2013 Claudia Brand

Page 1

Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

DAS DERIVAS DO GRAFFITI ÀS (DE)MARCAÇÕES URBANAS DO IMAGINÁRIO Cláudia Mariza Mattos Brandão∗ Esther Lorizolla Cordeiro∗

RESUMO: O artigo tem por objetivo refletir sobre as (de)marcações do graffiti nas cidades contemporâneas, como fruto de derivas dos artistas grafiteiros. Nesse sentido, consideramos as propostas da Internacional Situacionista, movimento artístico e político fundado por Guy-Ernest Debord em 1957, cujas questões problematizavam a vida cotidiana e a relação entre arte e vida. Centradas no urbanismo, as ideias do grupo deslocaram-se com o tempo para as esferas políticas e revolucionárias, culminando com a ativa participação situacionista nos eventos de Maio de 1968 em Paris. Para o desenvolvimento de tal discussão utilizamos como âncora as ações da artista de rua Panmela Castro, que em suas derivas (de)marcou várias cidades ao redor do mundo, divulgando seus questionamentos acerca da violência contra a mulher. Enfocamos o graffiti como uma construção estética e discursiva, destacando a cadência narrativa dessas escritas manifestadas nos espaços urbanos. Temos aí estabelecida uma relação direta dos graffiti com a base do pensamento urbano situacionista, ou seja, a psicogeografia, a deriva e a ideiachave do movimento, a “construção de situações”. Os situacionistas consideravam a deriva como uma técnica do andar sem rumo sob a influência dos cenários, na qual a observação ativa da urbe produziria a “arte total”, em relação direta com a cidade e com a vida urbana em geral. O espaço urbano pertence ao domínio da percepção, sendo que à Arte cabe traduzir a sensação de fragmentação, de efemeridade e de mudança caótica, introduzidas na vida cotidiana pela Modernidade. Neste contexto os discursos dos sujeitos grafiteiros, frutos de derivas criativas, dão visibilidade a questões filosóficas que encontram na cidade contemporânea seu écran privilegiado.

Palavras-chave: Graffiti. Panmela Castro. Internacional Situacionista.

Guy-Ernest Debord (1931-1994), o fundador da Internacional Situacionista, é considerado uma das grandes referências do pensamento da segunda metade do século XX. Ele acreditava, e defendia veementemente, na ideia de que não basta ao pensamento buscar a sua realização, pois antes é preciso que a realidade procure o pensamento, crítico e reflexivo. E, nesse sentido, Debord considerava que a classe trabalhadora, já desde o século XIX herdeira da filosofia, era naquele momento, a ∗

Doutora em Educação, Professora Adjunta do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas (RS), pesquisadora do NEMEC – Núcleo de Estudos em Memória e Cultura, UPF/CNPq. attos@vetorial.net ∗ Acadêmica do curso de Artes Visuais - Modalidade Licenciatura, pesquisadora do NEMEC – Núcleo de Estudos em Memória e Cultura, UPF/CNPq. cordeiroel@gmail.com


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

década de 1960, legatária “da arte moderna e da primeira crítica consciente da vida moderna”, sendo que “a criatividade liberada na construção de todos os momentos e eventos da vida é a única poesia” reconhecível (BADERNA, 2002, p.56). Em um dos documentos divulgado pelo Comitê de Ocupação da Universidade Autônoma e Popular da Sorbone, datado de 16 de maio de 1968, durante as ações do MAIO DE 681, encontramos uma lista de “SLOGANS PARA SEREM DIFUNDIDOS POR TODOS OS MEIOS: em panfletos, falando em microfones, tiras de quadrinhos, músicas, graffiti...” (BADERNA, 2002, p.131). A inclusão do graffiti como meio de divulgação das palavras revolucionárias ressalta-o como expressão transgressora que torna o cidadão grafiteiro um protagonista da história, da experiência participativa nas cidades como antídoto à espetacularização, fruto da corporeidade dos sujeitos. Trata-se, portanto, de assumir o corpo humano como resultado de acontecimentos, sentidos, prazeres, expressões, valores e discursos, e do seu papel determinante na história das ideias, pois a corporeidade implica na sua inserção num mundo significativo, em relação dialética consigo mesmo, com os outros corpos expressivos e o mundo ao redor. O conhecimento acumulado ao longo da história nos mostra que mais do que um corpo existe uma corporeidade relacionada à união dos corpos biológico, mental/psicológico, social, político e histórico. Somos seres em permanente interação com o mundo em seu amplo sentido, e a complexidade dessa relação tem no graffiti uma expressão única, fruto das ações criativas de corpos expressivos e transgressores, muitas vezes anônimos. Este artigo tem por objetivo refletir sobre as (de)marcações do graffiti nas cidades contemporâneas, como fruto das ações de artistas de rua, assim como Panmela Castro, que em suas derivas (de)marcou várias cidades ao redor do mundo, divulgando seus questionamentos acerca da violência contra a mulher. Para tal discussão consideramos as propostas da Internacional Situacionista, movimento artístico e político fundado por Guy Debord em 1957, cujas questões problematizavam a vida cotidiana e suas relações com a arte. A crítica ao urbanismo, um dos fundamentos do pensamento situacionista, é uma provocação à reflexão acerca das cidades como cenários para os espetáculos turísticos, 1

