Nota técnica PERSE

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NOTA TÉCNICA

- IMPACTOS DO PROJETO DE LEI N 1.026/2024 NA CADEIA DE TURISMO

Ref: Projeto de Lei nº 1026, de 2024 ("PL 1026/24") que altera a Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, para estabelecer alíquotas reduzidas no âmbito do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - Perse.

Autoria: Deputado José Guimarães (PT-CE).

Relatora Designada: Deputada Renata Abreu (PODE-SP).

Localização Atual: Aguardando a designação de relator na Comissão de Indústria, Comércio e Serviços; Pronta para entrar na pauta de votações no Plenário.

Regime de tramitação: Urgência (Art. 155, RICD). Proposição Sujeita à Apreciação do Plenário.

Ref: Nota Técnica sobre o novo Projeto de Lei nº 1.026/2024 e a necessária manutenção do PERSE às atividades de turismo.

1. Introdução:

Em resposta à crise oriunda da pandemia da Covid-19, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) instituído originariamente pela Lei nº 14.148/2021 (“Lei do PERSE”), alterado pela Lei nº 14.592/2023, estabeleceu alíquota 0% (isenção) de tributos federais (IRPJ, CSLL e PIS/COFINS) por 60 meses para empresas dos setores de eventos e de turismo com término previsto para março de 2027 para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia do Covid1

No entanto, a revogação abrupta e antecipada da alíquota 0% do PERSE pela Medida Provisória nº 1.202/2023 (“MP 1.202/23”), que enfrenta inúmeros desafios jurídicos e viola princípios constitucionais basilares do ordenamento jurídico, compromete a sobrevivência e a plena recuperação de tais setores que foram severamente prejudicados. Para além disso, uma análise transparente do programa é essencial para mensuração das consequências econômicas de uma revogação prematura como a prevista pela MP 1.202/23

Tendo em vista esse cenário de indefinição, com objetivo de garantir a recomposição das receitas públicas e supostamente buscando mitigar impactos sociais e econômicos significativos com a abrupta revogação do PERSE proposta pela MP 1.202/23, o

1 Brasília/DF, 10 de abril de 2024
Art. 1º da Lei
1
nº 14.148/2021.

Projeto de Lei nº 1.026/2024 (“PL 1.026/2024”) propõe novos ajustes na Lei do PERSE, que já havia sido alterada pela Lei nº 14.592/23 (que dentre outras alterações, reduziu o escopo do benefício de 88 CNAE’s para 44 CNAE’s). Entre outras mudanças, o PL 1.026/2024 estabelece a continuidade do PERSE apenas para 12 CNAE’s específicos, limita a aplicação do PERSE para empresas do lucro real e arbitrado, bem como propõe um escalonamento anual de aumento das alíquotas até final de 2026.

Porém, esse novo rol de atividades estabelecidas pelo PL 1.026/2024 lamentavelmente não incluiu algumas atividades do setor de eventos e de turismo que foram duramente atingidas durante o isolamento e que ainda não se recuperaram totalmente, propõe novas limitações em violação aos princípios basilares do direito tributário, bem como visa rediscutir temas já debatidos e votados pelo Legislativo em relação ao PERSE.

Portanto, o objetivo desta Nota Técnica é fornecer argumentos relevantes para apoiar a manutenção do PERSE com base nas alterações dadas pela Lei nº 14.592/2023 para os setores de eventos e de turismo que foram excluídos do PL 1026/2024, em especial às agências de turismo, para que se assegure a economia do país e a completa recuperação dos setores mais afetados pela pandemia até o término do prazo estabelecido por lei, respeitando normas e princípios basilares do ordenamento jurídico.

2. O que aconteceu com o turismo na pandemia da Covid/19:

As severas restrições de viagens decorrentes da pandemia desencadearam uma crise sem precedentes na indústria do turismo, um setor de vital importância para a economia. No Brasil, as agências de turismo sofreram quedas abruptas de faturamento em virtude das paralisações e restrições das atividades turísticas tanto em 2020, quanto em 2021. As empresas sofreram redução de colaboradores, alta dos custos de fornecedores e de juros para obtenção de empréstimos e, em alguns casos, até fecharam as suas atividades, franquias e lojas.

