathy não voltou. Sem pensar, começou a amontoar os papéis nas pastas, para depois guardá-las. — É muita gentileza sua — agradeceu. — Estou mesmo com uma terrível dor de cabeça. — Então, deve ir direto para casa e se deitar num quarto escuro — recomendou à recepcionista. — É um santo remédio! — Me disseram que o melhor seria me manter ocupada — comentou. Ao mesmo tempo, imaginava: "Mas fazendo o que até as nove horas?" Se Shelley queria privacidade, deveria alugar um quarto de hotel! — Quem lhe deu esse conselho maluco? O Sr. Abernathy? "Conselho... Sr. Abernathy...", pensou Laura. — Oh, claro! Ele mesmo. Poucos minutos depois, a recepcionista estacionou o carro diante de um velho sobrado. Olhava com desconfiança para Laura. — Precisa mesmo entrar aí? Não acha; arriscado entrar nesse... Prédio, sozinha? — indagou a jovem, apontando para a fachada danificada do sobrado. Uma placa torta anunciava que a Carlsons's Academia ocupava o primeiro andar. Laura hesitou por um instante antes de se decidir. — Preciso entregar uns documentos que o Sr. Abernathy esqueceu no escritório — disse, descendo do carro. — Obrigada pela carona. Laura subiu correndo as escadas, antes que pudesse mudar de idéia. No primeiro andar, foi interpelada por um homem baixo e careca, mascando um charuto. — Justin Abernathy — repetiu ele, como se nunca tivesse ouvido aquele nome. — Ele pode estar ou não. Quem procura por ele? — Sou a secretária dele. E não venha me dizer que ele não está, porque seu carro se encontra parado lá embaixo — retrucou, sem hesitar. Um brilho iluminou os olhos pretos do sujeito. — Então você é a senhorita Mac — concluiu. — Ele está lá dentro — informou, apontando para uma sala. A sala era enorme, com um ringue de boxe central, onde dois homens lutavam. Ela ficou paralisada diante daquele cenário. Mal reconhecera Justin debaixo de todos aqueles apetrechos de proteção, mas tinha de admitir que estivesse impressionada... O peito largo, bronzeado, coberto de pelos castanhos; braços e pernas de músculos firmes, perfeitos. Devia ter imaginado que Justin jamais freqüentaria uma academia comum. Assim como seu restaurante predileto, o Emilio's, sua academia também teria de ser excêntrica. O outro pugilista no ringue foi o primeiro a avistá-la. Tirou a proteção de borracha da boca e gritou: — Ei, Carlson! O que a senhorita faz aqui? — Mac? — disse Justin com espanto, recostando-se nas cordas do ringue. — Não me diga que, afinal, esqueceu alguma coisa... De repente Laura se deu conta de que estava fazendo papel de idiota, invadindo aquele lugar daquela maneira... Como se fosse um caso de vida ou morte. — Eu só... — interrompeu-se, baixou a cabeça, dirigindo-se para a saída da sala. — Não é nada, Justin 36
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Ele passou por entre as cordas e foi atrás dela. — Mac... — chamou gentilmente. — Espere um pouco. Deve ter acontecido alguma coisa. Sei que não viria aqui à toa. Ergueu os olhos para ele. Podia sentir as ondas de calor emanando do corpo másculo. Os cabelos castanhos estavam mais escuros, úmidos. Ele tentou tocá-la, sendo impedido pelas luvas. — Olhe, se me der cinco minutos, posso tomar um banho e levá-la a um lugar mais tranqüilo. — Não é necessário, não quero atrapalhar... Ele sorriu. — Já ia mesmo parar, antes que aquele perverso pugilista acabasse com a minha juventude — confessou. — Aquele homem é um verdadeiro rolo compressor! Pouco depois entravam num pequeno restaurante. Justin, ainda com os cabelos úmidos do banho, não se dera ao trabalho de vestir o paletó nem de colocar a gravata. A garçonete serviu café para ela e uma cerveja para ele. Justin tomou um grande gole. — Preciso recuperar o líquido perdido — comentou, com um sorriso. — Você me surpreende, sabia? Boxe? Nunca poderia imaginar... — É um esporte fascinante, Mac. — Imagino que sim — ela retrucou, sem muita convicção. — Mas por que boxe? Ele deu de ombros. — Meu pai me ensinou o básico quando era garotinho. Dizia que, se um homem aprendesse a lutar, não sentiria medo e descobriria que não precisa lutar à toa. Só os covardes se machucam, afirmava. Laura refletiu a respeito. — Por que estão sempre tentando provar a si próprios que são os bons? — Algo do gênero. Descobri que a filosofia de meu pai também se aplica à advocacia. Se você não tem medo de um confronto, na maioria das vezes pode resolvê-lo fora do tribunal. — Seu pai... — observou mansamente. — Nunca me falou de sua família. Só sobre Louise. — E tia Louise já não é o suficiente? O que a está preocupando, Mac? Contou-lhe sobre o telefonema de Shelley. Ao final, houve um longo silêncio. — Isso a está enlouquecendo, não é? Ser obrigada a ficar com eles em sua casa por um tempo indefinido... Mas você pode dar um basta a essa situação se quiser, sabia? Laura olhou fixamente para ele. O brilho suave nos olhos castanhos a acalmava. — Não posso dizer para arrumarem as malas e ir embora. Não é tão simples — argumentou. — Não importa o quanto estejam ansiosos por um cantinho só deles, vai levar algum tempo até que encontrem um apartamento. — E se não estiverem assim tão ansiosos para abrir mão das mordomias do seu apartamento? Quanto tempo vai suportar ser usada? — Não vou encorajá-los a ficar. Disso você pode ter certeza. — Hesitou por um momento. — Não quer alugar uns dois cômodos da sua casa por um ou dois meses? É tão grande que nem notaria a presença deles... Justin negou com a cabeça. — Não tente passar seu problema para mim, mocinha. — Não faria isso? Pela felicidade de sua secretária... — Não mobiliei os outros quartos da casa; duvido que uma dondoquinha como Shelley aprecie um saco de dormir no chão. — Bem, valeu à tentativa — murmurou desolada. — Além do mais, se tiver de escolher com quem morar, prefiro você. Ela ficou surpresa. — Pensei que tivesse desistido. — Só porque não continuo insistindo a cada cinco minutos? Isso só prova que a respeito, Mac. Você recusou minha oferta, tudo bem, mas... Se quiser pensar melhor... — Mas você disse que não sobreviveria sem mim no escritório. 37
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— Disse que isso seria um problema — corrigiu. — Por outro lado, não iria pedir demissão logo de cara, não é? Poderia trabalhar meio período até que eu encontrasse outra secretária e você a treinasse... — Justin, você é... Incorrigível! — Vamos, Mac. Não há nada demais nisso. Ao contrário... Faz muito sentido. — Oh! Algo me diz que as mulheres não estão muito interessadas em sua proposta. — Nunca pensei que fosse tão indelicada, tão insensível — retrucou, fingindo mágoa. — A propósito, o que havia de errado com Desirée? — Saímos para jantar e... Bem, durante os drinques, ela me contou de seu último amor; durante o jantar me deu detalhes, entre lágrimas, sobre o penúltimo... — Entendo. Bem, cometeu uma ou duas faltas... — O quê? Mac; estou procurando alguém de bom senso para viver o presente, não para choramingar o passado ou sonhar com o futuro. É, parece que vou demorar a encontrar uma esposa. — Oh, não se esqueça de seu encontro com Debbie Baxter para o concerto desta noite. Ele riu. — Não irei a lugar nenhum com Debbie, nem hoje nem nunca. Mas ela parece não entender o recado. — Pode dar um basta a essa situação se quiser — comentou Laura, comum sorriso malicioso. — Ou então... Já sei! Encarrego-me de contar a Debbie as novidades se você convidar minha irmã e meu cunhado a deixarem meu apartamento... — Tenho uma solução mais simples para os dois problemas — ele a interrompeu. — Casar-me com você — finalizou ela. — Está ficando desesperado, Justin? — Claro que não. Só que essa é uma ótima saída. Já saiu com outros homens além do imbecil em Green Bay, não? — Por que o chama assim? — indagou curiosa. — Só mesmo um imbecil deixaria alguém como você escapar. Falo sério, Mac. Com quantos homens já saiu? — Vários — respondeu com frieza. — Por quê? — Não tente sair pela tangente, Mac. Não quero que me conte detalhes como Desirée, acredite. Poderia ser completamente honesta com algum deles, dizer tudo o que pensa? Antes que Laura respondesse, continuou: — Claro que não. Esse é outro mito romântico: nunca devemos magoar a pessoa amada. Então mentimos, omitimos nossas opiniões sobre certos assuntos, é um desastre. Por fim nos odiamos por não termos sido verdadeiros. Conosco tudo seria diferente, Mac. Nunca hesitaria em me contar o que realmente pensa... — Com licença — interrompeu a garçonete. — Telefone para o Sr. Abernathy. Justin foi atender à chamada. Quando retornou, nem teve o trabalho de sentar-se. — Já que é persona non grata em seu apartamento esta noite, que tal ser minha apólice de seguro? — O quê? — Era Marguerite Gould ao telefone. Afinal se decidiu a estudar o acordo de partilha de bens que Ridge e eu redigimos na semana passada. Pediu-me para ir até sua casa e explicar cada detalhe. — Mas foi usada uma linguagem simples, clara e objetiva — protestou ela. — Deve estar segurando a folha de cabeça para baixo. — Gentilmente, apanhou a bolsa para Laura. Ela tomou o último gole do café. — Vejo que estamos com pressa! Mas, só mais uma pergunta: o que quis dizer com apólice de seguro? — Da última vez que fui à casa de Marguerite, ela usava apenas um sensual roupão de seda; tentou me embriagar com martínis... — Nesse caso, eu não deveria ir com você. 38
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— Oh, não estou preocupado com minha honra — disse, fingindo seriedade —, pois você bem pode imaginar Marguerite num roupão, não é? Mas, caso o marido ainda tenha o detetive particular para vigiá-la, pode ameaçar contar tudo ao juiz... — Quer uma testemunha, certo? Claro. Eu vou. Por que não? Ele a recompensou com um sorriso. — Você pode se sentar num canto e fazer uns rabiscos no papel. Sabe, se eu fosse casado, os maridos de minhas clientes não suspeitariam tanto de mim... — E suas clientes não tentariam mais conquistá-lo. — Tudo bem, eu sobreviveria. E já que está pensando melhor sobre minha oferta... — Não alimente esperanças, Justin. — Lembre-se de que minha proposta não tem prazo indefinido. Posso tropeçar numa mulher perfeita a qualquer momento. — E o que acha que ela veria de tão maravilhoso em você? Justin exibiu um sorriso encantador. — Acaba de confirmar meu ponto de vista. Se estivéssemos namorando, jamais ousaria me dizer esse tipo de coisa, Mac. Era óbvio o desapontamento de Marguerite ao abrir a porta e deparar-se com Laura junto de Justin. Mesmo assim ele demorou mais de uma hora para esclarecer suas dúvidas. Por fim, foram jantar no Emilio's. Animados, conversaram sobre os mais variados assuntos. Já era tarde quando Justin a levou para casa. A porta do quarto de hóspedes estava fechada; a sala de estar quieta e escura. Vibrato, deitado no sofá, ergueu a cabeça, abrindo os olhos, cheio de preguiça. Laura tomouo no colo e alisou o pelo macio. — Pobrezinho — murmurou Laura com carinho. — Também está enjoado de nossos hóspedes, não é? Com toda essa confusão, não pode mais cochilar sossegado. A porta de vidro que levava ao terraço abriu-se de repente. Ela se virou com um sobressalto. — Chegou tarde — disse Clay. — Estava preocupado. Ela conteve a vontade de lhe dizer que não tinha nada a ver com sua vida. — Foi idiotice de Shelley fazer tanto escândalo — continuou um pouco irritado. — Não havia motivo para você se ausentar. Agora que ela está grávida... Bem, acabou mudando de idéia quanto à celebração. — Não acho uma boa idéia falar sobre isso comigo, Clay. — Deu-lhe as costas, na intenção de ir se deitar. Ele segurou seu braço, trazendo-a para perto de si. — Por que não? — disse com voz rouca. — Sei como se sente, Laura. Posso imaginar como está sendo difícil para você nossa estada aqui, querida. Não pode esconder isso de mim. — Os lábios dele tomaram violentamente os de Laura. Ela virou o rosto. — Clay... — Cometi um terrível erro — ele sussurrou. — Preciso de você, Laura... — Isso é absurdo, Clay. Não pode se divorciar dela. É sua esposa... Está esperando um filho seu! — Shelley não quer ser uma esposa... Só quer brincar de casinha. Tudo bem, ela pode continuar se iludindo; com o bebê, inclusive. Mas nós podemos ter um ao outro, Laura. Ela só enxerga a si mesma, nunca vai suspeitar de nada. Por um longo tempo, Laura permaneceu imóvel nos braços de Clay. Os lábios dele, ardentes, exigentes, deslizavam por seu rosto à procura dos seus. — Vamos esclarecer uma coisa — disse ela. — Nada de divórcio! — Não comece você também a me pressionar — apelou ele. — Acha que devo dar a ela metade de tudo que conquistei a duras penas? Ela nunca ergueu um dedo... — É; Shelley sempre gostou da boa vida — murmurou ela. — Foi essa qualidade dela que o atraiu. Eu estava sempre me preocupando com o amanhã e em como pagar pela boa vida. 39
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— E ela era o próprio entusiasmo — completou-o. — A verdade é que deseja uma mulher que o tolere, qualquer que seja seu humor. Ele riu. — Desculpe se feri seus sentimentos. Mas... Pense na minha proposta, querida, e quando... — Não, obrigada — ela o interrompeu; horrorizada com a idéia de um dia tê-lo considerado o "amor de sua vida". — Não me diga que não está interessada, Laura. Você me ama. Amor... Talvez Justin estivesse certo, afinal. O amor não passava de uma ilusão, e a procura desse amor podia destruir vidas inteiras! Quase destruíra a sua! Justin tinha razão... Clay tentou beijá-la outra vez. Laura o afastou, atingindo seu estômago com o cotovelo. Ele gemeu de dor. — Cuidado — avisou —, ou vai acordar sua esposa... Ela vai ficar muito interessada nessa cena. Enfurecido, Clay respondeu: — Em quem acha que ela vai acreditar? Quando eu lhe disser que você se jogou para cima de mim... — Vá em frente — a incentivou. — Mas aposto como ela vai me ouvir. — Fez uma pausa. — E acho melhor você também me escutar, Clay, antes de abrir sua boca nojenta para Shelley e arrumar encrenca para si mesmo. Eu... Eu vou me casar.
