& Letras Folha Literária

Page 1

Folha Literária

& letras

N.º 1

mensal

dezembro

Entrevista com

ANA CRISTINA SILVA

O prazer do romance histórico

Língua Portuguesa

Evolução por José Luís Vieira

Falemos de Livros 

Pág. 5

Cultura Portuguesa

O abandono por Alfredo Vieira

Os UHF e a poesia de António Manuel Ribeiro

Pág. 4

Pág. 7

Pág. 8

A escrita simples de Filomena Marona Beja A metafísica na poesia de João Gouveia

Confira as novidades editoriais

Pág. 6


& letras

Ao Vento Poder-se-ia chamar outra

coisa, decidimos que se chama Ao Vento, assim como poderíamos chamar algo diferente a esta folha literária, lembrámo-nos de & letras. Não nos parece mal, quer um título quer o outro. Como fomos nós que tivemos a ideia desta publicação baptizámo-la como quisemos, agora já está. O arranjo gráfico também fomos nós que criámos, por isso está ao nosso gosto. Tudo serve para apresentar este novo projecto, até esta entrada um pouco estapafúrdia; assim ficam a saber como nasceu o nome e o design. O que se pretende com esta folha literária? Em primeiro lugar dar a conhecer o que se vai criando no campo literário e o que as editoras vão publicando, mas o mais importante é divulgar os novos autores portugueses, aqueles que apresentam projectos de qualidade, e que podem engrandecer o panorama literário nacional. O espaço é curto e o tempo não é muito. Só existe uma grande vontade de criar algo de diferente. E entre os portugueses tudo cabe: poesia, conto, romance, novela, ensaio, teatro, etc. Serve esta apresentação, à guisa de linha editorial, para mostrar como, sem meios, se pode criar algo que pretende ajudar a divulgar as letras nacionais e a cultura portuguesa. Também em & letras cabem todos os que queiram participar e colaborar com textos de qualidade e uma grande satisfação de estarem a contribuir dentro dos vossos conhecimentos para ajudarem todos os que se lançam de novo nas letras. Textos de opinião e recensões literárias são sempre bem vindas. Às editoras e aos autores só peço informações sobre o que publicam e as apresentações públicas que fazem, só assim se pode divulgar o vosso trabalho. & letras pretende ser uma publicação mensal, com um mínimo de quatro páginas que vos chegará via caixa de correio electrónico sem qualquer custo e sem qualquer obrigação da vossa parte a não ser a boa vontade de a lerem e de a divulgarem. Contudo, apesar de ela circular livremente na rede, solicito que reservem sempre os direitos editoriais e de autor, respeitando o nome de todos aqueles que neste espaço queiram colaborar. Alfredo Vieira

2

Breves

Gonçalo M. Tavares vence Prémio em França Gonçalo M. Tavares, com o seu romance Aprender a Rezar na Era da Técnica, publicado em Portugal em 2007 pela Editorial Caminho, vence em França o Prémio do Melhor Livro Estrangeiro 2010. O livro que tem o título em francês Apprendre à prier à l’ère de la technique, com tradução de Dominique Nédellec, foi um dos cinco finalistas dos Prémios Féminin e Médicis. Na lista de vencedores estão inúmeros escritores e livros que marcaram a história da literatura, a maior parte deles viriam a ser galardoados com o Nobel da Literatura.

Rui Cardoso Martins vence prémio da APE/DGLB 2009 Rui Cardoso Martins venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores / Direcção Geral do Livro e da Biblioteca 2009 com o romance Deixem Passar o Homem Invisível, editado pelas Publicações Dom Quixote. A entrega do prémio teve lugar no dia 27 de Novembro na Fundação Calouste Gulbenkian e contou com a presença do Presidente da República, entre outras personalidades e individualidades do mundo da cultura.

Inaugurada Casa da Escrita em Coimbra Foi inaugurada no dia 28 de Novembro a Casa da Escrita. A nova casa de cultura nasce na antiga casa da Família de João José Cochofel, também conhecida por Casa do Arco, onde os neo-realistas de Coimbra se juntavam. Aí existia a grande biblioteca, onde os neo-realistas encontraram muitos dos livros da sua formação. Esta casa foi a primeira sede da revista Vértice. Este novo equipamento destinado à cultura na cidade de Coimbra é um local destinado ao acolhimento de escritores e obras literárias e à realização de diversos acontecimentos culturais. As intervenções estiveram a cargo de Eduardo Lourenço, António Pedro Pita, José Carlos Seabra Pereira, Presidente da Câmara Municipal e de Isabel Alçada, Ministra da Educação. Maria Barroso e Maria José Azevedo Santos fizeram uma leitura de poemas de João José Cochofel, poeta neo-realista.