Dados econômicos extraídos com base na Pesquisa Anual de Serviços (“PAS”) de 2018 a 20212 nos permitem contrastar os prejuízos financeiros da pandemia com períodos em que existia uma condição social e econômica típica.

O estudo indica que as agências de turismo sofreram uma queda significativa em seu faturamento caindo de R$ 16,6 para 9,5 bilhões, ou seja, com prejuízos na ordem de 7 bilhões. Empresas menores (com menos de 20 empregados) foram menos impactadas, com uma queda de receita líquida de 19%, enquanto as maiores tiveram uma perda significativa de 51%. Por conta das características do turismo, que diferente de outros setores não consegue diminuir os seus custos com facilidade, estes foram menos afetados com uma redução de apenas 27% no consumo intermediário

O emprego no setor também acabou sendo drasticamente afetado com uma redução de 31% no pessoal ocupado, passando de 88,5 mil em 2018/2019 para 61 mil na média em 2020/2021. Ainda, houve diminuição no número de agências, com o

2 Fonte Estudo Econômico Go Associados janeiro/2024 – preços de dezembro de 2023.

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fechamento de 2.400 empresas, visto que qualquer restrição na cadeia de serviços turísticos, as agências de turismo eram diretamente afetadas3

Nesse contexto, as empresas do setor ainda tiveram que enfrentar aumento do endividamento das em um ambiente de forte explosão dos juros, bem como aumento significativo no número de demandas judiciais contra as agências de turismo devido ao cancelamento de viagens.

3. Dos objetivos da Lei do PERSE:

O PERSE teve como principal objetivo criar condições para que os setores mais afetados pudessem mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20/03/2020.

Desde as justificativas do Projeto de Lei nº 5.638/2020 (“PL 5.638”) verifica-se que a finalidade do programa era instituir “um conjunto de medidas que objetivam garantir a sobrevivênciadosetor– que precisa seguir honrando suas despesas - até que suas atividades sejam retomadas sem restrições, bem como geraracapacidadeeconômica para que assim que volte a operar, o setor tenha condições de fazer frente ao capital de giro necessário, bem como a margem para cobrir todo o endividamento contraído no período em que ficou paralisado”4 .

O programa apresentou-se como um pacote estratégico, cuidadosamente delineado para fornecer um tratamento diferenciado, visando não apenas mitigar as consequências econômicas aos segmentos mais afetados, mas também catalisar a recuperação desses segmentos essenciais em um tempo razoável (60 meses)

Aliás, a preservação do setor de turismo, por meio de políticas e subsídios públicos, foi uma prática adotada não só pelo Brasil, mas por vários países ao redor do mundo5 . Conforme se extrai da justificação do projeto de lei, inspirado nas ações de outros países, o PERSE foi proposto com base no panorama mundial6 .

O PERSE, portanto, emerge como uma iniciativa de significativa relevância no contexto da preservação dos setores mais impactados pelas medidas de isolamento ao Covid, assumindo um papel crucial para fins de planejamento das empresas, alinhado com a urgência e a complexidade dos desafios enfrentados pelos setores, com destaque ao turismo.

4. Da recomposição do setor de turismo com o PERSE:

3 A exemplo da LATAM Viagens: https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2020/01/08/latam-associacao-defranqueados-justica-fechamento-de-agencias-de-viagem.htm

4 Trecho extraído da Justificação do Projeto de Lei nº 5.638/2020.

5 https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20200429STO78175/covid-19-apoio-da-uepara-a-industria-do-turismo /WTTC: https://drive.google.com/file/d/1clFcsgpTCsbMnal9QdGoM7CI_Cm8kdd/view / https://abrape.com.br/perse-faz-historia-como-primeiro-programa-setorial-criado-pelogoverno-federal-para-um-segmento-especifico-da-economia/

6 Justificação do PL 5.638 “(...) A preservação do setor dos eventos por subsídio público é uma realidade em vários outros países do mundo. As maiores economias europeias, por exemplo, lançaram programas muito semelhantes imediatamente as medidas restritivas. Em países como Alemanha e Portugal, o setor está preservado dentro de um guarda-chuva de medidas de mitigação de impacto” (...)