CAPÍTULO VII
Por um momento, Laura pôde saborear a decepção de Clay. Ele a olhava, atônito. Percebeu que deveria contar a Justin o quanto antes. — Como está abafado aqui! — comentou casualmente. — Vou sair para tomar ar fresco. — Apanhou a bolsa, as chaves do carro e saiu. Clay não disse uma palavra. Era uma noite linda. Uma lua cheia e redonda iluminava as dunas. Enquanto dirigia, confusos pensamentos rodopiavam em sua mente. Surpreendeu-se quando o segurança do condomínio de Justin obrigou-a a parar. O vigia aquela noite não era Roger. O jovem, sério e antipático, não parecia disposto a deixála entrar àquela hora, uma vez que Justin não estava a sua espera. — Pode ligar para ele avisando — sugeriu-a. — Diga-lhe que é Mac, e que se trata de uma emergência. Por fim, ele concordou, retornando minutos depois, com sua pose de superior. — É a terceira residência à... Laura não esperou que ele terminasse. Justin abriu a porta antes que ela tivesse chance de tocar a campainha. Descalço, com os cabelos em desalinho, ele usava short e camisa abotoada só até a cintura. Na certa, o telefonema do vigia o arrancara da cama. — O que a traz aqui no meio da noite, Mac? — Parecia curioso; não zangado. E agora? Não havia pensado no que dizer a ele... Ou melhor, no que não dizer. Como explicaria sua súbita decisão, a urgência de que o acordo fosse fechado naquela noite? Nervosa, passou por ele e entrou no hall. Não estivera ali antes, da outra vez haviam entrado pela cozinha. A porta dupla fechada à sua frente devia conduzir à sala de estar. Ao lado, outra porta idêntica estava aberta. Lá dentro havia luz, uma música suave abafava o murmúrio de vozes indistintas, pontuadas de risos. 40
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— Está com visitas? — indagou, sentindo-se uma perfeita idiota. — Não. Estava assistindo à televisão. — Quer dizer que ainda não encontrou sua mulher perfeita esta noite? — arriscou ela. — Não exatamente. A garota com quem jantei esta noite não é perfeita. Ela engoliu em seco. — Sabe Justin, estive pensando e... Concluí que tem toda razão em suas teorias sobre o amor. Houve um longo e agonizante momento de suspense. — Minha nossa — disse ele afinal. — O vigia tinha razão. É mesmo uma emergência! Preciso de uma dose de uísque. — Apontou para a sala iluminada. — Sinta-se em casa. — Traga duas, por favor. Ele demorou a voltar. Nervosa, Laura andava de um lado para outro da sala... Era uma biblioteca. Devia contar-lhe sobre Clay? Algo lhe dizia que não. Justin era bastante esperto, logo perceberia o quanto ela fora tola em acreditar que Clay a amava. Não. Não gostaria que a considerasse ingênua. Agora que seu amor por Clay se acabara, para que contar a Justin? Além do mais, não queria ser outra Desirée, dando-lhe todos os detalhes de sua vida sentimental. Se iam mesmo se casar, era melhor que Justin não soubesse de nada. Ele retornou à sala com os dois copos, desligou a TV, convidando-a a sentar-se no sofá. Acomodou-se sobre o tapete, dizendo: — Desculpe Mac. Aquele não foi um jeito muito apropriado de receber a notícia de que aceitou minha proposta, foi? Ela apanhou o copo. — Bem, não tenho certeza se aceitei — começou ela. — Quer dizer, estive pensando e... Não seria bom se apenas fingíssemos um noivado por algum tempo? Isso desencorajaria Debbie, bem como ã Clay e Shelley de me explorarem para sempre. Ele refletiu por um breve instante. — Mas não resolve todos os problemas — apontou. — E não foi por isso que veio aqui, foi? — Não — confessou. — Mas... — Achou que eu estivesse procurando apenas um jeito de me livrar de Debbie? Por acaso acha que estou brincando? Pois saiba que não estou. Nem você deveria. Caso aceite se casar comigo, esteja certa de que é o que deseja... E que vai continuar desejando na semana seguinte e daqui a dez anos. — Já sei. Não terei a opção de mudar de idéia — lembrou-a. — Isso vale para você, também, Justin. — Entenda Laura, falo a sério... Reafirmo cada palavra do que disse. — Recostou a cabeça na parede. — Gosto de sua companhia; você da minha. Não concordamos em tudo, mas isso torna as coisas mais interessantes. O principal é que temos opiniões semelhantes em coisas fundamentais... A importância da família, o valor de um compromisso permanente, a natureza fugaz daquilo que chamam de amor. Teremos algo muito mais duradouro que isso... Teremos confiança, honestidade e compreensão. Quer melhor alternativa? Laura desviou os olhos dele, pesando cada palavra que acabara de ouvir. Era tão lógico, tão claro, tão racional. Se o amor não tivesse entrado em sua vida... Mas tinha! E depois de ter se desiludido com Clay, como podia acreditar novamente nessa bobagem ideológica chamada amor? Por que não agarrar o que restava de melhor e ser feliz com isso? Justin era um profissional respeitado. Ninguém jamais duvidara de sua palavra, ou questionara sua ética moral... Logo, sua esposa também não teria razão para suspeitar dele. — Sim — disse ela num sussurro quase inaudível. Ele permaneceu imóvel por um longo instante. Então, pousou o copo no chão, atravessando a sala para sentar-se ao lado dela no sofá. — Obrigado — agradeceu, tomando a mão delicada e levando-a até os lábios para beijar a palma acetinada. Laura aconchegou-se a ele com um leve suspiro. Por longo tempo permaneceram em silêncio, assistindo ao fogo se apagar aos poucos na lareira. 41
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Por fim, Laura comentou: — Há uma coisa sobre a qual ainda não falamos, e talvez devêssemos falar. Você disse, acho que o sexo não era a única coisa importante, mas... — Claro que espero que fazer amor seja uma parte agradável de nossas vidas. Não precisa se assustar, minha querida... — Não sou mais virgem, Justin — interrompeu de súbito. Ele ergueu levemente as sobrancelhas. — Bem, lamento se isso a desaponta, Mac — afirmou sério — mas nem eu. Não tenho a menor intenção de descrever minha experiência, isso não é relevante. E tenho só uma pergunta para você... Laura afastou-se ligeiramente dele. Não podia mentir para Justin, mas havia algumas verdades que seria melhor não contar... — Fazer amor era desagradável para você? Ela ô olhou atônita... — Não... Não, não era. — Nesse caso, só temos de dar tempo ao tempo. Talvez demore um pouco, mas... — Tomou seu rosto delicado nas mãos e beijou-a. Ela fechou os olhos e tentou não pensar em nada. Foi um beijo gentil, sem exigências, como uma exploração, o começo de uma nova experiência, mas muito agradável. Ela se surpreendeu ao ouvi-lo dizer com firmeza: — É tarde. Você está cansada. Não acho uma boa idéia voltar sozinha para casa. Posso levála, se quiser... Ela discordou. — Então, vai ser mais tarde ainda quando você for para a cama — argumentou, mas não se mexeu. — Certo. Por que não passa a noite aqui? Ela arregalou os olhos. Justin riu, divertido. — Não se trata de um truque barato, é só uma questão de bom senso. — Levantou-se, trazendo-a consigo. — Espere até eu pegar algumas coisas no quarto. Ela o seguiu, um pouco relutante. Ao longo do corredor, perdeu a conta do número de portas. Não podiam ser todos quartos... Ou podiam? No final do corredor havia uma ampla suíte. De um lado, pela porta entreaberta, viu de relance o banheiro com paredes revestidas em mármore. Passou por um espaçoso closet, de armários lotados, antes de chegar ao quarto. Havia duas janelas nas paredes laterais, sem cortinas, apenas com persianas e, ao fundo do quarto, uma porta dupla de vidro que, provavelmente, dava acesso à piscina. A cama de casal, enorme, não tinha cabeceira ou colcha, apenas lençóis e um cobertor dobrado aos pés. Ele apanhou um roupão do gancho atrás da porta. — Vou estar no sofá da biblioteca, caso precise de alguma coisa. — Por quê? — Como eu disse, os outros quartos não estão mobiliados — explicou. — Pensou que fosse uma desculpa para me ver livre de seus hóspedes? Laura corou... — Não foi isso que quis dizer. Ele se virou para encará-la de frente. — O que foi então? Ela respirou fundo; dizendo: — Tudo isso é uma grande bobagem. Quer dizer, a cama é bastante grande... — Está sugerindo que desenhe uma linha no meio dela? — Não — murmurou, baixando a cabeça, encabulada. — De jeito nenhum. Ele a fitou por um longo momento e então exibiu um sorriso particularmente meigo. 42
