"Pinga, chuva"

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SALVADOR, SÁBADO, 1 DE JUNHO DE 2013

Pinga, chuva

Meninos e meninas mudaram suas rotinas por causa da maior seca dos últimos 30 anos no sertão nordestino PAULA MORAIS

Não há tapete que disfarce as rachaduras do chão causadas pela seca do sertão nordestino. Desde 2012, a falta de água fez animais morrerem, plantas murcharem e pessoas terem fome e sede. São 12 milhões de sertanejos castigados pela seca. Daria para encher 150 estádios do tamanho do Maracanã, no Rio de Janeiro, o maior do Brasil. Na Bahia, 264 cidades esperam ajuda, e o número de sertanejos que aguardam qualquer pingo de chuva chegou a 2.845.051. Salvador ficaria apertada para caber tanta gente.

4e5

Não é tudo normal

Seca lá, muda aqui

O colorido mudou de cor

Fugindo do campo

O professor de geografia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Emanoel Reis disse que a seca é natural. Igual à chuva ou à neve, por exemplo. A seca acontece no sertão porque o clima é o semiárido. Isso significa que chove pouco e é tudo muito quente e seco. O professor também explicou que a seca pode ser forte ou fraca. Mas que o homem, com sua ação, pode acelerar e piorar a situação. “As queimadas e as derrubadas das árvores, além do uso errado de produtos no solo, prejudicam ainda mais”. Os pesticidas são misturas químicas usadas para matar pragas que destroem as plantações. Mas o uso descontrolado pode causar danos ao solo.

O clima de Salvador não é o semiárido. Mas a cidade também é atingida de outras maneiras pela seca. O aumento do valor dos alimentos é um exemplo. O tomate é plantado no sertão e trazido para cá. O quilo (seis) custava R$ 3 antes da seca. Depois, subiu para quase R$ 10. É o mesmo valor do corte de algumas carnes de boi. Isso acontece porque sem chuva não dá para plantar. Quando muitas pessoas procuram um alimento que está em falta, ele sobe de preço. Outra mudança é o aumento da população. O professor Emanoel disse que as pessoas do campo vão morar na capital para fugir do sofrimento. Mas acabam sofrendo aqui também, porque elas têm pouco dinheiro para morar em uma casa segura. “Elas constroem suas casas em áreas de risco, em morros, sem esgoto adequado, e é assim que surgem as favelas”. A saída do campo para a cidade é chamada de êxodo rural, e as pessoas que saem do campo são conhecidas como retirantes, porque mudam de lugar para fugir da seca.

“A última vez que choveu aqui faz três meses”, lembrou Franklin Soares, 11, morador de Irecê, localizada na região da Chapada Diamantina. O pai trabalha na roça e procurou outro emprego para ter mais dinheiro. Franklin contou que o pai sai de casa às seis da manhã e só volta às seis da tarde. “Tínhamos mais tempo juntos”. Antes disso, o dinheiro não dava para a ração dos animais e eles morreram de fome. Franklin disse que a vista da janela é diferente. “Perdemos tudo. As plantações, os animais e o brilho daqui”.

Marta Ferreira, 11, saiu da roça e foi morar na cidade de Itaberaba, também localizada na área da Chapada Diamantina. Ela contou que sente falta. “Tenho saudade de quando as plantas e animais tinham vida”. Marta contou que morava com nove pessoas e que o avô dela pagava R$ 120 por mês para que o carro levasse água até a família. “Os políticos não estão ajudando a gente”. O pai dela tirava leite das vacas e vendia para aumentar a renda. Mas, agora, não tem mais, porque as vacas morreram.

Não tem o que plantar Alguns pingos de chuva caíram na cidade de Araci, que fica perto de Serrinha, após seis meses de seca. Mas não foi o suficiente. Anderson Almeida, 10, contou que faltam frutas e raízes nas feiras. “As poucas que sobraram são vendidas com o valor bem alto”. O saco de milho, por exemplo, que era vendido por R$ 20, custa agora R$ 45. Mas Anderson disse que sua família vendeu os animais mais baratos. “Foi o jeito de a gente conseguir dinheiro para comprar comida”.


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