Prémio LeYa sem vencedores O júri do Prémio LeYa decidiu não atribuir o galardão relativo a 2010. Em causa, segundo os membros do júri, a qualidade das obras apresentadas a concurso. Pode ler-se em comunicado que «Perante originais que, apesar de algumas potencialidades, se apresentam prejudicados por limitações na composição narrativa e por fragilidades estilísticas, o Júri entendeu que as obras a concurso não correspondem à importância e ao prestígio do Prémio LeYa no âmbito das literaturas de língua portuguesa. Em consequência, e de acordo com a alínea f) do art.º 9 do respectivo Regulamento, decidiu por unanimidade não atribuir o Prémio LeYa referente ao ano de 2010. A decisão foi assinada por Manuel Alegre, Carlos Heitor Cony, Rita Chaves, Lourenço do Rosário, Nuno Júdice, Artur Pestana (Pepetela) e José Carlos Seabra Pereira.


& letras

Autor em destaque

3

Ana Cristina Silva O prazer do romance histórico Inicia-se no mundo da escrita de ficção em 2002 com o romance Mariana, Todas as Cartas, uma obra sobre os amores e a epistemologia de Mariana Alcoforada e até hoje já publicou sete obras. Com excepção de À Meia-Luz e de A Mulher Transparente todos os outros são romances históricos, que Miguel Real considera uma escrita bem tratada onde Ana Cristina Silva explora as suas personagens numa perspectiva psicológica. Apesar de ainda estar em apresentações da sua última obra, A Crónica do Rei-Poeta Al-Mu’Tamid, a autora prepara já o seu próximo livro A Traidora. À excepção de A Mulher Transparente e de Meia-Luz toda a obra de ACS se baseia no romance história. Segue fielmente a história ou há muita ficção nas obras?

Eu tenho escrito mais romances históricos, mas ao mesmo tempo não me sinto uma autora de romance histórico. O que me interessa é a dimensão histórica da existência humana, cujos aspectos universais se manifestam numa determinada época histórica. Por exemplo, o livro As Fogueiras da Inquisição incide sobre a violência, em particular a violência de origem religiosa (não pode haver tema mais actual). Em A Dama Negra da Ilha dos Escravos, a sua história interessou-me pelo racismo e pelo papel de Portugal no início da escravatura em grande escala. Na Crónica do Rei Poeta Al-Mu’Tamid, interessou-me a questão do poder e da força redentora da poesia. O que eu quero dizer é que, sem perder de vista o rigor histórico, gosto de abordar o que é intemporal nos seres humanos numa determinada época histórica. Não me interessa tanto o romance que é uma mera ilustração de uma situação histórica. Nos dois livros que antecedem A Crónica do Rei Poeta Al-Mu’Tamid as personagens históricas que escolhe para dar corpo à história são figuras praticamente desconhecidas da história portuguesa, como as encontra e como as estuda?

Bem em As Fogueiras da Inquisição eu misturei personagens inventadas com personagens reais, a Sara, a judia que estava nos calabouços da inquisição de Évora, a avó Ester, etc. são inventadas... o Rei D. João III, a Beatriz Luna, O Damião de Góis, os embaixadores no Vaticano eram obviamente reais. A D. Simoa, a Dama Negra, foi uma personagem real que me foi mencionada por uma amigo, mas efectivamente é pouco conhecida fora de S. Tomé e sabe-se muito pouco sobre ela. Estudo a época histórica e invento muito nestes casos. Miguel Real considera-a uma escritora que, para além da história, escolhe as suas personagens pela relação amor ódio, o bem e o mal, o belo e o horrível, e as explora no aspecto psicológico, o que deriva da sua formação académica, ligando pouco a factores que estão intrínsecos aos aspectos políticos e sociais vividos à época. Considera essa a sua grande marca literária enquanto

romancista e o porquê de escolher essa faceta das suas personagens?