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— Não tem de ir para a cama comigo esta noite. Olhe; fazer amor não é um teste pelo qual tenha de passar. Laura hesitou calada. — Fazer amor não é uma habilidade que se tem ou não — prosseguiu ele. — Isso se desenvolve quando duas pessoas aprendem a confiar uma na outra. Não precisamos nos precipitar, Laura. Teremos todo o tempo do mundo. — Mas vamos ter de começar algum dia, não? Agora foi a vez de ele hesitar e nada dizer. Uma onda de calor espalhou-se por seu corpo, fazendo-a sentir-se em chamas. — Se não quiser, Justin, tudo bem. Eu entendo. Bem de mansinho, ele se aproximou e tomou-a nos braços. — Esse não é o problema — disse e beijou-a. Não havia hesitação no modo como a boca de Justin acariciava a sua. Muito menos na maneira como as mãos dele deslizavam por suas costas, puxando-a para bem junto do corpo atlético. Quando a língua, ardente e úmida, tocou delicadamente seus lábios, Laura sentiu que toda sua tensão cedia, escoando por cada poro de sua pele. — Não sou santo — sussurrou ele, ofegante. — E você seria capaz de fazer até um santo perder a cabeça... "Que mentira adorável", pensou. O vestido de Laura deslizou para o carpete quase sem que ela percebesse. Justin livrou-a do sutiã, fazendo-a deliciar-se com o contato dos pelos daquele peito másculo contra seus seios nus. Justin a deitou na cama; inclinou-se e envolveu um delicado mamilo com os lábios. Ela se contorceu de prazer e, enlaçando-o pelo pescoço, puxou-o para junto de si. Em seu último momento de consciência, instantes antes do caos a dominar completamente, Laura pensou: "Diferente... Só isso". Mas, em seguida, era incapaz de se lembrar do que estava tentando comparar àquela sensação deliciosa, mais que satisfatória, que a fazia estremecer. A única coisa que importava naquele exato momento era estar com ele, partilhando a plenitude daquela experiência... Foi maravilhoso e, quando terminou, ela se sentia nas nuvens... Saboreando os últimos momentos mágicos daquela união. Mais tarde, Justin suspirou, virando-se até que seus lábios roçaram a pele suave da nuca de Laura. — Mac? — chamou, com voz rouca. Ouviu-a murmurar algo indistinto. — Acho que não vai levar tanto tempo como pensei. Ela exibiu um leve sorriso antes de cair num sono profundo. Por sorte, estava cansada demais para sonhar com a possibilidade de um dia se apaixonarem... De verdade. Era bem cedo quando chegaram ao apartamento dela. Laura mal colocara a chave na porta quando ouviu a discussão do lado de dentro. Shelley gritava algo sobre chamar a polícia; a voz grossa e mais calma de Clay dizia: "Vai voltar quando achar que deve. Afinal, ela é adulta". Laura olhou para Justin, mordendo os lábios. Ele se adiantou e abriu a porta. Shelley virou-se naquela direção; o alívio em seu lindo rosto foi logo substituído pela fúria. — Onde esteve? — perguntou num tom alterado. — Como teve a coragem de nos dar um susto desses... — Na padaria — retrucou Justin com ar inocente —, tomando café. Clay estreitou os olhos, mas não disse nada. — A noite toda? — resmungou Shelley. — É óbvio que... Está usando o mesmo vestido de ontem, Laura. Podia ao menos ter ligado avisando que não vinha para casa! "Então Clay não contou nada a ela que estive aqui ontem", concluiu Laura em pensamento. — Clay tem razão, Shelley. Sua irmã é adulta. — Justin tomou a mão de Laura e beijou-a deliberadamente. — Não acha melhor contarmos a eles de uma vez, Laura? Ela engoliu com dificuldade. Minutos antes, durante o café da manhã, quando planejaram 43
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como seria, tudo lhe parecera tão simples, mas agora... — Não íamos dizer nada, sabe — começou Justin. — Queríamos uma cerimônia simples, sem convidados, mas, como vieram para cá, decidimos adiar nossos planos para não ter de dar explicações. Mas agora não faz sentido manter este segredo. — Cerimônia? — repetiu Shelley, confusa. — Quer dizer então... Que vão se casar? Justin não respondeu. Dirigiu a Laura um sorriso encantador. — Lembre-me de tirar seu anel de noivado do cofre do banco hoje; querida. Ela arregalou um pouco os olhos. — Claro Justin — concordou um tanto atordoada. — Ficar sem o anel está deixando a pobrezinha maluca — ele explicou a Shelley. — Mas claro que não poderia usá-lo esta semana sem levantar suspeitas. — Quando é o casamento, Laura? — indagou Clay, num tom sarcástico. Justin tomou a liberdade de responder. — Estava marcado para esta semana e agora... Que acidentalmente deixamos escapar a novidade, acho que vamos retomar nosso plano original. — Ora, sua bandidinha — disse Shelley. — Sabia que tinha qualquer coisa estranha no ar... Mas nem sonhava com algo do gênero. — Atravessou a sala e abraçou a irmã. — Estou tão feliz por você, mas jamais vou perdoá-la por não ter me contado antes! "Deu certo", pensou Laura. Só mais tarde, no escritório, se deu conta de que estivera à beira de cometer um grande erro na semana anterior. Dali em diante, Shelley jamais iria desconfiar de nada. Abençoado Justin. Ele a salvara em tempo e nem sabia disso. Estava terminando de checar a correspondência, quando um homem entrou em sua sala. Vestia-se de maneira impecável e carregava uma maleta de couro. — O Sr. Abernathy está a minha espera — informou ele. — O Sr. Abernathy no momento está com um cliente. Ele exibiu um sorriso amável. — Eu espero — disse e sentou-se no sofá diante da mesa de Laura. Sem pressa, acomodou a maleta no colo, como se estivesse preparado para ficar naquela posição por semanas. Laura tornou a colocar os óculos, apanhando o próximo envelope. Era uma carta de Louise e dizia: "Querida Srta. McClenaghan, Já que seus modos são infinitamente melhores que os de meu sobrinho, decidi parar de escrever para ele... Laura interrompeu a leitura, imaginando como Louise receberia as novidades. Será que lhe daria calorosas boas-vindas? Ou não? Justin abriu a porta para o cliente. — Gerald! — exclamou ao avistar o homem no sofá. — Obrigado por ter vindo tão rápido. O estranho bem vestido com sua maleta misteriosa entrou na sala com Justin. Cinco minutos depois, Justin chamava Laura pelo interfone; ela apanhou o bloco e o lápis e entrou. Justin estava sentado na borda da mesa, sobre a qual havia meia dúzia de estojos de veludo preto repletos de anéis, que cintilavam sob a luz da luminária. Laura arregalou os olhos diante daquela maravilha. — Essa é só uma pequena parte do conteúdo do seu cofre no banco, certo, Justin? — ironizou incrédula. Ele sorriu. — De qual deles gosta, Mac? Escolha um anel... Qualquer um. — Fala como um camelô. — Ela chegou um pouco mais perto. Devia haver uns cinqüenta anéis sobre a mesa. — Era o que queria ser quando tinha cinco anos. Eu gosto desse. Olhe só como brilha. — Ele apanhou um anel com um enorme diamante e colocou-o sob a luz. 44
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— Muito bom gosto, senhor — comentou o joalheiro. Laura nada ouvia. Deslumbrada, corria os olhos pelas jóias. Lindas! E caras; claro! Não lhe parecia justo permitir que Justin gaste tanto dinheiro com um anel de noivado. Mas como não lhe restava alternativa, procurou algo bem simples. Escolheu um com uma pequena pedra azul rodeada de pequenos diamantes. Era lindo, mas com certeza uma safira devia custar bem menos... — Excelente escolha — observou Gerald. — É raro encontrar um diamante nessa tonalidade de azul. Laura devolveu-o de imediato. Demorava demais com a escolha, deixando Justin irritado. — Mac, basta escolher o que mais gosta. Havia um que chamara sua atenção no instante em que entrara na sala. Tinha uma pedra verde cortada em oval, rodeada de pequenos diamantes. Era delicado e bonito. Apanhou o anel. — É esmeralda ou é um diamante de rara tonalidade verde? — Sim, é esmeralda, senhorita. Gostaria de experimentar? — Por favor. Gerald colocou-o em seu dedo. Ficou perfeito. — Droga, Mac — resmungou Justin —, tem certeza de que não quer um diamante? Este talvez... — Não. Por favor, Justin — adicionou mansamente. — Prefiro algo menos elaborado, que possa usar o tempo todo sem ter de me preocupar. Tudo bem? Ele a fitou por um longo tempo. Tomou-a pela mão, trazendo-a para perto da mesa até que ela ficasse entre seus joelhos. Passou os braços firmes ao redor de sua cintura. — É um anel honesto — murmurou ela. — Não finge ser o que não é. Ele olhou para o anel e então para o seu belo rosto. — E tem a cor de seus olhos, também — concluiu. — Tudo bem, Mac. Você ganhou. Ela sorriu e beijou-o com suavidade. — Obrigada, Justin. Ele a abraçou cheio de ternura. O joalheiro limpou a garganta. — E as alianças para o casamento? — indagou Gerald. — Confio em seu bom gosto, Gerald. Pode escolher. — Cuidarei disso com todo carinho. Essa tarde mesmo — afirmou enquanto recolhia o mostruário. Quando ele se foi, Laura olhou demoradamente para o anel. — Justin — disse então —, quanto este anel vai lhe custar? Ele parou de discar um número ao telefone. — Mac, se vai se transformar numa incorrigível mercenária... — Não! De jeito nenhum. Só quero saber se custa menos que os de diamante. Ele colocou o fone de volta no aparelho. — Gostou do anel ou não? — Adorei! Mas... — Então não importa quanto custou certo? Sei que pretendia escolher o mais barato. Mas se pensa que vou chamar Gerald de volta para que compare os preços, está enganada; Mac! Não importa quanto custou essa porcaria! Diante da explosão dele, Laura começou a chorar. Justin, arrependido, foi até ela e tomou-a nos braços. — Desculpe querida, não quis magoá-la. Pelo contrário, só queria que tivesse o anel mais bonito, o que mais lhe agradasse. — Pensei que... — ela começou a soluçar. — Pensou que pelo fato de não estarmos apaixonados qualquer tipo de anel serviria, certo? Principalmente um anel caro. — Afastou-há um pouco, suas mãos segurando com firmeza os ombros delicados. — O fato de sermos honestos não torna nosso relacionamento de segunda categoria! Droga, Mac! É bom tirar isso da cabeça... Agora mesmo! E se eu lhe der um daqueles 45
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anéis de diamantes no Natal é bom que sorria e agradeça... — Justin — disse ela com voz trêmula —, você está me atordoando. Ele a estreitou nos braços com tanta força que Laura mal podia respirar. Então... Beijou-a de modo ardente, devastador, como ela nunca fora beijada antes.
