Usos e circulação - parte 6

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Plantas nativas, indígenas coloniais: usos e apropriações da flora da América portuguesa Juciene Ricarte Apolinário

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Juciene Ricarte Apolinário 1

1 Universidade Federal de Campina Grande. 2 Carneiro, Henrique. 2011. O saber fitoterápico indígena e os naturalistas europeus. In: Fronteiras

O conhecimento sobre os vegetais constituía a principal fonte de acesso ao mundo natural americano para os europeus. Desde os primeiros contatos interétnicos, os colonizadores portugueses ficaram impressionados com a diversidade de plantas e infinidade de usos estabelecidos para esses vegetais pelos povos indígenas contatados na América portuguesa. No entanto, a utilização de muitos vegetais pelos grupos étnicos foi criticada e condenada por indivíduos amparados nos conceitos cristãos, especialmente das plantas com valores mágico-curativos. O tempo se encarregou de mostrar aos colonizadores a importância do imenso conhecimento tradicional indígena em relação aos vegetais oriundos de biomas tão diversos como o Cerrado, a Caatinga, Floresta Amazônica ou Mata Atlântica. De fato, do século XVIII ao início do século XIX, as investigações dos seguidores de Lineu que objetivavam a ampliação da História Natural em toda a Europa, especialmente o domínio sobre as virtudes dos vegetais e as formas de uso, só foram possíveis com os informantes indígenas de diferentes etnias.2 Os povos indígenas, ao compartilharem as suas práticas culturais nas terras brasílicas, construíram acervos de experiências no manuseio cotidiano dos vegetais, diante das necessidades imediatas de seus grupos e de muitos não indígenas que, no processo de conquista e ocupação das suas aldeias tradicionais, passaram a depender desses novos hábitos de uso da natureza. 3 No que diz respeito às plantas com propriedades curativas, inicialmente citamos os alucinógenos (jurema e coca), os purgantes (babosa), aquelas recomendadas para problemas gástricos (marcela, boldo, erva-cidreira) e os anti-hemorrágicos (quina e mastruz), entre outros vegetais com inúmeras propriedades curativas. A farmacopeia indígena, como já se comentou, incluía também drogas cerimoniais e mágico-curativas, algumas das quais tiveram seu uso difundido no mundo ocidental: o tabaco, a jurema e a coca são as mais conhecidas. Algumas dessas plantas foram execradas, como a jurema, pois a bebida que se produzia a partir dela levava os ameríndios a contatos com os “encantados indígenas”, representados pela Igreja Católica como demônios que desviavam as condutas dos novos batizados. Os indígenas conheciam também uma grande variedade de venenos (entre eles o curare e o timbó), além de tônicos e estimulantes, como por exemplo, o guaraná e a erva-mate, que acabaram fazendo parte da dieta ocidental, até os dias atuais.

13(23):13-32. 3 Marques, Vera Regina Beltrão. 1999. Natureza em boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Unicamp, p. 70.

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Detalhe do mapa da rota dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé ligando Belém do Pará ao Mato Grosso, ca. 1752. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa Theodor de Bry, 1592. Quid nomine religionis apud Barbaros Americanos veniat. Ilustração da página 223 do livro America tertia pars memorabile[m] provinciae Brasiliae historiam [...]. De Bry nunca veio à América mas foi o primeiro a utilizar os recursos do talho-doce para levar aos europeus as imagens das viagens ao Novo Mundo e dos povos indígenas como os Tupinambá. Suas referências etnográficas provinham da leitura de André Thevet, Jean de Léry e outros. Acervo John Carter Brown Library, Providence

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José Correa Rangel, s.l., s/d. Frontispício do manuscrito intitulado Mappa botanico. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro [Frei Mariano José da Conceição Veloso], s/d. Estampa 1a e descrição de Decandria Monogynia pertencentes à Descrição e classificação de várias plantas do Brasil. A Flora fluminensis resultou de expedições que frei Veloso fez pela capitania do Rio de Janeiro com vários auxiliares, inclusive artistas e militares, como é o caso de José Correa Rangel. A obra de Veloso é fruto da interação do seu conhecimento de história natural com o trabalho de seus colaboradores, tendo por guia os os saberes indígenas sobre as plantas das regiões visitadas. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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Com a sua enorme biodiversidade observada pelos europeus, desde os primeiros relatos no processo de colonização, a natureza do Brasil oferecia aos povos indígenas, e ainda oferece, uma grande possibilidade de se obter as mais variadas e complexas plantas medicinais. Há centenas de anos como nativos da terra, atentos observadores da natureza, conseguiram catalogar, especialmente por meio de seus pajés, as ervas que formaram a sua grande farmacopeia. Aliadas aos rituais, essas ervas eram consideradas “a sabedoria das selvas” e faziam com que os pajés fossem figuras de respeito entre os seus parentes, na qualidade de guardiões das receitas mágicas e dos feitiços em benefício do seu grupo étnico. Os arquivos portugueses e brasileiros estão repletos de documentos que comprovam a incorporação dos vegetais ao cotidiano do mundo colonial. Na apropriação utilitária que se fez das plantas, repassada pelos indígenas, por suas propriedades medicinais, madeira, como alimento, cordoaria, entrecasca de árvores, resinas, cipós, fibras, tintura, entre outros, percebe-se que os documentos expressam diferentes saberes em diálogo, harmonia ou conflito, resultando em um tipo de apropriação específico pelo colonizador. Uma leitura atenta das fontes faz emergir um universo de práticas culturais e relações interétnicas, no qual os indígenas e o conhecimento sobre plantas têm um papel de destaque. Essas relações culturais forjaram o que a historiografia vem chamando de “índios coloniais”.4

4 Usando o conceito de “índio colonial”, John Manoel Monteiro vê o processo de conquista e expansão da América portuguesa a partir da nova história indígena. Não busca a narrativa de um indígena romântico, ora herói, ora subordinado, mas sim o indígena que dinamicamente sabia criar agências necessárias a

Frederick de Wit, após 1688. Novissima et accuratissima septentrionalis ac meridionalis Americae. Percebe-se a riqueza pictórica com que a América é representada a partir da especificação da figura indígena. A indumentária dos personagens retratados no canto inferior esquerdo sugere um grupo étnico de língua Tupi ao lado de mulheres e homens negros. Acervo John Carter Brown Library, Providence

sua permanência e de seu grupo étnico nos espaços coloniais. O “índio colonial” ressignificava as suas práticas culturais diante do projeto colonial português, mas não deixava de ser indígena, pois criava novos processos identitários. Ver Monteiro, John. 2001. Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de história indígena e do indigenismo. Tese de livre-docência. Campinas: Unicamp, p. 1.