3

A projeção para a recuperação do setor de turismo para os próximos anos é otimista considerando os benefícios do PERSE mantidos na suta integralidade até 18/03/2027 (prazo previsto em lei para a conclusão do programa).

No entanto, esta análise não deve focar apenas em uma recuperação isolada, mas sim em atenção a um processo contínuo de ajustes, recuperação dos prejuízos acumulados, gestão de dívidas contraídas no período de pandemia, gestão de custos elevados de fornecedores (grande parte dolarizados e em meio a uma grande crise do setor7), taxas de juros explosivas que alcançaram 13,75% em 2022, para posterior e gradual retomada do crescimento.

Como demonstrado, as empresas já carregam um prejuízo desde o início da pandemia, que congelou o setor por praticamente 3 anos. Dessa forma, a reconstrução do setor turístico requer uma análise abrangente, englobando o início da pandemia até o prazo final do programa

O estudo econômico realizado demonstra a trajetória anual da receita líquida das agências de turismo de 2019 (cenário pré-pandemia) a 2027:

Receita Líquida (PAS/IBGE)

Recuperação com base no balanço das maiores do setor

Projeção de recuperação

Fonte: PAS/IBGE para 2019 a 2021; estimativas para 2022/23. Elaboração: GO Associados

Os números refletem os dados oficiais disponíveis da PAS, realizada pelo IBGE, e divulgados para os anos de 2019 a 2021. Para os anos de 2022 e 2023, a estimativa do IBGE foi atualizada tendo como base o comportamento das receitas das maiores empresas do segmento de agências de turismo. Em 2023, observou-se uma queda significativa na receita líquida do setor, registrando um decréscimo de 31,4% em relação a 2019 Ainda aquém do padrão histórico, a partir de 2024, projeta-se um crescimento anual de 10% refletindo a retomada gradual da demanda, sendo que essa taxa de crescimento representa a projeção de recuperação anual constante até 2027.

7 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/01/gol-entra-com-pedido-de-recuperacao-judicial-noseua.shtml

4
12,2 5,5 6,3 8,4 8,4 9,2 10,2 11,2 12,3 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027
TRAJETÓRIA DE EVOLUÇÃO DO SETOR DE AGÊNCIAS, OPERADORES E SERVIÇOS DE RESERVAS (R$ BILHÕES DE DEZ/23)

O que se conclui, portanto, é que mesmo com a manutenção do PERSE na sua integralidade, o total de receita sem tributos das agências de turismo deve retomar ao patamar anterior à pandemia somente em 2027.

É evidente que todos os efeitos econômicos e sociais ocasionados pela pandemia ao turismo perdurarão por muitos mais anos, sendo fundamental entender as variáveis que afetaram e continuarão a influenciar o turismo ao longo desse período, desde o início das restrições do isolamento. Essa compreensão temporal é crucial para considerar o planejamento financeiro, investimentos, projetos realizados, empregos que conseguiram ser mantidos e/ou retomados e os esforços de recuperação das empresas que consideraram o PERSE como um de seus principais pilares para geração de caixa.

Nesse sentido, ainda é importante destacar que o aumento nas vendas não necessariamente se traduzirá em garantia de “lucro” para as empresas de turismo O setor acumula prejuízo e ainda há diversos desafios a serem superados. Embora o cenário econômico esteja melhorando, é fato que o setor de turismo ainda não se recuperou, sendo que as projeções econômicas preveem um retorno gradual do status do turismo anterior à pandemia somente em 2027.

A recomposição do turismo dependerá não apenas do aumento da demanda, mas também de adaptação às novas condições do mercado pós pandemia, que considera a manutenção do PERSE até o prazo final fixado como um meio para isso.