CAPÍTULO VIII
O juiz, que iria casá-los ainda naquela noite, reclamou do inesperado da situação. Depois, mal-humorado, retirou-se para vestir sua beca. A situação fazia aumentar o nervosismo de Laura. Apesar de ter tentado esconder sua ansiedade, Justin percebeu os suspiros abafados. — Ora, Laura, é só uma formalidade — disse ele. — Pelo que sei, já fizemos nossa promessa na noite passada. Ela mostrou um leve sorriso. — E não foi no quarto — prosseguiu ele —, mas antes disso. Assumi o compromisso para toda a vida, Laura. Nada de olhar para trás, nada de arrependimentos. Se não o conhecesse bem, diria que falava como um romântico nato... Foi uma cerimônia simples. Depois de algumas belas palavras, o juiz fez um pequeno discurso. Falou sobre os inúmeros casamentos desfeitos que já presenciara, de como apenas o amor não bastava para garantir o sucesso de uma união. Justin apertava a mão trêmula de Laura, numa demonstração de apoio àquelas idéias, até o momento da troca de alianças. Para celebrar, o casal foi jantar num pequeno e tranqüilo restaurante. Depois de deliciosa refeição, a garçonete serviu-lhe taças de morangos com creme. — É lindo! — observou ela, admirando a jóia que reluzia em seu dedo junto ao anel de noivado. — Não devia ter gastado tanto dinheiro com as alianças. — É bom ir se acostumando. Como já disse, merecemos tudo o que há de melhor — respondeu com um sorriso maroto. — Isso significa que posso esperar uma avalanche de jóias? — a indagou. — Se for o caso, eu prefiro ter o dinheiro para contratar um decorador, comprar alguns móveis, papel de parede... Ele arqueou as sobrancelhas. — Não pode cuidar disso pessoalmente? Decoradores sempre gostam de botar rendas e babados em tudo. — Espetou um morango, oferecendo-o a ela. — Já não falamos sobre confiança, Justin? — Ela abocanhou o morango, o mais doce que já provara. — Prometo que não vou fazer nada de mau gosto. Por isso preciso de um decorador. — Aí é que começa o perigo. — Bem, não vamos estragar a noite por uma bobagem. Além disso, é melhor esperar até que meus móveis cheguem de Green Bay para decidirmos o que comprar. — Que tipo de móveis? — Herdei algumas coisas da minha avó. Outros eu comprei em antiquários. — Gosto dos móveis do seu apartamento. — Ótimo Justin — ela retrucou, com ironia. — Só que a maior parte deles... Felizmente... Não me pertence. Os meus estão estocados no porão de Jeff em Green Bay. — É muita coisa? — Nem tanto. Diria que dá para lotar um caminhão. Falando nisso, liguei para Jeff hoje lhe pedindo que os enviasse o mais breve possível. Como vê, é tarde demais para tentar me convencer a 46
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mudar de idéia. — Nem em sonho tentaria. Deve ser muito bom ter ex-chefes — murmurou ele. — São sempre tão prestativos, não? — E agora estou ganhando mais um — lembrou-a. — Logo vai ser meu ex-chefe, Justin. Vai ser muito difícil resistir à tentação de pedir ajuda a eles. Jeff quis saber onde estava com a cabeça para me casar com você. Pelo jeito, ele o tem em alta conta! Justin riu e contou-lhe várias histórias sobre eles durante o tempo de faculdade. A certa altura, Laura concluiu que se esquecera do decorador. Mas, quando chegaram em casa, depois de apanhar uma garrafa de champanhe no bar, abri-la e servir-lhes a bebida, ele olhou ao redor da sala de estar e admitiu: — É... Acho que uma ajeitada aqui, outra ali, iria bem. Laura preferiu não comentar nada. Justin estendeu-lhe uma das taças, acendeu o fogo e levou-a para junto dele no sofá. Minutos depois, coisas como móveis e decoradores desapareceram de sua mente por completo, na medida em que seu desejo por ele aumentava. Só haviam feito amor uma vez, porém, sentia com ele uma combinação misteriosa de antecipação e familiaridade, como se tivessem sempre sido amantes, como se seus corpos soubessem de longa experiência, como reagir para dar a ambos o supremo prazer que buscavam. Mesmo assim, sabia que ainda havia sensações maravilhosas a serem exploradas... E teriam a vida toda para descobri-las... O champanhe foi esquecido; o impacto dos beijos de Justin era embriagador. Ele a despiu sem pressa diante da lareira, cada movimento das mãos másculas era por si uma lenta sedução. Algum tempo depois, Laura estava implorando... Quase gritando de desejo enquanto se amavam sobre o tapete macio. As chamas da lareira supriam de luz aquele momento mágico, o crepitar da lenha era a única música de que precisavam. Mais tarde, Justin levantou-se para atiçar o fogo. Deitou-se sozinho no sofá, olhando distraído para as chamas. Laura ficou vagamente desapontada. Não se importara em tê-la junto de si no instante em que a doce exaustão os invadira. Aninhar-se nos braços dele na noite anterior fora como se enrolar num cobertor quentinho, macio, seguro. Esperava que fosse sempre assim, mas... Isso era uma bobagem! Ela se sentou, apanhando a taça de champanhe. Estava vazia. Sentiu aumentada sua insatisfação. Minutos antes tudo tinha parecido tão perfeito! Um nos braços do outro, experimentando juntos; uma arrebatadora explosão de prazer, tão maravilhosa que ela até gritara o nome... O champanhe do qual acabava de servir-se se espalhou sobre o tapete, formando uma poça dourada. Nem se deu conta de apagar aquela terrível lembrança em sua mente. No momento mais sublime, não fora o nome de Justin que chamara, mas o de Clay. Só muito mais tarde teve coragem de encarar o marido, que permanecia imóvel na mesma posição, olhando para o fogo. — Justin — sussurrou —, eu sinto muito, acredite, muito mesmo! Ele não se mexeu. — Tudo bem se quiser fingir que sou Clay, Laura — afirmou mansamente. — Só queria lembrá-la de que nada além de fingir é permitido. A calma dele á irritou ainda mais. Era impossível que não estivesse magoado, com raiva. Afinal, a mulher que tivera em seus braços, no auge da paixão, chamara pelo nome de outro homem. A não ser... Que ele não a amasse. E era claro que não a amava. Com podia ter se esquecido? Amor não fazia parte do contrato de Justin. Porém, seu coração não aceitava aquela justificativa. Ele não podia ser tão frio assim. Deveria ter ficado ao menos surpreso com aquela descoberta. E não ficara?! Então... Ele... Já sabia!!! — Não se surpreendeu, não é, Justin? — disse baixinho. — Com certeza você já sabia antes disso ter acontecido. 47
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Ele suspirou. — Não foi difícil adivinhar. — Como? — Pela maneira como olhava para ele. Esqueça isso, Laura. Por favor. Ela não podia esquecer. — E isso não o incomoda nem um pouco? Que eu tenha dormido com o marido de minha irmã? Nunca fiz isso... Juro... Depois do casamento deles. — Sua voz estava embargada. — Confio em sua palavra. Não precisa me contar os detalhes. — Ele ainda não a olhava. Laura conteve as lágrimas com dificuldade. — Não pretendia dizer nada, sabia que você não queria ouvir — sussurrou ela. — Mas agora... Preciso contar Justin. — O passado não é importante. — Mas me lembro de ter dito que a sinceridade é, que devíamos sempre dizer a verdade. Se você não souber o que realmente aconteceu, vai acabar pensando coisas muito piores. Como não teve resposta, tomou a liberdade de falar. Sua voz era tão baixa que mal podia ser ouvida. — Na verdade, Clay e eu nunca chegamos a morar juntos. Não sei por que — disse quase para si própria. — Talvez ele quisesse manter suas opções abertas. Não, isso não é justo. Não quero fazê-lo parecer um vilão... Não éramos nem noivos. De qualquer modo, há um ano, quando Shelley foi me visitar por algumas semanas, não lhe disse para ficar longe de Clay; não achei que fosse necessário. Ele suspirou. — E se tivesse dito, acredita que teria adiantado? — Ele parecia exausto, mas resignado a ouvi-la. — Está insinuando que ela teria tentado conquistá-lo mesmo assim? Não, não faria isso, Justin. Não conhece Shelley... — Espero que não. — Shelley não é maldosa. — Acha que ela não gostaria de tirar um homem de você... Só para se provar que é capaz? — Claro que não. Não é tão ciumenta assim... Além do mais, por que teria ciúme de mim? Eles se apaixonaram; se casaram isso foi tudo. Shelley nunca desconfiou de nada na época nem desconfia agora. E é melhor que continue assim. Justin fitou-a com um olhar tristonho. — Aquele casamento está condenado, você sabe disso. — Talvez — admitiu, contrariada. — Nunca vi duas pessoas tão imaturas, insinceras, egoístas... — Em todo caso; se o casamento de minha irmã se acabar — disse lentamente —, não quero estar envolvida. — Decisão louvável. — Sua voz era ríspida. — Já vi tantos casos como esse... O casamento de meus pais, por exemplo, estava desmoronando antes de eu nascer. Cresci assistindo a suas brigas... Minha mãe chorando, meu pai passando dias e dias fora de casa. — Laura... — Por fim ele se moveu. — Sei agora — a interrompeu —, que minha mãe já tinha escolhido seu segundo marido antes do divórcio sair. Não a critico por isso... Não teria sido fácil para ela continuar sozinha com uma criança pequena. Acho que escolheu alguém oposto á meu pai. Matthew Rhodes era... É... Muito seguro, muito correto, muito rígido. Justin a olhava com atenção. — Não que me maltratasse. Mas regras eram regras, não era permitido questioná-las, pelo menos não a mim. Mas a Shelley... Sua filha verdadeira... Bem, com ela era diferente. Meu pai era um daqueles homens com os quais não se pode contar nem para pagar a pensão dos filhos. Depois 48
