Mas meu vestido não ficou amassado – Corinne Hoex

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Corinne Hoex

não ficou amassado mas meu vestido

“Nas horas que eu passo aqui, a cada semana, eu não me canso de olhar o mar. O mar me possui. Ele invade meus sonhos. À noite, sou uma nadadora que desliza em sua água, uma mergulhadora espiando seu ventre. No começo, sempre, ele é magnífico, de um azul insustentável. Mas, logo que afundo, ele se torna sombrio, hostil. Seu abraço me engole. Seu beijo me perfura. Um monstro encharcado desencadeia suas rajadas, vem em direção a mim, me submerge, me esmaga. A nadadora está aniquilada. Desintegrada. Dela restam somente os flocos de espuma deixados pela onda que se retira. Alguns fragmentos de musgo que a brisa levanta e o vento arrebata.”

não ficou amassado mas meu vestido

não ficou amassado mas meu vestido
no Brasil em julho de 2022
Impresso

CORINNE HOEX vive em Bruxelas, na Bélgica. Tem formação em História da Arte (Universidade Livre de Bruxelas) e trabalhou, por alguns anos, como professora, arquivista e pesquisadora, antes de se dedicar integralmente à escrita de ficção. Sua obra contabiliza aproximadamente vinte coletâneas de poesia e dez romances, traduzidos em diferentes idiomas: inglês, neerlandês, alemão, búlgaro, ucraniano e, atualmente, o português do Brasil. Desde 2017 compõe a Academia Real de Língua e de Literatura da Bélgica, sucedendo a escritora Françoise Mallet-Joris.

Site oficial: corinnehoex.com

Como nos tornamos íntimas de nossas tragédias?

Em Mas meu vestido não ficou amassado, a personagem principal conta, sentada diante do mar, a história de sua vida a partir daqueles que a ocuparam: pai, mãe e namorado. Nesse romance, a violência é uma onda colossal, impiedosamente cavando a fenda que separa os afetos, como na relação mãe e filha. Corinne Hoex, que já havia tratado do tema da família em seu romance de estreia, Le Grand Menu (2001), evoca, aqui, a posição da mulher em um contexto no qual as aparências determinam seu valor e a violência contra ela é a razão de ser do amor. A obra, ao retratar os cenários de uma pessoa que, de criança, se torna mocinha e, de mocinha, se torna mulher, oferece o silêncio intragável de uma existência vigiada a cada gesto, reprovada a cada olhar e violada a cada vislumbre de libertação. Autora de vinte e um livros de poemas, Corinne arquiteta, por entre as frestas do vestido sufocante de sua protagonista, uma efluência poética que devolve a essa mulher destruída todas as palavras suspensas nas cristas de seu maremoto estiado.

TRADUÇÃO Gabriela Porto Alegre e Kelley Baptista Duarte

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