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Estilo Tikuna

Estilista We’e’ena Tikuna, do AM, dá primeiros passos no mundo fashion Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – Se José de Alencar fosse escritor do século 20, sem dúvida, ele escreveria a história de We’e’ena Tikuna. Uma jovem nascida na reserva indígena Tikuna Umariaçu, no Alto Solimões, localizada no município de Tabatinga (AM), onde se concentra a maior população indígena Tikuna brasileira, com 48 mil habitantes, conforme último balanço do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na língua Tikuna, We’e’ena, um nome pronunciado em forma de canto, significa “onça nadando para o outro lado do rio”. Como consta em seu Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani), emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Aos 12 anos, We’e’na mudou para Manaus, capital do Amazonas com toda a família, por uma vontade do pai. Aos 18 anos, ela trocou a Amazônia pela ‘selva de pedra’ da cidade de São Paulo. Aos 31, hoje, artista plástica, estilista, cantora, nutricionista, feminista e defensora dos direitos das mulheres indígenas, conta que sofreu no início da vida longe da floresta.

“No primeiro momento, minha mãe não se acostumou a viver fora da aldeia. Mas meu pai criou a comunidade indígena Wotchimaucu, na Cidade de Deus, zona Leste de Manaus, próxima ao jardim botânico da cidade. Foi um choque cultural para todos nós, que éramos acostumados a viver livremente na aldeia. Aos 12 anos, fui matriculada na primeira série do ensino fundamental, em uma escola da região, sem saber falar português e, sequer, ler. Sofri bullying, preconceito, chorei inúmeras vezes e, como tinha dificuldade de me comunicar, repeti de ano duas vezes por falta de paciência dos professores. Eles não me entendiam e eu não entendia eles”.

“O povo Tikuna é conhecido pelos grafismos. Somos divididos por clãs, retratados em animais. Por isso, eu expresso essa ancestralidade na criação das minhas peças’’

We’e’ena Tikuna, estilista, artista plástica, nutricionista e ativista dos direitos indígenas.

ORIGEM DE TUDO “Eu não vejo como uma vitória pessoal,

De todos os percalços daquele período mas sim coletiva, pois é um passo a mais de mudanças We’e’ena lembra das aulas de para a visibilidade do meu povo”, comparartes na escola, onde, segundo ela, sempre tilha We’e’ena. se destacava. Foi a partir dali que a vida da indígena começou a se transformar na cidade grande. Em 2005, ela ganhou uma MARCA E GRIFE COM RAÍZES INDÍGENAS bolsa de estudos no Instituto Dirson CosWe’e’ena é a primeira indígena Tikuna ta de Arte e Cultura do Amazonas (IDC), a assinar profissionalmente uma coleção e para cursar artes plásticas. We’e’ena não só a expor suas peças autorais para o mundo se formou, como se especializou em pinfashion em um dos maiores eventos da tura acrílica sobre tela sempre expressando moda sustentável do País, Brasil Eco Fashion a arte indígena. Week, realizado em São Paulo, em 2019.

Atualmente, 12 de suas obras estão no Segundo a estilista, a ideia de criar uma acervo do Estado do Amazonas. A artista marca que esboçasse a cultura indígena plástica também se orgulha de ter trabasurgiu há 12 anos, quando ainda conlhado ao lado de artistas de renome nafeccionava as peças para uso pessoal. No cional, de ter tido a oportunidade de exentanto, o sonho só se concretizou em

“Sofri bullying, preconceito, chorei inúmeras vezes e, como tinha dificuldade de me comunicar, repeti de ano duas vezes por falta de paciência dos professores. Eles não me entendiam e eu não entendia eles”.

We’e’ena Tikuna, estilista, artista plástica, nutricionista e ativista dos direitos indígenas.

por suas obras na Casa da Fazenda de São Paulo, além de ser homenageada como melhor artista plástica indígena pela Sociedade Brasileira de Educação e Integração e pelo Prêmio Quality Internacional Do Mercosul.