Foi um movimento que teve início com manifestações estudantis pedindo reformas no setor educacional francês. A explosão de revindicações estudantis evoluiu para uma greve de trabalhadores. Juntos, estudantes e trabalhadores promoveram a maior greve geral da Europa, com a participação de cerca de 9 milhões de pessoas. Como consequência, o presidente francês, general De Gaulle, renunciou um ano depois.


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

dos quais a população não participa. Vendida como mercadoria, a cidade turística se contrapõe ao seu ethos comunitário. A estrutura urbana apresenta-se como um sistema comunicativo, que pode ser visto, lido e interpretado como matéria significante, onde os objetos inseridos cotidianamente pelo homem constroem “intertextos visuais”, que se apresentam como testemunhos de um tempo e espaço específicos. Temos aí a cidade comunicando seu estilo particular de vida, o seu ethos. Inserido no ritmo vertiginoso do cotidiano, o homem urbano lança sobre a cidade um olhar reificador. Ele reconhece diariamente as trilhas que o conduzem a seus objetivos imediatos, sem que necessariamente se aperceba que é parte integrante - e pulsante - daquele espaço físico, com uma história representativa que somada à história particular de cada indivíduo forma a história da cidade. A cidade que, como um espaço político por excelência, representa o ideal ético da comunidade. 1. A cidade como eixo central do Espetáculo contemporâneo

No aforismo 34 do livro “A Sociedade do Espetáculo“ Debord anuncia: “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” (DEBORD, 2005, p.25), sendo que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (ibid., p.14). Logo, entender a cidade como espetáculo é considerá-la a partir de uma imagem idealizada que não corresponde à sua diversidade, só descoberta a partir da experiência de sua exploração física. Os situacionistas colocam o conhecimento da cidade “sob o signo da exploração psicogeográfica” (TACUSSEL in: GUTFREIND e SILVA, 2007, p.12), um termo que indica tanto a natureza objetiva do espaço, assim como, “a observação dos efeitos do meio geográfico sobre os comportamentos afetivos” (ibid., p.13). Tal pensamento nos leva a considerar o urbano como um lugar especial para o lúdico, que frutifica das ligações dinâmicas entre os sujeitos e os espaços. Portanto, se pensarmos sobre a espetacularização das cidades contemporâneas, é possível considerar que ela está diretamente relacionada ao declínio da experiência física como prática cotidiana do cidadão com o contexto urbano, visto que:

O transeunte vive em estado de alerta, numa extrema atenção que visa, antes de tudo, à sua própria sobrevivência. Seu olhar não pode


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

demorar-se em nenhum ponto do mundo que o circunda, pois poderá ser tarde demais: por isso ele não espera que aquilo que vê o olhe, não anima mais o inanimado. Decadência da aura, crise da experiência: o transeunte perde a memória e com isso, a identidade (OLIVEIRA e SANTAELLA, 1987, p. 107).

O caminhante percorre suas trilhas sem olhar para a cidade, mergulhado em seu mundo particular, entrincheirado nos ônibus ou automóveis, ele não tem mais tempo para perceber a cidade a partir de experiências sensoriais permitidas pelas derivas participativas que constroem e reconstroem a cidade permanentemente. Submetido ao rolo compressor homogeneizante da cidade espetacular, os passantes tornam-se agentes passivos em lugares nos quais o fato deveria se fundir à imaginação, fruto de relações particulares estabelecidas entre os indivíduos e os objetos através da interação criativa que deve configurar a vida urbana. Isso, pois:

O mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando tudo o que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois seu movimento é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação a tudo que produzem (DEBORD, 2005, p.28).