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dos primeiros meses, não foi mais me visitar e parou de mandar dinheiro. Mat assumiu a responsabilidade financeira; de um modo geral, nunca me faltou nada. Mas às vezes podia ouvir suas reclamações com minha mãe. Logo aprendi que o melhor jeito de conseguir qualquer coisa era convencendo Shelley a querer também... Porque quando ela pedia algo, Mat às vezes comprava para nós duas. Se não, ela partilhava comigo. Shelley sempre foi muito generosa com seus brinquedos. — Duvido que ela inclua Clay nessa categoria — Justin observou rude. — Ela pode não ser tão ciumenta, mas... Nó mesmo instante, lágrimas brotaram nos olhos de Laura. — Desculpe Laura — lamentou-se, num sussurro. Depois de uma curta e dolorosa pausa, ela continuou: — Mat nunca deixou me faltar o necessário, mas não era a mesma coisa que ter meu pai. Detestava ter de pedir qualquer coisa... Depender dele. Shelley, toda cheia de vida e alegria, muitas vezes nem precisava pedir... O pai adorava agradá-la. Eu era a criança-problema, a lembrança viva de que mamãe já havia se casado antes. Então ela morreu... E assim que pude, arrumei um emprego, para não ter de pedir nada a ele. Mais tarde, quando concluí meu curso técnico, mudei-me para Green Bay, fui trabalhar para Jeff e conheci Clay... Sua voz emudeceu. Não havia mais nada a dizer. — O que a trouxe aqui, tão... De repente... Na noite passada, Laura? O que a fez mudar de idéia? — Na noite passada — começou ela —, Clay me sugeriu que tivéssemos um caso sem que Shelley soubesse... — Então foi por isso que se casou comigo: para proteger Clay. — Ele lhe deu as costas e ficou olhando para o fogo. — Não! — protestou ela, indignada. — Justin, não pode acreditar que eu faria isso... Casarme com você para me proteger enquanto tenho um caso com Clay! — Não foi bem isso que eu disse Laura. Mesmo porque não vai existir nenhum caso. Você me deu sua palavra e acredito que não vá voltar atrás. Seja como for, ainda vai proteger a Clay e a você mesma... Ela negou violentamente. — Não é nada disso. Nem sei por que não o expulsei de casa na noite passada. — Os olhos verdes estavam cheios de lágrimas. — Já era tarde e Shelley... — Então sua intenção foi proteger Shelley? — Acho que sim. Teria de dar-lhe uma explicação, isso seria horrível. — Ela umedeceu os lábios. — Sinto muito, Justin. Você tem razão. Não foi um motivo justo para ter me casado com você. — Esse foi o único motivo? — Não. Sinto-me segura com você. Mesmo, agora... Depois de ter lhe contado tudo isso... Sinto-me segura. Sei que parece contraditório, mas mesmo que me mande embora... — Não seja tola, Laura — interrompeu-o, irritado. — Nada mudou. Vamos esquecer tudo isso; assunto encerrado — sentenciou. — Já é tarde, vamos dormir. Laura fechou os olhos, agradecida pela compreensão dele. Então se levantou, seguindo devagar na direção da suíte. Enquanto lavava o rosto, ele a observava tão atentamente que aquilo á deixou perturbada. Parecia até que tentava ler seus pensamentos. — O que foi? — indagou afinal. Ele exibiu um leve sorriso. — Nada — respondeu e foi para o quarto. Claro que não era nada. Tudo já havia sido esclarecido e, como ele mesmo dissera, era assunto encerrado. No quarto, Laura abriu a valise e retirou uma delicada camisola de seda branca. Não tinha tido tempo de embalar todos os seus pertences. 49
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— Qualquer hora eu vou ter de buscar o resto das minhas roupas no apartamento — comentou, querendo conversar. — E Vibrato, claro. Shelley disse que... Justin aproximou-se dela devagar, tirou a camisola de suas mãos e tomou-a nos braços. O calor do corpo atlético era tranqüilizador. Ela encostou a cabeça em seu ombro com um suspiro. Ele era tão forte, tão compreensivo... Justin trouxe-a para a cama e deitou-se sobre o corpo dela. Prendeu-lhe as mãos sobre o travesseiro e começou a explorar os segredos sensuais de seu corpo. — Sabe como é... — disse ela de súbito. — Sabe como é perder um pai, não é? — Não vamos falar nisso agora, Mac — ordenou ele, com a voz rouca. "Tem razão", pensou Laura, sentindo que ondas de prazer a invadiam. Mais tarde, aninhada ao peito dele, ouvindo seu coração desacelerar aos poucos, perguntou: — Seus pais eram divorciados, Justin? Ele soltou um longo suspiro. — Sim — disse baixinho. — Foi diferente de sua situação, claro... Não fui abandonado, fui usado por eles como prêmio de batalha. — Difícil, não? — Às vezes achava que nenhum deles me queria de verdade, que era apenas uma marionete que manobravam para magoar um ao outro. Mas... Vamos pular os detalhes, está bem? Isso aconteceu há muito tempo e agora os dois já estão mortos. Ela não precisava dos detalhes, podia imaginá-los. Conhecia situações parecidas, podia compreender por que ele não queria tocar no assunto. Tudo começava a fazer sentido... A atitude dele em relação ao amor, compromisso e promessas. — A única coisa que importa é que isso não vai acontecer aos nossos filhos, Mac — sussurrou ele, como se tivesse lido os pensamentos de Laura. Ela concordou, tentando em vão conter um bocejo. Uma nova esperança começou surgir em seu coração ao ouvi-lo falar de filhos, mas achou melhor não comentar nada. Em vez disso, murmurou: — Sabe; meu nome não é mais Mac — e adormeceu antes de obter uma resposta. Quando Laura acordou na manhã de sábado, Justin não estava á seu lado. Por um breve instante, sentiu-se abandonada. Vestiu o robe e saiu à procura dele pela casa. Depois de vasculhar todos os cômodos, lembrou-se da piscina. Lá estava ele, nadando metodicamente. Ao avistá-la, aproximou-se da borda, exibindo um sorriso encantador. — Venha... Um bom mergulho vai ajudá-la a despertar, dorminhoca. — Não estou de maio. — E daí? Quem vai ver? — Ele apontou para os muros altos ao redor. Ali não havia os painéis decorados de ferro que ornavam a frente da casa. Sem hesitar mais, Laura livrou-se do robe e mergulhou na água azul. Descobriu que era delicioso nadar nua, sem nada para atrapalhar seus movimentos. Quando saiu da água, estirou-se numa cadeira ao lado da piscina para aproveitar o sol. Justin foi até ela, sentando-se no braço da cadeira. — O que um homem tem de fazer por aqui para ganhar um café da manhã? Ela permaneceu de olhos fechados. — Depende. Tem alguma coisa na geladeira? Uma campainha soou em seguida; Laura ergueu-se num salto. — É só o telefone — disse Justin. — Estava estranhando ter ficado mudo por tanto tempo. Mas... Esperava que meus clientes me dessem folga hoje... — Sempre foi tão sonhador? — brincou ela. Ele respondeu com uma careta, vestiu o robe e foi atender a chamada. Laura ainda estava lá, pensando em preparar uma omelete, quando ele retornou. — Não me diga — disse ela. — Deixe-me adivinhar. Aquele casal que não chegava a um acordo sobre os ingressos para o campeonato de basquete... 50
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— Oh, muito mais excitante que isso — retrucou-o, sério. Ela se sentou apreensiva. — Uma de suas clientes apanhou do ex-marido, se trancou no banheiro e espera que vá até lá salvá-la? — Não. Sua irmã e seu cunhado estão aí fora. — O quê? — Parece que afinal alugaram um carro, agora que não vai mais sustentá-los. Vão estar aqui dentro de um minuto e meio, logo... — Por que os convidou para entrar, Justin? Ele ergueu as sobrancelhas. — Por que trouxeram o seu gato. — Sabe do que estou falando — insistiu ela. — Não liga mais para o seu gato? Shelley deixou bem claro que se não aceitássemos Vibrato de volta, ele ia acabar se perdendo por aí. E... Posso sugerir que não receba as visitas com... "Esses trajes"? Acho muito charmoso, mas... Ela apanhou o robe e, instintivamente, prendeu-o junto aos seios. — Muito tentador — zombou ele, beijando-a de leve. — Não fique tão perturbada; Mac. Um dia isso ia acabar acontecendo. — Só espero que não façam disso um hábito — resmungou ela. — Isso já seria demais. — Cabe a você se impor — insinuou Justin. A campainha soava pela terceira vez quando ela abriu a porta da frente. Shelley colocou uma caixa em seus braços e suspirou, aliviada. Um miado estridente soou da caixa. — Veio miando assim o tempo todo — disse Shelley. — Quase me deixou surda com esse maldito barulho. — Não é para menos! O pobrezinho deve estar sufocando nessa caixa tão pequena — retrucou Laura secamente. — Coitado! — Que absurdo! Ele miou assim a noite toda — prosseguiu Shelley. — Nem conseguimos dormir. Deve erguer as mãos para o céu por não termos vindo entregá-lo às cinco da manhã. — Sabemos como são os casais em lua-de-mel, por isso decidimos escolher uma hora mais conveniente — murmurou Clay, despindo-a com os olhos. Laura não olhou para ele. Como não percebera antes o cínico que era? Ajoelhou-se para abrir a tampa da caixa. Vibrato, assustado, encolhera-se num canto da caixa. — Está tudo bem, querido — disse ela com carinho. — Pode sair agora. Vamos... Venha conhecer sua nova casa. — Tomou-o no colo e acariciou seu pelo macio. — O resto de suas coisas está no carro — avisou Shelley, espiando ao redor. — A casa não é ruim, Laura — prosseguiu com desdém. — Claro, está um caos no momento, mas com dinheiro sempre se pode dar um jeitinho. "Isso é demais!", pensou Laura, mas tentou manter a calma. Colocou Vibrato no chão. Ele, com cuidado; começou á inspecionar os cômodos. — E dinheiro parece que não falta — sussurrou Clay —, o que deve pesar bastante — comentou maldoso. Laura preferiu ignorá-lo. Shelley, como sempre, tagarelava: — Seu apartamento é uma gracinha. É espantoso o que conseguiu fazer por lá. Aliás, queremos falar sobre isso com você, querida. Já que teria de pagar pelos próximos meses por quebra de contrato, não vai se importar que o usemos certo? Pode deixar que o condomínio é por nossa conta. "Quanta generosidade" Pensou Laura com ironia. Nenhuma palavra sobre o aluguel... De relance, Laura avistou Justin recostado ao batente da porta do corredor. Tinha Vibrato no colo. Talvez ele não quisesse se envolver naquele problema... Mas... Mesmo assim... Arriscou, lançando-lhe um olhar de súplica. — Tenho certeza de que podemos resolver isso — disse ele então. — Com uma sublocação, 51
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por exemplo. Laura agarrou-se àquela sugestão com grande alívio. — Claro, posso alugar o apartamento para vocês pelo mesmo preço. Shelley ficou abismada com o que ouvira. — Mas... Justin aproximou-se deles. — Pode deixar que o contrato será providenciado com o máximo de urgência — garantiu ele, com toda a seriedade. — Lamento não poder convidá-los para o almoço. Quando vocês chegaram, minha esposa acabava de comentar que nos esquecemos de fazer compras está semana. O horror estampado no rosto das visitas era cômico. Laura conseguiu a duras penas conter o riso. Assim que o casal saiu, ela se atirou no sofá da biblioteca às gargalhadas. — Quê é isso, Mac? — brincou Justin. — Está passando mal? — Não — ela respondeu, em meio a risos. — Viu só a cara deles? Ficaram tão decepcionados... Será que estavam planejando nos explorar pelo resto da vida? — Pelo jeito, sim. — Ele se sentou no braço do sofá. — Bem, conseguiu espantá-los a tempo. — Ela se levantou e, de repente, atirou-se nos braços dele. — Você é maravilhoso, Justin, sabia? Absolutamente maravilhoso. Esta é uma das coisas que... — Parou de falar, fechando os olhos. Respirou fundo, percebendo que por pouco não deixara escapar: "É uma das coisas que amo em você, Justin".