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Francisco Antônio de Sampaio, 1782. Estampa 17, figura 1 (acima): salsaparilha; estampa 14, figura 3 (à direita): contraerva, ilustrações pertencentes ao manuscrito História dos reinos vegetal, animal e mineral do Brasil pertencente à medicina. Francisco Antônio de Sampaio nasceu em Portugal, em Vila Real, mas se estabeleceu desde criança na Vila de Cachoeira, na Bahia. A partir do contato com as populações locais e com a fauna e a flora da região, escreveu obras de medicina e história natural que permaneceram manuscritas. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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Povos indígenas e suas relações práticas com a natureza em contato com os luso-brasileiros

Com a chegada dos europeus, o conhecimento indígena acerca dos vegetais foi se difundindo em toda a Europa. Assim, curiosos e estudiosos, especialmente missionários como jesuítas, franciscanos e carmelitas, mas também viajantes e outros desenvolveram um crescente interesse pelas propriedades e aplicações dos vegetais aos usos cotidianos. Em matéria de conhecimento da flora nativa, os Tupi sabiam como ninguém utilizar as benesses que as plantas lhes ofereciam. Grande parte dos cronistas, viajantes e missionários, entre os séculos XVI e XIX, registrou a diversidade de vegetais e a sabedoria indígena no que diz respeito ao procedimento de extrair as propriedades naturais para sobrevivência em lugares ermos, como foi relatado pelo padre jesuíta Ascenso Gago sobre várias notícias das missões da capitania do Ceará em carta ao padre Alexandre de Gusmão, provincial da Companhia de Jesus. Entusiasmado, o padre Ascenso Gago constroi a sua narrativa informando que, apesar do dilatado tempo em que ficaram sem plantar roças para subsistência na Serra de Ibiapaba no século XVII, aprenderam a sobreviver com o que a natureza lhes reservava e, em uma das suas experiências, subindo a dita serra com os recém contatados indígenas Tabajara, deparou com uma quantidade de palmeiras, de cujos palmitos comem e também comemos ainda que de casca miúda se aproveita o gentio para o sustento, e nas palmeiras tirado o palmito se começam a meter uns bichos à maneira de carochas, os quais na corrupção da palmeira geram certos bichos à maneira de varejas, e estes crescem e engrossam até o tamanho de um dedo polegar. É este bicho com os palmitos o sustento muito ordinário do gentio e eu (destaque nosso) o comi já por necessidade [...].5

Esse trecho do documento nos leva a refletir sobre as dimensões interativas e improvisadas das primeiras relações interétnicas entre indígenas e colonizadores com pautas culturais diferentes. A narrativa do padre Ascenso Gago revela processos de entendimento e práticas interligadas com o meio ambiente (Serra de Ibiapaba) em prol de sanar uma necessidade imediata que era a fome diante de uma larga região montanhosa que se localizava nas divisas das capitanias do Ceará e Piauí. Considerada, naquela época, Mata Atlântica, abrigava uma vegetação tropical rica e fauna variada mas, nos dias atuais, é uma zona de transição constituída de fragmentos de Cerrado, Matas de Cocais, Floresta Amazônica e Caatinga. Essa região de Mata Atlântica já era bastante conhecida pelos indígenas Tabajara que sabiam como se apropriar utilitariamente daquela natureza cearense nos processos de busca de novos territórios, ao longo de 200 anos de migração, vindo das margens do Rio São Francisco. O próprio padre Ascenso Gago informa que os Tabajara atravessando os sertões do Rio São Francisco e do Rio Ipiaugui, defendendo-se com suas armas das nações bárbaras que os habitam, vieram a parar em esta Serra da Ibiapaba em qual residem há mais de 200 anos [...] segundo se acha em os anais de suas próprias memórias...6

Esse documento evoca uma realidade que era a capacidade de adaptação dos grupos indígenas aos diferentes biomas brasileiros. Diante das necessidades das novas paisagens, eles passavam a experimentar e degustar os vegetais das matas do entorno das suas aldeias, elencando os que podiam ser utilizados e os que deveriam ser interditados no cotidiano das práticas culturais ameríndias, deixando um legado de conhecimento também aos não indígenas europeus, com quem mantinham contatos continuamente.

Guillaume de Lisle (del.), Liebaux le fils (grav.) 1731. Detalhe do mapa Carte de la Terre Ferme, du Perou, du Bresil, et du Pays des Amazones; Carte du Paraguay, du Chili, “du Detroit de Magellan &c. Par Guillaume De l’Isle, Geographe de l’Academie Royale des Sciences. Nesse mapa é possível perceber o esforço inicial de localização dos grupos indígenas a partir da classificação entre tapuias e tupis. Acervo David Rumsey Map Collection

5 Consulta do Conselho Ultramarino ao Rei D. Pedro II, sobre a relação que fez o padre Ascengo Gago de várias notícias das missões do Ceará. 1696, dezembro, 20, Lisboa, AHUCeará, cx. 1, doc. 42 e 47. 6 Consulta do Conselho Ultramarino. Op. cit. AHU-Ceará, cx. 1, doc. 42 e 47.

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Carlos Julião, século XVIII. Casais. Ilustrações incluídas no manuscrito Noticia summaria do gentilismo da Asia [...] Ditos de Figurinhos de Brancos e Negros dos uzos do Rio de Janeiro, e Serro do Frio. Carlos Julião era um militar turinense que trabalhava para a Coroa portuguesa. Deixou numerosos desenhos aquarelados que enfocam cenas da vida cotidiana, indumentária, meios de transporte e trabalho escravo. Na imagem à esquerda, sem precisão etnográfica, um casal indígena é retratado em um ambiente natural com elementos da fauna e flora. À direita, os indígenas apresentam galhos de plantas relacionados aos seus costumes; pode-se supor que sejam ramos de mandioca e tabaco. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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Entre culturas que se encontram, se chocam e se entrelaçam não se pode excluir processos de reconstrução e recriação cultural que eram conduzidos pelos próprios povos indígenas em relação aos não indígenas, principalmente quando deparamos com a documentação que trata de suas relações com a natureza. Para prover as necessidades mais imediatas, indivíduos constituídos em práticas culturais diferentes seguramente conseguiam romper com as divergências da “alteridade”. Assim, as relações que os colonizadores estabeleceram com os povos indígenas foram determinadas pelos seus interesses na aproximação, no aprofundamento das relações de troca e no estabelecimento de acordos de guerra e paz. Em condições de paz, missionários como o padre Ascenso Gago aprenderam com os indígenas a extrair da natureza da Serra de Ibiapaba o necessário para sobreviver. O padre inaciano, apesar de ter sobrevivido graças ao sustento de vermes de palmeiras, destacava que só os comera “por necessidade”.7

1816. Detalhe do Mappa Geographico da Capitania do Piauhy. Trata-se de uma possível réplica da Carta geográfica do Piauhy de 1809 de autoria de José Pedro César de Meneses em que aparecem as capitanias do Maranhão, Piauí e Pernambuco. Em todo o mapa são descritos diferentes povos indígenas considerados Tapuia. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