5. Relevância das agências na cadeia de turismo e efeitos econômicos da exclusão do agenciamento pelo PL 1.026/2024:

Dados do WTTC (2022) revelam o setor de turismo no Brasil em 2019, último ano anterior à pandemia, obteve faturamento de R$ 7,6% do PIB (R$ 667,8 bilhões), sendo responsável por quase 8 milhões de empregos diretos indiretos, cerca de 8,1% do total da economia brasileira. Em 2019, o gasto dos turistas estrangeiros no Brasil alcançou R$ 27,6 bilhões, enquanto o desembolso realizado por turistas domésticos atingiu R$ 436,9 bilhões. Os dados dos anos seguintes, por certo, demonstram que o setor foi um dos mais afetados pela pandemia:

FATURAMENTO,PARTICIPAÇÃO NOPIBETOTALDEOCUPAÇÕESDOSETORDETURISMONO BRASIL(2019-2021)

Fonte: IBGE e IPEA. Elaboração: GO Associados

Ocorre que, muitos segmentos que são fundamentais para a cadeia de turismo foram excluídos no PL 1.026/2024, como as agências de viagens e operadoras de turismo, por exemplo.

As agências de turismo desempenham relevante papel no desenvolvimento de toda a cadeia turística, elas interligam e impactam mais de 52 setores da economia, intermediando e distribuindo os serviços turísticos, revelando especial importância para o desenvolvimento do turismo e da economia no Brasil, tais como:

5
2019 2020 2021 Faturamento(R$bilhões) 667,8 458,9 558,6 Em%doPIB 7,7% 5,5% 6,4% Totaldeocupações(emmilhões) 7,67 6,22 6,40
Indicadores

Exemplosde

Segmentos

ImpactadosPelas

AtividadesTurísticas

Aviação

Hospedagem

Cruzeiros

Passeios e Receptivos

Bares, Restaurantes eLanchonetes

Entretenimento

Transporte Não Aéreo

Artesanato e ProdutosRegionais

Tipodeimpacto

Comercialização de 60% dos bilhetes aéreos nacionais e de 80% dos aéreos internacionais.

Cerca de 60% das reservas de hospedagem são comercializadas por agências de turismo/ operadores turísticos.

Aproximadamente 80% das reservas de cruzeiros são realizadas por agências/operadores turísticos.

Atendimento de aproximadamente 32% da demanda por atividades de passeio e receptivos.

Turismo impacta cerca de 12,5% dos restaurantes, bares e lanchonetes.

Cerca de 3% do entretenimento, como teatros, peças e eventos são comercializados por agências e operadoras turísticas.

Turismo impacta cerca de 16,3% das atividades de transporte não aéreo.

O turismo é responsável pela maior parte do faturamento do segmento, sendo que mais de 90% das receitas são de micro e pequenas empresas.

Fonte: IBGE, IPEA e dados corporativos. Elaboração: GO Associados

Como se percebe, as agências de turismo são elo intermediário e impulsionador de inúmeras atividades, inclusive dos 12 CNAE’s compreendidos na redação original do PL 1.026/2024. De tal forma, é necessária a manutenção do PERSE para atividades essenciais à cadeia de turismo, como o agenciamento.

As agências são fortes aliadas no combate às desigualdades regionais e vulnerabilidade social, gerando emprego e renda para as pessoas, investimentos e divisas para as localidades turísticas. A participação do turismo nas ocupações formais em cada região brasileira é expressiva, com destaque para Sudeste (3,1%) e Nordeste (3,0%). Considerando ocupações formais e informais, em todos os estados do Brasil o peso da ocupação no turismo é bastante expressivo, chegando a patamares de 8% das ocupações totais8 . Os dados levantados revelam a significativa força econômica e social do turismo brasileiro e das agências, que geram empregos não só de forma direta no setor, mas sim indiretamente a todos os segmentos que fomenta.

Nesse cenário, devido ao seu notável poder de criação de empregos e geração de renda, a exclusão o PERSE pelo PL 1.206/2024 para o agenciamento, elo impulsionador do turismo e das atividades compreendidas no PL, repercutirá direta e indiretamente na economia, contribuindo para:

(I) O aumento de desemprego em um momento que seria o de retomada da empregabilidade;

(II) Perda de receitas aos entes tributantes e aos locais de vocações turísticas. Isso ocorre porque os pacotes de turismo impulsionam uma série de atividades econômicas nos locais visitados. Quando as agências realizam a intermediação ou revendem pacotes de turismo, os setores e atividades econômicas dos locais visitados são incentivados com o fluxo turístico. A

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8 Fonte: IBGE e IPEA. Elaboração: GO Associados

revogação antecipada do PERSE tende a impactar o combate às desigualdades regionais e gerar vulnerabilidade nas populações locais

(III) Impacto no PIB e no crescimento da produção de toda a cadeia de turismo, dado o caráter intermediário e multiplicador das agências de turismo;

(IV) Aumento inesperado dos preços dos serviços turísticos e repasse aos consumidores finais que invariavelmente arcarão com o custo.

