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Produção literária em confinamento
O livro “100 dias de quarentena: no tempo em que a vida parou” foi lançado em meados de agosto Odenildo Sena está morando em Portugal desde 2017
Crédito: Acervo Divulgação
Produção literária em confinamento
Em Portugal, escritor Odenildo Sena transforma isolamento da quarentena em produção literária e relata angústia com pandemia no Brasil de Bolsonaro: ‘trejeitos de psicopata’ Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium
MANAUS – O linguista e escri- O escritor revela ainda angústia por ser do de Ciência, Tecnologia e Inovação e tor Odenildo Sena, de 69 anos, um brasileiro assistindo a distância a candidato a vereador em 2016. converteu o isolamento na condução da pandemia no Brasil pelo pandemia em produção literária. Mui- presidente Jair Bolsonaro, a quem consi- REVISTA CENARIUM: Por que o ta produção. Morando desde 2017 em dera uma “figura com todos os trejeitos senhor decidiu escrever “100 dias Leça da Palmeira, uma extensão da ci- de um psicopata”. de quarentena: no tempo em que a dade do Porto, em Portugal, Odenildo Nascido em Santarém, no Pará, mas vida parou”? viveu a fase mais crítica da pandemia criado em Manaus, Amazonas, Odenildo Odenildo Sena: Eu decidi escrever esse de Covid-19 em um apartamento de 90 é linguista, com mestrado e doutorado livro, “100 dias de Quarentena”, porque metros quadrados, na companhia ape- em Linguística Aplicada e tem interes- percebi naquele momento, lá no início nas da mulher e do filho adolescente. ses nas áreas do discurso e da produção da pandemia, que a gente estava vivendo O confinamento, as impressões sobre a escrita. Foi professor do Departamen- um momento diferente, um momento crise mundial, aprendizados, angústias to de Língua e Literatura Portuguesa que eu diria único na vida da humanidae apreciações sobre a condução da pan- da Universidade Federal do Amazonas de, particularmente, aqui no País onde demia na Europa e no Brasil transforma- (Ufam), de 1980 a 2012, quando se apo- estou, em Portugal. Aí eu resolvi consram-se em três livros prontos e material sentou. É autor dos livros “Palavra, po- truir vários textos. Eles foram escritos ‘engatilhado’ para mais duas obras. der e ensino da língua”, “A engenharia em intervalos mais ou menos regulares,
Em entrevista à REVISTA CENA- do texto”, “No tempo de eu menino”, relatando minhas impressões, minha RIUM, Odenildo explica como foi o “Mazelas do livro didático” e “Tempos sensação do que representava aquela exprocesso de construção da primeira obra de memória”, além dos lançamentos periência para mim e para todo o munlançada neste ano, o e-book “100 dias mais recentes. Foi presidente da Funda- do, aquela experiência bem diferente de quarentena: no tempo em que a vida ção de Amparo à Pesquisa do Estado do de estar em casa recolhido num espaço parou” e fala sobre as outras produções. Amazonas (Fapeam), secretário de Esta- pequeno, no meu caso aqui, num apar-
tamento de 90 metros quadrados, sem o direito de ir e vir. Essa foi a razão inicial de eu ter escrito o livro.
REVISTA CENARIUM: Quando o livro foi lançado? Odenildo Sena: 100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou” foi lançado exclusivamente em edição digital no site da amazon.com.br em meados de agosto e está tendo uma ótima receptividade. Tenho recebido bons comentários de pessoas que leram o livro e gostaram. Talvez um pouco lá na frente saia a edição impressa.
REVISTA CENARIUM: Todos os textos do livro seguem o estilo de crônica? Odenildo Sena: O livro foi escrito no estilo bem descontraído da crônica, mas eu diria cheio de momentos poéticos também. É aquele texto que você escreve com parágrafos curtos, como eu costumo falar, para permitir que o leitor tenha tempo para respirar. E aí escrevi ao longo do período, sem preocupação de data exata. Não era todo dia que eu escrevia. Eu escrevia aos poucos, mesmo porque sou lento para escrever. Ao longo do período, eu escrevi 19 crônicas que dão conta do início mais conturbado da pandemia, da minha percepção sobre isso, até o momento em que eu, pela primeira vez, depois de 100 dias, saí de casa, e aí conto muito no livro, no decorrer das várias crônicas, diversas experiências vividas, dentre as quais o que a gente teve que aprender de novo porque a gente descobriu que a gente não estava preparado para não se valer do direito de ir e vir, de ficar recolhido, de não poder ir à rua, enfim, tivemos que aprender muito.