7 Idem, AHU-Ceará, cx. 1, doc. 42 e 47.

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Como já se asseverou, diante de uma complexa diversidade de grupos étnicos ao longo das terras brasílicas, cada povo tinha uma relação diferenciada com o ambiente em que se situava e criava seus métodos utilitários a partir do saber tradicional. Nesse sentido, mantinham compreensões e práticas no uso dos vegetais, como o urucum de forma diferenciada seja no que diz respeito à alimentação, seja na prática de untar para adornar o corpo para rituais, para a proteção contra picadas de insetos. Mas também como simbologia política, já que grande parte dos grupos indígenas utilizava e utiliza a cor vermelha do urucum revelando que estão prontos para a guerra. Essa assertiva pode ser verificada no diário de viagem do governador e capitão-general de Goiás, João Manuel de Meneses que, saindo da capital do Grão-Pará para Goiás no dia 1o de setembro de 1799, navegou com uma comitiva pelos Rios Araguaia e Tocantins. No primeiro dia, seguiu de canoa pelo Rio Araguaia e logo deparou com um indígena Apinajé. 8 O governador não demorou em representar textualmente a figura do indígena. Verifica-se que o primeiro olhar dirigido ao Apinajé contatado foi de “estranhamento”. O colonizador contemplou o “outro” e só conseguiu enxergar o estranho, o exótico como parte da natureza, mas não como um ser humano capaz de conhecimento e práticas culturais diferenciados.9 Assim, o governador narrou que no dia 5 de outubro de 1799:

Contudo, aquilo que interessava ao governador de Goiás enquanto prática cultural utilitária chama a sua atenção e permite construir uma descrição valorativa percebendo que “certa untuação que extraem de uma fruta chamada urucum que dá em arvore de 15 até 20 palmos de altos [...] dizem, os livra de imensos insetos como carapanãs, mocoin, muruim, muriçocas, pium [...] de que os viajantes participam os remédios”, pois de outra forma os viajantes ao longo do Rio Araguaia eram perseguidos pelas “moscas de diferentes grandezas, semelhantes aos nossos mosquitos que mordem [...] ao ponto de incharem e até mesmo morrerem [...]”.13 Voltando às narrativas de D. Manuel, ele descreve que fez todo esforço para pedir ao língua que insistisse em manter contato com o Principal Apinajé. O língua levou o capitão-general até o centro da aldeia indígena e lá foram encontrados 500 indivíduos entre homens, mulheres e crianças. Observou-se que alguns se apresentavam com o botoque nos lábios e a grande maioria com aberturas nas orelhas. O língua permaneceu entre os Apinajé seus parentes e, no dia seguinte, voltou até a comitiva do capitão-general trazendo presentes indígenas como frutas do Cerrado. Como relação de troca, os portugueses presentearam facas, navalhas e roupas.

[…] vendo um gentio Apinajé esse homem só se percebe por ações. É horrendo em figura, tem no beiço de baixo um botoque que terá seis linhas de diâmetro, de comprimento duas polegadas, as orelhas tão abertas que lhe mete um toco de pau brando de uma polegada de raio, vem nu, em uma mão traz um cabaço comprido que lhe serve de burina e próximo ao local tem um ramalhete de penas de diversas cores na outra um arco e com muitas flechas [...] Todos nus, alguns pintados, uns de preto com riscas 8 Os grupos étnicos Timbira e Apinajé viviam no período colonial (e ainda vivem) na região conhecida como Bico do Papagaio. Ocupavam a região desde a atual cidade de Filadélfia até Araguatins no Estado do Tocantins e também à margem esquerda do Rio Araguaia, no atual Estado do Pará. 9 Lopes, Edward. 2000. Ler “A diferença”. In: Barros, Diana Luz Pessoa. Os discursos do descobrimento: 500 e mais anos de discursos. São Paulo: Edusp-Fapesp, p. 13. 10 Diário de viagem do governador e capitão-general de Goiás, D. João Manuel de Meneses, saindo da capital do Grão-Pará para a de Goiás.

encarnadas, outros avermelhados imitando chitas, com que vêm vestidos os passageiros untados de urucum [...].10

O que D. João Manuel de Meneses estranhou é o que não conhecia porque o que viu estava fora do seu sistema mental e simbólico, ou seja, das suas práticas culturais, porque lhe faltava a compreensão do que via pela primeira vez. Botoque, marcas e pinturas corporais de sementes de urucum expressas no corpo do indígena Apinajé foram depreciadas pelo “olhar colonizador”.11 Edward Lopes informa que o problema de quem vê é o de ler a diferença. Essa diferença será lida no confronto do “corpo próprio” do narrador, coberto e significado pelos sistemas de valores eurocêntricos com o “corpo do outro”, que era interpretado pelos valores do seu grupo étnico. 12

AHU, ACL, CU, Livros de Goiás, 1772-1800, Cod. 1233,. 11 Apolinário, Juciene Ricarte. 2006. Os akroá e outros povos indígenas nas fronteiras do sertão. Goiânia: Kelps. 12 Lopes. Op. cit., p. 15. 13 Op. cit. AHU, ACL, CU, Livros de Goiás, 1772-1800, Cod. 1233.

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J.B. (John Bulwer), 1653. Mulher brasileira e homem brasileiro. Ilustração do livro Anthropometamorphosis: Man Transform’d: Or, The Artificiall Changling Historically Represented. O texto que acompanha as imagens indica o estranhamento europeu com relação às pinturas corporais e ornamentos dos indígenas. Faz menção ao uso de tinta preta e vermelha extraída de vegetais (jenipapo e urucum). Acervo John Carter Brown Library, Providence J.B. (John Bulwer), 1653. Quoniambec (imagem inferior). Ilustração do livro Anthropometamorphosis: Man Transform’d: Or, The Artificiall Changling Historically Represented. O retrato do cacique Cunhambebe foi extraído de relatos da obra de Aldrovandi e mostra a crítica europeia com relação a essas interferências drásticas como o uso de botoques. Acervo John Carter Brown Library, Providence