Eu interesso-me pelos conflitos humanos e acho que sou capaz de usar a linguagem para dar densidade psicológica às personagens. Isso é um bocado a minha forma natural de abordar as histórias, o que não significa que não atenda ao contexto social e político de uma determinada época histórica, mas de facto fica um pouco em segundo plano. Eu acho que a linguagem deve ser trabalhada e servir uma história. Qual das personagens lhe deu mais prazer estudar e conhecer? Porquê?

A Mariana Alcoforado, por ser a primeira e eu escrever ainda de forma tão inconsciente, tão, digamos, natural (porque escrever tem de ser apurado e nessa altura eu não sabia) Por outro lado adorei a Sara, mas ela foi inventada, adorei-a porque é uma resistente no contexto das maiores adversidades. O romance histórico é um filão literário que está demasiado explorado pelos escritores, muitas vezes com poucos critérios científicos e literários, o que desvirtua essa corrente da escrita. Nota que esse é um problema que pode esgotar esse tipo de romance? O que pensa do que se escreve nesse campo?

Não sei. Creio que há bom e mau como na outra literatura. Pensemos, por exemplo, em O Memorial do Convento, ou em A Viagem do Elefante do Saramago. São romances históricos ou simplesmente excelentes romances? Sei que ainda saboreia o seu último livro, mas para quando um novo romance?

Eu tenho um novo romance já escrito, chama-se A Traidora e é baseada numa personagem fabulosa que atravessa a Rússia de Estaline, a Guerra de Espanha, e várias outras peripécias... Está a descansar um pouco para eu lhe dar os últimos retoques.

Alfredo Vieira Quem é: Ana Cristina Silva é docente universitária, lecciona as cadeiras de Psicologia da Comunicação e da Linguagem e de Seminário de Estágio no Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Doutorada em Psicologia da Educação, especializou-se na área da aprendizagem da leitura e da escrita, desenvolvendo investigação neste domínio com obra científica publicada em Portugal e no estrangeiro. Bibliografia: - Mariana, Todas as Cartas; Gótica 2000 – 2002 - A Mulher Transparente; Âmbar – 2004 - Bela; Âmbar – 2005 - À Meia-Luz; Âmbar – 2006 - As Fogueiras da Inquisição – Editorial Presença/2008 - A Dama Negra da Ilha dos Escravos – Memórias de Dona Simoa Godinha – Editorial Presença/2009 - A Crónica do Rei Poeta Al-Mu’Tamid – Editorial Presença/2010


& letras

4

Alfredo Vieira

Livros em destaque A metafísica na poesia de João Gouveia

A história actual no novo romance português

Sendo a filosofia a arte de aprender a viver, assim como aprender a morrer, também serve para procurar na sabedoria um remédio para os nossos males existenciais apoiando-se num único princípio: A principal fonte da infelicidade humana é a ignorância. Entretanto, temos de saber que a metafísica é a parte primeira da filosofia, a parte mais profunda e mais difícil da sabedoria. Ela procura conhecer os princípios ocultos do ser, os fundamentos do mundo e da existência, para lá da experiência. Por isso a metafísica é tudo o que rege tudo o que existe no universo: a matéria, a vida e o pensamento. É neste campo que se situa a poesia de João Gouveia, nomeadamente, no seu último livro O Gnómon de Deus, onde se entra pelo mistério nu da existência das coisas. Aquelas que estão à nossa beira são vistas pelo poeta de outra forma, por isso os poetas devem, segundo Jankélévitch, comportar-se perante o universo como se ele fosse um mistério. O Gnómon de Deus é a parte sombria do mundo que corresponde às trevas, à morte, à noite, contudo, o poeta contrabalança essa parte sombria com a vida, proporcionada pela fé, nomeadamente pelo culto mariano e a devoção ao Espírito Santo, numa busca incessante pelo amor, pela sabedoria e pela felicidade, pois os homens que aclamaram Deus mataram a sua função social, a esperança da vida e a felicidade. Daí o agnosticismo que se nota na poética. Esse é o não reconhecimento, não sei se de Deus se daqueles que pretensamente dizem espalhar a sua obra. É importante saber que não existe uma negação ateísta de um ser supremo, existe sim um entendimento filosófico e metafísico da questão religiosa. Para além da parte mística e filosófica há também o mito bem português do eterno retorno ao mar, com aquela palavra tão nossa: a saudade, que a nossa busca incessante de novos mundos deu ao léxico lusíada. Uma poesia que deve ser conhecida, pois O Gnómon de Deus é uma das obras mais importantes no panorama das letras nacionais. João Gouveia está de parabéns, pois estamos perante um portento de qualidade poética. Um autor que se está a descobrir