CAPÍTULO IX
Em pânico, Laura tentava se convencer de que aquele tinha sido apenas um pensamento à toa. No entanto, se terminasse sua frase, teria arrumado uma boa confusão. Já era tempo de começar a prestar mais atenção ao que dizia. Aliás, aquele era um pensamento tão ridículo! Não fazia sentido... A menos que... Não! Não, não podia ser verdade! Que diabo estava acontecendo com ela? Não podia estar apaixonada por Justin! — Isso é uma das coisas que...? — incitou Justin, acariciando o rosto delicado. — O que ia dizer Mac? Laura abriu os olhos devagar, evitando encará-lo. — É uma das coisas que não sei fazer — murmurou. — Reivindicar meus direitos, evitar que se aproveite de mim. — Eu não diria que não sabe. Acho até que tem progredido bastante nesse sentido. Com um pouco de prática estará perfeita. Aliás, sua observação sobre o aluguel ajudou muito. Ela forçou um sorriso. — Já que é assim, só para praticar um pouco mais, que tal me deixar contratar uma empregada? Ele correu os dedos pelos cabelos de Laura, ainda úmidos do mergulho na piscina. — Ia querer ter uma empregada andando pela casa esta manhã? — o indagou com ternura. Ela estremeceu com a lembrança; tinha sido tão agradável... Os dois sozinhos na piscina, livres para fazerem o que bem entendessem. — Não exatamente — sussurrou ela. — Contrate quantos empregados quiser Mac. Mas cuide para que sumam daqui aos finais de semana, feriados e à noite... Certo? — Com a ponta dos dedos, ele acariciava a nuca de Laura. — Nesse meio-tempo, a regra da casa é: quem se levantar por último faz a cama. E você não fez. — Não me contou nada sobre as "regras da casa" — protestou ela. — Mas... Já que insiste, 52
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posso cuidar disso agora mesmo. — Só para demonstrar minha boa vontade, vou ajudá-la. Não sou machista, sabe? E também acho que há muitas outras coisas que podemos fazer juntos — concluiu num murmúrio cheio de sensualidade. Ele a tomou pela mão, ajudando-a a erguer-se do sofá. Passou o braço por sua cintura e foram, abraçados, em direção à suíte principal. Nenhum dos dois estava preocupado em arrumar a cama. Enquanto ainda desfrutava do aconchego dos braços dele, Laura chegou, em desespero, à seguinte conclusão: estava apaixonada por Justin. Ela o amava! Sabia que, na opinião dele, o amor romântico não dava certo. Logo, uma descoberta como esta, que poderia ser motivo de alegria, representava na verdade um problema: não podia contar a ele sobre seus sentimentos. Se soubesse que se apaixonara por ele... Talvez encarasse isso como uma traição a tudo que haviam prometido um ao outro. Não valia a pena pôr em risco o casamento... Poderia amá-lo em segredo... Na quinta-feira da semana seguinte, quando Ridge Coltrain apareceu na sua sala, Laura olhou horrorizada para a pesada pasta que ele carregava. — Não me diga que essa papelada toda tem a ver com os Gould de novo — resmungou. — Acabei de datilografar o contrato deles! Ele sorriu. — Não. Na verdade, eles já fecharam o acordo. Inclusive, ambos já têm opinião formada quanto aos seus respectivos advogados; eles nos odeiam. — Nesse estágio, é comum acontecer isso — comentou Laura. — Você vai acabar se acostumando quando ganhar mais experiência com casos de divórcio. Havia exceções, claro, refletiu ela; uma delas estava na sala de Justin naquele exato momento. Debbie Baxter reclamava, há horas, do ex-marido para o advogado que tanto adorava. Obviamente, soubera do casamento deles, pois a tratara por Sra. Abernathy. Ridge Coltrain sentou-se na borda da mesa de Laura, tomando lhe a mão para ver o anel. — Muito bonito — disse ele. — O casamento tem sido comentado há vários dias, minha querida. Imagino que agora não tenho mais nenhuma chance de tê-la como minha secretária, certo? A porta da sala de Justin se abriu, revelando a figura pálida de Debbie Baxter que, num relance, interpretou mal aquela cena. — Já de mãos dadas com outro homem, Sra. Abernathy? Se eu fosse você, tomaria mais cuidado. Justin franziu as sobrancelhas. — Droga, Ridge, já está tentando conquistar Mac de novo? Ridge sorriu. — Deu para perceber? Bem, se tivesse desconfiado de suas intenções secretas, tudo teria sido diferente. Mas, já que parece ser impossível competir com você, eu desisto — admitiu Ridge. — Se já não vinha tendo muito sucesso antes, agora então... — Então o que está fazendo aqui? — indagou Justin, fingindo irritação. — Sabe; suas cadeiras são bem mais confortáveis que as minhas. — Nesse caso, desça da mesa de Mac e venha até minha sala, aonde poderá sentar-se numa delas — retrucou Justin. — Entrarei em contato com você, Justin — avisou Debbie num tom insinuante, deslizando as longas unhas vermelhas pela manga do paletó dele. Sorriu cinicamente para Laura e saiu. Os olhares de Justin e Laura se encontraram, e ele exibiu um sorriso encantador... Que a deixou transtornada. Um tremor sensual percorreu seu corpo, com a lembrança da noite passada, quando ele... "Pare com isso", ordenou a si mesma em pensamento, respirando fundo. Ele estava fechando a porta quando o chamou: — Justin! Vou ter de sair em meia hora para levar Shelley e Clay ao aeroporto. Ele se virou para Laura, pensativo. Ela esperava, aflita. Detestaria abalar a paz dos últimos 53
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dias. Tinham visto Shelley e Clay no último sábado; desde então, essa era a primeira vez que seus nomes eram mencionados. — Por quê? — o indagou. — Precisa voltar a Green Bay e resolver alguns detalhes antes de se mudarem para cá em definitivo. — Não foi isso que perguntei. Quero saber por que vai levá-los ao aeroporto? — Justin, por favor. Shelley ligou esta manhã e me pediu para levá-los. Não se preocupe, vou chamar alguém do departamento de datilografia para atender aos telefonemas. Ele hesitou. Laura pensou por um momento que Justin a proibiria de ir. — Não chame a mesma garota da outra vez, Mac — recomendou. — Vamos ter de providenciar outra secretária o mais rápido possível. Gostaria de levá-la comigo ao litoral na semana que vem, mas... A menos que encontremos alguém... Sabia que aquela seria apenas uma viagem de negócios, mas estariam nas praias do Havaí... — Vou ligar para a agência de empregos esta tarde mesmo, Justin. O rosto de Ridge apareceu à porta. — Justin. Será que o ouvi dizer que vai substituir Laura? Vai precisar de um novo emprego, minha querida? Tenho uma ótima oportunidade para você... Trabalhar com um jovem advogado... Justin colocou uma das mãos no peito de Ridge e o empurrou de volta para sua sala. — Mantenha-se bem longe de minha secretária, Coltrain — disse lentamente. — Não a despedi ainda. Laura pressionou os lábios. No fundo de seu coração, desejava que ele a tivesse defendido não como sua secretária, mas como sua esposa... Quase uma semana depois, chegaram os móveis de Laura. Ainda não tinham terminado de descarregar o caminhão de entregas quando Justin chegou do trabalho. Ele caminhou pela casa, confuso com toda aquela movimentação. Encontrou Laura num dos quartos de hóspedes, sentada no chão, aguardando que um dos homens montasse a antiga cama de quatro colunas de sua avó. Quase num reflexo, inclinou-se para beijá-la. — Sabe Justin, não imaginei que fosse tanta coisa. O funcionário da transportadora riu. — É o que todo mundo diz — comentou, fechando a caixa de ferramentas antes de sair do quarto. Justin estendeu a mão a Laura para ajudá-la a levantar-se. — Sabia que deveria ter passado na academia em vez de vir direto para casa — murmurou ele, enquanto retornavam à sala de estar. — Me diga, coleciona amostras de tecidos há muito tempo, ou esse é um novo passatempo? Apontou para uma poltrona cheia de retalhos, onde Vibrato brincava. — Oh, o decorador esteve aqui, também. Como eu só tinha um dia de folga, achei melhor aproveitá-lo bem. Como sua nova secretária se saiu no escritório hoje? Justin arqueou as sobrancelhas. — Saiu-se bem, mas... Ainda tem muito que aprender. — Vou levar mais tempo para treiná-la do que havia planejado. Tudo bem, Justin, eu não estava mesmo contando com a viagem para o litoral amanhã. Ele pareceu um pouco embaraçado. — Não se importa? Não mesmo? Ela hesitou pensativa. Claro que adoraria ir, detestava a idéia de ficar, ter de ir para ô trabalho sozinha e, o pior... Voltar para aquela casa vazia. Mas haveria outras oportunidades. Sorriu ao pensar em todas as possibilidades que lhe reservava o futuro. — É... Vejo que não se importa — concluiu ele apressadamente. — Foi idiotice minha pensar que se importaria... — Não é nada disso — começou ela; então achou melhor calar-se. O que diria, afinal? Que não podia suportar ficar longe dele, que o amava demais para deixá-lo ir? Não... — Ficar aqui vai 54
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me dar à chance de escolher entre estas amostras de tecido — afirmou. — E tirá-las do seu caminho. — Trabalhe rápido — sugeriu-o. — Só vou ficar por lá dois dias. Um carregador entrou trazendo uma cadeira de balanço. Laura apontou para o espaço livre perto da lareira; ele a colocou lá. — Quanto tempo isso vai durar, Mac? — Devem estar quase terminando. Por quê? — Tinha outros planos para esta noite. — Ele passou os braços em torno da cintura de Laura, roçando sua testa com o queixo. — Nadar, tirar um cochilo e... Em seguida... Trabalhar um pouco. Tenho de partir amanhã bem cedo. Que tal um jantar tranqüilo no Emilio's? — Chama isso de tranqüilo? Que tal inaugurarmos nossa sala de jantar com filés grelhados? — Tem certeza de que quer cozinhar depois de tudo isso? — Claro — afirmou, animada. — Os carregadores estão fazendo todo o trabalho. Além do mais, se não tivermos de ir até a cidade... — Enlaçou-o pelo pescoço, fitando-o com um brilho intenso nos olhos verdes. — Sim? — Vamos ter tempo de tirar um longo cochilo — sussurrou ela. Ele fingiu espanto. — Sra. Abernathy, se não a conhecesse bem, diria que acaba de me fazer uma proposta indecorosa. — Ele a seguiu até a cozinha e preparou um copo de chá gelado para si. Vibrato saltou da poltrona e foi juntar-se a eles. Justin apanhou o gato no colo. Parado junto ao balcão da cozinha olhava ao redor. Havia vasos por todos os cantos. — Todas essas plantas vieram do seu apartamento? — Não, mas sempre achei que não há nada como o verde das plantas para dar vida a uma casa. Agora que tenho espaço... — Apontou com a faca em sua mão para a mesinha do canto. — Aquelas vão ficar junto à janela na sala de jantar. As demais eu vou espalhar pelo resto da casa. Viu as plantas maiores na varanda? — Maiores que essas? Ela pressionou os lábios e decidiu mudar de assunto. — Assim que tudo estiver em seu devido lugar, poderíamos dar uma festa. Podemos convidar o pessoal do escritório... Alguns de seus clientes, juízes e advogados... Ele parecia em dúvida. — Não se preocupe Justin. Não vou me tornar uma dondoca — afirmou ela. — Na verdade, fico um pouco nervosa só com a idéia de darmos uma festa, mas acho que deveríamos pensar nisso. — Tem razão. Mas por que está nervosa? Todos poderiam vir fantasiados de Tarzan e Jane. Poderíamos presenteá-los com um facão à porta para desbravarem a selva. Laura fez uma careta para ele, que fingia a mais santa inocência. — Bem, falando em selva, acho que está na hora de ir caçar um short — Ele colocou o gato no chão e saiu da cozinha. Ela o alcançou na sala de jantar, onde a última cadeira era cuidadosamente colocada junto à mesa. — Justin, está mesmo chateado com o que estou fazendo? Os móveis, as plantas e tudo o mais. Se estiver... Ele baixou os olhos, sem responder. — Não pensei que precisasse checar cada detalhe com você. Justin é importante para mim que a casa seja confortável. Não que pretenda transformá-la num museu... Ou numa selva, mas vou passar a maior parte do meu tempo aqui; quero que fique bonita; agradável e atraente para nossos convidados. — O que não gosto é dessa confusão toda — concluiu ele. — Uma vez que estiver tudo em ordem, vou ficar bem. — Pensei que gostasse de desordem! 55