Na contramão de tal realidade - do afastamento do cidadão do espaço urbano enquanto construção coletiva – é possível identificar as ações dos artistas grafiteiros. Para esses, legítimos representantes da Street Art, a cidade se torna um palco e eles atores protagonistas ao invés de meros espectadores. A partir da experiência física da cidade, potencializada pela experiência sensorial e artística, que provoca contínuas derivas criativas, os grafiteiros consagram o espaço urbano no domínio da percepção. “A deriva é um modo de (re)conhecimento baseado em uma dinâmica ativa do imaginário” (TACUSSEL in: GUTFREIND e SILVA, 2007, p.18), através da qual “o indivíduo joga com os signos do destino, habitando um tempo sem economia” (ibid., p.19). Sendo assim, é possível considerarmos os deslocamentos dos artistas grafiteiros pelas cidades como derivas, tal qual a proposta dos situacionistas. E podemos também considerar que os graffiti que povoam as urbes contemporâneas são traduções da sensação de fragmentação, efemeridade e mudança caótica, introduzidas na vida cotidiana pela modernidade, demonstrando a inquietação dos artistas urbanos frente às sociedades espetaculares.


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

E contra a espetacularização reificante das cidades contemporâneas, muitas já desprovidas de suas peculiaridades culturais, nós encontramos as formas do graffiti, criativas e estéticas, promovendo a resistência ou provocando fissuras na percepção do urbano. E os grafiteiros na condição de atores sociais urbanos apropriam-se de espaços públicos para a realização de suas intervenções artísticas, fazendo com que tais espaços deixem de ser simples cenários e se transformem em palcos urbanos, lugares de expressão, crítica e reflexão:

(...)Bachelard não fala do espaço apenas diurnamente, enquanto categoria física e matemática, espaço neutro, impessoal; resgata, no nível do imaginário poético e filosófico, o espaço enquanto lugar: situado, singular, povoado por lembranças pessoais, sítio de experiências, colorido por emoções datadas. Esse espaço, que se desdobra e singulariza em casa, concha, ninho, cofre, gaveta..., é cenário da vida do corpo, morada de afetos, fonte de poiesis artística ou filosófica, fundamento da natureza enquanto paisagem (PESSANHA in: NOVAES, 1988, p.156).

A partir do pensamento bachelardiano é possível percebermos a paisagem urbana como uma construção simbólica que frutifica dos modos subjetivos de ver (BACHELARD, 1993). Portanto, apreender o espaço, está mais para o plano simbólico do que para o real observado. E é nesse universo de interferências dos seres humanos sobre o espaço, construindo e re-construindo a paisagem, que demarcamos a importância do graffiti como uma manifestação da Street Art e de seus artistas. Isso, pois na amplitude do que abarcam:

Os símbolos que vemos na rua e nas paredes não estão em caso algum desvinculados do tempo a que dizem respeito. Quer seja sobre as ideias políticas, quer do que se entende como estético ou dos objectivos que se perseguem no momento, esses símbolos dão-nos, com frequência, uma solução, antes de que aquilo que representam se transforme em bem comum da cultura oficial (STAHL, 2009, p.8).

Sendo assim, é possível afirmar que a atividade criativa que tem como suporte o espaço urbano, mais do que um expoente da criação artística, é um importante indicador histórico. E no contexto histórico contemporâneo a presença dos artistas de rua e de


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

suas criações é fundamental para que no corre-corre cotidiano possamos refletir sobre o mundo ao redor, uma proposta cara aos situacionistas. No rol de inúmeros artistas brasileiros escolhemos uma em particular, a carioca Panmela Castro, para através de suas produções discutirmos a presença da Arte no cotidiano das cidades contemporâneas, não como imagens que embelezam o ambiente, mas, sim, como exemplares da criatividade humana que nos instigam à reflexão, nos moldes das propostas de Debord. 2. Panmela Castro e suas derivas pelo mundo