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No que concerne às permutas de objetos por produtos vegetais advindos dos indígenas, os colonizadores insistiam em afirmar que os indígenas trocavam coisas valiosas por objetos sem qualquer valor justificando que eram “inocentes”, “infantis” e “pouco guerreiros”, o que denota uma visão etnocêntrica. Ao contrário do que imaginavam, o intercâmbio de bens favoreceu aos indígenas a circulação de novos significados, conhecimentos e poderes constituídos nos objetos luso-brasileiros.14 Lembrando as análises de Catherine V. Howard, a introdução de novos bens no universo indígena modificava as suas práticas culturais, no entanto, era mediada pelas formas sociais e pelos princípios culturais dos grupos étnicos nativos.15 Adquirir objetos dos colonizadores e trocá-los por frutas silvestres e vegetais de uma forma geral podia ter sido interpretado pelos indígenas como uma forma de ter controle sobre esses bens, o que lhes proporcionaria o domínio sobre os poderes dos não indígenas, para tentar “pacificar os brancos”. Para Manuela Carneiro da Cunha, “pacificar os brancos” poderia ser interpretado de várias formas, como situar os brancos e “[...] aos seus objetos, numa visão de mundo, esvaziá-los de sua agressividade, de sua malignidade, de sua letalidade, domesticá-lo [...] mas também entrar em novas relações com eles [...] recrutá-los em suma para sua própria continuidade”. 16 Para Marshal Sahlins, ao incluir o universo dentro do próprio esquema cultural, um povo abre um espaço definido na reprodução de sua comunidade imediata a seres e coisas que estão além dela. “Deuses ou inimigos, ancestrais ou afins, de várias formas, os outros representam a condição necessária da existência de uma sociedade”.17 Refletindo Sahlins, Bruce Albert afirma que, no processo intenso de contato interétnico, os indígenas “têm, necessariamente, que passar por um processo de redefinição identitária no qual são reconstituídas as fronteiras tradicionais da alteridade, desestabilizada por esse encontro”.18

Continuando a sua jornada pelo Rio Araguaia, o governador e seus acompanhantes encontraram uma aldeia indígena Karajá (povo Ynã). Foram convidados a visitar a aldeia no momento do ritual denominado “Suraué” e alguns indígenas Apinayé que acompanhavam a caravana de viagem do governador D. Manuel foram convidados a participar das festividades do povo Ynã. Alguns dos indígenas e não índígenas foram adornados e pintados com o urucum. Os indígenas dançavam no terreiro circular em que se posicionavam “homens de um lado e mulheres do outro, comendo frutas silvestres e certa mandioca amassada com coco e urucum”19 e festejaram toda a noite. Também ofertavam aos não indígenas “mandioca e ananazes [...]”.20 Dessa forma, as trocas culturais ocorriam nas fronteiras interétnicas às margens do Rio Araguaia em uma paisagem de Cerrado. E novamente as alternâncias dos sabores e saberes do uso ato em que as etnicidades são postas à prova, ocorrendo ressignificações e aprendizagens mútuas nas relações com a natureza e entre seres humanos culturalmente diferentes.

14 Howard, Catherine V. 2002. A domesticação das mercadorias. Estratégias Waiwi. In: Albert, Bruce; Ramos, Alcida Rita. Pacificando o branco. Cosmologias do contato no norte amazônico. São Paulo: Unesp-

Mapa da rota dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé ligando Belém do Pará ao Mato Grosso [ca. 1752]. Na segunda metade do século XVIII, a Coroa portuguesa passou a investir ainda mais em mapas que apresentassem as rotas dos rios, objetivando o controle dos sertões amazônicos, especialmente revelando o potencial hidrográfico para o desenvolvimento do comércio e o escoamento de mercadorias, entre elas os frutos do extrativismo nas florestas amazônicas e no Cerrado. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

Imprensa Oficial do Estado, p. 27. 15 Howard. Op. cit., p. 27. 16 Cunha, Manuela Carneiro. 2002. Apresentação. In: Albert, Bruce; Ramos, Alcida Rita. Pacificando o branco. Cosmologias do contato no norte amazônico. Op. cit., p. 7. 17 Sahlins, Marshal. 1994. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 14. 18 Albert, Bruce. 2002. Introdução. In: Albert, Bruce e Ramos, Alcida Rita. Pacificando o branco: cosmologias do contato no norte amazônico. Op. cit. 19 Op. cit. AHU, ACL, CU, Livros de Goiás, 1772-1800, Cod. 1233. 20 Idem, Cod. 1233.

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Anastácio de Santana, 1817. Cartucho incluído no frontispício do Guia de caminhantes. Esta imagem do século XIX ilustra as relações de troca entre atores não indígenas e indígenas de língua Tupi (litoral). Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

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Curandeiros, plantas e agências indígenas sob a negação do colonizador

21 Barros, Paulo Sérgio. 1988. Idolatrias, heresias, alianças: a resistência indígena no Ceará Colonial. In: Ethnos. Revista Brasileira de Ethnohistória 2(2):100. 22 Vainfas, Ronaldo. 1995. Heresias dos índios, catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, p. 31. 23 Cruz, Carlos Henrique. 2012. O “cristianismo selvagem”: pajelança e tentativas de reprodução autônoma do catolicismo pelos indígenas no universo colonial (XVI-XVIII). Anais do IV Encontro Internacional de História Colonial. Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, p. 35. 24 Apolinário, Juciene Ricarte; de Souza Freire, Gláucia. 2011. Denúncias e visitações ao território mítico da jurema. Relações de poder e

Os povos indígenas sempre souberam construir uma relação simbólica com a natureza e todas as suas potencialidades mágico-curativas. Detinham conhecimentos tradicionais repassados pelos anciães, pajés e xamãs como uma verdadeira enciclopédia de ervas, cipós, cascas, sementes de frutas e tantas outras substâncias vegetais encontradas nas diferentes florestas brasileiras. A sabedoria indígena no uso dos vegetais com propriedades mágico-curativas apresentava no período colonial alguns elementos estruturais, tais como modelos rituais muitas vezes mantidos sob o poder do conhecimento tradicional do seu líder religioso, o pajé e/ou xamã. Portanto, continuavam a adotar suas crenças e ritos ancestrais, de preferência longe do olhar vigilante dos não indígenas. Em torno dos rituais dos ameríndios, destacavam-se cerimônias de danças e cantos, de beberagens (preparos extraídos da mandioca, da jurema e do caju, entre outros vegetais), do fumo inspirado e transes, que cabia ao pajé liderar com o seu conhecimento ancestral. Era por meio dessas práticas culturais mágico-curativas repletas de poderes simbólicos que os povos indígenas permaneciam ligados às suas etnicidades. Os padres tratavam de combater os rituais coordenados pelos pajés e o uso dos vegetais e de demonizá-los traduzindo-os para o sentido de “feiticeiros e idólatras”, representados pela cultura europeia e seus interditos inquisitoriais. 21 Ronaldo Vainfas discorre sobre as práticas xamânicas dos indígenas, denominadas pelos colonizadores de idolatria e feitiçaria: [...] um fenômeno complexo, que ultrapassa o domínio meramente religioso que o epíteto colonial sugeria, a idolatria pode também ser vista como expressão da resistência social e cultural dos ameríndios em face do colonialismo. Concebida mais amplamente como fenômeno histórico-cultural de resistência indígena ou renovação de antigos ritos e crenças se mesclava com a luta social, com a busca de uma identidade mais destroçada com o colonialismo, com a reestruturação ou inovação das relações de poder e, inclusive, com certas estratégias de sobrevivência no plano da vida material dos índios.22

violência entre representantes inquisitoriais e líderes religiosos Tarairiú na Paraíba setecentista. In: Anais do Simpósio Internacional de Estudos Inquisitoriais. Salvador: Universidade Federal da Bahia, p. 24. 25 Provisão do Rei D. João V, ao capitão-mor da capitania da Paraíba. Arquivo Histórico Ultramarino, Códice 260, p. 276 v. 26 Carta do [governador da capitania de Pernambuco], Henrique Luís Pereira Freire de Andrada, ao Rei [D. João V]. 1741, julho, 1, Recife.; AHU_ACL_ CU_015, Cx. 56, D. 4884.