(V) Impacto às empresas de menor porte integrantes na cadeia turística que não possuem capacidade de caixa para absorver alterações abruptas como essa. Ademais, foram elas as induzidas pela Lei do PERSE a migrar do Simples Nacional e que terão que absorver o custo inesperado da alteração do regime fiscal para o exercício;

(VI) Dificuldades de acesso a novos financiamentos;

(VII) Aumentos das taxas de juros devido ao maior risco de inadimplência bancária;

(VIII) Possibilidade de inadimplência com o Governo Federal referente ao compromisso assumido pelos contribuintes na transação tributária prevista na Lei do PERSE;

(IX) Desconfiança dos investidores nas empresas de turismo brasileiras, desencorajando investimentos estrangeiros no Brasil e gerando insegurança jurídica e econômica;

(X) Perda de arrecadação em virtude da possível retração da demanda do consumo de serviços turísticos;

(XI) Insegurança jurídica.

Por fim, vale lembrar que essa nova revogação antecipada do PERSE do PL 1.206/2024 para 32 CNAE’s em clara violação aos princípios e jurisprudência, resultará em considerável judicialização do tema. Isso, por certo, acarretará, ao revés do quanto defendido pelo Governo, em mais um ônus financeiro ao poder público, que terá que arcar com os custos de diversas demandas judiciais

Diante desse cenário, é necessário a manutenção do PERSE para atividades que impulsionam o turismo no Brasil.

6. Impossibilidade de revogação do PERSE para atividades do setor de eventos e turismo:

• Isenção condicionada e de prazo certo.

• Violação à segurança jurídica, previsibilidade do sistema jurídico, ato jurídico perfeito, direito adquirido e proteção à confiança.

• Redução do escopo do PERSE e manutenção da alíquota 0% até o prazo final conforme Lei nº 14.592/23: Necessário respeito às decisões do Legislativo.

Instituído mediante processo legislativo pelo Congresso Nacional, o benefício da alíquota 0%, instituto equiparado a uma isenção pelo ordenamento jurídico9 , apresentou desde a sua instituição uma base jurídica sólida respaldado por princípios

9 AgInt no REsp n. 1.848.221/RS, Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 17/4/2023

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constitucionais, pelo Código Tributário Nacional (“CTN”) e pelo entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores.

O Artigo 178 do CTN estabelece claramente que a isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo10. A Súmula nº 544, editada pelo STF, consolidou o posicionamento da jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas, gerando direito adquirido ao contribuinte beneficiado11 .

O PERSE, ao estabelecer condições claras para redução das alíquotas a 0%, tal como (i) o exercício de atividades econômicas mediante “CNAE’s” específicos (voltados aos segmentos beneficiados, como de eventos e turismo)12 e (ii) regularidade perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (“CADASTUR”), bem como ter estabelecido um prazo certo (de 60 meses)13 configura isenção condicionada e de prazo certo, gozando da proteção legal contra qualquer revogação arbitrária.

O programa ainda compartilha inúmeras características de programas de benefícios fiscais de caráter oneroso. A Receita Federal do Brasil (“RFB”) evidenciou essa equiparação ao exigir controle do benefício pelo lucro da exploração e segregação de receitas, reforçando, mais uma vez, a natureza condicionada do programa14 .

