Pensar com método (preview)

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Pensar com mĂŠtodo



Susana Durão Isadora Lins França (Orgs.)

Pensar com método


© Susana Durão, Isadora Lins França, 2018 © Papéis Selvagens, 2018 Coordenação Coleção Stoner Rafael Gutiérrez, María Elvira Díaz-Benítez Capa e diagramação Martín Rodríguez

Imagem de Capa María Elvira Díaz-Benítez Revisão

Brena O’Dwyer

Conselho Editorial Alberto Giordano (UNR-Argentina) | Ana Cecilia Olmos (USP) Elena Palmero González (UFRJ) | Gustavo Silveira Ribeiro (UFMG) Jaime Arocha (UNAL-Colômbia) | Jeffrey Cedeño (PUJ-Bogotá) Juan Pablo Villalobos (Escritor-México) | Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFRJ) Maria Filomena Gregori (Unicamp) | Mônica Menezes (UFBA)

P418

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

Pensar com método / Organizadoras Susana Durão, Isadora Lins França - Rio de Janeiro (RJ): Papéis Selvagens, 2018. 224 p. : 16 x 23 cm - (Stoner; v. 9) ISBN 978-85-85349-08-0

1. Pesquisa - Metodologia. I. Durão, Susana, 1970-. II. França, Isadora Lins, 1978-. II. CDD 001.42 Elaborado por Maurício Amormino Júnior - CRB6/2422

Este livro foi financiado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). [2018] Papéis Selvagens papeisselvagens@gmail.com papeisselvagens.com




Sumário Pensar com método: uma apresentação Susana Durão e Isadora Lins França

Decifrando o mundo social pelo caleidoscópio: os métodos quantitativo, qualitativo e a perspectiva parcial Bárbara Castro Como escrever um artigo acadêmico Álvaro Bianchi e Daniela Mussi A interpretação na ciência política Frederico de Almeida

Introdução aos fundamentos da análise demográfica e dinâmica populacional Joice Melo Vieira Aperte play para iniciar: desafios metodológicos de pesquisas nas mídias digitais Iara Beleli e Larissa Pelúcio O ensino de história na era digital: potencialidades e desafios Aldair Rodrigues

Sobre a instrumentalização mútua: pesquisadores e financiadores Taniele Rui Intimidades na pesquisa etnográfica: a diferença da antropologia Susana Durão Sobre os autores

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Pensar com método: uma apresentação Susana Durão Isadora Lins França Pensar com Método é uma obra que nasce de vivas discussões entre professores e alunos das graduações e licenciaturas de ciências sociais e de história do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Velhos problemas ressurgem. Do lado dos alunos, uma inquietação: porque em nossa formação acadêmica somos mais sensibilizados para formulações teóricas do que para discussões metodológicas? Do lado dos professores, uma hesitação: como introduzir, no ensino das ciências sociais e da história, problemas metodológicos sem os limitar a questionamentos meramente técnicos capazes de esvaziar as complexidades do real e do pensamento social? Entre ambos, um acordo. É preciso colocar em marcha uma reflexão que ofereça destaque aos métodos em ciências sociais e humanas. A obra, escrita por professores do IFCH, está aqui, devido a um esforço coletivo, mas também graças ao generoso apoio da Pró-Reitoria de Graduação da UNICAMP, concedido na proposta realizada ao edital para apoio à produção de material didático no final de 2016. A proposta do livro está relacionada à valorização do diálogo entre as diferentes tradições disciplinares nas ciências sociais e à perspectiva de que, guardadas as singularidades, os métodos relacionados a cada disciplina convergem em diferentes objetos empíricos e compõem a riqueza da reflexão metodológica voltada para a produção de conhecimento sobre a vida social. Trata-se de uma obra que nasce do esforço conjunto de docentes do IFCH, incluindo também os núcleos e centros de pesquisa na UNICAMP. A publicação do livro é também uma aposta na interdisciplinaridade interna às ciências sociais e humanas, com o objetivo de fornecer uma boa introdução não apenas aos métodos de pesquisa na antropologia, sociologia, ciência política, demografia e história, mas também uma contribuição em que essas diferentes tradições estejam em interlocução. É preciso ressaltar que o ecletismo e a convivência de diferentes epistemologias, argumentos e teses, com vistas à formação de uma visão de mundo pluralista e multifacetada,


