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Poetinha do Pará
Crédito: Reprodução/Instagram
Menino de comunidade do Pará usa cotidiano difícil para escrever poesias na Amazônia
Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium
MANAUS – A história do pequeno Mateus Nunes Marinho, 8 anos, morador da comunidade Boa Nova, em Óbidos, no Pará, viralizou nas redes sociais, após sua tia divulgar um vídeo onde ele recita poesias autorais e expressa a vontade de se tornar um poeta para poder mudar de vida e ajudar seus familiares. O vídeo foi compartilhado no dia 20 de julho por diversas celebri- dades, como a atriz Bruna Marquezine, a escritora e roteirista Glória Perez, a ex-ministra Marina Silva, além do poeta do programa da Rede Globo, Encontro, Bráulio Bessa.
Mateus viu sua vida mudar por meio dos seus poemas. Atualmente, ele tem nove poemas autorais, o primeiro deles “O menino lá da roça” foi escrito com a ajuda da avó, Maria Madalena, de 65 anos, que é deficiente visual.
A poesia que ele escreveu para os profis- sionais da saúde, em agradecimento ao pe- ríodo da pandemia do novo coronavírus, rapidamente ficou famosa, assim como o menino. Após seu vídeo viralizar nas redes sociais, o pequeno poeta conseguiu arreca- dar cerca de R$ 50 mil, em uma vaquinha virtual, dinheiro que chegou em boa hora para ajudar a família.
No entanto, a vida do pequeno para- ense de olhos esverdeados não foi tão fá- cil quanto parece. Apesar da pouca idade, Mateus teve de aprender desde cedo a dura lição da sobrevivência. Aos seis meses, foi abandonado pela mãe, que sofre de pro- blemas mentais. Sem pai, ele morava com a avó e com uma irmã de 11 anos, que também tem problemas mentais, segundo relatou a ‘tia’ e responsável pela guarda do menino, Lúcia Nunes da Silveira, em en- trevista à REVISTA CENARIUM.
O gosto pela poesia começou após Ma- teus assistir à novela Bom Sucesso, onde o personagem Mário [interpretado pelo ator Lucio Mauro Filho] escrevia e recitava po- emas para sua amada Nana [interpretada por Fabiula Nascimento]. Partindo desse
pressuposto, de acordo com Lúcia, Mateus pediu que ela mostrasse para ele outros poemas.
“Não entendia nada de poema. Quando o Mateus me pediu ajuda. Lembrei que no WhatsApp recebia muitas mensagens. Quando abri o grupo da família, por acaso, tinha um vídeo do Bráulio Bessa, falando o poema ‘Recomeçar’. Até então só conhecia ele pelo programa da Fátima [apresentadora do Encontro com Fátima Bernardes], mas não sabia que ele era poeta e que aquilo era poesia. Quando o Mateus viu o vídeo, ele disse: ‘Tia, é isso que eu quero fazer’”, relembra Lúcia Silveira, com a voz embargada.
Em sua conta no Instagram, Mateus relata em vídeo como decidiu ser poeta e sintetiza como estava sua vida naquele momento.
INFÂNCIA DESESTRUTURADA
De família humilde, Mateus vive uma vida simples, na zona rural do município de Óbidos (a 781 quilômetros de Belém). Segundo Lúcia, o pequeno paraense vem de um histórico com diversos problemas familiares, incluindo abusos e maus-tratos. Em decorrência dessa vida e, sem amor ou carinho, Mateus estava se tornando uma criança agressiva tanto em casa, como na escola.
No colégio, os responsáveis eram sempre advertidos pelas atitudes do menino com os colegas e até mesmo com a professora. Cansada de ver o sofrimento das crianças, de Mateus e de sua irmã, Lúcia, resolveu ligar para o Conselho Tutelar, da região, e pedir ajuda.
“O Mateus me procurou quando mais faltava amor na família dele. Eu entendi aquilo como um pedido de socorro. Por ser vizinha e amiga da família, acompanhava tudo que acontecia com eles. Até que um dia cansei de ver as crianças vivendo sem carinho, desestruturadas e sem cuidados. A avó é cega, frágil e não tem condições de cuidar dela, imagina de duas crianças.
Foi quando me senti na obrigação de pedir ajuda”, relembra Lúcia.
“Hoje, eu me sinto mãe, avó, ou seja, tudo que ele nunca teve. Ele precisa de uma pessoa que dê amor, carinho, atenção, afeto que ele não recebeu da família biológica”, completa Lúcia.
A professora de Mateus, Marinelma Marques, também acompanhou a vida desestabilizada que a criança vivia antes da poesia e dos cuidados da tia. Segundo Marinelma, tudo isso, afetava o desempenho do menino na escola, mesmo ele que sempre demonstrou inteligência acima da média dos colegas da classe.
“O Mateus agora é uma benção”, diz a professora sorrindo. “Ele sempre foi uma criança muito inteligente e tem uma capacidade enorme de assimilação. Capta tudo muito rápido. Quando ele entrou na escola, ele era muito revoltado. Mas, com a ajuda de todos, ele foi melhorando. Hoje ele é a alegria da escola e da comunidade”, destaca a professora.