A jurisprudência dos Tribunais Superiores15 estabelece que todo o benefício fiscal concedido por prazo certo será irrevogável, desde que as condicionantes, quaisquer que sejam, impliquem ou tenham implicado na alteração da conduta do contribuinte para usufruir do benefício16. É evidente que para além das exigências relativas ao CNAE específico e o CADASTUR regular - condições essas que seriam suficientes para caracterizar uma isenção irrevogável, o planejamento efetuado, as condutas exercidas e compromissos assumidos pelas empresas em virtude dos benefícios concedidos pelo PERSE revelam outras condições que tornariam incontestável a irrevogabilidade do PERSE antes do prazo fixado. É possível ainda afirmar que o caráter oneroso da isenção foi percebido antes mesmo de sua concessão, pois, as empresas do setor de turismo tiveram de suportar prejuízos gravíssimos ocasionados

10 CTN. “Art. 178 - A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104. (Redação dada pela Lei Complementar nº 24, de 1975)

11 “Súmula 544 do STF Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

12 Originariamente previstos nos Anexos I e II da Portaria ME 7.163 e posteriormente alterados pela Lei nº 14.592/2023.

13 Art. 4º da Lei do PERSE.

14 IN RFB 2114/2022. Art. 5º, inciso I.

15 O STJ, em diversos julgamentos, destacou a importância da estabilidade e previsibilidade das políticas fiscais, pautado pela proteção à confiança ao impedir a revogação prematura de isenções de prazo certo. Ao analisar a revogação antecipada da alíquota 0% do PIS/COFINS pelo Governo no âmbito da Lei do Bem, a Corte manteve o benefício aos contribuintes enquadrados, reforçando que a atividade econômica produtiva não pode ser tratada como algo improvisado e livre de planos detalhados, os compromissos empresariais não devem ser sujeitos a descumprimentos unilaterais ou inconsequentes, e os projetos de manutenção e expansão dos negócios privados não devem ser vistos como independentes de seus recursos financeiros. (Voto do Ministro Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no REsp n. 1.849.819/PE, Primeira Turma, j. 8/6/2021)

16 Nesse sentido: (i) REsp n. 1.928.635/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 16/8/2021; (ii) REsp n. 1.941.121/PE, Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 3/8/2021, (iii) 3. AgInt no REsp n. 1.848.221/RS, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19/4/2023.

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pela pandemia e, de forma direta e indireta, das medidas de isolamento que dela decorreram

A estabilidade proporcionada pela legislação é essencial para o planejamento das empresas, incentivando a manutenção de empregos e garantindo a continuidade das atividades beneficiadas. O artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal é o que consagra os princípios fundamentais, tais como o da segurança jurídica, ato jurídico perfeito e proteção à confiança e precisa ser respeitado nessas situações17 .

Um dos setores mais afetados pela pandemia, que depositou confiança no sistema e no PERSE, planejou suas ações para o respectivo período, considerou, evidentemente, a isenção aplicável pelo prazo estabelecido Não seria razoável que, no decorrer do programa fossem alteradas as regras estabelecidas pelo legislador, a quem confiou que o PERSE seria aplicável até 202718 . A proteção da confiança no âmbito da manutenção do PERSE é essencial para a estabilidade do sistema jurídico brasileiro, para as relações entre o Estado e os administrados e para preservação do interesse público e privado.

É importante ainda destacar que a consolidação do programa perante o Congresso Nacional foi marcada por inúmeros eventos cruciais, como a conversão do projeto de lei, a derrubada de veto presidencial e a alterações dadas pela Lei nº 14.592/23. As decisões do Legislativo devem ser respeitadas!

A Lei nº 14.592/23, que teve como propósito justamente ajustar o escopo das atividades beneficiadas pelo PERSE, reafirmar o prazo de 5 anos para aproveitamento do benefício e reduzir os custos relacionados ao programa19 , reduzindo o rol de 88 setores beneficiados para apenas 44 CNAE’s beneficiados e mantendo a alíquota 0% até o seu prazo final!

Essa medida foi aprovada e sancionada pelo Congresso Nacional, razão pela qual as novas limitações dadas pelo PL 1.026/2024 para além de gerar mais custos ao Governo Federal (dada a provável judicialização do tema), violam as normas e princípios tributários aqui postos.