Panmela Castro (Rio de Janeiro, 1981) é uma feminista com ideais anarquistas, graduada em pintura na Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Artes pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Hoje ela é conhecida internacionalmente por ministrar oficinas como idealizadora e presidente da Rede Nami, projeto da ONG Caramundo. Definida no tumblr da Rede “Nami é uma Rede Feminista que usa as artes urbanas para promover os direitos das mulheres”, e é uma organização que conta com o apoio de outras mulheres: Daniele Kitty (vice-presidente), Artha Baptista (diretora financeira), Ana Paula Gualberto (diretora corporativa) e Jandira Queiroz (diretora de conteúdo). Em entrevista realizada pela Rede CNT, disponível no site oficial da grafiteira, a artista declara que aderiu à Street Art quando começou a fazer pichações, com o intuito de socializar-se e conquistar novas amizades. E nessa empreitada Panmela encontrou muitas dificuldades, principalmente, pelo fato de ser mulher, pois ambiente do graffiti até pouco tempo atrás era quase que exclusivamente masculino. Como explica Guacira Lopes Louro isso se relaciona a: Um processo que é baseado em características físicas que são vistas como diferenças e às quais se atribui significados culturais. Afirma-se e reitera-se uma sequência de muitos modos já consagrada, a sequência sexo-gênero-sexualidade. O ato de nomear o corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como um “dado” anterior à cultura e lhe atribui um caráter imultável, a-histórico e binário (LOURO, 201, p.15).


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

Portanto, para facilitar a inserção no meio da arte urbana, Panmela precisou se “masculinizar” e criar uma identidade de acordo com as exigências do meio, usando roupas masculinas, falando gírias como os meninos, isso, pois as meninas eram consideradas mais "frágeis" para andar a noite aventurando-se em locais desconhecidos. E como consequência criativa, com o passar do tempo tais características foram sendo agregadas ao seu trabalho. Em seus graffiti a artista utiliza o pseudônimo Anarkia Boladona, sendo o primeiro nome uma referência ao movimento anarquista, remetendo à liberdade, e o segundo, ao funk e “às gírias do universo”, relativas aos seus espaçostempos de convivência, conforme declaração dada em entrevista a revista TMP (2012). A transição da pixação para o graffiti teve como marco o casamento de Panmela. Em apresentação no TEDx Belo Horizonte ela declarou que foi um relacionamento conturbado, durante o qual sofreu abusos do marido, psicológicos e físicos. A consequência dessa relação violenta foi a separação e, como relata na entrevista para a TV GAU (2013), suas produções têm como referências as suas próprias experiências, além dos relatos de violência da mãe e de amigas que passaram por situações semelhantes. E dentro desse contexto ela se dedicou à luta contra a violência sofrida por mulheres, buscando uma maior conscientização comunitária acerca das leis e direitos das mulheres (Figura 1), através das práticas do graffiti.

Figura 1: Panmela Castro. Graffiti mural, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: http://www.panmelacastro.com/


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

As produções artísticas de Panmela ficam visíveis para toda a comunidade e desse modo “compartilham de um ideal de democratização da arte, utilizando o espaço urbano como suporte, sem restringir o seu acesso a um público específico, consumidor de arte, mas levando-as ao povo em geral” (CORRÊA e BRANDÃO, 2012, s/n). Nesse sentido, destacamos a reverberação comunitária de suas ideias e a sua experiência participativa nos rumos da história e da própria constituição da cidade como um espaço comunicativo, que é constantemente transformado pelas imagens dos graffiti. Destacase, portanto, a potência de práticas artísticas transgressoras que brotam da exploração física da cidade e dos questionamentos dos cidadãos, assim como pretendiam os situacionistas, resultantes de percepções psicogeográficas e sociais.

Figura 2: Panmela Castro. Gabriela Libélula, graffiti, Nova York, 2012. Disponível em: http://www.panmelacastro.com/

A experiência adquirida através de suas inúmeras derivas ao redor do mundo (Figura 2) possibilita à Panmela uma maior compreensão sobre as diferentes realidades vivenciadas pelas mulheres contemporâneas. Tais percepções e a prática da linguagem do graffiti possibilitaram à artista a consciência acerca da potência comunicativa das imagens produzidas. O conjunto de suas produções espalhadas pelo mundo constitui-se


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

assim como uma narrativa através da qual a artista compartilha com qualquer transeunte suas inquietações, utilizando um “idioma” sem fronteiras, pois:

por estarem em um espaço-tempo específico, integradas a um contexto próprio, tais manifestações são documentos de uma época e dos sujeitos que nela interagem. Sendo assim, elas nos fornecem subsídios para a reflexão sobre as interrelações que revelam, permitindo ponderarmos acerca das relações do homem com o meio em dado momento histórico (CORRÊA e BRANDÃO, 2012, s/n).