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é uma marca do IFCH, talvez até mesmo da comunidade científica da própria UNICAMP. Ao mesmo tempo, os capítulos do livro simplesmente extrapolam os limites disciplinares quando são dedicados a reflexões em torno do próprio processo de produção de conhecimento e pesquisa a partir de desafios atuais. A opção consciente das editoras foi, mais do que apostar em textos que representassem orientações disciplinares muito concretas, poder combinar textos de tom mais didático e textos que claramente optam por abordagens mais reflexivas e críticas. Outro aspecto importante da obra é a concepção de que ensino e pesquisa devem caminhar juntos necessariamente. E que teoria e metodologia são termos inseparáveis da construção de boas pesquisas, sempre aquelas capazes de arriscar novos caminhos, de formular novas perguntas e de responder às urgências do seu tempo. Não se trata de um manual de como pesquisar e produzir conhecimento: os mais experientes dirão que não há outra maneira de aprender senão enfrentando os próprios dilemas da pesquisa empírica e teórica. É, antes, um livro destinado a estimular a imaginação para a pesquisa e o debate sério sobre metodologia, ao mesmo tempo em que pode funcionar como obra de referência. Tampouco pode-se afirmar que é um livro destinado exclusivamente àqueles que ensaiam os primeiros passos na pesquisa. A discussão das metodologias com base em pesquisas concretas e a abordagem de temas inovadores confere valor imediato ao trabalho. Embora estimulados por questionamentos levantados em sala de aula, os pesquisadores, nos ensaios deste livro, trazem abordagens e problemas metodológicos que interpelam qualquer profissional das humanidades. Ainda, a obra reflete a fundamental contribuição tanto de métodos qualitativos quanto quantitativos para os saberes sociais, bem como a possível articulação entre eles. Mais do que a filiação a um ou outro método, os capítulos apresentados reforçam a importância de se pensar criticamente nossas próprias escolhas metodológicas e sua adequação aos problemas de pesquisa que as subjazem. A construção do próprio problema de pesquisa, aliás, está aqui em questão: Como recortes empíricos podem se transformar em questões sociológicas relevantes? Como métodos e ferramentas de pesquisa permitem fazer a ponte entre o campo da pesquisa e


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as preocupações teórico-conceituais que o acompanham? Como lidar com os diferentes momentos da pesquisa e da produção do conhecimento, da construção de uma pergunta à publicação dos resultados? Qual a configuração que na pesquisa tomam as relações sociais resultantes de interações criadas durante o trabalho de campo? Quais os limites do conhecimento crítico? Estas são algumas das questões que acompanham os artigos aqui publicados. É necessário reforçar que, nesta obra, metodologia é entendida muito mais do que como um conjunto de tecnologias de pesquisa. Metodologia é uma proposta, mais ou menos aberta, que se baseia na possibilidade de manter acesa a dúvida e a inquietude reflexiva, a tentativa e aprendizagem com o erro na inquirição dos dados, a construção ativa de evidências e de concepções teóricas e a obrigação, por fim, de clarificar todo esse complexo caminho das pesquisas. Assim, mais do que usar um método, qualquer que seja, convidamos o leitor deste livro a pensar com método. Pensar metodologicamente ajuda a todos a imaginar e a consolidar as propostas de pesquisa. Façamos então uma revisão dos textos dos autores que aqui nos ajudam nesse percurso. A contribuição de Bárbara Castro questiona uma suposta neutralidade e objetividade da pesquisa científica, em defesa de uma perspectiva parcial, produzida por um sujeito de pesquisa situado. As abordagens de cientistas sociais, em articulação com as contribuições da teoria feminista, permitem à autora uma crítica bem-vinda à dicotomia entre métodos qualitativos e quantitativos, em favor de um olhar mais amplo para o contexto de produção de conhecimento e dos campos de estudo nas ciências sociais, que permita compreender o avanço no conhecimento social a partir da pesquisa produzida desde diferentes pontos de vista. A própria escrita de textos acadêmicos, ainda pensando no aspecto fundamental da objetividade, é o tema do texto de Alvaro Bianchi e Daniela Mussi. Os estilos da escrita expressam também filiações dos autores e constituem estratégias particulares, nunca resultado de improvisação, mas de trabalho arduamente empregado no texto. Ao longo do capítulo, diferentes aspectos que permeiam a escrita de textos são abordados, com uma variedade de exemplos, situando a escrita como parte indissociável da pesquisa. De diferente forma, a discussão sobre o texto acadêmico também é central ao argumento de Frederico de Almeida. O autor


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defende que a análise interpretativa na ciência política depende do entendimento da cultura como um texto a ser interpretado, mais do que um código a ser decifrado. Esse processo se dá por meio do emprego de estratégias de pesquisa as mais diversas, mas inevitavelmente resulta em outro texto, que dará sentido aos processos sociais estudados. O rigor metodológico está, em grande parte, na explicitação e reflexão sobre a metodologia empregada, nunca em formulações gerais de causa e efeito. Joice Melo Vieira apresenta outras perspectivas a partir da demografia, para a qual a linguagem matemática é essencial. O capítulo delineia o objeto de estudo da demografia e apresenta com admirável clareza alguns de seus fundamentos, bem como modos de trabalhar as formas de representação de dinâmicas populacionais. A escassez de materiais de referência adequados a estudantes de graduação, em português e pensados para aqueles que não necessariamente têm domínio da matemática, é apontada pela autora, bem como são dispostas várias referências hoje disponíveis neste campo científico. Uma área relativamente nova de investigação é abordada por Iara Beleli e Larissa Pelúcio: a pesquisa na Internet. As autoras exploram como as tecnologias têm transformado nosso cotidiano e relações. A sociedade em rede tem exigido também um tratamento de constante experimentação e reflexividade quando é objeto de pesquisa: frequentemente há inovações que modificam as formas de comunicação, de apresentação de si, de relação com o próprio corpo, entre outras. Nesse terreno, é importante não reproduzir oposições que supõem um mundo real fora da Internet e outro mundo virtual. As autoras defendem que a continuidade entre online e offline é marca de como a Internet passou a fazer parte da vida social, instando os pesquisadores a navegarem pela rede com seus sujeitos de pesquisa. A era digital e seus desafios é também o tema da contribuição de Aldair Rodrigues, mas de um ângulo diferente. Com base na sua experiência com alunos e professores em formação na área de história, as tecnologias digitais são exploradas no seu potencial para documentação, constituição de arquivos e para o desenvolvimento de conteúdos. Tais tecnologias convergem para a necessidade de uma reflexão crítica sobre a produção do conhecimento, já que tornam a informação pura e simples cada vez mais disponível, de forma quase sempre muito fragmentada. Reforça-se ainda mais o papel


