Corinne Hoex

“Nas horas que eu passo aqui, a cada semana, eu não me canso de olhar o mar. O mar me possui. Ele invade meus sonhos. À noite, sou uma nadadora que desliza em sua água, uma mergulhadora espiando seu ventre. No começo, sempre, ele é magnífico, de um azul insustentável. Mas, logo que afundo, ele se torna sombrio, hostil. Seu abraço me engole. Seu beijo me perfura. Um monstro encharcado desencadeia suas rajadas, vem em direção a mim, me submerge, me esmaga. A nadadora está aniquilada. Desintegrada. Dela restam somente os flocos de espuma deixados pela onda que se retira. Alguns fragmentos de musgo que a brisa levanta e o vento arrebata.”
CORINNE HOEX vive em Bruxelas, na Bélgica. Tem formação em História da Arte (Universidade Livre de Bruxelas) e trabalhou, por alguns anos, como professora, arquivista e pesquisadora, antes de se dedicar integralmente à escrita de ficção. Sua obra contabiliza aproximadamente vinte coletâneas de poesia e dez romances, traduzidos em diferentes idiomas: inglês, neerlandês, alemão, búlgaro, ucraniano e, atualmente, o português do Brasil. Desde 2017 compõe a Academia Real de Língua e de Literatura da Bélgica, sucedendo a escritora Françoise Mallet-Joris.
Site oficial: corinnehoex.com
Como nos tornamos íntimas de nossas tragédias?
Em Mas meu vestido não ficou amassado, a personagem principal conta, sentada diante do mar, a história de sua vida a partir daqueles que a ocuparam: pai, mãe e namorado. Nesse romance, a violência é uma onda colossal, impiedosamente cavando a fenda que separa os afetos, como na relação mãe e filha. Corinne Hoex, que já havia tratado do tema da família em seu romance de estreia, Le Grand Menu (2001), evoca, aqui, a posição da mulher em um contexto no qual as aparências determinam seu valor e a violência contra ela é a razão de ser do amor. A obra, ao retratar os cenários de uma pessoa que, de criança, se torna mocinha e, de mocinha, se torna mulher, oferece o silêncio intragável de uma existência vigiada a cada gesto, reprovada a cada olhar e violada a cada vislumbre de libertação. Autora de vinte e um livros de poemas, Corinne arquiteta, por entre as frestas do vestido sufocante de sua protagonista, uma efluência poética que devolve a essa mulher destruída todas as palavras suspensas nas cristas de seu maremoto estiado.