REVISTA CENARIUM: Está morando em Portugal há quanto tempo? Decidiu mudar-se por que razão? Odenildo Sena: Desde dezembro de 2017. A decisão de mudar para cá foi pensada e aconteceu, sobretudo, em virtude de uma profunda amargura minha com os rumos que o País vinha tomando desde 2016, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Aquilo foi a gota d’água para tomarmos a decisão de sairmos do Brasil, mesmo porque, naquele momento, já por conta de tudo o que vinha acontecendo, eu já imaginava, ou pelo menos previa, que a situação no Brasil não ia melhorar tão cedo, como de fato, isso se confirmou. O Brasil hoje vive uma situação tão dramática e a gente não sabe como isso irá terminar. E, para uma pessoa com a minha idade, estou caminhando para os 70 anos, isto é muito angustiante, porque a gente conseguiu lá atrás, a partir de 2003, até 2014, sonhar com um País diferente, mais igualitário, com menos concentração de renda, com mais educação, mais preocupado com a ciência, com os jovens, os pobres, os negros, e eu me dei conta de que isso tudo tinha ido por águas abaixo. E, de fato, as perspectivas de recuperação do Brasil, para voltarmos a sonhar com um País diferente, elas estão muito reduzidas hoje. Quando me mudei para cá, já estava aposentado da Ufam. Havia entregue o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia que ocupava. REVISTA CENARIUM: Como se sente assistindo, a distância, à pandemia no Brasil? Odenildo Sena: Praticamente em todas as crônicas do livro “100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou” começo o texto fazendo uma apreciação até meio literária dos acontecimentos e termino sempre fazendo uma referência aos acontecimentos factuais que em geral marcavam os cinco, seis ou sete dias anteriores a eu concluir cada crônica. No fechamento de cada crônica, sempre faço uma referência ao que acontecia no Brasil naquele momento e o registro é sempre de muita indignação, sobretudo, porque o Brasil, em todos os sentidos, foi na contramão do que eu via em países como Portugal e Alemanha. Mas foi na contramão, sobretudo pela presença de um presidente extremamente irresponsável e sem nenhuma empatia com o povo”.
REVISTA CENARIUM: Como o senhor descreve a condução da pandemia pelo governo federal no Brasil? Odenildo Sena: Aí no Brasil, o que se via e o que ainda se vê, ainda hoje, é uma coisa assustadora, de uma figura com todos os trejeitos de um psicopata que ao invés de conduzir a população para um
lugar seguro, empurra a população para um abismo, na medida em que não dá exemplos de como a população deve se proteger, como deve se comportar numa situação como essa. Ele é o próprio exemplo daquilo que não se deve fazer.
REVISTA CENARIUM: Quantos textos já produziu recentemente, no isolamento? Odenildo Sena: Consegui produzir muito. Além do livro “100 dias de quarentena”, que escrevi motivado pela situação inusitada da pandemia, terminei um outro livro chamado “Aprendiz de escritor”, com edição impressa pela Editora Valer. O livro foi lançado numa live transmitida pelas minhas redes sociais em 25 de setembro, com a presença de Milton Hatoum, Tenório Telles, Marcos Frederico, Neiza Teixeira, além de mim. O Milton Hatoum escreveu um pequeno texto para a contracapa do livro. Além disso, produzi bastante material que, com calma e paciência, vou transformar em pelo menos mais dois livros. Ao lado disso, tenho pronto um livro chamado “O passo a passo na construção do texto”, destinado a alunos do ensino fundamental. Enfim, mesmo com a quarentena já amenizada, continuo produzindo bastante e sempre estou compartilhando meus textos nas redes sociais, principalmente no Facebook, onde mantenho uma página chamada “Odenildo Sena – Meus escritos.