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Com as suas práticas culturais indígenas ressignificadas no novo sistema que os inseria como “índios coloniais”, os pajés continuavam líderes religiosos, apesar de terem de se ajustar a novas situações, reproduzindo nos seus rituais elementos do cristianismo. Essas mutações eram “necessárias à própria sobrevivência, garantindo ainda aos ‘feiticeiros indígenas’, apesar de todas as agruras, a função de mediadores do sagrado”23 e do conhecimento sobre os vegetais com propriedades mágico-curativos. Como exemplo, podemos citar uma devassa acerca do uso da jurema como alucinógeno e parte do ritual dos indígenas Tarairiú, Xukuru e Kanidé, localizados na capitania da Paraíba. O ritual envolvendo o uso da planta jurema foi interpretado por um padre visitador, vinculado ao Bispado de Pernambuco, como a permanência das influências diabólicas nos espaços do sertão, especialmente no Aldeamento de Boa Vista, região de Mamanguape sob os cuidados dos Carmelitas Descalços. 24 Os visitadores e os vassalos de El Rei não só afirmaram que o “diabo” estava impresso nos corpos dos Xukurú e Kanidé, mas também permanecia nas suas práticas de utilização de determinadas ervas, entre elas a jurema, capaz de ter desencaminhado os religiosos carmelitas que passaram a adotar as crenças de alguns “feiticeiros índios” 25 e a utilizar suas ervas medicinais, provocando críticas e denúncias de membros da Igreja e da Administração Colonial. Falava-se de índios feiticeiros que “transportando-os do seu sentido ficam como mortos, e quando entram em si da bebedeira, contam as visões que o diabo lhes representa, se não é que espíritos os levam às partes de que dão notícia”.26

Autor desconhecido, 1760. Virtudes das plantas da América portuguesa dedicado ao Exm.o S.r Andrade de Mello e Castro Conde das Galveyas, Vizse Rey, e Cap.am General dos Estados do Brazil. A obra contem desenhos da flora e fauna do Brasil ricamente aquarelados. Inclui um receituário para tratamento e cura de diversas doenças a partir do uso de diferentes vegetais. As plantas são identificadas por nomes locais, em grande parte de origem indígena. Acervo Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa Próxima dupla de páginas: Capitania de Goyás. O mapa apresenta uma grande riqueza pictórica e ideográfica, revelando uma linguagem simbólica dos espaços socioambientais dos sertões da América portuguesa. Mostra a região compreendida entre os Rios Araguaia, Tocantins e São Francisco, com a indicação minuciosa de cursos d’água, ribeiras, serras, povos indígenas, arraiais, vilas e apresenta os espaços pontuados por árvores de Cerrado e Caatinga. Acervo Biblioteca Pública de Évora

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Eram os “feiticeiros índios Tarairiú”27 (pajés) que conheciam e conhecem os destinos dos espíritos dos “parentes” após a morte e eram eles que, entre os povos indígenas da capitania de Pernambuco e suas anexas, conheciam os segredos do bioma Caatinga e depois da Mata Atlântica, especialmente, as plantas que curavam e favoreciam o transe por meio de folhas especiais portadoras de propriedades mágico-curativas. Por meio da beberagem, conduziam os rituais que levavam os ameríndios Tarairiú aos espíritos ancestrais e estes últimos informavam das virtudes das ervas. Como diz Mário Ypiranga Monteiro, o pajé para ser poderoso precisava ter muito fôlego, familiarizar-se com os encantados do ar, da água e da terra, manter um conhecimento prático da função resoluta das plantas que emprega ou que aconselha, do mérito curativo das cáscaras, resinas, raízes, brotos, seiva, folhas, galhos, popa, botões, flores, tubérculos, o que importa ao mundo vegetal em termos de solução eventual de males humanos físicos e quiçá psíquicos [...].28

Construindo uma cosmologia de contato, os pajés Tarairiú repassaram alguns dos seus conhecimentos fitoterápicos e mágicos das plantas para os missionários carmelitas do Aldeamento de Boa Vista. Isso fica claro nas narrativas do capitão-mor da Paraíba, ao afirmar que, além dos índios, deveriam ser investigados pelo visitador e punidos “os clérigos e frades, que também estão se valendo de feiticeiros para as suas curas e usam das suas ervas”. 29 Essa informação ilustra o grau de relações interétnicas que envolvia as espacialidades dos sertões, ao mesmo tempo em que estas provocavam fortes ondas de preocupação para a Igreja Católica: não apenas se mantinham rituais indígenas, tidos como feitiçaria, como já se colocou anteriormente, mas também as práticas pecaminosas que deviam ser por eles combatidas e extirpadas, pois encontravam territórios católicos dispostos a se adaptarem a tais crenças “diabólicas indígenas”.30

O que ocorre no Aldeamento de Boa Vista é o que diz Frederik Barth, ou seja, o acirramento das “identidades étnicas” considerando-se que a etnicidade é resultante da relação com o outro étnico, sendo posta em pauta pelos sujeitos em virtude da aceitação, reciprocidade e/ou negação. 31 A etnicidade é, portanto, dinâmica e assume características determinadas em função das relações negociáveis e conflituosas situadas nos eventos, como o que ocorreu em Mamanguape entre missionários carmelitas, os pajés Tarairiú, e a relação desses indivíduos com a natureza e o uso de um destacável vegetal de poder mágico-curativo que foi a jurema. Nesse aldeamento indígena de Boa Vista, Kanindé e Xukuru, pertencentes à família linguística Tarairiú, eram guiados na doutrina católica por religiosos carmelitas descalços, designados para que desempenhassem junto daqueles indivíduos, o ideal missionário que terminava por legitimar o projeto colonial. No entanto, o que levou à estruturação de uma devassa foi muito mais as trocas culturais no uso das ervas entre indígenas e missionários. Ou seja, carmelitas compartilhando das práticas “diabólicas” indígenas, consubstanciadas nos vegetais. As oito lideranças religiosas Tarairiú foram denunciadas e, na presença do visitador e de seus parentes, foram violentamente espancadas, o que as levou em poucos dias à morte. Esse episódio provocou quase um levante dos Tarairiú no aldeamento de Boa Vista. Se até aquele momento as lideranças religiosas Tarairiú tinham construído uma cultura política de convivência pacífica e respeitosa com os carmelitas, a partir de então as relações seriam de desconfiança e conflito, mesmo que continuassem as trocas cotidianas dos saberes e fazeres.