7. Escalonamento anual com aumento das alíquotas e Violação à Segurança jurídica:

A proposta de recomposição de alíquotas de maneira mais gradual do PL 1.026/2024, chegando-se à alíquota plena no exercício de 2027 afronta a insegurança jurídica já existente em torno do programa após as alterações legislativas que reduziram seu escopo e mantiveram a alíquota 0% até o final do prazo estabelecido em Lei (março de 2027) e agrava ainda mais a situação dessas empresas.

17 Constituição Federal. Art 5º, XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

18 A exemplo disso, são as microempresas e empresas de pequeno porte do Simples Nacional que alteraram o seu regime de tributação anual para o lucro real ou lucro presumido visando o enquadramento no programa IN RFB 2114/2022. Art. 4º Parágrafo único. O benefício fiscal não se aplica às pessoas jurídicas tributadas pela sistemática do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional), de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.

19 Conforme se extrai da exposição de motivos da Medida Provisória nº 1.147 de 20/12/2022 convertida pela Lei nº 14.592 de maio de 2023.

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Essas empresas confiaram no sistema, com a manutenção do PERSE em sua integralidade, o que impediria a recuperação esperada prevista apenas para 2027. Além do mais, a proposição de escalonamento não considera critérios razoáveis à luz do tempo de recuperação necessário para quem ainda enfrenta os desafios de recuperação da pandemia, bem como desconsidera o prazo original da Lei de março de 2027.

A modificação de uma isenção condicionada e de prazo certo mediante a proposição de aumento gradual das alíquotas ainda enfrenta os mesmos problemas jurídicos, uma vez não podem ser modificadas e/ou revogadas antes do seu término, conforme estabelecido pelo artigo 178 do CTN, Súmula 544 do STF e pela Jurisprudência.

8. Limitação às empresas do Lucro Real e Violação à Isonomia:

A limitação da aplicação do PERSE às empresas do lucro real ou pelo lucro arbitrado pelo PL 1.206/2024 viola frontalmente o princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.

Essa nova limitação discrimina empresas de mesmos segmentos que podem ser de maior porte (mas não necessariamente) que também sofreram inúmeros prejuízos com a pandemia e desempenharam papel crucial na sustentação dos setores mais afetados

Portanto, restringir o PERSE com base em regime fiscal é um contrassenso à luz dos objetivos do PERSE. A limitação contraria a igualdade de tratamento entre contribuintes, viola a isonomia, justiça fiscal, o não confisco e a recuperação econômica dos setores mais afetados pela pandemia.

9. Eficácia e sucesso do PERSE perante os gastos do Poder Público para recuperação dos setores afetados pela pandemia:

Não há dúvidas de que o PERSE é e está sendo um programa de sucesso, meio essencial para a retomada dos setores que foram mais afetados, pautando credibilidade perante o panorama internacional, variação e recuperação da empregabilidade e crescimento da produção e do PIB

Não se limitando apenas à isenção, o PERSE já proporcionou resultados tangíveis em atenção a uma das maiores crises, permitindo que empresas dos setores envolvidos também quitassem dívidas federais contraídas durante a pandemia20 .

A revogação antecipada do PERSE para algumas atividades essenciais da cadeia de turismo e as demais limitações propostas pelo PL 1.026/2024 não estão atreladas a uma falha intrínseca no desenho e eficácia do programa para a economia do país, nem à suposta violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, afinal o legislador previu fontes de recurso necessárias para a suplementação orçamentária decorrente da renúncia fiscal proposta, evidenciando esse cuidado na estruturação do programa. Conforme se verifica na justificativa do PL, decorre estritamente da necessidade do Governo

20 O programa incluiu a renegociação de dívidas tributárias via transação, gerando uma receita substancial estimada em R$ 20 bilhões para o Governo Federal. Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/01/6789854-perse-gerou-receita-para-o-governo-dizdeputado-sobre-isencao-no-setor-de-eventos.html

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Federal em atingir suas metas de ajuste fiscal de 2024, visando a estabilidade econômica e financeira do seu orçamento21

De acordo com a Nota CRETAD/COEST divulgada pela RFB nº 212 de 20/12/2022, as estimativas de investimentos com o PERSE para o triênio são: (i) R$