Um dos períodos mais profícuos da história portuguesa foi aquele que mediou a Revolução de Abril, uma juventude completa de utopias onde proliferavam movimentos de várias matizes ideológicas. Lentamente essas utopias se foram desvanecendo e muitos desses jovens, terminada a universidade abandonaram as utopias e seguiram um caminho que lhes proporcionasse mais-valias sobre os estudos que terminavam, muitos deles em partidos que até há pouco tempo combatiam na rua. Este idealismo faz parte da história contemporânea portuguesa. Os escritores são um pouco avessos a escrever essa história, normalmente procura-se o passado mais distante, não aquele que os seus coevos viveram. Contudo Filomena Marona Beja deixou para trás esses preconceitos e lançou-se na escrita de Bute daí, Zé! Onde se faz a resenha de um pequeno partido da extrema-esquerda trotsquista, com os seus militantes mais activos, desde a primavera marcelista, período em que se começaram a organizar, até à morte de um dos seus elementos mais destacados por um grupo de cabeças rapadas, conhecidos por skinheads. José Carvalho, comummente conhecido por José da Messa, foi assassinado na Casa da Palmeiras, sede desse partido, em Outubro de 1989. Um romance extremamente realista pela forma como aborda os diversos temas que vão da guerra colonial, às ocupações de fábricas, às falências fraudulentas e ao abandono do país por parte dos capitalistas. Gritava-se fim da guerra colonial, morte ao capital, abaixo a burguesia, pedia-se o poder para os operários e camponeses, a desmilitarização e o fim do serviço militar obrigatório. Hoje não há guerra colonial, a burguesia passou a chamar-se classe média, não há serviço militar obrigatório, o capitalismo refinou os seus modos, aumentou o fosso entre ricos e pobres, e praticamente não há operários nem camponeses, nem fábricas, nem campos onde os camponeses possam trabalhar. O fim de muitas utopias. Somos avessos a fazer a nossa história recente. Dificilmente convivemos com a guerra colonial e com o Estado Novo que manteve um país durante quase meio século em subdesenvolvimento económico, sem cultura e com índices de analfabetismo bastante elevados para um país europeu. Este romance abre novas perspectivas, apesar de anteriormente haver algumas tentativas tímidas de romper com esses preconceitos. Um excelente romance de uma autora premiada que rompe barreiras, resgata o realismo. Então começa a fazer-se a história contemporânea na literatura portuguesa.

Título: O Gnómon de Deus Autor: João Gouveia Género: Poesia Editora: Fonte da Palavra Preço: 11.00 € Inclui CD com todos os poemas

Desejamos a todos os leitores e amigos Festas Felizes

Título: Bute daí, Zé Autora: Filomena Marona Beja Género: Ficção Editora: Sextante Preço: 16.50€

Propriedade e edição: Alfredo Vieira — Colaboradores: José Luís Vieira Contactos: Email: letras.folhaliteraria@gmail.com