27 Provisão de D. João V ao governador e capitão-general da capitania de Pernambuco. AHU-ACL-CU, Códice 260, folha 282.

Autor desconhecido, 1760.Virtudes das plantas da América portuguesa dedicado ao Exm.o S.r Andrade de Mello e Castro Conde das Galveyas, Vizse Rey, e Cap.am General dos Estados do Brazil. O documento demonstra o conhecimento profundo das plantas medicinais brasileiras, resultante da interação com o conhecimento secular dos povos indígenas. Acervo Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

28 Monteiro, Mário Ypiranga. 1988. Plantas medicinais e suas virtudes. In: Suplemento Acta Amazonica 18(1-2):357. 29 Op. cit., AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884. 30 Apolinário, Juciene Ricarte; de Souza Freire, Gláucia. Op. cit., p. 25. 31 Barth, Frederik. 2000. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa.

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Autor desconhecido, 1760. Virtudes das plantas da América portuguesa dedicado ao Exm.o S.r Andrade de Mello e Castro Conde das Galveyas, Vizse Rey, e Cap.am General dos Estados do Brazil. O manuscrito indica, além do uso medicinal de plantas, animais como a anhuma, a cujo “chifre” se atribuíam virtudes terapêuticas. Acervo Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa

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Indígenas, virtudes das plantas e investidas dos vassalos naturalistas em prol dos interesses d'el Rei

Da segunda metade do século XVIII ao início do XIX, os saberes dos indígenas da América portuguesa foram cada vez mais perscrutados pelos vassalos naturalistas e médicos/boticários das capitanias. Como diz Henrique Carneiro, as ações de observar os vegetais e buscar os conhecimentos indígenas das suas virtudes, especialmente curativas, foram “desafios mais instigantes para a História Natural, que buscava ampliar o seu domínio” sobre a natureza dos extensos territórios entre o litoral e sertão. 32 Para tanto, a partir da segunda metade do século XVIII, foram emitidos diversos ofícios para todos os governadores e capitães-generais das capitanias do Brasil, Grão-Pará e Maranhão objetivando que se recolhessem, acondicionassem e remetessem para o Reino por conta da Real Fazenda: [...] todas e quaisquer plantas, que forem naturais deste País, principalmente aquelas que tiverem alguma utilidade médica ou econômica, transportando-se as referidas plantas vivas, e dispostas em caixões que venham cheios da mesma qualidade de terra matriz donde se tirarem, e vindo cada remessa acompanhada de uma Relação em a qual se declare não somente o nome vulgar de cada Planta, mas também o lugar onde nasce e uso ou préstimo que tem.33

Para esse fim, os vassalos d’el Rei se embrenharam nos matos com a ajuda dos indígenas, à procura de amostras de plantas para satisfazer os desejos da Coroa portuguesa de obter informações confiáveis sobre a natureza. Entre outras coisas, buscava-se as potencialidades curativas e, por consequência, econômicas, dos vegetais. Como afirma Lorelai Kury: a ciência luso-brasileira da época enfrentou o desafio de implementar uma política de estabelecimento e divulgação de informações confiáveis sobre a natureza e as populações brasileiras e das demais colônias, que servisse para incrementar o controle do Estado, mesmo com os possíveis riscos diante da concorrência das grandes potências coloniais europeias.34

Na segunda metade do século XVIII, destacou-se uma figura peculiar nos estudos sobre os vegetais da América portuguesa, especialmente acerca da capitania da Bahia, mas que não teve muita referência nos trabalhos em história das ciências no contexto do Império colonial português entre o final do período setecentista e início dos oitocentos, que foi o militar Domingos Alves Branco Muniz Barreto, tenente-coronel do regimento da Cavalaria Auxiliar da capitania da Bahia. Como homem da sua época, sofria influência do repertório iluminista, tratando desde problemas da história natural (aspectos científicos como agricultura, botânica, mineralogia , conservação das matas, pesca predatória ) até discussões políticas, como a questão indígena em que se destaca o Plano sobre a civilização dos índios do Brasil.35

32 Carneiro, Henrique. 2011. O saber fitoterápico indígena e os naturalistas europeus. In: Fronteiras 13(23):13-32. 33 Ofício do governador da capitania de Pernambuco, D. Tomás José de Melo, ao secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Luís Pinto

Manuel Tavares da Fonseca, final do século XVIII. Ilustração sem título incluída no manuscrito Riscos de vários animais raros de Moçambique, com alguns prospectos e retratos. As várias atividades ilustradas no desenho retratam o trabalho de campo a ser realizado pelos naturalistas das Viagens Filosóficas empreendidas pelo Museu d’Ajuda e idealizadas por Domenico Vandelli. Acervo Museu Bocage, Lisboa

de Sousa Coutinho. AHU_ACL_ CU_015, Cx. 191, D. 13199. 34 Kury, Lorelai. 2004. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (17801810). Revista História, Ciências, Saúde Manguinhos 11(supl. 1):109129, p. 111. 35 Plano sobre a civilização dos índios do Brasil e principalmente para a capitania da Bahia, Cod. 1671, 52-VIII-35.

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Muniz Barreto, capitão e governador da Fortaleza do Morro de São Paulo, realizou algumas viagens pelo interior da comarca de Ilhéus e norte da capitania da Bahia. Na sua experiência como uma espécie de “naturalista” produziu dois importantes documentos. O primeiro, intitulado “Notícia da viagem e jornadas que fêz o capitão Domingos Alves Branco Muniz Barreto entre os índios sublevados nas Vilas e Aldeias das comarcas dos Ilhéus, e Norte na Capitania da Bahia” e o segundo, “Relação que contem a descrição de uma diminuta parte da Comarca dos Ilhéus na capitania da Bahia, por onde ande viajei, e do que nela observei”.36 Esses dois trabalhos são ricos em informações vinculadas aos usos de ervas pelos indígenas. Na realidade, Domingos Alves, objetivando que os ameríndios sublevados retornassem aos aldeamentos de Ilhéus, se passou por naturalista e manteve contato com os conhecedores das ervas do bioma local. Para “que os índios se não pusessem em desesperação timidez e inquietação, divulguei que o meu destino era fazer algumas observações sobre a história natural naquela rica comarca”. 37 Reafirma ainda que fez questão de espalhar em toda a comarca que vinha “[...] procurar na costa do mar produções naturais, e examinar as ervas medicinais, que entre os índios fossem conhecidas, o que igualmente pus em prática para evitar toda a desconfiança”.38 Apesar de não ter como objetivos primordiais o levantamento e os estudos dos vegetais na referida região da Bahia, é perceptível nas descrições de Domingos Alves que os vegetais foram estudados pormenorizadamente em uma perspectiva de contribuir com informações sobre os seus usos medicinais. Narrando os seus procedimentos de levantamento das plantas da natureza que se apresentava no entorno da vila de Santarém diz: Nela procurei certificar-me com uns índios de avançada idade, e que por isso me não pode acompanhar: e com muita inteligência e experiência daquelas ervas, de quanto me asseveraram aqueles índios, cuja verdade ficou bem indagada, porque uma das estampas me foi dando os mesmos nomes e empréstimos de que eu já me tinha feito lembrança só com a diferença de que em algumas, pela maior experiência aumentou ele as suas virtudes [...].39