27,58 bilhões, em 2022; (ii) R$ 39,40 bilhões em 2023; e (iii) R$ 31,21 bilhões em 2024. No acumulado, as estimativas divulgadas revelam uma renúncia fiscal em valor próximo a R$ 100 bilhões caso o PERSE seja mantido até o seu prazo final. No entanto, é importante ressaltar que esses 100 bilhões de reais de gastos com o PERSE não parecem corresponder com a realidade. Existe necessidade de verificar os números divulgados, pois conforme estudo econômico realizado com base nos dados divulgados pela RFB, o valor total a ser investido no programa até o seu término, com a abrangência referida pelas alterações da Lei 14.592/2023 (44 CNAE’s), é de aproximadamente 5% do montante divulgado pelo Governo, qual seja, o montante de R$ 4,945 bilhões anuais22 .

Ou seja, a referida estimativa divulgada pelo Governo não se alinha com a realidade. Além disso, como metade do benefício do PERSE incide sobre os lucros - que foram praticamente nulos nesse período – nem mesmo a estimativa de 5 bilhões anuais (R$ 25 bilhões considerando 5 anos de programa) não seriam totalmente alcançados.

Em relação às agências especificamente, os dados levantados pela própria RFB indicam que o benefício apropriado pelas agências em 2022 foi o de R$ 547,94 milhões e a projeção para 2023 é de R$ 822,31 milhões23

Nesse sentido, crucial entender que essa nova revogação antecipada de um programa que visa à retomada das atividades econômicas, recomposição das empresas póscovid, crescimento do PIB, aumento da empregabilidade, desenvolvimento regional e competitividade internacional para atividades essenciais que já haviam sido objeto de debate pelo Congresso quando das alterações dadas pela Lei nº 14.592/2023 não seria capaz de resolver os desafios relacionados ao déficit fiscal enfrentado pelo Governo como se pretende.

10. Aproveitamento integral de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – Necessária inclusão no PL 1.026/2024:

Por fim necessário propor a inclusão no PL 1.026/2024 de uma disposição que permita às pessoas jurídicas enquadradas no PERSE o direito ao aproveitamento integral de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o

21 Justificação PL 1.026/2024: (...) Entre as ações constantes da MPV, foi revogado o benefício fiscal do Perse, em etapas: as contribuições federais seriam integralmente cobradas a partir de 1º de abril de 2024, enquanto o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ seria integralmente cobrado a partir de 1º de janeiro de 2025. Entendemos que, a despeito da imperiosa necessidade de continuidade no processo de ajuste fiscal, a matéria carece ainda de maiores aprofundamentos no âmbito do Congresso Nacional.(...)

22 A preços de dezembro de 2023, o valor de R$ 4,945 bilhões é equivalente a R$ 6,4 bilhões Fonte Estudo Econômico Go Associados janeiro/2024.

23 Fonte OFÍCIO SEI Nº 15024/2024/MF: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2396122&filename=Tramitacao -RIC+12/2024

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Lucro Líquido (CSLL) pelo prazo de 3 (três) anos, a contar da data de publicação da Lei.

Essa medida visa proporcionar às empresas a possibilidade de utilizarem integralmente os prejuízos acumulados em decorrência da crise da pandemia, sem a aplicação dos limites previstos nos artigos 15 e 16 da Lei 9.065/95 e artigos 42 e 58 da Lei nº 8.981/95.

A implementação dessa medida para as empresas que apuraram prejuízo fiscal durante o período de pandemia será crucial para impulsionar a recuperação desses setores, garantindo que possuam as ferramentas necessárias e proporcionando maior flexibilidade financeira. Além disso, essa medida está em conformidade com os objetivos do PERSE de promover a retomada econômica desses setores e garantir a sobrevivência das empresas mais prejudicadas pela pandemia.

11. Conclusão:

São esses os subsídios que consideramos mais importantes para a apreciação dos parlamentares, sendo medida necessária ajustes no PL 1.206/2024 para manutenção das atividades enquadradas ao PERSE pelas alterações dadas pela Lei nº 14.592/2023, em especial às agências de turismo, para que se assegure a economia do país e a completa recuperação dos setores mais afetados pela pandemia até o término do prazo estabelecido por lei para o programa, em respeito aos princípios basilares do ordenamento jurídico.

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