& letras

5

Língua Portuguesa Evolução Tal como o Homem, a língua evolui. O novo acorO Senhor Professor também perde o respeito e pode passar a ser apenas senhor professor. No fundo ortográfico é disso um exemplo. Mas para alguns do é a adequação daquilo que se tem vindo a fazer… é assassinar a língua e a cultura de um povo. Talvez até porque em termos de disciplinas também é o problema não seja uma questão cultural, mas como se queira e tanto podemos ter Matemática antes uma questão de adaptação. Para os miúdos como português. que aprendem a ler a questão É, como disse, adequar. Se não se lê não se escrenunca se irá colocar e vão-se rir quando virem ve. Agora passamos a fazer coleções e a lecionar mini-saia ao invés de minissaia, tal como nós fazesem sermos facciosos mas tentando ser perfecciomos com a pharmácia. nistas sem muita ficção. O ator continua a vestir Aprendemos a ler através do armazenamento de fato para representar um ato dados na memória. Cada letra e trazer até nós, de facto, o é um bit de informação (eram “Cada letra é um bit de informa- espetáculo, ainda que este 23 e ganhámos mais 3, K; W; Y), e cada sílaba é um chunk ção (eram 23 e ganhámos mais seja compacto. Já o egípcio passa a usar anticoncecio(conjunto de bits), depois, 3, K; W; Y), e cada sílaba é um nais mesmo nas núpcias com a prática, cada sílaba para não se dececionar. É transforma-se num bit e cada chunk (conjunto de bits), claro que é uma opção, tal palavra transforma-se num como a corrupção. Tudo não depois, com a prática, cada chunk e, por sua vez, as palapassa de uma questão de vras acabam por se transforsílaba transforma-se num bit e olfacto ou de olfato, é mesmar em bits. Passamos a ler mo como se queira. cdaa palarva cmoo um segcada palavra transforma-se Vila Nova de Foz Coa perde nemto de informação por si num chunk e, por sua vez, as o chapelinho num ato heroisó. Por isso nos foi possível co e vamos deixar de ler isoler CORR3C7AMEN7E A palavras acabam por se trans- ladamente a diferença do FRA5E AN73RI0R. Isto serve pelo que caiu pelo regaço. de modo a que se possa ler formar em bits.” Faz-me lembrar a lengalenga mais rápido e poupar espaço da velha que tinha tinha e dava tudo o que tinha de memória. Tal como a passagem do escudo para o para lhe tirarem a tinha que ela tinha. Enquanto não euro foi complicada para uns, também a assimilação me explicaram que tinha é uma doença de cabelo das novas regras linguísticas o vão ser para todos fiquei pelos cabelos com esta coisa. aqueles que poucos ou nenhum erro cometem quanPara terminar, dizer apenas que farei um esforço do escrevem e da mesma forma quando lerem os para me adaptar e agradecer aos senhores que fizeerros dos outros. ram este acordo ortográfico por não acabarem com Temos tempo até 2015. Mas vai ser muito estranho a acentuação gráfica de todas as palavras resolvenver os dias da semana e os meses iniciados com letra do assim o problema do cágado. pequena. É um acordo flexível. Os títulos de obras iniciam-se com letra grande, mas depois cada palavra pode ser com letra pequena ou grande, é à escolha do freguês. Podemos ter Feios, porcos e maus ou José Luís Vieira podemos ter Feios, Porcos e Maus.

Festas Felizes

Se quiser receber em sua casa & letras - Folha Literária sem se maçar e sem custos é só enviar um email a solicitar a sua inscrição

letras.folhaliteraria@gmail.com


& letras

6

Novidades Título: Sargento Getúlio Autor: João Ubaldo Ribeiro Editora: Edições Nelson de Matos O sargento Getúlio Bezerra é um homem rude e ignorante, um polícia militar que vai transportar, através do sertão de Sergipe, um preso político inimigo de seu chefe, o coronel Acrísio Antunes. Pelo caminho vai recordando e monologando o seu passado de aventuras e violência.

Título: Uma longa viagem com Manuel Alegre Autor: João Céu e Silva Editora: Porto Editora Uma Longa Viagem com Manuel Alegre é o 5º volume de uma série que pretende fazer o retrato biográfico de alguns portugueses ilustres, através de uma longa entrevista e dos testemunhos de quem os conheceu.

Título: Laços de uma Eternidade Autora: Hodete Milhanas Editora: Fonte da Palavra Uma obra onde as personagens interagem a vários níveis de espiritualidade num romance apaixonante em que não falta um fio e um envelope que guardado numa caixa de música, anos antes, passa a reacender lembranças e a formarem-se num quadrado de amores.

Título: Uma dor silenciosa Autor: Francisco Guerra Editora: Livros d’Hoje “Para que a Casa Pia não seja esquecida e não deixe de estar na mira do país inteiro ... para que toda a gente saiba a verdade sobre o que realmente se passou… porque talvez seja uma maneira de eu conseguir encerrar um capítulo muito triste e muito doloroso da minha vida.”

Título : Histórias daqui e dali Autor: Luis Sepúlveda Editora: Porto Editora 25 histórias que nos transportam para diversos cenários, países daqui e dali, onde as palavras do autor nos remetem para o território dos derrotados que se negam a aceitar a derrota. Um território bem conhecido dos leitores de Luis Sepúlveda .

Título: Levaram-me Autor: Paulo Pereira Cristóvão Co-autor: Susana Ferrador Editora: Editorial Presença Relato na primeira pessoa da história de vida de António que aos nove anos foi levado por um homem que se fez passar por seu tio. O inferno numa rede de pedofilia internacional.

