Marina dos Mil S贸is
O Sabor da Papaia Fresca
paulo calhau
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O S ab o r d a P a p aia F r esca ...relato de um dia...
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I Gosto do sabor da papaia fresca pela manhã. Acordo com o burburinho longínquo da cidade ao despertar das ruas. Gosto dos aromas quentes que me chegam do calçadão. Misturam-se com o doce da papaia que me escorre pelas mãos, cansadas, de uma noite no teu corpo. Toco ao leve a pedra fria do chão da sala. Sabe bem! Sabe bem o fresco marmóreo na carícia dum beijo. Como é bom acordar assim! Sentindo a papaia a preencher todos os meus sentidos. Refresca-me.
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Sabe-me bem passar as mãos na mesa limpa e fresca. Procurar o café forte que me desperta a cada acordar. Despertar com o teu cheiro ainda preso na minha pele, no meu cabelo, no meu arrepio matinal. Saboreio a papaia pouco a pouco. Com delicadeza. Como quem guarda, num lapso de tempo, a forte memória do primeiro gosto. Sabe-me bem o meu corpo a escorregar na pedra fria, os braços abraçando a chávena de café quente.
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Tombo o rosto para te receber no meu beijo arrastado. Sabe-me bem, de manhã, o sabor da papaia fresca, o mármore frio na pele. O café que me desperta com a cidade.
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Ondeio para a janela que guarda o mundo lรก fora. Lรก fora! Onde o som se espalha no mosaico da calรงada percorrida e pisada, insistentemente, a cada dia. A vida ganha mais vida nas horas da manhรฃ. Olho a gente que passa entre o fumo do meu cigarro. Os teus braรงos envolvem a minha cintura, apertando, mais e mais, a cada baforada.
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É bom olhar a rua quando me abraças. Sinto o teu aroma forte, de ontem, de pouco tempo faz. E sabe bem! O teu abraço forte, o teu cheiro forte, o sabor da papaia. O arrepio da pedra mortal nos meus pés. Sugo o cigarro e saio para a rua.
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II Piso a sombra no xadrez desalinhado do calçadão. Ondeia. Ondeio. Com a vontade do vento do mar, fresco, puro, veloz. Ondeio pelo calçadão pisando a sombra. Cabelo ao ar, vento na mão. Sabor forte do verão! Ondeio. Contigo no bailar arrastado que ainda ficou de ontem. Olho para trás, para a sombra pisada. E a calçada, confusa com o meu ondear, ondeia sem sentido, perdida. Sem o meu balanço, sem o meu olhar. 11
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III Os outros passam na minha mesa de cafĂŠ, roubo-lhes o olhar e fumo-os como cigarros. Perdidos. Perdidos ficam no fumo que se esvai no ar. SĂŁo corpos sem dono no queimar do meu cigarro.
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Fumo-os num trago só. Vazios... Soltam-se libertinos na coreografia do fumo. Sobem aos céus, perdem-se no mar. E eu, fumo-os... Quando passam na mesa do café. A cada olhar. A cada cigarro.
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IV Percorro a praia cansada do sol quente do verão. Cruzam-se corpos, agitados, molhados de sal e esforço. Envoltos em histórias que me fazem corar. Caminho na areia fugidia marcada de passos, lavada de mar. A sombra dos sapatos na mão acompanha o desenhar húmido do caminho.
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É o meu trilho marcado ao entardecer na areia fria. Areia lavada, sofrida, sôfrega. Guardadora de vidas antigas que a pisaram num tempo constante. Marco a areia pisada de sombra no meu ondear, que o mar vai apagando enquanto me afasto.
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V A noite cai em nós. Espalha o seu velo nos corpos nutridos de luz. Acendo um cigarro e a cada baforada sinto o teu abraço forte. No meu ventre. Gosto do sabor da papaia fresca ao anoitecer. Do teu chão quente nos meus pés. De me afogar no cheiro quente, embriagante, que te traz na noite. Gosto de sentir o gosto da papaia fresca quando te beijo. A cada beijo!
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De me afogar no cheiro quente, embriagante, que te traz na noite. Gosto de sentir o gosto da papaia fresca quando te beijo. A cada beijo!
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