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Ele riu, beijou-lhe a ponta do nariz e seguiu na direção da suíte. Laura retornou à cozinha, sem confiar na aprovação dele. "É só uma questão de tempo", pensou ela. "Vai ficar tudo bem." Estava ajeitando os filés numa travessa quando o telefone tocou. Para sua surpresa, não era um cliente. Era Clay. Laura permaneceu calada por um instante, sem saber o que dizer e, ele riu. — Aposto que ficou surpresa de eu ter ligado tão rápido, não é, Laura? Nem mesmo o grande advogado conseguiu me impedir de lhe contar que estou de volta a Phoenix. Ela olhou por cima do ombro, sentindo-se um pouco culpada, como se Justin pudesse estar logo atrás dela. — Que bom que vocês estão de volta — respondeu com frieza. — Dê as boas-vindas a Shelley por mim. — Shelley não está comigo. O coração de Laura disparou. — O que quer dizer com isso? — Ora, é tão óbvio; Laura. — Sua voz era maliciosa. — Pensei que fosse mais esperta. — Clay, não seja ridículo. Por que ela não veio com você? — Porque Shelley não quis passar quatro dias num carro, viajando pelo país. Foi o que ela me disse, mas... Está planejando vir de avião na semana que vem. Laura fechou os olhos, aliviada. — Entretanto... Nesses quatro dias pude pensar sobre tudo isso, Laura. E concluí que não quero que Shelley venha para cá. A coisa mais sensata a fazer é convencê-la a ficar em Green Bay, para que você e eu... — Não! — protestou ela. — Não estou interessada em seus planos, Clay. Nem agora, nem nunca. Acabou, ouviu bem? — Tudo bem, admito que fui um pouco rude antes, mas estou disposto a pedir o divórcio... E deixar Shelley ficar com tudo, se for o caso. Então poderemos nos casar... Isso não lhe agrada, benzinho? — Não está se esquecendo de nada? Agora também estou casada. Ele riu. — Acha que me importo com isso? Olhe Laura, foi bobagem sua tentar provocar ciúme em mim desse jeito. Mas... Tudo tem seu lado bom, não é? Ele vai ser obrigado a lhe pagar uma generosa pensão... — Isso não vai acontecer. — Ela mal ouvia suas próprias palavras. Aquilo parecia um pesadelo, uma alucinação... — Não me diga que achou mais dinheiro nos bolsos de Justin do que esperava! Tanto assim que vale a pena ficar pelo resto da vida ao lado dele? — Dinheiro não tem nada a ver com isso, Clay. — Você aplicou um belo golpe, não foi? Acha que ele gostaria de saber dos detalhes? — o desafiou. — Que acha de eu ir até sua casa esta noite? Assim poderemos conversar... Os três, hein? — Não! — a retrucou, desesperada, tentando recuperar o controle. — Ele já sabe de tudo, Clay. — Por acaso, ele está do seu lado, dizendo-lhe o que falar? — Sou perfeitamente capaz de tomar minhas próprias decisões. Falo sério, Clay. Já estou farta dessa situação... — Nesse caso, prove o que diz — sugeriu-o. — Duas semanas atrás não conseguiu me convencer disso. — O que quer que eu faça? — a indagou rispidamente. — Quê conte tudo a Shelley? — Melhor, quero que diga, olhando nos meus olhos, que não me ama mais. Mas o grande advogado está fora disso. Quero só nós dois. Cara a cara. Pode mentir ao telefone, Laura, mas seus olhos não podem mentir para mim. Foi assim que eu soube que ainda me amava no minuto em que 56
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desci do avião, sabe! Ela hesitou por um instante, antes de concluir que era melhor convencê-lo a qualquer custo e... O quanto antes! — Que tal me encontrar no restaurante francês daquele luxuoso hotel perto do centro? — sugeriu Clay. — Com certeza, consegue escapar dele para me ver... — Tudo bem — Laura concordou de imediato. — Encontro você à uma hora da tarde, amanhã. — Ela desligou em seguida. Havia terminado de colocar os filés na travessa quando, enfim, suas mãos pararam de tremer. Justin entrou na cozinha, usando um robe. — Ainda lidando com isso? — perguntou com educação. — Venha nadar um pouco. Os carregadores já foram embora. Por um instante, Laura sentiu-se tentada a contar-lhe tudo que tinha acontecido. Mas de que ia adiantar? Nada! Talvez só piorasse aquela situação ridícula. Além do mais, esse era um problema dela. Quanto tudo estivesse resolvido, contaria a Justin. — Não estou com vontade de nadar — retrucou-a. — E você, não demore muito. O jantar está quase pronto. Ele a olhou, parecendo um tanto preocupado. — Vai ficar bem enquanto eu estiver viajando, não vai, Laura? Tem medo de ficar sozinha? — Claro que não. — Vou ligar para você amanhã no escritório. — É provável que eu saia para almoçar com uma amiga — mentiu, tentando parecer convincente. — Ou talvez vá fazer algumas compras. Esqueci de lhe contar... Tia Louise me ligou hoje. — É mesmo? — Ele ficou atônito — Bem, indiretamente. Na verdade, foi o gerente de uma loja de presentes, para a qual ela enviou um telegrama. Pediu que nos deixassem escolher o que mais nos agradasse e, então, mandassem a conta a ela. Ele assobiou. — E você preocupada por ela não ter nos escrito na semana passada. Sem dúvida, tia Louise já a considera um membro oficial da família. Quando Justin deixou a cozinha, Laura sentiu um nó apertar-lhe a garganta. Uma profunda tristeza apoderou-se de seu coração. Era doloroso não poder declarar seu amor àquele homem.
CAPÍTULO X
Não tiveram tempo para o cochilo. Depois do jantar Justin fechou-se na biblioteca para trabalhar. Laura não ficou surpresa; ouvira-o dizer mais de uma vez que aquele caso de divórcio, que o obrigaria a viajar, era muito complicado. Ela, por sua vez, passou horas arrumando tudo, distribuindo as plantas pela casa, tirando das caixas, pequenos objetos de decoração ainda embrulhados. Já passava da meia-noite quando Justin apareceu na sala de jantar para desejar-lhe boa noite. — Importa-se que eu termine isso antes de ir para a cama? — perguntou Laura. Ele exibiu um leve sorriso. — Tudo bem, mas não vou esperar por você. Tenho mesmo de sair às seis horas da manhã. — Ele se despediu dela com um beijo e deixou-a lá, cercada de várias caixas. Justin já dormia profundamente quando Laura entrou no quarto. Cansada do dia estafante, 57
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aconchegou-se a ele e, em poucos minutos, dormia também. Pela manhã, quando acordou, Justin já havia partido. Deixara um bilhete no espelho do banheiro. "Não tive coragem de acordá-la", dizia o bilhete. "Preferi levar comigo a lembrança de vê-la dormindo." Ela guardou o bilhete no robe, sentindo um misto de alegria e tristeza. Supervisionar a nova secretária não era uma tarefa das mais difíceis; uma vez que ela era experiente, precisaria apenas de algum tempo para compreender como Justin gostava que as coisas fossem feitas e familiarizar-se com todos os casos em andamento. Assim, Laura teve tempo de sobra para refletir sobre as possíveis conseqüências daquele almoço com Clay. Estava arrependida... Tanto por ter concordado com aquele encontro quanto por não ter dito nada a Justin. Agora, no entanto, era tarde demais! Algum tempo depois, no hotel, Laura atravessava a passos largos e decisivos o saguão principal em direção ao restaurante. Estava, intencionalmente, quinze minutos adiantada. E não tinha a menor intenção de ficar um segundo á mais do que o necessário. Ao entrar, escolheu uma mesa num canto discreto do restaurante, de onde podia ver as pessoas sem ser vista. Segurava no colo a bolsa e um envelope branco. No momento em que Clay aparecesse, iria entregar-lhe a carta; assim, estaria livre daquele pesadelo para sempre. Era quase uma hora da tarde quando um mensageiro do hotel aproximou-se de sua mesa. — Madame? Está aguardando por um cavalheiro? Com um gesto, ela concordou. — Ele pediu para entregar-lhe isso. — O garoto estendeu-lhe um cartão magnético, exibiu um sorriso profissional e em seguida retirou-se. Laura olhou confusa para o cartão em sua mão, antes de perceber que se tratava da chave de um quarto. Uma fúria incontrolável apoderou-se dela. Como Clay podia ter tido a pretensão de manipulá-la daquela maneira? — Ah, ele não perde por esperar... Vou colocar um, ponto final nessa história agora mesmo! — sussurrou entre dentes. Guiando-se pelo número impresso no cartão, foi até o apartamento. Bateu à porta. Ninguém veio atender, então, hesitante, usou a chave. O quarto estava escuro; todas as cortinas fechadas e as luzes apagadas. Laura deixou a porta fechar-se atrás de si, permanecendo imóvel por um instante, até que seus olhos se acostumassem à penumbra. Era uma pequena suíte; Laura percebeu que estava na ante-sala. Houve uma pequena movimentação à sua esquerda. Ela se virou naquela direção. — De uma vez por todas, Clay, eu estou farta desse seu jogo sujo. Agora eu dito as regras. Não obteve nenhuma resposta. Apenas o som do interruptor quebrou o silêncio constrangedor. Com o choque daquela visão, deixou cair, sem que notasse o envelope que trazia nas mãos. — Que tipo de regras vai ditar Laura? — indagou Justin, caminhando lentamente em sua direção. — O que faz aqui? — começou ela baixinho. — Devia estar viajando... — interrompeu-se de repente, percebendo que agia como uma mulher que cometera adultério. Ele deu de ombros. — Mudei meus planos — Justin comentou com indiferença. — Lamento não tê-la informado com antecedência. Mas fico feliz que tenha vindo ao meu encontro... Em vez de passar à tarde com Clay. — Não planejava passar à tarde com ele — respondeu furiosa. — E como diabo soube... — Que ia se encontrar com seu amante? Aflita, Laura negava com um frenético movimento de cabeça. — Justin, eu... Não é nada disso que está imaginando. Combinamos nos encontrar no restaurante... 58
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— Muito estranho. Chequei com o gerente do restaurante; não havia nenhuma reserva no seu nome nem no dele. — Isso não quer dizer nada. Não lhe ocorreu que pode existir uma explicação para tudo isso? — Você não hesitou em usar aquela chave. Parecia até que já esperava ser convidada a... — Não seja ridículo. Mesmo que esteja determinado a pensar o pior de mim, como justifica o fato de eu ter ido ao restaurante? — a desafiou. — Não seria muito mais simples que ele me desse o número do quarto? — Acontece que ele só se registrou esta manhã. Não tinha o número do quarto quando ligou para você ontem à noite. — Foi assim que descobriu? Ouvindo minha conversa ao telefone? — Não fiz de propósito, se é isso que está insinuando. Voltei à cozinha e, por acaso, ouvi parte da conversa... Mas uma parte muito interessante. Então foi fácil entender por que não quis ir ao litoral comigo. Laura estava paralisada de pavor. Sentia-se presa a uma teia, tecida por ela própria, da qual não havia como escapar. E pensar que aceitara encontrar-se com Clay na tola intenção de privar a si e a Justin de um sofrimento maior. — Mesmo assim, quis confiar em você — prosseguiu ele. — Acreditar em sua sinceridade. — É isso que chama de confiar? Ouvir minha conversa... E tirar conclusões precipitadas? — Seu encontro com Clay não é fruto da minha imaginação, Laura — lembrou-o num tom agressivo. — Fiz uma promessa a você, Justin, eu dei minha palavra... — Você mentiu para mim. Disse que ia almoçar com uma amiga — interrompeu-o baixinho. — É isso o que vale sua promessa? Amargurada, Laura concluiu que ele tinha razão. Afinal, havia mentido... Qualquer coisa que dissesse agora seria suspeita. — Suponho que Clay vá aparecer aqui a qualquer minuto — arriscou ela. — Para completar a cena. — Oh, não. Esse não é o quarto dele. Eu estou pagando a conta... E não o convidei para participar da festa. — Bem, se não é um confronto que deseja; o que é então? — Veio aqui para passar à tarde com seu amante, Laura — insinuou ele. — Detestaria desapontá-la por completo... Então vai ter de me aceitar como substituto. — Livrou-se da gravata e do paletó, atirando-os sobre uma poltrona. "Não, Justin", a pensou em desespero. "Não isso!" Ao vê-la afastar-se, ele se colocou de propósito em frente à porta. Fitou-a de cima a baixo. Tomou a bolsa de suas mãos, enraivecido. Ela tentou escapar, mas não conseguiu. Justin, praguejando, tomou-a no colo e carregou-a para o quarto. Podia sentir o frágil corpo dela debatendo-se em seus braços. Não parecia capaz de detê-lo. Então, lançou-a violentamente sobre a cama, jogando-se sobre ela. Laura estava aterrorizada. Jamais pensara que Justin fosse capaz de usar sua força física como arma. — Vai ter de me bater para conseguir o que quer — disparou ela, num ímpeto de coragem. — Não — sussurrou ele. — Tenho um jeito mais fácil de tirá-lo de sua cabeça, Laura. Ela virou o rosto, enojada, sentindo os lábios de Justin deslizarem pela pele de seu pescoço. — Não precisa se preocupar com isso — disse ela amargurada. — Mesmo que você queira, por mais que tente, não consigo me enganar fingindo que você é ele, Justin. Nunca vou esquecer-me do que fez esta tarde. Jamais! Vou odiar você para sempre. Aquelas palavras ô atingiram, em cheio, fazendo-o recuperar o bom senso a tempo e afastar-se dela. Tinha a respiração ofegante e, parecendo envergonhado, cobriu o rosto com o braço. Trêmula, fora de si, ela saltou da cama e saiu do quarto. No saguão do hotel, suspirou aliviada enquanto procurava pelas chaves do carro em sua bolsa. 59