Título: Nickname & O homem que tinha a música na cabeça Autor: Mário Máximo Editora: Fonte da Palavra Do largo espectro criativo de Mário Máximo, chega-nos agora um livro com duas peças de teatro. Cada uma delas é um momento de intensa confrontação do leitor com algumas das questões mais preocupantes da sociedade.

Título: A morte do herói português Autor: Valentino Vargas Editora: Livros Horizonte Relato, pelo então furriel Viegas, do teatro das operações, das emboscadas, dos massacres, do stress psíquico e de episódios insólitos da guerra colonial em Angola, como a adopção de uma criança pelo militar que lhe matara os pais.

Título: Nove mil passos Autor: Pedro Almeida Vieira Editora: Sextante Editora O primeiro romance de Pedro Almeida Vieira, Nove mil passos, tem como fundo a construção do Aqueduto das Águas Livres, sofreu alterações profundas do autor e é agora reeditado após o seu lançamento em 2004.

Título: As cidades, os castelos e a onda Autor: João Araújo Editora: Fim de Século Com este trabalho, ensaiam-se quatro cruzamentos entre saberes, como alternativas de releitura e compreensão de objectos oriundos de áreas aparentemente tão distintas como a Literatura, a Física, as Artes Visuais e a Matemática.

Título: Comunicar Bem - Práticas e Estruturas Comunicativas Autor: Rosa Maria Sequeira Editora: Fonte da Palavra Comunicar Bem reúne um conjunto de orientações para ajudar os estudantes na realização de trabalhos escolares e académicos, desde a melhor forma de chegar à informação até ao comentário de diferentes produtos culturais.

Título: 365 piadas inéditas Autor: Vários Tradutor: Lénia Marques Editora: Civilização Quarto volume das colectâneas de anedotas, adivinhas, lengalengas e graças, uma para cada dia do ano, que prometem fazer rir toda a gente.


& letras

7

Cultura Portuguesa O abandono Quando os Estados entram em colapso financeiro uma

Não me parece. Se olharmos bem para o orçamento do Estado e das autarquias há valores destinados à cultura das primeiras medidas é a diminuição de verbas para a muito perto dos zero por cento. Quando existem milhacultura e para os apoios à cultura. Normalmente os polítires de institutos públicos um dos que está previsto ser cos que tomam essas medidas são apoiados pela maioria suprimido é a Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas, dos seus súbditos que preferem ver cortes nas opções que com a sua anexação na Biblioteca Nacional, e têm existisão mais apelativas e mais mediáticas, como sejam a saúdo também várias tentativas de acabar com os apoios à de ou a educação. É óbvio que os contribuintes têm razão, criação literária. Enfim, um sem número de ataques proa importância dessas duas rubricas para o bem-estar das positados a todos os agentes culturais, programados e populações, entre outras, não deixa margens para que se bem delineados. Mas não é só na área das letras que se duvide dos anseios das pessoas. Contudo, o que os goversente essa falta de apoio. Também no cinema, no teatro, nantes não nos dizem é que muita da despesa corrente é ou seja, nas mais vastas áreas das artes os apoios vêm a supérflua e que parte desses valores poderiam ser investidiminuir ou a desaparecer. dos na cultura, assim como noutras áreas. Como se pretende manter os níveis culturais de um Os povos mais cultos são os mais desenvolvidos. Aquepaís sem mecenato? A tradição e a história dizem-nos les que conhecem efectivamente e culturalmente o seu que, salvo raras excepções, os homens de cultura devem passado, de uma forma concreta e não lírica como a ter apoios, só que em Portugal essa foi, quase sempre, maioria dos portugueses o conhecem, que conhecem a uma política esquecida. São a força e a dinâmica de cultura contemporânea, são esses que podem seguir uma todos os que dedicam os seus via de progresso e terem uma tempos livres às ciências das perspectiva de futuro. Os países artes que não permitem que se “Se abandonarmos a cultura, se com maior índice de literacia, de contacto com as várias formas de não defendermos a nossa língua e estagne nos seus diversos campos. Poucos, ou raros, são aquearte, de aposta na formação e de les que conseguem viver das a matriz que foi implantada ao ensino são os que mais têm subiartes, quando sabemos que do nos rankings mundiais, longo de séculos é toda uma civi- somos bons naquilo que fazenomeadamente no desenvolvimento económico e no desenvol- lização que desaparece. Podemos mos. Temos excelentes escritores, actores, pintores, escultovimento social. Se abandonarestar a caminhar nessa via.” res, músicos, aqueles que penmos a cultura, se não defendersam a cultura, que acabam por mos a nossa língua e a matriz ficar pelo caminho por não conseguirem sobreviver com que foi implantada ao longo de séculos é toda uma civilio pouco que retiram dos direitos de autor. zação que desaparece. Podemos estar a caminhar nessa Sabemos que o mercado é pequeno e quando as difivia. culdades apertam as famílias começam a cortar nas desPor muita força e dinâmica que tenham os agentes culpesas ficando para trás a cultura, fazem como o Estado, turais, actores, pintores, escritores…, há um tempo em só no concreto as razões das famílias acabam por ser que se baixa os braços e se avança para o precipício, daí mais atendíveis. Mas como dizia Fernando Pessoa «A ao salto basta um passo. Todo o seu trabalho começa a minha Pátria é a Língua Portuguesa», e essa pátria é ser em vão. É óbvio que ainda não estamos nesse paradigenorme, são milhões de falantes e escreventes do portuma. guês, muitos dos países lusófonos são economias emerDaí a importância da aposta cultural dos países. Mas gentes e com um mercado enorme por explorar. É neste quando se dá essa ampliação de conhecimentos o àcampo que devem ser feitas apostas sérias no desenvolvontade com que os políticos gerem o destino dos países vimento da cultura e da língua portuguesa. Se assim não não é tão fácil como em Portugal, há uma maior massa for receio bem que mais cedo ou mais tarde se terá de crítica, as pessoas não são tão facilmente levadas ao engarepensar a nossa cultura para que ela não desapareça e no e mudam de opinião, mudam de líderes até encontraseja engolida pelas grandes culturas dominantes, pois rem o seu bem-estar, procurando que esse bem-estar seja num mundo de globalização nada escapa à voragem dos propiciado a todos os habitantes desse país. mercados e das políticas orçamentais. Será que existe interesse por parte das elites políticas do país para que exista um desenvolvimento cultural?