Figura 3: Mural Disque 180. Graffiti mural coletivo, Instituto Avon e Observatório de Favelas. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: - http://redenami.wix.com

Com sua atuação frente à ONG NAMI, Panmela ampliou significativamente os horizontes de suas obras através do oferecimento de oficinas, sempre na busca de dialogar especialmente com o público feminino, problematizando a violência contra a mulher (Figura 3). O graffiti é um assunto que geralmente desperta curiosidade e interesse, e a Rede criada e gerenciada por Panmela se aproveita desse interesse para a convocação do público às oficinas oferecidas, utilizando o espaço urbano como cenário para a discussão sobre atos violentos sofridos pelas mulheres, um tema que extrapola qualquer fronteira geográfica. Numa entrevista realizada pela revista TPM (2012) ela explica que o projeto promove, além das oficinas de graffiti, a realização de debates abertos ao público em geral,


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

eventos esportivos e a apresentação de peças teatrais, ou seja, a Rede NAMI busca cativar públicos de diferentes idades através de ações que propiciem manifestações comunitárias. A temática abordada nesses encontros versa principalmente sobre a violência doméstica, buscando também esclarecer em especial as brasileiras sobre a “Lei Maria da Penha”, Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que dispõe sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Figura 4 Disponível em: - http://redenami.wix.com

As oficinas desenvolvidas por Panmela (Figura 4) geralmente iniciam com o debate acerca de tais questões. Na continuação os grupos são incentivados a produzirem um mural utilizando a técnica do graffiti, no qual são associadas às imagens a problematização surgida durante o encontro. Tais produções atuam como recursos para a divulgação das ideias, informando e conscientizando o público, portanto, temos aí imagens mediando relações reflexivas, instigadoras e trans-formadoras, que brotam da vivacidade dinâmica da imaginação e criatividade humanas. Devido às atividades da Rede NAMI, Panmela foi “adotada” por uma ONG feminista que incentiva e promove suas viagens pelo mundo com o intuito de divulgar


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

ações em defesa das mulheres, propiciando a sua atuação em diferentes cidades, assim como: Praga, Jerusalém, Valparaíso, Nova York, Istambul, Paris e Johanesburgo, dentre outras. Com essas viagens a artista ficou conhecida internacionalmente, assim como o seu projeto de combate à violência contra a mulher. Como resultado de suas derivas pelo planeta, em 2012 Panmela foi eleita pela revista Newsweek, umas das 150 mulheres que estão agindo para mudar o mundo, conquistando também o prêmio concedido pela estilista Diane Von, que incentiva a luta para a proteção dos direitos das mulheres.

3. Considerações Finais

O entendimento do graffiti como manifestação artística surgiu durante a década de 1970, em Nova York, como uma prática disseminada a partir dos guetos norteamericanos. No entanto, desde a pré-história o homem já se expressava através de desenhos e pinturas em rochas e paredes, precursores, inclusive, da escrita, sempre em busca da comunicação. E nesse sentido, podemos considerar a artista de rua Panmela Castro uma vitoriosa. O alcance do trabalho desta grafiteira, que aos 23 anos começou a grafitar, insegura em relação ao futuro e preocupada em escapar do destino da maior parte das amigas: casar, ter filhos e fazer serviços domésticos, é invejável. Sua atuação como artista e cidadã remetem os anseios de Guy Debord e seus seguidores, indivíduos preocupados em desvelar os meandros das cidades e recuperar a prática das descobertas através das experiências sensíveis que as derivas proporcionam. A rua, como espaço público dinâmico e de relações, permite uma análise que supera a enumeração dos elementos físicos que o conformam, e as práticas de Panmela expõem a paisagem urbana através da instância simbólica da arte que nasce de visões subjetivas, sensíveis ao que a realidade apresenta. Assim como outros grafiteiros as suas obras se aproximam da proposta de “arte total” dos situacionistas, basicamente urbana e em relação direta com a cidade e com a vida urbana em geral. O urbano, como espaço de transição e lugar de todos, reúne os elementos sociais e comunicativos aos estéticos e funcionais, revelando o ritmo e as características próprias da população. As estratégias de representação, fundadas em posicionamentos e