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desempenhado pelo professor ao situar criticamente processos históricos e sociais singulares, permitindo aos alunos compreendêlos na sua complexidade. Essa tarefa é ainda mais central quando consideramos a circulação de informações sem muita mediação através da Internet, com grande potencial de produzir versões revisionistas de processos históricos. Rodrigues ilustra o argumento com o caso das abordagens rasas e insuficientes sobre a escravidão que emergiram como reação às políticas públicas de combate ao racismo nos anos 2000 no Brasil. O texto de Taniele Rui é fruto do desconforto de uma pesquisa conduzida na interface entre programas de governo, “pesquisadores locais” e agências de financiamento científico. A autora apresenta certo descompasso entre os diferentes momentos de realização do trabalho de campo e entre os contextos pelos quais seus resultados literalmente viajam, considerando que as pesquisas que realizamos inserem-se cada vez mais em planos e agendas internacionais que guardam também suas próprias desigualdades. A partir de uma experiência concreta de pesquisa, o capítulo trata das diferentes tensões entre financiadores e pesquisadores, bem como, de modo central, os conflitos ético-metodológicos entre conhecimento antropológico e interesses políticos-filantrópicos. A ideia de mútua instrumentalização permite ler estas dificuldades metodológicas ultrapassando a ingenuidade de que os pesquisadores ocupariam um papel neutro nas relações de pesquisa. Susana Durão abre seu texto com uma reflexão sobre as particularidades da produção de conhecimento antropológico. Dada a natureza interativa dos métodos de pesquisa etnográficos Durão sublinha a importância da intimidade como ferramenta de conhecimento. Com base na assumpção de que estamos perante uma metodologia intimista, ela levanta uma questão importante: Quais os limites dessa intimidade em campo? Indo além das noções de controle ético e demonstrando, a partir da leitura de textos recentes sobre casos de violência, especialmente vividos por pesquisadoras mulheres, Durão termina o texto fazendo a apologia da coragem metodológica e do direito à incerteza. Ela acredita que esses são aspectos presentes e determinantes nas abordagens aproximativas que subjazem à atividade etnográfica e ao conhecimento entre humanos. A ambiguidade constitutiva do método é exatamente o que permite avançar a antropologia.


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O conjunto de trabalhos aqui apresentado transita por diferentes aspectos e preocupações frente à produção de conhecimento nas ciências sociais e humanas. Todos os textos, porém, estão marcados pela urgência de uma postura reflexiva sobre a pesquisa e suas práticas, com a indagação constante a respeito dos caminhos escolhidos desde o enquadramento teórico-metodológico até à vida pública da pesquisa e as novas mediações que ela exige. Nosso objetivo foi realizar um livro capaz de dar conta da fluidez que envolve as atividades de pesquisa, seus diferentes e entrelaçados tempos, as interlocuções vivas entre as diversas tradições disciplinares e seus métodos. Trata-se de um convite à reflexão crítica sobre nosso fazer científico, sem deixar de lado o rigor a que devem ser submetidas nossas escolhas conceituais e metodológicas. Escolhas essas que estão na base de sutis produções teóricas. Em momentos de crispação política e social, frequentemente vividos pelas nossas democracias, é imperativo que possamos contribuir para o debate público a partir de intervenções fundamentadas nas especificidades da nossa prática científica. Essa função não exige de nós supostas neutralidades, uma vez que é inerente à ciência contemporânea o trabalho com diferentes teorias e metodologias, trabalho sempre sob exame e aberto à própria transformação. Essas transformações devem-se ao debate interno levado a cabo na própria comunidade científica, mas também são resultado do exame crítico sobre o quanto nossas escolhas como pesquisadores permitem compreender melhor nosso mundo e imaginar novos mundos. Desejamos aos leitores e leitoras deste livro que, tendo como orientação este conjunto de textos, possam encontrar inspiração para a árdua e prazerosa tarefa que é a construção de um conhecimento vivo, responsável e preciso sobre o mundo que compartilhamos e ajudamos a erguer.


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