Alfredo Vieira


& letras

8

A música e a poesia Os UHF e a poesia de António Manuel Ribeiro Muitas das letras canta-

das pelo grupo de rock UHF são escritas pelo carismático líder da banda António Manuel Ribeiro (AMR). Esta veia poética entra por labirintos como o amor e a intervenção social, alertando para os grandes problemas que enfermam a sociedade contemporânea. AMR tem mostrado ao longo dos trinta e dois anos de existência da banda que um tipo de música que se dizia ter acabado, particularmente com o desaparecimento físico de José Afonso, se transformou em outros géneros musicais, como a música popular e tradicional portuguesa. Afinal a música de intervenção não morreu, tem é outras formas. Aqui quando falamos de género musical referimo-nos obviamente aos poemas que dão corpo às letras, pois é a poesia que está em análise. Não tem sido só as letras dos UHF que vão alertando consciências, os grupos chamados de rappers ou de hip-hop na sua grande maioria cantam os dramas sociais provocados pelos guetos ou pela discriminação, pelo racismo, pela pobreza extrema de algumas faixas da sociedade em comparação com o fausto e desperdício vividos por outros. Mas o que nos importa agora são as palavras que AMR transforma nas letras das suas músicas e transporta durante as suas digressões a todo o país, assim como ficam para a história através dos CD’s e DVD’s que vai publicando. Contudo, existe uma faceta não muito conhecida de líder os UHF, a de poeta com três obras publicadas na editora Sete Caminhos, Todas as Faces de Um Rosto, (2002), Se o Amor Fosse Azul que Faríamos Nós da Noite?, (2003), Cavalos de Corrida – A Poética dos UHF (2005) e Momentos a Seguir (2006), da qual recentemente apresentou na livraria Leya CE Bulchholz, em Lisboa, num recital intimista, onde cantou em acústico também algumas músicas do seu novo álbum de originais. A sua poesia é dura, direi mesmo pesada, caindo como pancadas nas consciências, lembrando um pouco o que fazia Ary dos Santos, se bem que em registos diferentes. Também os tempos eram outros. Se olharmos para os seus registos poéticos e musicais há um estranho realismo, uma vivência quase diária da banda, onde AMR coloca o seu pensamento e a sua mensagem que alguém definiu de libertária e progressista, como tal liberta de ideologias, mas apostada numa nova sociedade e em um Homem novo. Reparemos no seu poema No Fio dos Anos (sempre a correr) onde o poeta pergunta: «Que faço aqui / Se não mudar o mundo», há, pois, um objectivo na nossa existência e não o que se segue um pouco mais à frente no mesmo poema: «E sempre a correr / Passámos pelos dias / Procurando viver / O que a vida nos destina.» O destino de cada homem é mudar o mundo, o de AMR é o de empunhar a guitarra e transformar a canção numa arma, mesmo que emprestada, como no poema que dá corpo à faixa número 5, A Canção Pode Ser, do seu novo álbum porquê?, que o poeta e músico define como doze canções em doze perguntas. Aliás a canção que dá o título ao novo trabalho dos UHF é, no fundo, esse conjunto de interrogações onde o refrão patenteia as incerte-