Dona de diversos dotes artísticos, We’e’ena é engajada em inúmeras vertentes culturais, além da artes plásticas, como música e moda, é ativista e palestrante. Como cantora, ela é divulgadora cultural do povo indígena, compôs um álbum dedicado à língua Tikuna, com letras que falam da resistência cultural, da identidade e da preservação da natureza.

No cenário nacional, We’e’ena foi a primeira indígena a participar do maior encontro da música popular brasileira, a Festa Nacional da Música 2017 e fez inúmeras aberturas no Rio +20, Itaú Cultural, Palácio do Governo de Brasília, Revelando São Paulo, Jogos Indígenas, Festival de Bertioga, Dia internacional dos Povos Indígenas. 2018, quando lançou a primeira coleção intitulada ‘Eware’ (lugar sagrado, na língua Tikuna), que nasceu com objetivo de combater o preconceito, o racismo e o não reconhecimento da verdadeira história das suas origens.

Sem incentivo para subsidiar sua marca e a grife, a estilista conta que o maior apoio veio do companheiro, o violonista espanhol, Anton Carballo, que compõe a Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro. “A ideia de criar peças e uma marca nasceu quando as pessoas demostraram interesse pelas roupas que eu usava nos eventos. E pensei, por que não criar uma coleção exclusiva e vender? Há mais de 12 anos faço minhas próprias roupas”.

Utilizando matérias-primas regionais da cultura indígena, como sementes de açaí, palha de tucumã, tururi, fibra de madeira, usadas em rituais do povo Tikuna, e tingimentos naturais nas pinturas dos tecidos, como jenipapo e urucum, a marca ‘We’e’ena Tikuna Arte Indígena’’ ganhou destaque em desfiles nacionais e a estilista foi convidada a participar da semana de moda de Milão, na Itália, que estava prevista para setembro antes da pandemia.

“A marca trabalha exclusivamente com tecido de algodão e misturas de fibras de tururi, a pintura dos grafismos é manual, as peças são confeccionadas uma por uma por mim, as pinturas nos tecidos são de tingimentos naturais (jenipapo, urucum) e estamparia com os grafismos nativos e escolhi o algodão porque é orgânico, além de desenvolver a criação das modelagens das peças”, destaca.

O estilo dos grafismos nas peças tem diversas simbologias e cada modelo expressa um significado diferente. Imitando a escama de tartarugas e cobras, o peixe bodó e penas de aves, a arte reflete a origem da criadora.

“O povo tikuna é conhecido pelos grafismos. Somos divididos por clãs, retratados em animais. Por isso, eu expresso essa ancestralidade na criação das minhas peças’’, explica We’e’ena Tikuna, a estilista por trás das obras.

We’e’ena adiantou ainda que recebeu um convite para participar da semana de moda de Milão, que estava prevista para setembro, mas em decorrência da pandemia, não sabe se o evento será realizado neste ano. A nova coleção, nomeada de Tururi, traz um viés mais sustentável, já foi desenhada e será apresentada no evento de Milão.

COMO ATIVISTA

We’e’ena que também exerce a carreira de nutricionista e se divide entre o Rio de Janeiro, onde tem um consultório, em Ipanema, e Alter do Chão, no Pará, onde mora.

Como ativista das questões indígenas, ela defende a bandeira da visibilidade e da inclusão indígena e, paralelamente aos projetos pessoais, é militante dos direitos do povo nativo.

“Muitos artistas indígenas também fazem sua própria arte. Isso mostra uma mensagem clara que não somos excluídos, estamos nos incluindo na sociedade sem esquecer nossa essência. A história que eu escrevi, vai ficar aqui”, finaliza.

“Eu não vejo como uma vitória pessoal, mas sim coletiva, pois é um passo a mais para a visibilidade do meu povo”

We’e’ena Tikuna, estilista, artista plástica, nutricionista e ativista dos direitos indígenas.

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