Domingos Alves Branco Muniz Barreto, s/d. [c. 1794]. Ilustração da caroba incluída no manuscrito Plantas do Certão do Gram Pará [sic] Acervo Academia das Ciências de Lisboa Domingos Alves Branco Muniz Barreto, s/d. [c. 1794]. Vila de São Fidélis, ilustrada em Notícia de viagem e jornadas que fez o capitão Domingos Alves Muniz Barreto entre índios e sublevados nas vilas, aldeias das comarcas dos Ilhéus [...]. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro

36 Barreto, Domingo Alves Branco Muniz. 2008. O feliz clima do Brasil [edição e pesquisa: Anna Paula Martins]. Rio de Janeiro: Dantes, p. 18. 37 Idem, p. 18. 38 Idem, p. 19. 39 Idem, p. 70.

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O militar Muniz Barreto descreveu povoamentos indígenas do sul da Bahia e pesquisou diversas plantas medicinais locais, que desenhou a partir de um sistema baseado na aparência das folhas. A caroba, por exemplo, foi descrita como oriunda da Vila de São Fidélis

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Nesses discursos, Barreto deixa entrever um aspecto que se constata na grande maioria dos grupos indígenas, ou seja, os anciães são os guardiões dos conhecimentos tradicionais ágrafos que favorecem as identidades étnicas. Assim como no período colonial, nos dias atuais os saberes tradicionais indígenas são repassados por meio dos anciães das aldeias. Pela oralidade dos “mais velhos”, as narrativas sobre o passado do grupo étnico são revisitadas, revelando e criando vínculos entre os jovens e sua etno-história, fato significativamente importante para a reapropriação dos indivíduos indígenas que se beneficiam da sabedoria dos seus antepassados. Desse modo, o trabalho realizado por Domingos Alves Branco Muniz Barreto, de escutar os anciães das aldeias indígenas de Ilhéus, de observar as plantas, descrevendo espécies, e conhecer as suas virtudes, mesmo que inicialmente não tenha sido um objetivo primordial, contribuiu para a circulação dos saberes indígenas na Corte portuguesa e para a estruturação do conhecimento da história natural em um período de efervescência dos interesses naturalistas. As descrições de Barreto acerca dos vegetais e suas virtudes aprendidas com os indígenas revelam que, enquanto a medicina oficial dos portugueses ainda se apresentava extremamente agressiva ao organismo humano, provocando sempre dores violentas, os indígenas utilizavam ervas com muito mais resultados de cura em doenças complexas como a que se chamava na época “chagas cancrosas” (feridas com estágios graves de processos infecciosos). É o que relatou Barreto: Separando positivamente um dia para entranhar o mato com os índios, para fazer nele passageiramente alguma indagação sobre os frutos silvestres e sementes [...] achei alguma mucuíba ou bucuíba, que é a fruta que consta das bocetas. À primeira que é mais redonda, lhe chamam os índios assu, e à outra que é mais comprida e muito mais oleosa, merim: serve o seu óleo, reduzido a unguento, para curar chagas cancrosas ou que forem rebeldes.40

Domingos Alves Branco Muniz Barreto, s/d. [c. 1794]. Ilustração da pindaibamirim incluída no manuscrito Plantas do Certão do Gram Pará [sic] Acervo Academia das Ciências de Lisboa Domingos Alves Branco Muniz Barreto, s/d. [c. 1794]. Vila de Santarém. Notícia de viagem e jornadas que fez o capitão Domingos Alves Muniz Barreto entre índios e sublevados nas vilas, aldeias das comarcas dos Ilhéus [...]. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro Muniz Barreto conseguiu estabelecer contato com os indígenas do Sul da Bahia por meio da investigação que fazia sobre as plantas e suas virtudes. Buscava nas comunidades aqueles que conhecessem práticas de cura tradicionais.

40 Manuscrito 374/25, Série Azul. Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

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A experiência do citado militar e a rica descrição da diversidade dos vegetais encontrados em Ilhéus, capitania da Bahia, corroboram as assertivas do antropólogo Claude Lévi-Strauss, quando salienta que o conhecimento tradicional dos grupos étnicos indígenas estava e está vinculado a uma “ciência do concreto”.41 Desse modo, mesmo que os povos indígenas não tenham tido o domínio de conceitos abstratos, como fica evidente na documentação arrolada para este estudo, são capazes de dominar um conhecimento sobre espécies de plantas “muitas vezes superior ao da taxonomia científica”. Assim como “é capaz de desvendar virtudes curativas e psicoatividade de inúmeras plantas”.42 Essa assertiva se confirma nos documentos que levantamos do Arquivo Histórico Ultramarino, digitalizados pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco. Ao longo da nossa pesquisa, tivemos acesso a importantes documentos que foram fruto de investigações sobre os vegetais da maioria das capitanias da América portuguesa. Para tanto, destacaremos alguns que revelam a riqueza dos conhecimentos indígenas repassados para naturalistas, boticários, médicos e indivíduos escolhidos para levantarem as plantas e árvores a serem encaminhadas ao Reino junto com relatórios das suas “virtudes e usos pelos nacionais”.43 Assim informa o governador e capitão-general da Bahia, D. Rodrigo José de Meneses, referente à remessa para o Reino de amostras de vegetais frutíferos e medicinais: Vão três qualidades de quina em seis papéis. Os dois primeiros são de quina denominada em Portugal, quina-branca, no Brasil, cavaco de grem, ou pão para tudo [...] Em outra moreta vai um fruto a que chamam de Jaca, que posto não é dos maiores, ele serve de sustentação da plebe desta capitania, na falta do necessário sustento e a experiência tem mostrado que é bastantemente substancial.44

41 Lévi-Srauss, Claude. 1989. O

Autor desconhecido, 1780. Caju e maracujá, ilustrações pertencentes ao conjunto de desenhos “Frutos tropicais”. As imagens foram feitas para o olhar da metrópole, da Corte e dos dignitários que iriam ocupar os altos cargos da administração no Brasil, pois a intenção era transmitir a beleza e o colorido das frutas dos trópicos. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

pensamento selvagem. Campinas: Papirus, p. 15. 42 Carneiro, Henrique. Op. cit., p. 26. 43 Ofício do governador e capitãogeneral da Bahia, D. Rodrigo José Meneses, referente à remessa para o Reino de amostras de arvores frutíferas e medicinais. AHU_ACL_ CU 005, Cx 188, D.13924. 44 Idem, AHU_ACL_CU 005, Cx 188, D.13924.