zas e incógnitas deste povo: «Porquê / Outra vez / O naufrágio / Português.» Somos um povo de trabalho e só não nos cumprimos em Portugal. No campo da intervenção encontramos outros registos como por exemplo em Soldadinhos de Brincar, um hino antimilitarista, contra os conflitos bélicos e a manipulação da vontade colectiva, denunciando os interesses subjacentes à guerra e à sua indústria. Segundo AMR o seu discurso poético formou-se no seu meio ambiente, nomeadamente onde viveu e vive, porque, em seu entender, as pessoas devem estar despertas para o que se passa à sua volta, manifestando ainda desagrado pelo que se passa actualmente no país, pois não se pode viver continuamente nesta ansiedade, numa sociedade onde há muita mentira, por isso AMR não desiste e não contem com ele para claudicar num momento em que Portugal está a bater no fundo. “Eu não contribuí para isto!”, afirma algumas vezes e diz abertamente que um dos caminhos é a aposta na cultura para podermos sair deste subdesenvolvimento e da apatia, um espécie de cobardia colectiva, que se vive. Para além da intervenção social, a sua poética tem, em muitas das suas músicas, uma mensagem de amor e paixão total. Fala da entrega de um ao outro em total liberdade e em comunhão de sentimentos e de prazer. Manifesta-se um ser apaixonado, mas como o poeta Manuel Marques Barreiro escreveu na sua obra O Fogo Não Queima a Dúvida (Editora Fonte da Palavra, Lisboa 2010) «É pois, o amor, o néctar da poesia.», portanto os poetas «Nascem animados pelo tropismo / do amor, e com ele crescem, / nele vivem e convivem e por ele morrem.» Sem o amor nada existe, nem mesmo o ódio. É pelo amor que o poeta se torna escravo das palavras, da poesia. Há uma necessidade imperiosa de escrever, assim atinge a sua liberdade. O que o escraviza é o que o liberta. Com a poesia abraça-se o céu, o mundo, o universo. Tornando-se a poesia um quadro pintado pelas palavras, é uma sinfonia, onde, como por alquimia, se transforma o verbo em música. A poesia sobre o amor é a essência da Filosofia, porque o amor é o principal objecto de preocupação dos homens e também o mais incompreendido. «Amar», diz Stendhal na sua obra Do Amor, «é ter prazer em ver, tocar, sentir através de todos os sentidos, tão perto quanto possível, um objecto amável ou que nos ama». É esta poética de amor que encontramos nas obras de AMR, daí as letras dos seus álbuns serem misteriosas e de um realismo estranho, nomeadamente neste último registo onde encontramos seis temas de amor e seis de intervenção. É importante que se continue com a música e poemas de intervenção, apesar de alguns teóricos terem profetizado a sua morte, pois vivemos dias tristes. Os nossos padrões de cultura são os mais baixos de há cinquenta, talvez mesmo, cem anos. Por isso, os poetas e os músicos devem preocupar-se em escrever sobre o que os preocupa, esta é uma forma de aprimorar e aumentar a sua arte, que leva, consequentemente, a um aperfeiçoamento cultural da sociedade. Deixamo-los com um pequeno excerto de uma entrevista que AMR deu ao jornalista Mário Correia em 12/12/2005 ao Mundo da Canção: «…as modas não nos interessam, porque o que nós queremos é afirmar uma posição estética, de crítica social e política. É isso que pretendemos que defina a nossa música.»

Alfredo Vieira


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.