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Uma mão pousou em seu ombro. Ela se virou e, num reflexo, cravou a ponta do salto do sapato sobre o pé do homem a seu lado. O impacto provocou um choque agudo no tornozelo dela. Clay soltou um grito de dor e afastou-se mancando. — Droga, Laura! — Você! — explodiu ela, no auge da fúria. — Nunca mais encoste um dedo em mim, Clay. Nem me telefone, ou mande recados. Na verdade, vou gritar se você aparecer na minha frente outra vez. E, se não me ouvir, vou levá-lo ao tribunal para deixar isso bem claro!!! Atônito, ele não conseguiu dizer nada enquanto ela saía. No carro, Laura tentou imaginar, nervosa, o que iria acontecer agora. Por fim, decidiu voltar para casa. Pegaria algumas de suas coisas e iria... Para algum lugar. Para onde? Seu tornozelo doía muito quando chegou em casa. Deixou-se cair, exausta, na cadeira de balanço junto à lareira. Então conseguiu chorar. Seu sonho de felicidade tinha durado tão pouco... Agora não lhe restava nenhuma esperança. Os doces momentos com Justin desfilavam em sua mente. Vibrato surgiu de algum canto da casa, saltando para o seu colo. Aquilo foi à gota d'água. Comovida com a solidariedade do animalzinho, chorou desesperadamente. Quando tentou erguer-se, depois de um longo tempo, uma dor intensa em seu tornozelo a impediu. Justin entrou na sala naquele instante. — Deixe-me dar uma olhada nisso. — Não é preciso. Torci o tornozelo, só isso. Ele a olhou em silêncio, depois se retirou. Minutos depois estava de volta, com uma bolsa de gelo nas mãos. Encontrou-a tentando levantar-se novamente. — Sente-se — ordenou ele. — Ou será que vou ter de colocá-la de volta nessa cadeira à força? Ela obedeceu. — Não — respondeu num tom cínico. — Não me esqueci de que é bem mais forte do que eu. Deixou isso bem claro esta tarde. Ele empalideceu, mas não respondeu àquela provocação. Ajoelhou-se ao lado dela, massageando com delicadeza o tornozelo inchado. — Parece que não está quebrado — constatou. As mãos dele, fortes e bronzeadas, ainda seguravam a bolsa de gelo contra seu tornozelo. Vibrato assistia a tudo atentamente. — Sempre me orgulhei da minha lógica a nível profissional — murmurou ele. — Mas, hoje, descobri que nem sempre a lógica funciona na vida real. — Parabéns! — Laura retrucou, irritada. — Não há nada que justifique o modo como eu agi, Laura. Agredi-la daquele jeito... Nunca imaginei que fosse capaz de me comportar de modo tão repulsivo. — Sem mencionar que essa atitude poderia até impedi-lo de exercer sua profissão — completou-a, num tom monótono. — Imagino que não adiantaria lhe dizer o quanto estou arrependido. — Veja pelo lado positivo, Justin. Talvez isso o torne mais compreensivo com as fraquezas de seus clientes. Da próxima vez que um deles apelar para a violência... — Talvez — interrompeu-o. — De qualquer modo, peço seu perdão humildemente, Laura. — Ora, Justin, você nunca foi humilde. — Ela recostou a cabeça na cadeira e fechou os olhos. — Você é arrogante, convencido, e egoísta... E a idéia que faz de um casamento é exorbitante! Não sei como me meti nessa... Enrascada. — Tem toda razão — concordou ele. — É difícil admitir, mas estava enganado; Laura. Surpresa, ela abriu os olhos para fitá-lo. — Por que não disse nada... Não fez alguma coisa... Na noite passada? Por que esperou até que tudo isso acontecesse? 60
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Ele suspirou. — Esperava que desistisse de ir ao encontro de Clay. Assim... Não teríamos de tocar no assunto; nada disso teria acontecido. — E você teria uma arma secreta contra mim, não é, Justin? — Isso nem me passou pela cabeça. Juro! — O que ô fez mudar de idéia? — Quanto mais pensava, mais me convencia de que não ia desistir de se encontrar com ele. — Justin... — Tentei me convencer de que isso não era importante. Mas me lembrava de sua desculpa sobre o almoço com uma amiga. Comecei a suspeitar de que escondia algo. Não queria vê-la mentindo para mim... Por isso não a acordei esta manhã. Quanto mais dirigia... — Quer dizer que foi mesmo viajar? Ele exibiu um leve sorriso. — Só até a metade do caminho. Durante o trajeto, concluí que estava sendo idiota. Precisava saber se ia vê-lo ou não. Cancelei meu compromisso e voltei. Fui ao hotel e descobri que Clay havia se hospedado lá, sozinho, naquela manhã. Ele havia pedido um champanhe para o quarto... — E logo deduziu que eu ia participar da "festinha". Justin evitou o olhar dela. — Parecia tão óbvio, Laura, que não hesitei em armar aquela armadilha para você... — E eu caí direitinho, não foi? — resumiu, com tristeza. — Quando você apareceu no quarto... Perdi a cabeça, Laura — admitiu envergonhado. — Nunca tinha feito isso antes. Nunca! Ela o fitou, sem piedade. Podia viver sem o seu amor se fosse preciso, mas não sem a sua confiança. — Vou embora, Justin. Hoje mesmo. — Não precisa ter medo de mim — disse ele. — Por que, Laura? Por que não tentou me explicar? Defender-se? Subitamente, ela se lembrou da carta que escrevera para Clay. Com toda aquela confusão, tinha se esquecido de entregá-la a ele. Devia estar em sua bolsa. Porém, não se mexeu para apanhá-la. Se Justin confiasse nela, não precisaria de provas concretas, sua palavra seria o bastante. Além de tudo, ele poderia pensar que fosse mais uma mentira. Teria tido tempo suficiente para escrevê-la antes de ele chegar. — E isso teria ajudado em alguma coisa? — indagou, sem esperança. — Talvez não — Justin respondeu, removendo a bolsa de gelo do tornozelo dela. Ela tentou se levantar. O tornozelo ainda doía, mas podia suportar seu peso. Para não forçá-lo demais, recostou-se em uma poltrona. Ele se pôs de pé, também, trazendo o gato consigo. — E Vibrato? — O que tem ele? Acha que devemos brigar pela custódia de Vibrato no tribunal? — ridicularizou Laura. — Vai levá-lo com você hoje? — Não — respondeu indiferente. — Com certeza hotéis não permitem animais. — Por que quer me convencer de que vai se juntar a Clay, Laura? Ela o olhou com desdém. — Por que é isso o que pensa, não é? Justin discordou com um gesto da cabeça. — Não pude ouvir o que lhe disse no saguão, mas, pela cara dele, não foi difícil deduzir do que se tratava. E, quando encontrei isso no chão da suíte... — Ele retirou o envelope branco do bolso. — Você o deixou cair. Bem, eu li a carta. — admitiu. — Não estava fechado. Um tremor violento percorreu o corpo de Laura. — E por que me deixou pensar que ainda acreditava que... — Ela fechou os olhos e respirou 61
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fundo. — Por que não me disse que já sabia da verdade? — Não disse? Bem, de qualquer forma, você deixou bem claro que jamais me perdoaria. Ela balançou a cabeça, negando o que ouvia. — Não? Não foi o que disse? — sussurrou ele. Laura estava zonza, quase perdendo o equilíbrio. Imediatamente, ele colocou o gato no chão para ampará-la nos braços. — Laura, não pode mesmo me perdoar? — Depende — disse ela. — Por que fez tudo isso? — Sei que devia ter confiado em você. E confiava, até meu ciúme, cego e estúpido, falar mais alto... — Justin! — exclamou ela, sentindo uma ponta de esperança. Ele a ergueu nos braços, sentando-a em seu colo na poltrona. Abraçou-a apertado, como se temesse que ela tentasse fugir. — Pensei que não era importante que você amasse Clay — confessou. — Tínhamos um trato, e seus sentimentos ficavam fora disso. Mas não era verdade. Naquela noite, quando fizemos amor e chamou pelo nome dele... Disse assim mesmo que estava tudo bem. Ele não fazia mais parte de sua vida, você agora era minha esposa e, de uma forma ou de outra, o esqueceria. Só que descobri que queria mais que isso; queria tirá-lo de sua cabeça a qualquer custo. Não conseguia me esquecer de que nunca teria se casado comigo se ele estivesse livre. Laura deitou a cabeça no ombro dele. — Teria feito uma tremenda besteira se tivesse me casado com ele. — Eu não sabia que pensava assim — Justin afirmou. — Quando escutei sua conversa ao telefone, fiquei desesperado. Tive medo de perdê-la. E, pela primeira vez em minha vida, tive medo de lutar por aquilo que queria. Por isso a deixei dormindo esta manhã. Imaginei que talvez não a encontrasse aqui quando voltasse e preferi guardar sua imagem... Serena em meus braços... Não quis correr o risco de vê-la acordar feliz com a idéia de encontrá-lo. Por fim, cometi o maior erro da minha vida. Depois daquele ataque de ciúme, percebi que a tinha condenado sem provas... Suas palavras, dizendo que me odiaria para sempre, não me saíam da cabeça. Justin passou os braços em torno dela. Duas lágrimas quentes escorreram pelo rosto de Laura. — Você — murmurou ele — pediu a Clay para deixá-la em paz só para manter sua palavra? Laura negou, enquanto as mãos dele acariciavam seus cabelos. — Achei que não acreditaria em mim — ela confessou, emocionada. — Pior, pensei que concluiria que eu tinha quebrado nosso trato. — Por quê? Não entendo... — Se lhe contasse que eu o amava — sussurrou ela. Justin a estreitou num abraço apertado, afirmando com tristeza: — Tanto sofrimento por causa de nossas "belas" teorias! — Suas teorias; lembra-se? Acho que nunca acreditei de verdade em todas aquelas bobagens. — Bem, eu, sim. Só agora entendo que, se não tivesse se casado comigo... Passaria a vida procurando pela mulher perfeita. Admitir que estava apaixonado por você, Laura, não foi nada fácil. Isso era contra meus princípios. E, quando descobri isso, não podia confessar-lhe meu amor, porque achava que você amava outro homem, não a mim... — Oh, eu te amo, Justin! — Laura confessou. — Você é muito mais do que eu poderia esperar de um amor imperfeito. Ele sorria de maneira sedutora. — Imperfeito, hein? Acho que podemos dar um jeito nisso. O que acha? — Cobriu os lábios dela com um beijo devastador. — É tudo que eu quero — concordou Laura, ofegante, quando enfim ele interrompeu a carícia. Para selar aquele acordo, eles se amaram perdidamente diante da lareira... Que estava apagada, mas a chama ardente da paixão que os consumia era suficiente para aquecer a casa toda. 62
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FIM
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