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Autor desconhecido, 1780. Anáná, ilustração pertencente ao conjunto de desenhos “Frutos tropicais”. O abacaxi era comumente descrito como “rei” das frutas por causa da coroa formada por suas folhas. Neste arranjo, o artista privilegiou a estética e não as convenções botânicas. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa


O governador continua valorizando o conhecimento sobre a quina e avisa que a casca que na Corte se chama “quina-branca” americana “os índios a recomendam como um remédio infalível para toda a qualidade de febres, para fortificar o estômago e para lombrigas”.45 Em 1788, em formato de cartilha e com uma metodologia explicativa como que para os iniciantes nos conhecimentos de ervas medicinais, é encaminhado ao Reino o Abecedário de várias ervas, raízes e frutos medicinais produzidas no Brasil, cidade da Paraíba do Norte e sua comarca das quais usam muitos nacionais nos seus curativos com aproveitamento pela saúde perdida. Essa cartilha sobre virtudes e usos de ervas medicinais vem anexa ao ofício do governador da capitania de Pernambuco, D. Tomás José de Melo, de 8 de maio de 1788, que diz:

O Abecedário, sem que apresente autoria, foi escrito com uma linguagem pedagógica. São de fácil compreensão as explicações sobre as virtudes das plantas, assim como as informações sobre como os indivíduos deveriam utilizá-las para as diversas doenças. O mais notável é a preocupação do autor em evidenciar que o conhecimento sobre as virtudes das plantas e as formas de usá-las advieram dos povos indígenas aldeados e vilados na capitania da Paraíba, entre eles os Tupi, Kariri e Tarairiú que normalmente já estavam ressignificando as suas práticas culturais no cotidiano daquela sociedade colonial. Entre as 61 plantas da capitania da Paraíba elencadas para compor o Abecedário, destacamos as que seguem, pois como esta autora é trineta de mulher indígena Tarairiú do sertão da Paraíba, também lhe foram repassadas por sua avó as virtudes curativas e formas de uso dos seguintes vegetais:

[...] Continuando a informar a Vossa Excelência sobre o mesmo interes-

Barbatimão: A casca desta árvore sendo pisada, aplicada a qualquer ferida

sante objeto que foi da capitania de Alagoas, remeto a respeitável presen-

a faz sarar e da mesma casca se faz cozimento em que se lavam as rugas,

ça de Vossa Excelência as raízes, ervas, cascas e frutas que usam para cura-

sendo o mesmo cozimento lavatório perfeito de que as mulheres usam

tivo de algumas moléstias, feridas, chagas ou mordeduras utilizadas pelos

nas partes pudendas na ocasião dos partos. Bete: os banhos do cozimento

índios [destaque nosso] e mais habitantes da capitania da Paraíba do Norte.

desta erva, tomados com frequência, são aprovados pelos índios para sarar

Vão em três caixões que levam as diversas plantas que as distinguem e as

dores pelo corpo de qualquer qualidade que seja. Cajarana: o caroço desta

fazem conhecer pelos seus próprios nomes, exceto as batatas que só se

árvore raspado e dado a beber em água fria é eficaz remédio para doenças

conheceram pelos frutos [...].

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de sangue e dizem os índios que faz maior efeito comer as mesmas frutas. Contraerva: Além dos efeitos que produz por adjunto com outras ervas e raízes (chamamos hoje de garrafada) é eficaz remédio contra veneno de cobra e contra todas as febres malignas. Caroba: A sua raiz deitada em água, com este cozimento se lavam as feridas de homens e mulheres e as faz sarar, assim como o seu pó. Jurubeba: A sua raiz feita em cozimento e bebida de manhã como chá e juntamente à noite é remédio eficaz para desfazer as apelações em os homens venéreos.47

45 Idem, D.13924. 46 Ofício do governador da capitania de Pernambuco, D. Tomás José de Melo, ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro. Remetendo um abecedário sobre plantas medicinais. AHU_ ACL_CU_015, Cx 163, D. 11689. 47 Abecedário (anexo) de várias ervas,

Autor desconhecido, 17--. Contraerva. Trata-se da Dorstenia brasiliensis Lamk., também conhecida por caapiá, e largamente encontrada em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

raízes e frutos medicinais produzidas no Brasil, cidade da Paraíba do Norte e sua comarca das quais usam muitos nacionais nos seus curativos com aproveitamento pela saúde perdida. AHU_ACL_CU_015, Cx 163, D. 11689.

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D. Tomás José de Melo, governador da capitania de Pernambuco, 1788. Ofício ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, remetendo um abecedário sobre plantas medicinais. Este rico livreto estabelece uma lista de vegetais cujo principal objetivo era apresentar as potencialidades curativas reveladas pelos povos indígenas do Sertão e do litoral paraibano. Acervo Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

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D. Rodrigo José Meneses, governador e capitão-general da Bahia, 1786. Ofício referente à remessa para o Reino de amostras de árvores frutíferas e medicinais. O documento demonstra os esforços dos vassalos do rei de Portugal objetivando atender os pedidos para remessa de vegetais frutíferos e medicinais para Lisboa. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

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O leitor que tem acesso ao referido Abecedário depara com as riquezas seculares dos conhecimentos indígenas sobre os vegetais e a relação cosmológica que esses mesmos indígenas construíram ao longo do tempo com o meio ambiente, seja nos territórios originários seja em diferentes biomas, como é o caso dos Tarairiú. Este último grupo étnico, antes localizado e aldeado no sertão paraibano, na época de elaboração do Abecedário, tinha migrado forçosamente para as vilas de índios do litoral, criadas a partir da política indigenista pombalina. Os demais indígenas Tarairiú e Kariri, antes domiciliados no Sertão, com suas pautas culturais mágico-curativas vinculadas à vegetação da Caatinga, tiveram que migrar para as regiões de mata atlântica do litoral paraibano. No entanto, as novas relações interétnicas nos aldeamentos e vilas indígenas (formados por diferentes grupos étnicos), que foram implantados por meio da política indigenista pombalina da segunda metade do século XVIII, não conseguiram destruir as memórias e os conhecimentos dos homens e das mulheres. Ao contrário, como “índios coloniais”, repassaram suas heranças no trato com os vegetais para os seus parentes com etnicidades diferentes e aprenderam outras tantas com os não indígenas, mas não deixaram de ser ameríndios seja Tupi, Kariri ou Tarairiú.

Christoph Gottlieb von Murr, 1785. Povoado no Amazonas, ilustração do livro Reisen einiger Missionarien der Gesellschaft Jesu in Amerika. Aus ihren eigenen Aufsätzen herausgegeben von Christoph Gottlieb von Murr [...]. A imagem integra uma compilação promovida pelo protestante von Murr com o objetivo de defender os missionários jesuítas a despeito de sua orientação religiosa. Uma missão jesuítica na Amazônia é retratada de forma idílica, buscando mostrar que a relação dos padres com os índios era harmônica e benéfica. Acervo John Carter Brown Library, Providence

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