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

ações culturais promovidas no âmbito da arte urbana, nos revelam a organização dos setores sociais, culturais e políticos que interferem na construção da cidade contemporânea. A possibilidade de conhecimento visual do mundo, embora fragmentário, que as manifestações artísticas fornecem, atestam a veracidade de uma realidade que se pretende mostrar e/ou discutir. São produtos de reflexões que problematizam as relações do homem contemporâneo com o mundo ao redor. Referências:

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BADERNA,

Coletivo.

SITUACIONISTA

Teoria

e

Prática

da

Revolução/Internacional Situacionista. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2002. CASTRO, Panmela. . Street Art Activism as a Vehicle for Change: Panmela Castro at TEDxBeloHorizonte. In: TEDX BELO HORIZONTE. Belo Horizonte. 2012. Disponível em : <http://www.youtube.com/watch?v=QJw79_fwSHk&list=SPAF8E219F6CD4C54A&index=7> Visitado em: 03/08/2013. CASTRO, Panmela. Panmela Castro. Disponível em: <http://www.panmelacastro.com/> Visitado em 27/07/2013. CASTRO, Panmela. PanmelaCastro.2013. Entrevistadora: Marcia Peltier. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=8t-tH-Nl-Q8>Visitado em: 03/08/2013.

CASTRO, Panmela. Focus ForwardPanmelaCastro..Entrevistadora: Heloisa Passos.Disponível em: <http://focusforwardfilms.com/films/67/panmela-castro> Visitado em: 03/08/2013. CASTRO, Panmela. Entrevista 1.TV GAU. Entrevistador: GAU. 2013. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Zp-yAC2ksRs>Visitado em: 27/07/2013. CASTRO, Panmela. EntrevistaAnarkiaBoladona.Revista TPM. Entrevistadora: Natacha Cortêz. 2012. Disponível em: <http://revistatpm.uol.com.br/entrevistas/anarkia-boladona.html> Visitado em 14/09/2013.

CORRÊA, Amanda Ribeiro; BRANDÃO, Cláudia Mariza Mattos. PINTURAS PARIETAIS, IDENTIDADES E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: acerca das ARTES VISUAIS e de suas falas. Artigo. Revista Eletrônica Educação Ambiental em Ação, v.


Anais Eletrônicos do II Congresso Internacional de História Regional (2013) – ISSN 2318-6208

39,

março-maio/2012.

Disponível

em:

http://revistaea.org/artigo.php?idartigo=1206&class=13 Acessada em 2/9/2013. DERBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Lisboa: Edições Antipáticas, 2005. GANZ, Nicholas. O Mundo do Grafite: arte urbana dos cinco continentes. São Paulo: Martins Fontes, 2010. LOURO, Guacira Lopes; Um Corpo estranho: ensaios sobre a sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte. Autêntica Editora. 2013. OLIVEIRA, Ana Cláudia de e SANTAELLA, Lúcia (org.). Semiótica da Cultura, Arte e Arquitetura. São Paulo: EDUC, 1987. PESSANHA, José Américo Motta. BACHELARD E MONET: O OLHO E A MÃO. In: NOVAES, Adaulto et al. O OLHAR. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p.149-165. REDE NAMI. Nami, Rede Feminista de Arte Urbana. Disponível em: <http://redenami.wix.com/redenami> Visitado em: 03/08/2013. REDE

NAMI.

Nami,

Rede

Feminista

de

Arte

Urbana.

Disponível

em:<http://redenami.tumblr.com/> Visitado em: 03/08/2013. STAHL, JOHANNES. STREET ART. Alemanha: Ed. H.F. ULLMANN, 2009. TACUSSEL, Patrick. PERFIL DE UMA LENDA MODERNA. In: GUTFREIND, Cristiane Freitas; SILVA, Juremir Machado da (orgs). Guy Debord antes e depois do espetáculo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007, p.11-29.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.